quinta-feira, 18 de março de 2010

Teoria da Argumentação Jurídica

A Teoria da Argumentação Jurídica relaciona-se diretamente com a teoria do discurso. Visa questionar e demonstrar a possibilidade e a validade de uma fundamentação racional do discurso, especificamente jurídico, estipulando-lhe algumas regras e formas.
Destaca-se no tratamento do discurso jurídico o alemão Robert Alexy, elaborando uma teoria da argumentação jurídica na década de 70.
A possibilidade de justificação racional do discurso jurídico é questão de primacial relevância para a cientificidade do Direito, a qual é imprescindível para a solidez de um Estado Democrático de Direito.
A racionalidade que, nas ciências da natureza, apresenta-se sob a forma da verdade e de suas proposições, é , no Direito, como ciência normativa, evidenciada pela correção de suas assertivas.
A pesquisa sobre a racionalidade do discurso jurídico e dos argumentos que o compõem pode ser feita sob dois ângulos que não se excluem, antes se completam:
1) formal, pelo qual se verifica a racionalidade procedimental discursiva, aferida pelo cumprimento de regras da lógica do discurso que, como pragmáticas, são argumentativamente desenvolvidas com vistas à correção;
2) material, através da análise da crítica do ethos, adentrando-se, destarte, no conteúdo das normas direcionadoras do agir social.
É a asserção desse conteúdo que se apresentará como premissa material de que parte a procedimentalidade da lógica do discurso.
No entanto, não é pela questão da materialidade ou semântica do discurso que se interessa a teoria da argumentação jurídica, mas pela pergunta, sob o ponto de vista procedimental, de como pode ser o discurso prático e especificamente o discurso jurídico fundamentado racionalmente, buscando-se a correção de seus enunciados regulativos.
As regras são requisitos imprescindíveis para a aferição da racionalidade de qualquer discurso prático, isto é, tudo pode e deve ser objeto do discurso, tanto o conteúdo das suas regras – que são, por sua vez, a forma do discurso – quanto a própria forma dessas regras, isto é, a forma do discurso.
São regras fundamentais: de razão, de carga da argumentação, de fundamentação, de transição, além de delinear as formas de argumento do discurso prático. Além dessas regras relativas à generalidade do discurso prático racional, o discurso jurídico segue formas e regras específicas, chamadas de justificação interna e de justificação externa.
Para análise do discurso jurídico e suas regras, deve-se, porém ter a consciência de que o discurso, se for voltado para o agir humano, é prático, e se busca sua orientação, é normativo.
O discurso prático deve obedecer a certas regras que buscam a correção dos argumentos, ou seja, é correto o que é discursivamente racional. Há, portanto, identidade no discurso entre racionalidade e correção.
Refuta-se, com isso, a afirmação positivista de não cientificidade ou relatividade das ciências normativas. Os juízos de valor (axiologia) e os juízos de dever (deontologia) têm sua verdade atingida argumentativamente com a observância de regras do discurso. Sua verdade é chamada correção.
A objetivação de consensos se dá argumentativamente, segundo regras do discurso, tornando-se corretos ou verdadeiros, porque racionalmente fundados. Sendo discursivamente racionais, são tornados universais.
A teoria da verdade aristotelicamente formulada é assim superada, pois não mais se considera a verdade como a correspondência da asserção à realidade, mas algo construído discursivamente, e que significa ser científico o resultado do consenso fundado, alcançado em relação ao objeto estudado. A verdade não está no mundo presente, na natureza, mas é produção cultural humana. É subordinada, assim, à refutabilidade, conforme expõe Karl Popper, a qual é necessariamente inerente à ciência, sob pena de suas conclusões tornarem-se dogmas (inquestionáveis, portanto).
Isso quer dizer que, em primeiro lugar, que a verdade assumida em dado momento, pode ser negada ou superada em seguida, com a elaboração de uma nova verdade sobre aquele tema, o que lhe confere a provisoriedade.
A verdade é historicamente construída, ou seja, é produção cultural contextualizada temporalmente.
Nem mesmo nas ciências da natureza há verdade inequívoca e incontestável, geradora de segurança a partir de uma única resposta, que garanta a verdade que dotaria de cientificidade o resultado. Também elas não são formadas segundo uma correspondência com a realidade, mas são resultado de um consenso fundado mediante o cumprimento de regras e critérios, que possibilitam a justificação e comprovação da premissa de que se parte.
O que se pretende com o estudo do procedimento discursivo, com a formulação das regras do discurso, com a criação da lógica do discurso é a objetivação de critérios de racionalidade, esse sim, obtidos mediante a referência ou a consideração de condições ideais de correção.
Para ser racional ou correto, não é necessário então, que o enunciado normativo preencha integralmente todas as regras do discurso, mesmo porque algumas delas podem ser apenas aproximadamente cumpridas, mas é com o estabelecimento dessas regras que se fornecem critérios pelos quais se deve pautar a fundamentação do discurso prático (geral ou jurídico) que, quanto mais segui-los, mais racional ou correto será.
A despeito da perpetuação da inexistência de consecução de um único resultado correto, isto representa um grande avanço, pois viabiliza excluir argumentos irracionais do discurso, bem como determinar os argumentos discursivamente necessários, por exigência dessas regras.
Não obstante a inumerabilidade dos argumentos que podem ser trazidos para o discurso, para que obedeçam as regras do discurso, suas afirmações devem ser fundamentadas de modo a se demonstrar argumentativamente sua racionalidade. Qualquer um pode tomar parte no discurso, introduzir e problematizar qualquer asserção (uma das regras de razão de Alexy, chamada por Habermas de princípio D, princípio da correção).
Se o falante aplicar um predicado a determinado objeto, deve aplicá-lo também a qualquer objeto semelhante nos aspectos essenciais (uma das regras fundamentais de Alexy, chamada por Habermas de princípio U, princípio da universalidade – em Direito é expressa pelo princípio da isonomia e pela analogia como método de integração do ordenamento jurídico).
O falante: só pode afirmar aquilo que ele mesmo acredita (pretensão da verdade habermasiana); não pode usar a mesma expressão que outros falantes com significados diferentes (pretensão de inteligibilidade formulada por Habermas); só deve fundamentar o que se afirma se lhe for pedido (regra geral da fundamentação).
Se o argumento afirmado pelo falante já foi aceito pelos demais, ele não precisa ser justificado (princípio da inércia perelmaniano). O falante apenas está obrigado a dar mais argumentos para sua afirmativa, em caso de contra-argumentos (uma das regras da argumentação).
Por outro lado, a teoria consensual da verdade, sendo pragmático-universal, levanta as condições de possibilidade e validade de qualquer conhecimento ou assertiva, caso contrário, não há fundamentação, mas, outra vez, dogma.
No discurso se fundamentam argumentos, mas o próprio discurso deve ter sua possibilidade fundamentada por argumentos que pretende validar, isto é, recorre-se às proposições não demonstradas, para permitir a utilização dessas mesmas proposições afirmadas como fundamentação, tendo a teoria consensual da verdade, na liberdade e na igualdade, sua condição tanto de possibilidade quanto de validade. Daí ser aplicada nos Estados Democráticos de Direito.
A relação entre a capacidade intelectiva dos cidadãos e sua participação no discurso público não é exigida por normas constitucionais, mas é necessariamente existente por ser condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito, o qual foi construído mediante a elaboração de sua Constituição e cujo aperfeiçoamento a eles cabe, através do discurso, que, com a busca de um controle racional, aproxima-se da correção.
O discurso jurídico pode ser fundamentado racionalmente, satisfazendo a pretensão de correção, indispensável à validade do discurso. A diferença entre o discurso jurídico e o prático racional geral está em ser o primeiro vinculado ao direito vigente, apresentando-se por isso, como um caso especial do discurso prático racional geral.
O discurso jurídico é prático, por se constituir de enunciados normativos. É racional, por se submeter à pretensão de correção discursivamente obtida. É especial, por se subordinar a condições limitadoras ausentes no discurso prático racional geral, a saber – a lei, a dogmática e os precedentes.
Todas as regras diretivas da racionalidade do discurso prático geral são aplicadas também ao discurso jurídico, devido à integração entre ambos. A existência de um ordenamento jurídico organizado pelo Estado Democrático de Direito e organizador deste é o que gera a institucionalização do discurso jurídico, delimitando a discussão do seu objeto, participantes e situação espaço-temporal.
Ademais, a racionalidade e a universalidade proporcionam, no discurso jurídico, a legitimidade da legislação e controlabilidade das decisões judiciais, o que favorece também a imparcialidade do discurso.
Todavia, assim como no discurso prático racional geral , resta a impossibilidade de determinação de um único resultado correto mediante a argumentação jurídica, precisamente porque, a despeito da maior delimitação do campo do discursivamente possível no discurso jurídico, permanece ele ainda extraordinariamente vasto, haja vista a amplitude da abrangência normativa do ordenamento jurídico. As regras de justificação do silogismo jurídico pelo que se subsume um fato a uma norma, encontrando-se a discussão jurídica, não se efetiva mediante a utilização apenas dos princípios da lógica deôntica, somando-se a ela a lógica do discurso, que, embora formal, adentra o aspecto programático do enunciado jurídico apresentado como argumento na discussão. Aquele silogismo jurídico, com o enquadramento quase mecânico e blindado de críticas do caso concreto à norma jurídica, não se efetiva com tal simplicidade, mas, dentre outras exigências, requer a complexa ponderação do conteúdo valorativo das proposições jurídicas.
Na justificação externa, é averiguada a correção das próprias premissas, mediante as regras da argumentação prática geral, da argumentação empírica, da interpretação, da argumentação dogmática, o uso dos precedentes e das formas especiais de argumentação.
As regras da argumentação prática geral são as já mencionadas regras fundamentais, de razão, de carga da argumentação, de fundamentação, de transição, além das formas de argumento do discurso prático racional geral. As regras da argumentação empírica verificam a correção do que deve ser considerado como fato na fundamentação jurídica, a partir do enunciado empírico.
Como a certeza sobre os fatos que compõem a argumentação empírica é dificilmente obtida de modo absoluto, faz-se sempre presente a regra da presunção racional.
As regras de interpretação são precisamente os cânones hermenêuticos, que se apresentam sob diversas formas de argumento, proporcionando as interpretações gramatical (semântica), autêntica (genética), teleológica, histórica, comparada a sistemática.
As regras de argumentação dogmática têm como tarefa assinalar, sob o ângulo pragmático, tanto a legitimidade quanto os limites da argumentação sistemático-conceitual da ciência do Direito. Aliam-se assim às já conhecidas dimensões empírico-descritiva (descrição do Direito vigente), analítico-lógica (sua análise sistemática e conceitual) e prático-normativa (elaboração das propostas para a solução das questões jurídicas) da ciência do Direito.
As regras do uso argumentativo de precedentes determinam, para a formulação de sua pretensão de correção, que se deve citar, sempre que houver precedente a favor ou contra uma decisão (princípio da universalidade, com o mesmo tratamento para iguais ou semelhantes), assumindo a carga da argumentação quem dele quiser se afastar (conjugando os aparentemente contraditórios princípios da inércia e abertura para novas decisões).
As formas de justificação externa do discurso jurídico são os argumentos jurídicos especiais da analogia, argumentandum a contrario, argumentandum a fortiori e argumentandum ab absurdum.
Deve-se perceber que toda a exposição da teoria da argumentação jurídica pauta-se na demonstração da viabilidade de um discurso racional na fundamentação jurídica, ou seja, é fundada na procedimentalidade com a formulação lógica das regras discursivas.
Quando se mencionam termos como justiça, razão, razão prática na teoria da argumentação jurídica, não se está fazendo referência, consecutivamente, ao conteúdo do valor justiça presente em determinada realidade ou à razão cartesiana ou ainda a uma razão prática kantiana, como orientada para a realização de um fim socialmente eleito. Todas essas expressões são tratadas dentro da teoria do discurso, sendo sua aplicação desenvolvida exclusivamente do ponto de vista argumentativo, portanto, procedimental.
A Justiça a que se refere é o princípio da justiça formal, expresso no princípio da universalidade que é o conhecido princípio da igualdade formal, com a diferença da consideração agora de seu aspecto também pragmático. O que é justo é o que é racional o que é discursivamente correto, uma correção obtida argumentativamente pelo não cumprimento das regras formadoras da lógica do discurso.
A razão é a própria argumentação prática geral ou o discurso prático em si, com todas as suas regras elaboradas em uma situação ideal de fala.
Na teoria da argumentação jurídica, a expressão razão prática tem o mesmo significado da expressão razão comunicativa, representa a racionalidade para o agir, racionalidade essa desenvolvida procedimentalmente no discurso, abrangendo, desse modo, tanto a esfera das relações intersubjetivas, quanto do sujeito é só assim formada. Portanto, na teoria da argumentação jurídica, a razão é discursiva.
Todos estes termos podem ser resumidos em um mesmo significado: correção discursiva.
Sendo a teoria da argumentação jurídica estritamente formal, procedimental, a pretensão de correção no discurso jurídico não diz respeito à exigência de racionalidade do ponto de vista material.
Não adentra ela o questionamento de ser (ou não) a lei legítima, por corresponder às finalidades objetivadas a partir de suas relações intersubjetivas. Seu estudo pesquisa apenas a racionalidade da argumentação no discurso jurídico, na medida em que é ele determinado pela lei. Isto é, limita-se à análise do caráter racional do ordenamento jurídico vigente sob o prisma discursivo, mediante o procedimento controlador das regras da argumentação prática racional. Assim, pretende demonstrar a necessidade de o enunciado jurídico afirmado (em tese ou concretamente) ser, ele próprio, formalmente racional e também racional no contexto do direito vigente, essa é precisamente a teoria do discurso jurídico.
Há a crítica de que toda teoria da argumentação jurídica não se aplica ao Direito no momento do processo judicial, pois os falantes não se encontram em posição homóloga, já que cabe ao Juiz a decisão sobre o que é justo (correto) a partir dos argumentos trazidos por cada uma das partes. Contudo, a completa homologia factual entre os participantes não é condição de possibilidade do discurso. O que se exige é que se possa argumentar racionalmente no sentido de alcance da verdade ou da correção na maior medida possível. Está é a idéia reguladora do discurso, que permanecerá racional ainda que de suas regras não sejam cumpridas de forma plena e absoluta.
Outra crítica é a de que o agir estratégico invalida a teoria da argumentação, que é fundada no argumento pragmático-transcendental. Ocorre que, no campo da fala, há distinção entre validade subjetiva da ação (motivação) e a validade objetiva (conduta externa).
O simples fato de o indivíduo poder agir como se aceitasse as regras do discurso evidencia que o argumento pragmático-transcendental está em condição de fundamentar a validade objetiva ou institucional das regras do discurso, o que é uma conquista no sentido da democracia, do Direito e da controlabilidade das decisões. Isso torna as regras do discurso factuais, efetivas e não meras divagações acadêmicas sem qualquer possibilidade ou relevância para além do reduzido círculo dos debates filosóficos, afastados dos problemas presentes e prementes da concretude da vida social.
Muito debatida é a questão da consideração do discurso jurídico como caso especial do discurso prático geral. Ocorre que, com essa asserção, quer se dizer que a pretensão de correção também se formula no discurso prático geral, não se refere à racionalidade de quaisquer proposições normativas, mas somente aquelas passíveis de existência dentro do ordenamento jurídico vigente, limitadas, portanto, pela lei, precedentes e dogmática jurídica.
Com isso, não se quer dizer que o Direito é subordinado ou secundário em relação à Moral. Há apenas a distinção entre essa duas esferas, na medida em que se elabora uma teoria do discurso de racionalidade, especificamente jurídica quando se cria a figura do caso especial. O que se faz é a interrelação entre discursos considerados apenas distintos, mas, unidos na possibilidade e necessidade de sua racionalidade. Direito e Moral são entendidos, portanto, como complementares entre si.
A teoria da argumentação jurídica adentra a especificidade dos direitos fundamentais, surgindo a argumentação jusfundamental, cujo intuito é o mesmo da argumentação do discurso jurídico em geral, apenas com o detalhamento da busca da garantia de maior segurança, mediante o controle de racionalidade, na justificação do discurso cujo tema sejam enunciados referentes aos direitos fundamentais, em virtude de sua supremacia axiológica no ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito.
A procedimentalidade da teoria da argumentação jurídica é então vinculada aos limites de um modelo procedimental de quatro graus: o discurso prático geral, o procedimento legislativo, o discurso jurídico e o procedimento judicial.
É com base neste direito posto que a argumentação jusfundamental, especialmente com as formas e regras da interpretação na justificação externa, chega ao seu objetivo: a determinação de direitos definitivos a partir dos direitos prima facie assegurados pela declaração principiológica dos direitos fundamentais.
A estipulação da precedência de um princípio sobre o outro apenas pode ser realizada mediante a utilização do princípio da proporcionalidade, com suas máximas de adequação e necessidade (que tratam das condições fáticas do caso em análise) e de ponderação (relativa às condições jurídicas do caso – solução da colisão dos princípios adequados e necessários).
A adoção do conceito de dignidade da pessoa humana confere certa materialidade à teoria da argumentação jusfundamental, na medida em que declara comporem os direitos ao mínimo vital, o direito a uma moradia simples, à educação escolar, à formação profissional e a um nível padronizado mínimo de assistência médica. Todo esse percurso para a determinação, no caso concreto trazido ao procedimento judicial, de direitos definitivos prima facie apenas se faz discursivamente, seguindo-se de maneira imprescindível as formas e regras da argumentação jurídica para ser tida como racional, ou seja, como correta – a despeito, mas uma vez de não se afirmar como única necessariamente possível.
Formalmente, a controlabilidade da decisão somente pode ser feita então, pelo exame do procedimento racional de justificação efetivado, pelo que se afasta no maior grau possível, a perigosa arbitrariedade de um decisionismo na esfera dos três poderes estatais e, em especial, no órgão judicial dotado de autoridade máxima de um Estado Democrático de Direito, o Tribunal Constitucional.

Fonte: Teoria da Argumentação Jurídica. Cláudia Toledo.

terça-feira, 16 de março de 2010

Teoria da Constituição – Significado, Genealogia e Objeto

A Teoria da Constituição ultrapassa o conhecimento normativo, a análise e a descrição do que é uma Constituição, para abranger o domínio de indagações pertinentes ao que deve ser uma Constituição. A Teoria da Constituição incorpora, neste contexto, dimensões racional-normativas, que se situam na seara da filosofia constitucional. A Teoria da Constituição constitui a chave interpretativa do próprio Direito Constitucional, ao favorecer a descoberta e a investigação das soluções jurídico-constitucionais em sede teorético-constitucional.

A Teoria da Constituição, como conhecimento ordenado, sistematizado e especulativo, examina, identifica e critica os limites, as possibilidades e a força normativa do Direito Constitucional. Descreve e explica os seus fundamentos ideais e materiais, as condições de seu desenvolvimento, dando ênfase nas relações entre e a Constituição e a realidade constitucional.

É preciso considerar, no entanto, que, nada obstante a importância da Teoria da Constituição, neste contexto, Estado e Constituição revezam-se historicamente como conceitos-chave do Direito Público. É que, sem entender o Estado não há como entender a Constituição. E a Constituição deve ser entendida não apenas como norma, mas também como estatuto político, para o que há de se reportar ao Estado, cuja existência concreta é pressuposto de sua existência.

Ocupa-se a Teoria da Constituição em estudar os diversos conceitos de Constituição, o Poder Constituinte e legitimidade da Constituição; reforma constitucional; direitos fundamentais e separação de poderes, como elementos característicos do Estado de Direito; o elemento político da Constituição moderna, na democracia, ou seja, povo, sistema parlamentar; e teoria Constitucional da federação.

Quanto ao lugar teórico da Teoria da Constituição, Canotilho refere-se a ela como: a) teoria política do direito constitucional, porque pretende compreender a ordenação constitucional do político, por meio da análise, discussão e crítica da força normativa, possibilidades e limites do Direito Constitucional; b) teoria científica, porque procura descrever, explicar e refutar os fundamentos, idéias, postulados, construção, estruturas e métodos (dogmática) do Direito Constitucional.

Da perspectiva externa da tensão entre a facticidade social e autocompreensão do Estado Constitucional, a Teoria da Constituição deve alterar seu enfoque interno ao Direito e complementá-lo através do diálogo com as teorias da sociedade e com as teorias políticas, a fim de que possa ultrapassar as abordagens tradicionais acerca da efetividade do Direito Constitucional quer no sentido de uma classificação ontológica da Constituição (Karl Loewenstein), quer no sentido da eficácia social das normas constitucionais (José Afonso da Silva).

A Teoria Constitucional reconstrutiva, cujo aporte metodológico pode ser extraído, seja do discurso de Habermas, seja da teoria da Justiça de Rawls, visa promover a reconstrução da normatividade constitucional em vigor, dando-lhe coerência e integridade. Embora filosófica, não é metafísica, e supera os principais dualismos que a têm caracterizado, em especial os que opõem descrição e prescrição, normatividade e realidade. Para a teoria reconstrutiva, a Constituição não pode ser concebida em termos unilaterais normativos, nem meramente político-sociológicos. O que ela visa é a integração dessas duas dimensões. As cláusulas constitucionais devem ser interpretadas não exclusivamente de acordo com a realidade constitucional, mas em conformidade com normatividade que as legitima.

O desaparecimento do Estado como ponto de arrimo da Teoria da Constitução, a incorporação, no texto constitucional, dos princípios do direito natural, dos princípios da razão, a afirmação do princípio da igualdade, a positivação dos direitos e liberdades, fizeram com que as Constituições fossem reservando para si as idéias de Justiça ou os princípios de Justiça, o que levou a uma sobrecarga do próprio direito constitucional, dissolvendo-se a Teoria da Constituição nas modernas Teoria da Justiça e Teoria do Discurso (John Rawls e Jürgem Habermas). Mas, a despeito disso, a Teoria da Constituição não será consumida pelas Teorias da Justiça e da ação comunicativa, pois é a ela que conduz à reflexão, explicação e justificação das leis fundamentais e dos seus princípios materiais estruturantes.

A partir da década de 50, a Teoria da Constituição, que girava em torno das concepções de unidade de ordem jurídica e da unidade do Estado, passa a captar as dimensões básicas do Estado de Direito Democrático e Constitucional, e à necessidade de compreender a realidade constitucional, nas suas condicionantes socioeconômicas, através da ciência política.

Não há como compreender a Teoria da Constituição fora das teorias de direito, da Justiça, do discurso (Jürgem Habermas, John Rawls, Klaus Günther, Robert Alexy, Ronald Dworkin e Friedrich Müller), dos sistemas (Niklas Lhumann), bem como dos paradigmas do Estado Democrático de Direito.

- Ferdinand Lassalle

Distingue entre Constituições reais e Constituições escritas. As primeiras residem nos fatores reais e efetivos de poder que vigoram na sociedade, que são a força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições políticas da sociedade. A Constituição escrita, a que dá o nome de folha de papel, é a que registra e incorpora aqueles fatores, que se convertem em fatores jurídicos. Quando a Constituição escrita não corresponder à Constituição real, estoura um conflito que não há como evitar e, nessas condições, ou será reformada, para se ajustar aos fatores reais de poder, ou a sociedade, com seu poder inorgânico, acaba para deslocar os pilares que sustentam a Constituição. Trata-se de uma análise sociológica da Constituição, cujos problemas são primariamente de poder e não de direito.

- Hans Kelsen

Concebe o Direito como estrutura normativa, cuja unidade se assenta numa norma fundamental, já que o fundamento de validade de qualquer norma jurídica é a validade de outra norma, ou seja, uma norma superior. Há uma estrutura hierárquica de diferentes graus do processo de criação do Direito, que desemboca numa forma fundamental, que, no sentido positivo é representada pela Constituição. Já no sentido lógico-jurídico, a Constituição consiste na norma fundamental, hipotética, pressuposta e não posta pela autoridade.

De acordo com a Teoria Pura do Direito, Kelsen destaca vários significados de Constituição: 1) Constituição, no sentido material compreende o conjunto de normas que regulam a criação dos preceitos jurídicos gerais e prescrevem o processo que deve ser seguido em sua elaboração; 2) Constituição, no sentido amplo, compreende as normas que estabelecem as relações dos súditos com o Poder Estatal; 3) Constituição, no sentido formal, consiste no conjunto de normas jurídicas que só podem ser modificadas mediante a observância de prescrições especiais, que têm por objetivo dificultar a modificação das normas; 4) Constituição, em teoria política, refere-se às normas que regulam a criação e a competência dos órgãos legislativos, executivos e judiciários.

- Ernst Forsthoff

Compreende a Constituição como garantia do status quo econônimico e social. A Teoria da Constituição de Forsthoff é ainda a de um Estado de Direito formal, cuja constituição é um sistema de artifícios técnico-jurídicos, e cuja garantia reside, portanto, na neutralidade da lei fundamental. O Estado social assim delineado, não tem natureza normativa, programática ou institucional, mas é apenas uma realidade fática e jurídica, cabendo ao governo e à administração harmonizar a proteção do sistema de distribuição de bens com uma redistribuição do produto social. Os pressupostos ideológico-políticos da Teoria Constitucional de Forsthoff tem como base uma Teoria do Estado retrospectiva e não prospectiva. O Estado Constitucional Democrático, na sua realização, não é problematizado, mesmo porque o próprio parlamento é considerado sob o ponto de vista do legislador do Estado de Direito e não como órgão democrático.

- Hermann Heller

O problema da tensão entre o Estado, constituição e realidade constitucional foi enfrentado com a formulação de uma teoria democrática do estado. Para Heller, não podem ser complemente separados o dinâmico e o estático, a normalidade e a normatividade, o ser e o dever ser no conceito de Constituição. Em toda Constituição estatal, e como conteúdos parciais da Constituição política total, cabe distinguir a Constituição não normada e a normada, e nesta, a normada extrajuridicamente e a que é juridicamente. A Constituição normada pelo Direito é a Constituição organizada. A Constituição não é processo, mas produto; não é atividade, mas forma de atividade, forma aberta pela qual passa a vida, forma nascida da vida. A permanência da Constituição se dá através da mudança de tempo e pessoas, graças à probabilidade de se repetir no futuro o comportamento que com ela está de acordo. E para que uma Constituição seja Constituição, isto é, algo mais que uma relação fática, e instável de domínio, necessita de uma justificação segundo princípios éticos de direito.

- Carl Schmitt

Desenvolveu uma Teoria da Constituição concentrada em categoria normalistas, como ordem total, ordem concreta, direito-situação, constituição-decisão, constituição e lei constitucional, amigo-inimigo, que acabaram por servir de pilares e suporte dogmático para a teoria do direito e do estado nacional-socialista. Schmitt, ao sustentar que a essência da Constituição está no conjunto de decisões políticas fundamentais do poder constituinte, que refletem a realidade do povo, distingue quatro conceitos básicos de Constituição: o conceito absoluto (a Constituição como um todo unitário), o conceito relativo (a Constituição como uma pluralidade de leis particulares), o conceito positivo (a Constituição como decisão de conjunto sobre o modo e a forma da unidade política) e o conceito ideal (a Constituição assim chamada em sentido distintivo e com certo conteúdo).

- Rudolf Smend

Formulou, ao enfrentar o problema da homogeneidade política da República de Weimar, a teoria da integração, como modo de compreensão do direito constitucional e da realidade constitucional. A substância da vida política, para Smend, consiste numa integração dialética de indivíduo, coletividade e Estado, sendo que a Constituição aparece como ordem jurídica do processo – pessoal, funcional e real – de integração.

- Constantino Mortati

Considera a Constituição como categoria central do direito público, cuja função é a de compor a unidade entre Estado e sociedade. A Constituição emana de forças político-sociais dominantes, historicamente determinadas, que também garantem a observância de seus limites, mesmo com mudanças no texto constitucional. A Constituição material é o núcleo essencial de fins e de forças que regem qualquer ordenamento positivo. Ela engloba também a Constituição formal, a qual adquirirá maior capacidade vinculativa quanto mais o seu conteúdo corresponder à realidade social e quanto mais esta se estabilizar num sistema harmônico de relações sociais. A essência da Constituição, portanto, não está na juridicidade, mas nas determinações de forças político-sociais dominante, em especial, os partidos políticos, que compunham a Constituição material.

- Maurice Hauriou

Desenvolveu uma teoria institucionalista da Constituição. Para Hauriou, o Estado distingue-se da sociedade e a função daquele é a de protegê-la. São quatro os fatores cuja ação determina o regime constitucional: o poder, a ordem, o Estado e a liberdade. A constituição de um país, cujo estudo é objeto do Direito Constitucional possui dupla dimensão: i) a constituição política do Estado, que compreende a organização e o funcionamento do governo, e a organização da liberdade política, é dizer, a participação dos cidadãos no governo, expressando-se, pois, num conjunto de regras jurídicas e de instituições; ii) a constituição social que, sob vários pontos de vista, é mais importante que sua constituição política, e que, a seu turno, compreende: a) as liberdades individuais que formam a base da estrutura da sociedade civil; b) as instituições sociais espontâneas que estão ao serviço e proteção das liberdades civis e de suas atividades.

- Karl Loewenstein

Examina temas relativos ao processo político e controles do poder político. Distingue constituições originárias, que são aquelas que apresentam um princípio político novo, verdadeiramente criador e, portanto, original para um processo do poder político e para a formação da vontade estatal; e constituições derivadas, que não inovam, que seguem fundamentalmente nos modelos constitucionais nacionais e estrangeiros, levando em conta somente uma adaptação às necessidades nacionais. Formula, ainda, classificação das constituições, denominada de ontológica, em constituições normativas, nominais e semânticas.

- Georges Burdeau

Tem a Constituição como ato determinante da idéia de Direito e regra de organização do exercício das funções estatais. No sentido institucional e jurídico, a Constituição estabelece no Estado a autoridade de um poder de Direito, tendo por referência uma idéia de Direito, origem exclusiva da sua autoridade. O Estado, para Burdeau, é um poder a serviço de uma idéia e a Constituição o seu fundamento jurídico.

- Konrad Hesse

Teoriza a Constituição como ordem jurídica fundamental e aberta da comunidade. A função da Constituição é buscar a unidade política do Estado e da ordem jurídica. Somente por meio da cooperação planificada e, portanto, organizada, pode surgir a unidade política. A qualidade da Constituição é a de constituir, estabilizar, racionalizar e limitar o poder e, desse modo, assegurar a liberdade individual. A Constituição, se pretender tornar possível a resolução de múltiplas situações, haverá de ser necessariamente aberta ao tempo. A Constituição não se dissolve em uma absoluta dinâmica, pois estabelece também aquilo que não deve ficar aberto: os fundamentos da ordem da comunidade, a estrutura estatal e o procedimento pelo qual hão de se decidir as questões deixadas em aberto. A força e a eficácia da Constituição sobressaem da capacidade de atuar na vida política, das circunstâncias e da situação histórica e, em especial, da vontade da Constituição, que, por seu turno, procede de uma tríplice raiz: da consciência da necessidade e do valor específico de uma ordem objetiva e normativa que afaste o arbítrio; da convicção de que esta ordem estabelecida pela Constituição é não só legítima, mas também que necessita de contínua legitimação; da convicção de que se trata de uma ordem a realizar mediante atos de vontade daqueles no processo constitucional.

- Franco Modugno

Promove uma reconstrução teórica, relativamente à idéia de Constituição, em que a concebe como um processo e não como um dado. Busca superar o sociologismo, mas evita regressar a um modelo formal de feição kelsiana. Distingue três momentos constitutivos, nesse processo: norma fundamental, formal real de governo e produção normativa. Sendo a organização do poder a realidade positiva da Constituição, a efetiva manifestação de sua existência objetiva é o seu conceito ou valor. E este conceito ou valor, em sentido material, configura-se como princípio da legislação ordinária primária e geral e como parâmetro de sua constitucionalidade.

- Krüger

Retoma e complemente a teoria integracionista de Smend. Concebe a Constituição como programa de integração e como programa de representação nacional. Uma Constituição não deve orientar-se por um maximalismo constitucional, que levaria à idéia de que quanto maior constitucionalização de matérias houver, melhor será uma Constituição, mas deve conter aquilo que disser respeito à comunidade, à nação, à totalidade política. Atribuir dignidade constitucional à subconstituições significa uma perda de capacidade de ação do Estado.

- Peter Häberle

Concebe a Constituição como um processo público. A Constituição se insere no moderno estado constitucional de sociedade aberta de seus intérpretes, pois como lei fragmentária e indeterminada carece de interpretação. Para Häberle, a verdadeira Constituição é sempre o resultado de um processo de interpretação, conduzido à luz da publicidade. A abertura e a pluralidade de interpretação caracterizam a Constituição como um processo, em vez de conteúdo. A teoria da sociedade é a teoria da sociedade aberta. A teoria da constituição, a idéia da possibilidade mantém aberta a Constituição viva, na sua realidade e publicidade em relação à legiferação, administração, jurisprudência, política, dogmática. Sendo a Constituição um obra aberta, a interpretação não averigua o conteúdo objetivo das normas constitucionais e muito menos a vontade do legislador, mas é um processo desdogmatizado, que se situa no tempo, capta as experiências e as mudanças. A Constituição, embora permaneça como uma ordem jurídica do Estado e da sociedade, deve, com ordem-quadro ser reduzida ao mínimo, para que possa inclui estruturas fundamentais da sociedade plural, por ser uma Constituição plural, que vai alem da lei fundamental escrita.

- Gomes Canotilho

Buscou dar efetividade à Constituição, pela concepção da denominada “Constituição Dirigente”, a serviço da ampliação das tarefas do Estado e da incorporação dos fins econômico-sociais normativamente vinculantes das instâncias de regulação jurídica. Numa outra fase de seu pensamento, Canotilho abrandou o seu posicionamento, sem, contudo, abandonar a preocupação em otimizar as funções gramática e de garantia da Constituição.

- Jorge Miranda

Adota uma posição, no âmbito da teoria constitucional, que se poderia denominar de “jusnaturalismo temperado por um neo-institucionalismo”, ao considerar a Constituição como elemento conformado e conformador de relações sociais, bem como resultado e fator de integração política. A Constituição, ainda é mais do que isso: é a expressão imediata dos valores jurídicos básicos acolhidos ou dominantes na comunidade política, a sede da idéia de Direito nela triunfante, o quadro de referência do poder político que se pretende ao serviço dessa idéia e o instrumento último de reivindicação da segurança dos cidadãos frente ao poder.

- Carlos Ayres Britto

Esclarece que a teoria, como conhecimento ordenado, sistematizado, quando grafado de Teoria da Constituição: “é saber especulativo que opera no interior do próprio Direito, para separar o Direito Constitucional de qualquer outro setor ou província jurídica; melhor dizendo, para evidenciar que a Constituição: a) é diploma jurídico-positivo diferente dos demais; b) é a parte central de um ramo jurídico também diferenciado das outras porções que se entroncam na grande árvore do Direito”.

- Jürgen Habermas

As bases normativas da teoria social crítica de Habermas e que se encontram na compreensão adequada da ação comunicativa, acham-se nos imperativos categóricos de Kant, que são ampliados. Segundo a concepção teorética da comunicação, acerca da ação social, o que torna possível a ação coordenada é nossa capacidade de chegar a um entendimento mútuo sobre alguma coisa, a partir de uma razão que uma sem apagar a separação, que ligue sem negar as diferenças, que indique o comum e o compartilhado entre estranhos sem privar o outro da condição de outro.

Afasta-se, pois, Habermas, da epistemologia positivista. Para ele, a afirmação verdadeira não é aquela que corresponde a um objeto ou a uma relação real, mas uma afirmação considerada válida num processo de argumentação discursiva. A verdade, neste horizonte, não se acha no conteúdo, mas no procedimento. Os argumentos de Habermas incorporam elementos pragmáticos e transcendentais e se relacionam de modo indissociável. A verdade é substituída pelo consenso, a moral verdadeira pela moral consensual. A verdade é algo definido pela maioria democrática.

A teoria da ação comunicativa será posteriormente desenvolvida por Habermas a partir de teorias diferenciadas: uma teoria sociológica do direito e uma teoria filosófica da Justiça. Para que a constituição das normas de direito e sua operacionalidade ocorram de forma democrática no mundo da vida é preciso que isso se dê como resultado de um compartilhamento intersubjetivo ativos dos sujeitos de direito, sob pena de gerar um esvaziamento de sua legitimidade, eficácia e identidade fática.

- John Rawls

Concebe a Justiça como o fundamento da estrutura social e, por isso, todas as decisões políticas e legislativas devem sujeitar-se aos limites impostos pelos princípios da Justiça. Rawls parte da idéia de posição original, que consiste na situação hipotética na qual os negociadores dos princípios da Justiça, que hão de prevalecer, possuem uma sabedoria geral e uma ignorância particular. Existe para este grupo de pessoas o constrangimento adicional que Rawls chama de véu de ignorância, ou seja, os negociadores não têm conhecimento algum de fatos particulares referentes a eles próprios e aos outros. A finalidade do véu de ignorância é eliminar da negociação qualquer possibilidade dos participantes protegerem seus próprios interesses a custa dos interesses dos outros.

As partes contratantes, na posição original, terão de alcançar finalmente o conceito de princípios fundamentais de Justiça: a liberdade e a diferença. Cada pessoa deve ter uma liberdade máxima. O princípio da liberdade não pode razoavelmente exigir a oferta incondicional da liberdade total a todos, mas a liberdade de cada um deve ser contida pela necessidade de proteger a liberdade de cada um.

Como haverá a percepção de que as partes contratantes poderão se beneficiar com a introdução de vantagens, emerge o princípio de que as desigualdades sociais e econômicas devem ser organizadas de modo a trazer os maiores benefícios aos menos favorecidos e propiciar posições acessíveis a todos em condições de uma justa igualdade de oportunidade para todos.

Após estabelecer os princípios da Justiça, Rawls passa a examinar o estabelecimento da rodem social nos limites desses princípios, os quais definirão uma concepção política exeqüível. As partes contratantes, quando chegam ao conceito selecionado de Justiça, o véu de ignorância se levanta parcialmente e agora têm de estruturar uma constituição especificando os poderes do governo e os direitos básicos dos cidadãos. A Constituição escolhida é a que satisfaz os princípios de Justiça de modo a gerar uma legislação justa e eficiente, bem como terá de proteger a liberdade de consciência e de pensamento, a liberdade da pessoa e a igualdade dos direitos políticos. Desse modo, o princípio de Justiça que mais pesa ao nível constitucional é o princípio da liberdade.

Estabelecida uma Constituição justa, os negociadores, em um novo estágio, tornam-se legisladores, em que o véu de ignorância se levanta mais um pouco. A paisagem completa dos fatos econômicos e sociais torna-se parte do conhecimento dos negociadores. O princípio da diferença exige que as políticas sociais e econômicas visem maximizar as expectativas a longo prazo dos menos favorecidos em condições de um justa igualdade de oportunidades, com a exclusão de leis que favoreçam os privilegiados, já que injustas, a não ser que resultem em benefícios em prol dos menos favorecidos. Rawls, portanto, apóia o privilégio, desde que seja para melhorar a situação dos menos privilegiados.

- Ronald Dworkin

A filosofia do Direito tem uma função legitimadora, na medida em que reforça os direitos individuais, em especial a igualdade, como base do liberalismo. Reconhece a existência, em favor dos indivíduos, de outros direitos além daqueles criados explicitamente pela legislação, pelos costumes ou pelo precedente judicial:são direitos cuja fonte reside em outras pautas de regulação de conduta, ainda que se trate de um caso controverso (hard case), e que podem decorrer dos princípios ou políticas públicas.

O Direito, para Dworkin, deve ser compreendido com integridade, que pressupõe um dinamismo e uma permanente transformação, sem deixar de ser coerente. Assim, o Direito não é concebido como um sistema fechado de regras, como postula o positivismo, já que regras e princípios, embora diferentes, são normas que vinculam. A diferença entre regras é princípios não é de importância, mas de qualidade. Havendo conflito de regras, uma delas deve desaparecer da ordem jurídica, ou seja, as regras funcionam à maneira de um tudo ou nada, enquanto os princípios, quando em colisão, não levam à revogação de um deles, mas o conflito é solucionado na esfera de um princípio e o afastamento de outro, que não acarreta a revogação do princípio afastado, mas apenas a consideração de que não era adequado para regular a situação específica. Os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de importância ou de peso.

Fonte: Direito Constitucional. Kildare Gonçalves Carvalho.