terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Controle de Constitucionalidade - Introdução

A inconstitucionalidade resulta do conflito de um comportamento de uma norma ou de um ato com a Constituição. Inconstitucional é, pois, a ação ou omissão que ofende no todo ou em parte a Constituição. Dessa forma, a inconstitucionalidade pode ser definida como qualquer manifestação do Poder Público (ou de quem exerça, por delegação, atribuições públicas), comissiva ou omissiva, em desrespeito à Carta de República. Estão fora do controle de constitucionalidade as normas constitucionais originárias, o texto originário da Constituição de 1988, pois tal tese é incompatível com o sistema de Constituição rígida. A alegação segundo a qual as normas constitucionais designadas como cláusulas pétreas teriam hierarquia superior à das demais normas constitucionais não encontra respaldo em nosso ordenamento, porque a proteção da cláusula pétrea representa, tão-somente, um limite à atuação do poder constituinte de reforma, não um parâmetro de aferição da validade de normas postas pelo constituinte originário.

Uma ação ou de uma omissão do Poder Público poderá resultar na inconstitucionalidade, dando origem às denominadas inconstitucionalidades por cão (ou positivas) ou por omissão (ou negativas). No primeiro caso, o desrespeito à Constituição resulta de uma conduta comissiva, positiva, praticada por algum órgão estatal (ex. elaboração pelo legislador de uma lei em desacordo com a Constituição).

A inconstitucionalidade por omissão surge quando a afronta à Constituição resulta de uma omissão do legislador, em face de um preceito constitucional que determine seja elaborada norma regulamentando suas disposições. Constitui, portanto, uma conduta omissiva frente a uma obrigação de legislar, imposta ao Poder Público pela própria Constituição. Ocorre diante de uma norma constitucional de eficácia limitada, em que a Lei Maior exige do legislador ordinário a edição de uma norma regulamentadora, para tornar viável o exercício de determinado direito nela assegurado, e o órgão legislativo permanece inerte, obstando o efetivo exercício daquele direito. A omissão é total quando o Poder Público não elabora a norma requerida, permitindo a existência de uma indesejável lacuna; será parcial quando o legislador produz a norma, mas o faz de modo insatisfatório, insuficiente para atender aos comandos da norma constitucional de regência.

A inconstitucionalidade pode derivar da desconformidade do conteúdo do ato ou do seu processo de elaboração com alguma regra ou princípio da Constituição. Na primeira hipótese, temos a inconstitucionalidade material, enquanto na segunda – desconformidade ligada ao processo de elaboração da norma -, inconstitucionalidade formal (pode alcançar tanto o requisito de competência, quanto o procedimento legislativo em si).

Se a inconstitucionalidade formal resulta da inobservância das regras constitucionais de competência para produção da norma, diz-se que a inconstitucionalidade é do tipo orgânica.

A inconstitucionalidade formal poderá decorrer, também, da inobservância das regras constitucionais do procedo legislativo, do procedimento legislativo em si, em qualquer de seus aspectos – subjetivos ou objetivos. Quando relacionados à fase introdutória do processo legislativo, em que é desencadeado, por meio da iniciativa, o procedimento de elaboração das espécies normativas, são requisitos subjetivos. A inconstitucionalidade formal decorrente da violação dos requisitos objetivos do processo legislativo ocorre sempre que quaisquer outros aspectos referentes ao procedimento de elaboração das leis, não ligados à iniciativa, são desrespeitados. A desobediência dos pressupostos constitucionais que determinam e condicionam o exercício da competência legislativa também implica a inconstitucionalidade formal da norma expedida.

A inconstitucionalidade pode atingir todo o ato normativo (total) ou apenas parte dele (parcial). A declaração de inconstitucionalidade parcial pelo Poder Judiciário pode recair sobre fração de artigo, parágrafo, inciso ou alínea, até mesmo sobre uma única palavra de um desses dispositivos da lei ou ato normativo. A regra constitucional que restringe o exame da constitucionalidade do projeto de lei ao texto integral do artigo, parágrafo, inciso ou alínea diz respeito ao veto jurídico do chefe do Executivo, não alcançando a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Poder Judiciário. Todavia, a declaração de inconstitucionalidade parcial pelo Poder Judiciário não poderá subverter o intuito da lei, mudando o seu sentido e alcance, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes, que impede a atuação do Poder Judiciário como legislador positivo.

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a declaração de inconstitucionalidade parcial de norma só é admissível no controle abstrato quando se pode presumir que o restante do dispositivo, não impugnado, seria editado independentemente da parte supostamente inconstitucional (doutrina da indivisibilidade das leis). Há situações que o Tribunal Constitucional constata a existência de vício no ato normativo impugnado, mas, apesar disso, não declara sua inconstitucionalidade, porque verifica que a retirada do ato viciado do mundo jurídico acabaria por resultar em uma lesão ao ordenamento constitucional maior do que a lesão decorrente de sua manutenção. São as situações que o Supremo Tribunal Federal deixa de declarar a nulidade do ato para evitar o agravamento do estado de inconstitucionalidade.

A Corte Suprema recorre à técnica de declaração parcial de nulidade sem redução do texto quando constata a existência de uma regra legal inconstitucional que, em razão da redação adotada pelo legislador, não tem como ser excluída do texto da lei sem que a supressão acarrete um resultado indesejado. Assim, nem a lei, nem parte dela, é retirada do mundo jurídico (nenhuma palavra é suprimida do texto da lei). Apenas a aplicação da lei – em relação a determinadas pessoas, ou a certos períodos – é tida por inconstitucional. Em relação a outros grupos de pessoas, ou períodos diversos, ela continuará plenamente válida, aplicável.

A interpretação conforme a Constituição é técnica de decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal quando ocorre uma disposição legal comportar mais de uma interpretação e se constata, ou alguma dessas interpretações é inconstitucional, ou que somente uma das interpretações possíveis está de acordo com a Constituição. Na aplicação conforme a Constituição, o Poder Judiciário atua como legislador negativo, eliminando, por serem incompatíveis com a Carta, uma ou algumas possibilidades de interpretação. Basicamente, suas situações podem ocorrer:

a) O Supremo Tribunal Federal declara que a lei é constitucional, desde que dada a ela determinada interpretação (consentânea com a Constituição), isto é, ficam eliminadas as outras interpretações que a lei possibilitaria, mas que seriam inconciliáveis com o texto constitucional;

b) a Corte declara que a lei é constitucional, exceto se for adotada uma determinada interpretação (conflitante com a Constituição), ou seja, o aplicador do direito poderá optar por qualquer das interpretações que lei possibilite, menos uma (aquela que seria incompatível com a Carta Política).

Nessas decisões o Tribunal emprega a expressão “desde que”, reconhecendo a validade da norma “desde que interpretada de tal maneira”, ou se limita a apontar uma determinada interpretação que não pode prosperar, deixando liberdade ao aplicador da lei para adotar qualquer das demais interpretações possíveis.

As técnicas declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto e interpretação conforme a Constituição foram positivadas pela Lei n.º 9.868/99, no âmbito do processo e julgamento da Ação Direta e Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade. São técnicas distintas e autônomas de decisão. Na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto, afasta-se a aplicação de um dispositivo legal a um grupo de pessoas ou situações. No caso da interpretação conforme a Constituição, o Supremo Tribunal Federal ordem que seja conferida determinada interpretação a dispositivo ou dispositivos de uma lei, ou proíbe a adoção de uma interpretação específica. A lei, desde que interpretada conforme o estabelecido, será aplicável a todas as pessoas e situações que se enquadrem na hipótese normativa. Nos casos e que deva ser adotada a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto, não há nenhuma interpretação possível que torne compatível com a Constituição a integralidade do dispositivo objeto da declaração.

A inconstitucionalidade é direta quando a desconformidade verificada dá-se entre leis e atos normativos primários e a Constituição. Por outro lado, a inconstitucionalidade indireta (ou reflexa) ocorre naquelas situações em que o vício verificado não decorre de violação direta da Constituição. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal equipara a inconstitucionalidade indireta ou reflexa à mera ilegalidade. Assim, para o Tribunal, o conflito entre a norma secundária (regulamentar) e a primária (regulamentada) é caso de mera ilegalidade, e não de inconstitucionalidade propriamente dita. Ocorre a inconstitucionalidade derivada (ou consequente) quando a declaração da inconstitucionalidade da norma regulamentada (primária) leva ao automático e inevitável reconhecimento da invalidade das normas regulamentadoras (secundárias) que haviam sido expedidas em função dela – portanto, difere da inconstitucionalidade indireta ou reflexa.

A inconstitucionalidade originária é aquela que macula o ato no momento de sua produção, em razão de desrespeito aos princípios e regras da Constituição vigente. O reconhecimento da inconstitucionalidade originária pressupões, portanto, o confronto entre a lei e a Constituição vigente no momento da sua produção.Ao contrário, fala-se em inconstitucionalidade superveniente quando a invalidade da norma resulta da sua incompatibilidade com o texto constitucional futuro, seja ela originário ou derivado.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite a existência da inconstitucionalidade superveniente. Para a Corte, a superveniência do texto constitucional opera a simples revogação do direito pretérito com ele materialmente incompatível, não havendo razões para se falar em inconstitucionalidade superveniente; não se trata de juízo de constitucionalidade, mas sim de mera aplicação da regra de direito intertemporal.

Se a Constituição outorgar a competência para declarar a inconstitucionalidade das leis ao Poder Judiciário, teremos o sistema judicial ou jurisdicional. Caso outorgue a competência para a fiscalização da validade das leis a órgão que não integre o citado Poder, teremos o sistema político. Poderá, também, a Constituição outorgar a competência para a fiscalização de algumas normas a um órgão político e de outras ao Poder Judiciário, consubstanciado o controle de constitucionalidade misto. A maioria das Constituições contemporâneas tem adotado o sistema judicial para a fiscalização da validade das leis, inclusive a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Os ordenamentos constitucionais em geral prevêem dois modelos distintos de controle judicial de constitucionalidade: o controle difuso (ou jurisdição constitucional difusa) e o controle concentrado (ou jurisdição concentrada).

Ocorre o controle difuso (ou aberto) quando a competência para fiscalizar a validade das leis é outorgada a todos os componentes do Poder Judiciário. O modelo difuso surgiu nos Estados Unidos da América, a partir do célebre caso Marbury VS. Madison, em 1803, quando a Suprema Corte Americana, sob o comando do Chief Justice John Marshall, firmou o entendimento de que o Poder Judiciário poderia deixar de aplicar uma lei aos casos concretos a ele submetidos, por entendê-la inconstitucional.

Temos o sistema concentrado (ou reservado) quando a competência para realizar o controle de constitucionalidade é outorgada somente a um órgão de natureza jurisdicional (ou, excepcionalmente, a um número limitado de órgãos). O modelo concentrado teve sua origem na Áustria, em 1920, sob a influência do jurista Hans Kelsen.

As chamadas vias de ação dizem respeito ao modo de impugnação de uma lei perante o Poder Judiciário ou, sob outra ótica indicam o modo em que este exercerá a fiscalização da validade das leis. São duas as vias pelas quais poderá ser exercido o controle de constitucionalidade das leis: a via incidental (ou defesa ou de exceção) e a via principal (abstrata ou de ação direta).

O exercício da via incidental dá-se diante de uma controvérsia concreta, submetida à apreciação do Poder Judiciário, em que uma das partes requer o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma lei, com o fim de afastar a sua aplicação ao caso concreto de seu interesse. A apreciação da constitucionalidade não é o objeto principal do pedido, mas um incidente do processo, um pedido acessório (incidenter tantum). Esse é o modelo norte-americano de fiscalização da validade das leis. O controle incidental pode ser exercido perante qualquer Juiz ou Tribunal do Poder Judiciário, em qualquer processo judicial e tem como fundamento a premissa de que todos os casos concretos devem ser decididos de acordo com a Constituição.

Pela via principal, o pedido do autor da ação é a própria questão de constitucionalidade do ato normativo. O autor requer, por meio de uma ação judicial especial, uma decisão sobre a constitucionalidade, em tese, de uma lei, com o fim de resguardar a harmonia do ordenamento jurídico. O provimento judicial a que se visa consiste na declaração da compatibilidade, ou não, de certa norma jurídica ou conduta com as regras e princípios plasmados na Constituição. Nessa hipótese, não há caso concreto, portanto, não há interesses subjetivos específicos a serem tutelados. Trata-se, assim, como acentuam a doutrina e a jurisprudência, de processos objetivos.

O controle de constitucionalidade pode ser preventivo (a priori) ou repressivo. Na primeira hipótese, a fiscalização de validade da norma incide sobre o projeto, antes de estar pronta e acabada. Ocorre controle de constitucionalidade repressivo (sucessivo, a posteriori) quando a fiscalização da validade incide sobre a norma já inserida no ordenamento jurídico. Por meio do controle preventivo não é declarada a inconstitucionalidade da norma, mas, sim, evitada a produção de uma norma inconstitucional. Por sua vez, o controle repressivo tem por fim declarar a inconstitucionalidade de uma norma já existente, visando a sua retirada do ordenamento jurídico.

A Constituição de 1988 manteve em sua plenitude o controle difuso, conferindo a todos os órgãos do Poder Judiciário competência para, diante de um caso concreto, reconhecer a inconstitucionalidade das leis. Manteve, também, o controle abstrato, pelo qual é possível, mediante ação direta, a solução de uma controvérsia constitucional, em tese, acerca da compatibilidade de uma lei com a Constituição.

Constata-se a ampliação do número de legitimados para a instauração do controle abstrato perante o Supremo Tribunal Federal, via ação direta de inconstitucionalidade – artigo 103, incisos I ao IX da Constituição.

A par disso, o constituinte estabeleceu novas ações específicas no âmbito do controle concentrado, como a argüição de descumprimento de preceito fundamental, de competência originária do Supremo Tribunal Federal. São legitimados à propositura dessa ação, visando evitar ou reparar a lesão a preceito fundamental decorrente da Constituição Federal de 1988, os mesmos órgãos, pessoas e entidades aptos a promover a ação direta de inconstitucionalidade.

A nova ordem constitucional introduziu a denominada inconstitucionalidade por omissão, reconhecida nas hipóteses de inércia do legislador ordinário em face de uma exigência constitucional de legislar. Tal deficiência pode ser reparada pelo mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

O legislador constituinte derivado criou a ação declaratória de constitucionalidade, cuja finalidade é por termo a controvérsia judicial sobre uma lei ou ato normativo.

O controle abstrato hoje existente assume novo e relevante significado para o princípio federativo, permitindo a aferição de constitucionalidade das leis mediante requerimento de um Governador de Estado, a aferição de leis estaduais mediante requerimento do Presidente da República e a aferição da constitucionalidade de lei de um Estado mediante requerimento de Governador de um outro Estado.

Essa ampla legitimação, aliada à maior celeridade do modelo processual abstrato, dotado inclusive da possibilidade de suspensão imediata da eficácia do ato normativo impugnado, mediante pedido cautelar, faz como que praticamente todas as relevantes questões constitucionais atuais sejam solucionadas em ações diretas propostas perante o Supremo Tribunal Federal.

Impende destacar, ainda, que, sob a vigência do texto constitucional de 1988, o legislador ordinário introduziu uma das mais significativas mudanças no controle de constitucionalidade, ao criar a figura da denominada inconstitucionalidade pro futuro.

A Lei n.º 9.868/99, que regulou o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, dispôs que o Supremo Tribunal Federal poderá, ao proclamar a inconstitucionalidade de uma lei, outorgar eficácia não-retroativa à sua decisão (ex nunc) ou até mesmo fixar um outro momento para o início de seus efeitos. A Le n.º 9.882/99 outorgou essa mesma competência à Excelsa Corte nas decisões proferidas em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Com a Emenda Constitucional n.º 45/2004 foi ampliada a legitimação para a propositura da ação declaratória de constitucionalidade; criação da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal; exigência do requisito “repercussão geral das questões constitucionais discutidas” para a admissibilidade do recurso extraordinário.

No Brasil, o controle de constitucionalidade é predominantemente realizado pelo Poder Judiciário, que poderá atuar na via incidental ou abstrata. No último caso, a defesa da supremacia da Constituição é instaurada exclusivamente perante o Supremo Tribunal Federal, por meio da ação direta de inconstitucionalidade genérica (ADI); ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADI por omissão); ação declaratória de constitucionalidade (ADC); argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF); ação direta de inconstitucionalidade interventiva (ADI interventiva). Além do controle perante o Supremo Tribunal Federal, existe o controle abstrato em cada estado e no Distrito Federal, para a defesa da respectiva Constituição e da Lei Orgânica. Somente a jurisdição concentrada em face da Constituição Federal é exclusiva do Supremo Tribunal Federal.

Existem hipóteses em que a competência para a realizar controle de constitucionalidade está concentrada no órgão de cúpula do Poder Judiciário (controle concentrado), mas a ação a ele apresentada trata de um caso concreto, sendo a questão constitucional discutida incidentalmente (controle incidental). Nessas situações, o controle incidental é realizado na jurisdição concentrada. Exemplo dessa situação é a competência exclusiva ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar, originariamente, o habeas corpus, habeas data e o mandado de segurança nas hipóteses previstas no artigo 102, inciso I, alínea “d” da Constituição Federal, quando essas ações envolvam, incidentalmente, apreciação de uma questão constitucional. Outro exemplo é a hipótese de controle judicial do processo legislativo de elaboração de leis e emendas à Constituição, em que o Supremo Tribunal Federal admite a impetração de mandado de segurança por parlamentares, com o fim de sustar o andamento da proposição legislativa.

Quando uma lei estadual ou municipal que seja mera reprodução na Constituição Estadual de dispositivo da Constituição Federal é impugnada perante o Tribunal de Justiça, contra a decisão será cabível recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal.

Na vigência da Carta Política de 1988, o Poder Legislativo dispõe de certas competências que, irrefutavelmente, consubstanciam juízo sobre a constitucionalidade das leis.

A primeira manifestação do Poder Legislativo apontada como fiscalização da constitucionalidade ocorre com os trabalhos da Comissão de Constituição e Justiça, no âmbito das Casas do Congresso Nacional. A fiscalização da CCJ materializa o controle político preventivo, tendo por objeto evitar que ingresse no ordenamento jurídico espécie normativa com algum vício de inconstitucionalidade.

Outro juízo de constitucionalidade manifestado pelo Poder Legislativo está prescrito no artigo 49, inciso V da Constituição Federal. Esse dispositivo autoriza o Congresso Nacional a sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou os limites da delegação legislativa – veto legislativo. O ato do Congresso Nacional surtirá efeitos não-retroativos (ex nunc), porquanto não se cuida de pronúncia de inconstitucionalidade, mas, sim, de sustação de eficácia.

A apreciação das medidas provisória adotadas pelo Chefe do Executivo também é apontada como manifestação do Legislativo na fiscalização da constitucionalidade, uma que da apreciação legislativa poderá resultar a rejeição da medida provisória, seja pelo desatendimento dos pressupostos constitucionais para sua adoção (relevância e urgência), seja por entender o Congresso que a medida provisória contraria materialmente a Constituição.

Deve-se salientar que todas essas manifestações do Poder Legislativo não são dotadas de força definitiva, vale dizer, não afastam a possibilidade de ulterior apreciação judicial.

É incontroverso que a possibilidade de o Poder Legislativo suspender decisão judicial que tenha declarado a inconstitucionalidade, ainda que por emenda à Constituição, tendo em vista a cláusula pétrea que inibe a deliberação por emenda tendente a abolir a separação dos poderes (artigo 60, § 4º, inciso III da Constituição Federal).

Acrescente-se que nosso sistema jurídico não admite a declaração de inconstitucionalidade (nulidade) de lei ou equivalente por lei ou ato normativo posteriores. Esse controle de constitucionalidade, de forma definitiva, é da competência exclusiva do Poder Judiciário. Não é legítimo, portanto, ao Poder Legislativo declarar, por meio de nova lei, a nulidade de lei anterior, sob alegação de incompatibilidade desta com a Constituição. Eventual ato legislativo nesse sentido será interpretado como ato de mera revogação da lei anterior, com eficácia prospectiva (ex nunc).

O Poder Executivo atua como fiscal da lei em três situações.

A primeira, diz respeito ao exercício do poder de veto cm fundamento na inconstitucionalidade, nos termos do artigo 66, § 1º da Constituição Federal. É o denominado veto jurídico, espécie de controle preventivo de constitucionalidade, que tem por objeto evitar que ingresse no mundo jurídico norma incompatível com a Constituição. Contudo, o ato não é dotado de força definitiva, pode ser revisto pelos parlamentares.

A segunda, relaciona-se à possibilidade de inexecução pelo Chefe do Poder Executivo de lei considerada por ele inconstitucional. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pode ser determinado aos órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considere inconstitucionais. Concede-se, nesse caso, um poder de autodefesa para melhor atender ao interesse público, admitindo-se, excepcionalmente, a negativa de aplicação de lei considerada inconstitucional.

Ressalte-se, apenas, que essa competência é exclusiva do Chefe do Poder Executivo, o que veda a possibilidade de qualquer funcionário administrativo subalterno descumprir a lei sob a alegação de inconstitucionalidade. Os demais servidores do Poder Executivo, sempre que vislumbrem vício de inconstitucionalidade legislativa, podem propor a sujeição da matéria ao chefe do Poder.

Se for determinada a não-aplicação da lei, no âmbito administrativo, pela autoridade máxima do Poder Executivo e, ulteriormente, o Judiciário vier a considerar a lei inconstitucional, aquela autoridade deverá restabelecer, de imediato, a sua aplicação.

O Poder Executivo também fiscaliza a obediência à Constituição Federal por meio do processo de intervenção, haja vista que este funciona como meio excepcional de controle de constitucionalidade, como medida última para o restabelecimento da observância da Constituição por um ente federado.

Segundo entendimento da Excelsa Corte, os Tribunais de Contas, no desempenho de suas atribuições constitucionais, possuem competência para realizar o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Público, podendo afastar a aplicação daqueles que entenderem constitucionais. Essa atuação não afasta a possibilidade de posterior apreciação da lei ou ato normativo pelo Poder Judiciário, se provocado.

Fonte: Controle de Constitucionalidade. Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

As recentes alterações no Código de Processo Penal

O Código de Processo Penal foi alterado pelas Leis n.º 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008, cujas modificações visaram, sobretudo, dar maior celeridade e objetividade ao processo penal. Tal como na área cível, as alterações foram pontuais, não se buscou uma reforma completa do Código.

Lei n.º 11.689/2008

A Lei n.º 11.689/08 impõe um novo rito, específico para os processos de competência do Tribunal do Júri: instrução sumária-preliminar. Oferecida e recebida a núncia (ou queixa), o acusado será citado para oferecer resposta em 10 dias. Em caso de inércia, será nomeado defensor para fazê-lo. Ultrapassada a fase da defesa prévia, abre-se vista à acusação “sobre preliminares e documentos”, para manifestação em 5 dias. São inquiridas as testemunhas, seguindo-se diligências em, no máximo, 10 dias.

Haverá uma audiência de instrução na qual vigorarão os princípios da oralidade e da concentração dos atos. A instrução deverá obedecer a uma ordem e, de acordo com ela, serão inquiridos: a vítima e as testemunhas; peritos, para esclarecimentos (quando requerido); os envolvidos na acareação, reconhecimento de pessoas e coisas; e, apenas ao final, o acusado.

Após, devem vir os debates orais, tendo as partes 20 minutos, prorrogáveis por mais 10, para promoverem seus argumentos. Havendo assistente de acusação, terá 10 minutos. Neste caso, o tempo da defesa será estendido por igual período. A decisão sobre a pronúncia deve ser prolatada na própria audiência ou, excepcionalmente, em 10 dias. O prazo para conclusão da instrução será de 90 dias.

A fundamentação do magistrado, quando da pronúncia, permanece restrita, ligada agora ao juízo positivo de materialidade e indícios de autoria; a capitulação jurídica se refere ao tipo-base, qualificadoras e majorantes. No caso se aparecer suspeito de co-autoria ou participação que não tenha sido relatado na denúncia, não haverá mais aditamento para sua inclusão, aquele será julgado em outro processo. O acusado solto com paradeiro ignorado será intimado da pronúncia por edital.

No tocante à impronúncia não há mudança substancial. A absolvição sumária será admitida: a) quando da inexistência do fato criminoso; b) não ser o réu autor do delito ou ter participado do fato; c) não ter o fato tipificação penal; d) diante de causa que exclua o crime ou de isenção de pena.

Foi suprimido o libelo-crime acusatório. Assim, teremos em seguida a intimação para que sejam arroladas as testemunhas para serem ouvidas no Plenário, requerer diligências e juntar documentos. Cabe ao Juiz, depois, a deliberação sobre provas, saneamento de irregularidades, diligências para esclarecimento de fatos relevantes e preparação do relatório do processo.

Poderão funcionar como jurados cidadãos maiores de 18 anos e, para evitar a profissionalização, será excluído da lista geral aquele que tiver integrado o Conselho de Sentença nos 12 meses anteriores à sua publicação.

Além das tradicionais hipóteses de desaforamento, foi prevista a medida em caso de excesso de serviço. Tal expediente será utilizado caso o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 meses, contados do trânsito em julgado da pronúncia.

Serão sorteados 25 jurados. Se houver recusa pelo jurado no seu alistamento ou se ele não comparecer ao julgamento, sofrerá multa de 1 a 10 salários mínimos. Há possibilidade de alegar escusa de consciência.

No caso de ausência do representante do Ministério Público, haverá redesignação para o primeiro dia desimpedido e será dada ciência ao Procurador Geral de Justiça. Se o advogado não comparecer, não sendo constituído novo defensor, haverá um único adiamento. Será dada ciência à Ordem dos Advogados, com designação de novo julgamento no prazo mínimo de 10 dias. Nesta última hipótese, independentemente da situação econômica do réu, ele poderá ser patrocinado pela Defensoria Pública (com a possibilidade de o Juiz arbitrar honorários em favor da OAB, se for o caso, custeados pelo próprio acusado).

Estando o réu solto, intimado, o julgamento não será mais adiado em caso de não comparecimento. Se o acusado estiver preso, o julgamento será adiado para o primeiro dia livre. Exceção para o pedido de dispensa de comparecimento assinado pelo acusado e por seu defensor.

Caso a testemunha não compareça, será trazida por condução coercitiva e responderá por crime de desobediência, com aplicação de multa. Será admitido o adiamento do julgamento se a testemunha for arrolada com cláusula de imprescindibilidade e houver pedido de intimação por mandado. Certificada a não-localização da testemunha, o julgamento será adiado.

Após a instalação da sessão plenária, os jurados passarão a receber cópias da pronúncia (e/ou decisões posteriores de admissibilidade) e do relatório do processo. O Juiz, o representante do Ministério Público, o assistente e o advogado de defesa poderão inquirir diretamente o ofendido e as testemunhas. Para inquirir algum jurado, deverão fazê-lo por intermédio do Juiz. As partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimentos, esclarecimentos dos peritos e leitura de peças.

Após o interrogatório do acusado, o Ministério Público, o assistente, querelante e o defensor fazem perguntas diretamente ao réu.

Está expressamente proibida a pronúncia como argumento de autoridade, de silêncio ou de “ausência de interrogatório por falta de requerimento”, sob pena de nulidade. Os debates serão iniciados com a sustentação da acusação, conforme admitida, e de suas eventuais agravantes. Após, a defesa apresenta seus argumentos. Ambos terão até 1h30min cada um e 1h para tréplica. Haverá possibilidade de reinquirição de testemunha já ouvida em Plenário, após a tréplica, além de pedido de indicação da fonte de argumento pelas partes e jurados e de solicitação de esclarecimentos ao orador pelos jurados (tudo por intermédio do Juiz).

O questionário aplicado aos jurados no momento da votação foram simplificados: Agora são formulados quesitos sobre a matéria de fato e possível absolvição do acusado. Os quesitos deverão ser elaborados com base na pronúncia, interrogatório e alegações das partes na seguinte ordem: a) materialidade do fato; b) autoria ou participação; c) se o acusado deve ser absolvido; d) se existe causa de diminuição da pena alegada pela defesa; e) se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena (reconhecidas pela pronúncia ou em decisões de admissibilidade posteriores).

Se os jurados negarem a materialidade ou a autoria, absolve-se. Se afirmadas, quesita-se se o jurado “absolve o acusado”. Se condenado, prossegue-se na votação.

Em caso de tentativa (ou alteração da tipificação para crime de competência do próprio júri), a quesitação se dará após o segundo quesito, na seguinte ordem: materialidade – participação – tentativa.

Em caso de desclassificação, alterando a tipificação para crime de competência do Juiz singular, a formulação de quesitos ocorrerá após o segundo ou terceiro, dependendo do caso.

Se for proferida decisão de impronúncia ou absolvição sumária, caberá recurso de apelação e, da decisão de pronúncia, recurso em sentido estrito. O protesto por novo júri foi abolido.

Lei n.º 11.690/2008

As modificações promovidas pela Lei n.º 11.690/2008 dirigem-se aos dispositivos do Código de Processo Penal relativos à prova.

Diante disso, o artigo 155 do Código de Processo Penal trouxe nova redação na qual o Juiz foi levado a considerar com mais relevância a prova produzida em contraditório judicial, ou seja, durante o processo em Juízo, quando a defesa tem a oportunidade de falar sobre as provas admitidas contra o acusado.

A prova que embasar uma condenação não poderá ser “exclusivamente” aquela produzida no inquérito policial, mas deve ser comprovada por prova no âmbito do contraditório.

O Juiz pode ordenar de ofício, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando-se a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.

O artigo 157 do Código de Processo Penal passa a repelir frontalmente a prova ilícita, com o conseqüente desentranhamento do processo. São definidas como provas ilícitas aquelas obtidas com violação a normas constitucionais e legais.

As provas ilícitas por derivação (frutos da árvore envenenada) também são expressamente consideradas ilícitas (artigo 157, § 1º, primeira parte do CPP). Quando não evidenciado o nexo de causalidade entre as provas (lícitas) derivadas as provas ilícitas, aquelas são admissíveis. Foi previsto o incidente de inutilização da prova declarada inadmissível, após desentranhamento dos autos por decisão judicial, podendo haver o acompanhamento das partes. A destruição da prova, no entanto, só poderá dar-se após o trânsito em julgado da decisão que determinou a medida.

A realização de perícia por um único perito passa a ser a regra. Na falta de perito oficial, o exame poderá ser realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica do exame a ser realizado. Podem ser indicados assistentes técnicos para acompanhar a perícia e formular quesitos.

A lei não menciona a legitimidade do indiciado ou suspeito, ou seja, não trata explicitamente da possibilidade de indicação de assistente técnico na fase do inquérito policial. Entretanto, adotando-se uma posição garantista, não há razão que impeça tais pessoas de indicarem assistente técnico, ainda na fase investigativa da persecução criminal. Até 10 dias antes da audiência as partes poderão requerer a oitiva dos peritos para prestar esclarecimentos sobre o laudo ou para responder a quesitos, ocasião em que poderá ser elaborado laudo complementar.

Pode-se concluir que a indicação do assistente técnico ou peritos para inquirição em audiência poderá ser dar ainda que ultrapassadas as fases da denúncia e da resposta à peça acusatória, quando, em regra, é feito o arrolamento de pessoas que serão ouvidas em Juízo.

Estabeleceu-se que, em caso de perícia complexa envolvendo mais de uma área de conhecimento especializado, mais de um perito oficial poderá ser designado, assim como a parte poderá indicar mais de um assistente técnico.

De acordo com a nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal, as partes formularão perguntas diretamente à testemunha, mas o Juiz não admitirá aquelas que puderem induzir a resposta, que não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Somente após a intervenção das partes é que o Juiz poderá complementar a inquirição.

O papel do Juiz passa a ser o de preservar as garantias fundamentais das partes, velando pelo atendimento do contraditório e de outros princípios processuais, proporcionando condições para que as partes produzam a prova em um ambiente que, no futuro, viabilize uma decisão justa.

A lei estabeleceu que a vítima/ofendido será comunicada dos atos processuais referentes ao ingresso ou saída do acusado da prisão da designação de data para audiência e da sentença, bem como dos respectivos acórdãos que a mantenham ou a modifiquem, sendo as comunicações realizadas no endereço indicado ou por meio eletrônico. Será destinado um espaço próprio separado para o ofendido/vítima antes do início da audiência e durante sua realização.

De acordo com a nova redação do artigo 217 do Código de Processo Penal, previu-se que, por ocasião da oitiva do ofendido ou da testemunha, se o Juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo-se na inquirição, com a presença do seu defensor. Tal dispositivo dá azo a controvérsias, pois o direito de presença do réu às audiências é assegurado constitucionalmente e por tratados internacionais do qual o Brasil é signatário.

Criou-se mais um fundamento para a absolvição: quando ficar provado que o réu não concorreu para a infração penal. A absolvição poderá ocorrer também quando, embora não esteja provada a circunstância que exclua o crime ou isente o réu da pena, haja fundada dúvida sobre sua existência.

Lei n.º 11.719/2008

A Lei n.º 11.719/2008 introduziu mudanças relacionadas com suspensão do processo, citação, emendatio libelli, mutatio libelli e os procedimentos.

Foi acrescentado o parágrafo único ao artigo 63 do Código de Processo Penal, determinando-se que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a execução do valor atribuído pelo Juiz a título de reparação do dano pode ser executado, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido. Tal valor é mínimo, não impede que a vítima ajuize ação cível para complementação do ressarcimento por parte do autor do crime.

O Juiz deve decidir fundamentadamente acerca da manutenção ou, se for o caso, da imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta. Aboliu-se a chamada “prisão decorrente de sentença penal recorrível”, pois, agora, para que o réu condenado em primeira instância seja preso (ou mantido preso), o Juiz deverá avaliar concretamente a necessidade da prisão preventiva, não se cogitando mais de mera indicação de maus antecedentes ou da reincidência, para a prisão (ou sua manutenção) do réu, ou da primariedade e bons antecedentes, para a soltura (ou manutenção da liberdade) do réu.

De acordo com a nova redação do artigo 265 do Código de Processo Penal, quando houver abandono de causa pelo defensor, antes de designar um para o ato – ad hoc, o Juiz deve aguardar, até o início da audiência, a apresentação de justificativa pelo advogado que não compareceu a ele. A ausência do defensor, ainda que motivada, ensejava a substituição por outro para o ato. O réu fica com a possibilidade de ter um defensor a sua escolha. Somente se o defensor se ausentar sem apresentar justificativa até o início da audiência é que haverá sua substituição.

No caso de ocultação do réu para não ser citado será procedida a citação com hora certa, na forma estabelecida pela lei processual civil. Não há mais a hipótese de citação por edital do réu quando se tratar de pessoa incerta, pois não se admite denúncia contra pessoa incerta, mas, no máximo, contra pessoa cujo nome ou endereço preciso se desconhece.

Comparecendo o réu citado por edital, o processo prossegue. Não há necessidade de se considerar citado o réu, pois a relação processual já se completou anteriormente com a citação por edital.

O caput do artigo 383 do Código de Processo Penal passou a prever que o Juiz, sem modificar a descrição do fato contido na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. O magistrado deverá ficar vinculado à descrição típica feita na denúncia ou queixa, o que é decorrência lógica da correlação entre a imputação e a sentença. Se, em razão disso, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o Juiz procederá de acordo com o disposto na lei.

A principal modificação sofrida pelo artigo 384 do Código de Processo Penal diz respeito à necessidade de aditamento sempre que surgir prova nova a respeito do fato, independentemente de a nova definição jurídica implicar aplicação de pena mais ou menos grave.

Foi eliminada a possibilidade de o Ministério Público aditar a peça acusatória no curso da instrução criminal. A nova lei diz que o aditamento feito pelo Parquet será feito “encerrada a instrução probatória”. Tal modificação possibilitará ao Ministério Público arrolar até 3 testemunhas por ocasião do aditamento com esse fundamento. A queixa somente poderá ser aditada pelo órgão ministerial se, em virtude desta, houver sido instaurado processo e crime de ação penal pública.

Se o Ministério Público não aditar a denúncia, deve-se aplicar o disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal. O prazo para manifestação da defesa, após o aditamento, passa a ser de 5 dias, podendo arrolar até 3 testemunhas. Depois do recebimento do aditamento, o Juiz designará data para a continuação da audiência (reabre-se a instrução criminal). Havendo aditamento, o Juiz não mais poderá condenar o réu pelo crime inicialmente narrado, medida esta que prestigia o sistema acusatório. Se o aditamento não for recebido, o processo prosseguirá, cabendo recurso em sentido estrito contra essa decisão.

A nova lei estabeleceu que o procedimento comum será ordinário quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 anos de pena privativa de liberdade. Será sumário quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 anos de pena privativa de liberdade. Será, ainda, sumaríssimo para as infrações de menor potencial ofensivo, na forma de Lei n.º 9.099/95. Agora, definição do procedimento levará em conta a pena máxima cominada à infração penal.

O procedimento ordinário se inicia com a denúncia ou queixa, podendo a peça acusatória ser rejeitada se manifestamente inepta, se faltar pressuposto ou condição do exercício da ação penal ou faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Feito o juízo de admissibilidade positivo, o Juiz receberá a inicial e ordenará a citação do acusado, para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias. O arrolamento das testemunhas da defesa ocorre nesta fase. Eventuais exceções serão processadas em apartado. Será nomeado defensor, concedendo-lhe vista dos autos por 10 dias, para apresentar resposta quando: a) não for apresentada resposta no prazo legal; b) se o acusado, citado, não constituir defensor.

Se o Juiz receber a denúncia ou queixa, designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. Existirá a vinculação entre o Juiz que presidiu a instrução ao julgamento da causa.

A audiência será realizada no prazo máximo de 60 dias. Inicialmente, serão tomadas as declarações do ofendido. Posteriormente, passa-se a inquirição das testemunhas de acusação e defesa (número máximo de 8, para cada parte e não se computando aquelas que não prestam compromisso). Serão colhidos os esclarecimentos dos peritos, realizadas as acareações, o reconhecimento de pessoas e coisa e, por fim o interrogatório do acusado. Após, a acusação e a defesa podem requerer diligências (desde que se originem de circunstâncias ou fatos apurados na instrução) e, superada essa fase, seguem-se para os debates orais (20 minutos para cada parte, prorrogáveis por mais 10 – havendo mais de um acusado, o tempo será individual). O assistente de acusação se manifestará após o Ministério Público pelo prazo de 10 minutos. Feito isto, segue-se a prolação da sentença.

Se o réu tiver direito à suspensão condicional do processo, haverá três soluções: a) na audiência, após a oitiva dos ofendidos, testemunhas e peritos, e antes de se realizar o interrogatório, faz-se ao réu a proposta de suspensão condicional do processo. Caso ele aceite, não haverá necessidade de interrogatório; b) na audiência, antes da oitiva dos ofendidos, testemunhas e peritos, e antes do interrogatório, faz-se o réu a proposta de suspensão condicional do processo. Caso ele aceite, não haverá colheita oral de provas; c) antes da audiência prevista para a colheita da prova oral, designa-se audiência extraordinária, especificamente para a proposta de suspensão condicional do processo. Caso o réu aceita, não será designada a audiência de instrução.

Com as alterações promovidas no procedimento ordinário, deixa de existir o parâmetro para a caracterização do prazo de 81 dias para conclusão da instrução criminal com o réu preso. A jurisprudência ainda é vacilante quanto ao prazo máximo de prisão, conforme se infere dos seguintes julgados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXCESSO DE PRAZO. FEITO COMPLEXO. PLURALIDADE DE RÉUS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. Com a nova sistemática processual estabelecida pela Lei nº 11.719/2008, o prazo para o encerramento da instrução, de acordo com o art. 400, caput, do CPP, passou a ser de sessenta (60) dias, cujo termo inicial é a decisão que afasta a possibilidade de absolvição sumária. 2. Ademais, esse prazo deve ser analisado em cada caso concreto, levando-se em consideração a complexidade do processo bem como a realidade das varas criminais, que possuem, atualmente, uma enorme carga de trabalho, a ser desempenhada por um pequeno número de servidores e Juízes de Direito. Dentro desse contexto, e consoante iterativa jurisprudência, não se configura o alegado constrangimento ilegal por conta do excesso de prazo para a conclusão da instrução criminal, quando se tratar de feito complexo, com pluralidade de agentes. 3. Ordem denegada. (20090020079654HBC, Relator ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, 2ª Turma Criminal, julgado em 09/07/2009, DJ 02/09/2009 p. 134)

HABEAS CORPUS - ROUBO CIRCUNSTANCIADO - EXCESSO DE PRAZO PARA O TÉRMINO DA INSTRUÇÃO - INOCORRÊNCIA - PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. I. Não há excesso de prazo para o término da instrução processual quando não extrapolou os 85 dias previstos na Lei 11.719/08. II. O fato de o paciente ser primário, alegar residência fixa e o exercício de trabalho lícito não leva necessariamente à revogação da prisão preventiva. As circunstâncias que a autorizaram ainda se fazem presentes. III. Ordem denegada.(20080020178296HBC, Relator SANDRA DE SANTIS, 1ª Turma Criminal, julgado em 18/12/2008, DJ 27/01/2009 p. 101)

As diferenças entre o procedimento ordinário e o sumário resumem-se em: a) prazo máximo de 30 dias para realização de audiência; b) número máximo de 5 testemunhas para cada parte; c) ausência da oportunidade de requerimento de diligências complementares das partes.

Fonte: As Alterações no Processo Penal. Roberto Bartolomei Parentoni.