quinta-feira, 27 de maio de 2010

Uma Análise da Teoria dos Sistemas aplicada à Sociologia do Direito

A concepção sistêmica, segundo a proposta de Luhmann, pretende explicar os padrões recursivos das interações entre os atores sociais, os quais formam sistemas de comunicação, que, na realidade, constituem a própria natureza das sociedades. O autor propõe uma mudança no foco da análise sociológica contemporânea, que para ele é sustentada no que denomina corpus mysticum do sujeito. Dessa maneira, o autor pretende desconstituir um dos pilares centrais das sociologias contemporâneas: a idéia de que a unidade elementar da análise sociológica são as ações sociais como construção de sujeitos, entendidos como atores sociais.

Luhmann acha que as teorias sociológicas contemporâneas focaram mal o objeto de suas reflexões porque herdaram das teorias racionalistas do século XVIII o conceito de universal, ou seja, a preocupação em descobrir os componentes elementares e, ao mesmo tempo, gerais da vida em sociedade. Essas teorias racionalistas represaram uma concepção mais antiga do que a própria idéia de sistemas, que era a idéia de conceber os fenômenos como constituídos de um todo e de suas partes.

Procurar por universais a partir do particular, tentar definir toda a humanidade a partir de um só homem, fez com que os sociólogos fossem buscar o conceito de razão, moral social e outros apriorismos, tais como o conceito de educação ou, ainda, o conceito de Estado, os supostos universais estruturantes dos processos de socialização. Todavia, critica Luhmann, do ponto de vista formal isso não explica como o todo, na medida em que é composto de suas partes e de alguma coisa a mais, pode ser apresentado como unidade no nível das partes.

Em vez da dicotomia todo/parte, o autor propõe a idéia da diferenciação sistêmica (system differentiation), que nada mais seria que a repetição da diferença sistema/ambiente, dentro do sistema. Um sistema diferenciado é aquele que encerra um número significativo de diferenciações/sistema em suas operações. Cada uma dessas diferenciações, em cada corte considerado, reproduz a integridade da clivagem sistema/ambiente. A diferenciação sistêmica nada mais é que a repetição do código de homogeneidade dentro do sistema.

Destarte, o sentido de homogeneidade, que na teoria sociológica tradicional é retirado da noção universal do todo e da parte ou, em termos sociológicos, das noções de indivíduo e sociedade, deve ser substituído, segundo a proposta do autor, por um sentido de homogeneidade retirado da reprodução da clivagem sistema/ambiente ao longo do processo de diferenciação subsistêmica.

Na teoria desenvolvida por Luhmann, a existência dos sistemas é assumida como factual e, além disso, como auto-referencial. Não há sistema sem ambiente nem ambientes estruturados que não possam ser percebidos por sua organização sistêmica. Os sistemas são orientados pelos seus ambientes não apenas de maneira ocasional e por adaptação, mas também estruturalmente. Sem a diferença com o ambiente não haveria a auto-referência, porque ela é a premissa funcional das operações auto-referenciadas.

Partindo-se da estrutura geral da teoria da sociedade como um sistema social funcionalmente diferenciado, o sistema legal deve ser entendido como um dos seus subsistemas funcionais. Tal sistema constitui a si próprio a partir de suas funções determinadas no nível do sistema societário.

No caso específico do sistema legal, todas as suas unidades elementares, os atos legais, bem como a unidade do sistema como um todo, são ativadas pela redução de complexidades. A partir desse processo, os sistemas se submetem a estímulos do ambiente a seus padrões de entendimento e processamento sistêmico.

Luhmann absorve o conceito de autopoiesis[1] para afirmar que os subsistemas funcionais da sociedade são sempre auto-referenciais, ou seja, produzem e reproduzem a si próprios. Eles constituem seus componentes pelo arranjo próprio desses componentes, o que constitui propriamente sua unidade e, portanto, seu fechamento autopoiético.

No entanto, a idéia de que o sistema legal constitui um sistema fechado não deve obscurecer o fato de que todo sistema mantém conexões com seu ambiente. Luhmann formula essa concepção da seguinte maneira: o sistema legal é aberto porque é fechado e fechado porque é aberto. O autor, com esse paradoxo, quer expressar a forma particular do relacionamento entre o sistema legal e o ambiente societário. O sistema legal tem seu componente e sua forma própria de expressão: a norma; a seu modo próprio de operação, o código lícito e ilícito.

Ao mesmo tempo, o sistema jurídico é congnitivamente aberto, o quer dizer que é estimulado pelas informações do ambiente. No caso específico do sistema legal, ele retira parte de sua dinâmica própria do processamento que realiza, segundo seu código, dos estímulos dos demais subsistemas sociais: político, econômico, educacional, moral etc.

Luhmann enfatiza, então, que o sistema legal é um sistema normativo no sentido de seus componentes serem os conteúdos das normas, ou no sentido de determinarem o funcionamento do ambiente, mas sim um sistema de operações legais que usa sua auto-referência normativa para reproduzir a si próprio e para selecionar informações do meio.

O autor chama de dupla contingência dos demais sistemas o fato de eles operarem de maneira normativamente fechada, o que requer relações simétricas entre seus componentes, na medida em que um dos elementos dá sustentação ao outro e vice-versa. Ao mesmo tempo, operaram de maneira cognitivamente aberta, na qual a assimetria entre o sistema e seu ambiente os força a uma recíproca adaptação e mudança. Os sistemas legais apresentam uma maneira especial de resolver esse problema ao combinar disposições normativas e cognitivas, e estabelecer condicionalidades para a introdução no sistema dos estímulos do ambiente.

Nesse sentido, as normas legais, diferentemente das concepções de Kelsen e Durkhein, não derivam de uma ordem legal factual nem de uma norma fundamental, mas são programas de condicionalidades para a introdução no sistema dos estímulos do ambiente. O sistema legal não determina o conteúdo das decisões legais, nem logicamente ou por intermédio de procedimentos técnicos de uma hermenêutica jurídica. Ele opera como um sistema ao mesmo tempo normativamente fechado, o que garante a sua manutenção e auto-reprodução, e aberto cognitivamente, no sentido de que está em contínua adaptação às exigências do ambiente.

O modelo analítico de Gunther Teubner para o entendimento do sistema jurídico caminha em dois sentidos aparentemente contrários: de um lado, o autor procura aprofundar a apropriação do modelo biológico da autopoieseis para explicar o sistema jurídico; de outro, procura incorporar variáveis historicistas (sociais e políticas) na explicação do fenômeno jurídico, especialmente no contexto que chama de processo de juridificação. O enfrentamento dessa dupla problemática ocorrer na obra de Teubner porque ele aceitou o desafio de confrontar os princípios da teoria sistêmica, desenvolvida com base nos trabalhos de Luhmann, com a realidade dos sistemas jurídicos europeus, desenvolvidos no contexto do Welfare State. Ao fim e ao cabo, o conceito reflexivo surge como a contribuição mais significativa do autor à teoria sistêmica porque procura estabelecer as condições de comunicação sistema/ambiente, no caso concreto a interação entre sistema jurídico e subsistemas social, político e econômico.

Segundo Teubner, a auto-referência e a autopoiesis constituem critérios precisos para a caracterização dos sucessivos graus ou etapas da autonomia. Utilizando-se a definição de autopoiesis, o autor afirma que um sistema se torna crescentemente auto-referencial quando a rede de sues componentes sofre modificações do seguinte tipo: maior feedback entre seus componentes, plasticidade funcional e plasticidade estrutural, e constituição de novos componentes da rede de componentes. Um sistema jurídico torna-se autônomo na medida em que consegue constituir seus elementos – ações, normas, processos, identidade – em ciclos auto-referenciais, só atingindo o termo pertinente de sua autonomia autopoiética quando os componentes do sistema, assim ciclicamente constituídos, se articulam, por sua vez, entre si, formando um hiperciclo.

De uma maneira geral, o grau de autonomia dos subsistemas sociais é determinado por uma escala crescente que parte da satisfação da primeira linha de exigências, ou seja, da definição auto-referencial de seus componentes, passa pela incorporação e utilização operativa do sistema dessa auto-observação e, finalmente, pela articulação hipercíclica dos componentes sistêmicos autoconstituídos. Teubner se apressa em dizer que esses complexos hiperciclos que constituem os processos de autopoiesis dos subsistemas sociais não evoluem de acordo com padrões predeterminados ou em direção à consecução de um fim particular.

Em sentido estrito, a autonomia jurídica abrange não apenas a capacidade do direito de criar seus próprios princípios, mas também de autoconstituição de ações, a juridificação dos processos e a criação de institutos jurídico-doutrinais. Essa concepção de autonomia do direito se diferencia da reflexão marxista sobre a relação base-superestrutura na determinação do fenômeno jurídico pelos sistemas econômicos, em que a relativa autonomia do sistema jurídico estaria ainda assim determinada pelos interesses materiais em disputa pelas classes sociais. Por outro lado, também se particulariza das teses sociológicas mais tradicionais, que afirmam que o sistema jurídico, mesmo quando independente dos demais poderes constituídos, como democracias ocidentais, não são autônomos em relação ao conjunto das demandas socialmente constituídas.

O modelo explicativo de Teubner é bastante enrobustecido com o desenvolvimento do conceito de reflexividade ou, mais especificamente, de direito reflexivo. Novamente, a preocupação do autor é dotar a teoria sistêmica e o conceito de autopoiesis de poder explicativo das configurações institucionais concretas (empíricas) do sistema jurídico. No caso específico, ele polemiza com as explicações correntes do fenômeno da materialização do direito e seus efeitos no processo de juridificação das relações sociais no conceito de Welfare State.

O autor opta por um modelo que supõe três tipos de direito (formal, material e reflexivo) dimensionados por três níveis distintos (racionalidade interna, racionalidade normativa, racionalidade sistêmica).

A Teoria Sistêmica do Direito problematiza especialmente a hipótese sociológica tradicional sobre a suposta determinação social, política e econômica dos conteúdos do direito. Luhmann argumenta que a sociologia do direito está interessada somente nas conexões entre variáveis legais e extralegais e, embora todas elas falem de unidade do sistema legal, esta unidade nunca é claramente percebida. Com bastante propriedade, Teubner chama de positivistas todas essas teorias que reduzem o direito ao simples reflexos das relações de poder, e suas perspectivas estruturas sociais e econômicas.

Um dos elementos fundamentais para entendermos a mudança do enfoque das teorias sistêmicas do direito em relação às teorias sociológicas tradicionais está na compreensão da distinção entre independência, autonomia e autopoiesis do sistema jurídico.

Lawrence Friedman argumenta, por exemplo, que um dos problemas clássicos da sociologia do direito gravita em torno da questão da autonomia (ou da falta dela) do sistema jurídico. Sua posição a esse respeito é de que deve buscar uma explicação intermediária entre as interpretações que atribuem às forças sociais um poder de pressão irresistível ao sistema legal e, na posição oposta, as teorias sistêmicas que assumem que o sistema legal é autônomo, no sentido de que possui um conteúdo e uma lógica próprios e independentes de influências externas. Friedman argumenta que a perspectiva do insultamento contra o mundo externo pode trazer, em termos práticos, uma série de inconveniências, como conservadorismo e resistências cegas a qualquer tipo de mudanças demandadas por grupos sociais, seus interesses legítimos e seus valores. Ainda que, em contrapartida, em seu aspecto positivo, o insultamento do sistema legal possa oferecer maiores garantias com respeito aos direitos humanos, das minorias e dos cidadãos contra o Estado.

Friedman afirma que em vez de autonomia é mais adequado falar em independência do sistema legal, no sentido de que alguns segmentos desse sistema, por exemplo, o Poder Judiciário, têm independência de ação quanto a guardarem relativa autonomia com respeito às pressões externas. Mas não se deve tomar independência por autonomia do sistema. Sua tese principal é a de que o conceito de cultural legal, ou seja, do conjunto de idéias, das atitudes e das crenças compartilhadas pelas pessoas do sistema legal, é o mais adequado para a compreensão do incontornável processo de mediação entre o sistema legal e a organização social. Por fim, destaca que o conceito de autonomia do sistema jurídico no sentido de autopoiesis em nada diferencia daquilo que Weber definiu como racionalidade formal, uma das características inequívocas do direito ocidental contemporâneo.

Em outra versão da crítica sociológica à Teoria Sistêmica do Direito, Richard Lempert confronta a idéia de autopoiesis com seu conceito de autonomia legal. Segundo o autor, autopoiesis e autonomia legal delimitam duas versões sobre o fenômeno da autonomia dos sistemas legais, que remetem às tradições anglo-americana e européia ocidental. A primeira, a visão anglo-americana é fortemente influenciada por estudos empíricos sobre a maneira como o poder das leis se articula com outras fontes de poder na sociedade.

A segunda, afirma o autor, reflete o fato de que a perspectiva de autonomia do sistema legal na visão continental parte de uma abstração (o sistema legal como um subsistema dos sistemas sociais) de uma abstração (os sistemas sociais como análogos a sistemas biológicos). Isso conduz à segunda diferença entre essas perspectivas, delimitada por Lempert, que é o fato de a sociologia do direito na tradição anglo-americana estar mais focada na análise de casos concretos e particulares de autonomias legais, conduzidos com rigor estatístico.

Lempert afirma que a concepção de autopoiesis pressupõe reconstituição cíclica constante, de acordo com as modificações do ambiente. Isso conduz a uma concepção evolucionista do sistema legal, mascarada pelo que os autores dessa corrente sistêmica chamam de adaptação.

Finalmente, Lempert critica a idéia de Lunmann de que o sistema legal é cognitivamente aberto e normativamente fechado, afirmando que essa formulação muito genérica e que não responde a questão fundamental para a sociologia do direito, a saber, as maneiras pelas quais mudanças normativas no sistema legal estão associadas às pressões sociais.

Por todas essas razões, em vez de autopoiesis, Lempert prefere trabalhar com o que chama de autonomia relativa do sistema legal, em que a autonomia do direito é relativa ao grau de importância dos padrões interno de ação e de procedimento para a criação e aplicação da lei vis-à-vis os padrões externos ao sistema jurídico de natureza política e social. E conclui: a autonomia do Direito é mais bem ilustrada na aplicação da lei e no processo judicial do que na criação da lei e no processo legislativo.

As críticas formuladas por Lawrence Friedman e Richard Lempert à teoria dos sistemas são interessantes porque canalizam e expressam as idéias e as teses fundamentais da sociologia do direito mais fortemente ofendidas com as inovações teorias dos trabalhos de Niklas Luhmann e Ghunter Teunbner. Ambos, Friedman e Lempert, reagem, por caminhos diferentes, da mesma forma à teoria sistêmica, quando a acusam de ser muito ambígua, incapaz de ser testada empiricamente e, na verdade, só estar afirmando o que já se sabe sobre o sistema jurídico, porém utilizando um linguagem desnecessariamente complicada.

Luhmann distancia-se ainda da sociologia compreensiva de Max Weber e das perspectivas fenomenológicas de maneira geral, que concebem a ação social como resultado do significado intersubjetivo atribuído interpretativamente pelos sujeitos da ação. Em Luhmann, a concepção de que os padrões recorrentes da ordem são dados pelos códigos da comunicação sistêmica é o que permite a incorporação à teoria desse autor do conceito biológico de autopoiesis utilizado para explicar os sistemas sociais e, posteriormente, o subsistema legal.

Um segundo tipo de crítica à Teoria Sistêmica do Direito, condensada nos trabalhos de Friedman e Lempert, diz respeito ao caráter evolucionista de suas proposições. Essa crítica aplica-se melhor a Teubner, pelas razões que se relacionam com as noções de reflexividade e historicidade.

Esse tipo de proposição respalda as críticas a respeito do evolucionismo da teoria sistêmica na medida em que esta postula um processo progressivo, graduado, em diversos níveis de profundidade do fenômeno de autopoiesis, alcançados segundo o correspondente avanço progressivo e integrado do sistema jurídico com os demais subsistemas sociais. Por trás da concepção da capacidade plena de auto-reprodução dos subsistemas sociais a partir do fenômeno da autopoiesis, há uma indisfarçável idéia de classificação das sociedades em complexas e simples a partir da profundidade e da extensão da especialização funcional observada em cada uma delas.

O evolucionismo de Teubner fica caracterizado ainda pela leitura que ele faz dos escritos de Weber sobre o direito. O ponto de partida correto, no entanto, é quando o autor atribui a Weber a caracterização de duas tendências contrárias de desenvolvimento do direito: por um lado, um processo progressivo de especialização formal, administrado de forma profissional e com incremento da sistematização interna; por outro, um processo em que o direito é exposto às exigências igualmente progressivas que o fazem incorporar elementos de Justiça material, como conceitos de democratização e Justiça social.

A teoria sistêmica acrescenta, no mínimo, um aspecto novo à sociologia do direito, quando analisa a forma como o sistema jurídico cria realidades descortinadas pelo código lícito e ilícito com efeitos sensíveis nas comunicações dos indivíduos, ou seja, nas realidades sociais. O direito, nessa perspectiva, não representa um indicador externo das moralidades sociais ou um documento autenticado das relações de dominação entre as classes sociais, ou, ainda, um reflexo de interesses estratégicos de grupos de qualquer natureza. Sem desconhecer esses aspectos, todos influentes no direito, ou qualquer outro estímulo do ambiente moral, político, artístico e científico da criação dos sistemas jurídicos, a teoria sistêmica problematiza a relação entre direito e sociedade a partir do direito. E isso significa contemplar a forma como código binário essencial do sistema jurídico (lícito/ilícito) não apenas determina a recepção dos estímulos do meio, mas, ao mesmo tempo, condiciona a expressão da comunicação e de seus conteúdos entre os agentes sociais.

A partir das teorias de Teubner e Luhmann, da forma especial como concebem a interação dos subsistemas sociais e seus códigos – que se pode chamar de fricções subsistêmicas –, pode-se chegar à concepção de que não é apenas a realidade social de atores que produz o direito, mas o inverso também procede: o direito cria realidade social, no sentido de que o código lícito/ilícito enseja que os atores sociais reordenarem suas ações e expectativas conforme a lógica jurídica subjacente às interações. A teoria sistêmica, portanto, permite a compreensão de processos coletivos, empiricamente constatáveis, em que o centro da ação não está localizado em forças macro ou microssociológicas, mas no código sistêmico do direito.

A unidade básica para a compreensão dos sistemas sociais, de acordo com Luhmann, não são os sujeitos e suas situações, mas suas comunicações. Segundo esse autor, sujeitos, por exemplo indivíduos, têm interpretações diversificadas e personalizadas das situações, de tal maneira que é impossível subsumi-las em qualquer padrão que permita compreensão de algo como uma ordem ou sistema social. Daí que esse padrão sistêmico deva ser procurado na integridade das comunicações que os indivíduos realizam entre si, estas, sim, necessariamente padronizadas para a eficácia das interações. Teubner, embora pretenda assumir esse modelo luhmanniano, insere um corpo estanho a essa teoria, que é a idéia de um desenvolvimento histórico (progressivo) do subsistema do direito empreendido por sujeitos: classes sociais, corporações de juristas, movimentos sociais etc., o que o autor chama de influência de variáveis externas.

A análise sistêmica de Luhmann e Teubner representa uma contribuição importante e original ao acervo teórico da sociologia do direito. Ela problematiza a natureza dos vínculos postulados pela teoria sociológica tradicional entre a organização social e organização do direito, e desfaz, com muita propriedade, a hipótese clássica dessas teorias a respeito dos vínculos mecânicos entre os interesses materiais e políticos de grupos sociais e a constituição do sistema jurídico.

Em seu lugar, a teoria sistêmica propõe um sofisticado modelo que consegue, com rara competência, identificar movimentos especiais resultantes das “fricções” entre os subsistemas sociais: político, econômico e jurídico. A idéia de autonomia autopoiética do direito, despida de seus elementos mais biológicos, identifica um processo totalmente distinto daqueles observados e analisados exaustivamente pela sociologia tradicional, e que enfatizam a influência de variáveis macrossociológicas na constituição do direito. Em vez disso, a teoria sistêmica afirma uma dupla via na interação desses elementos, de forma que, também o direito, isto é, o sistema jurídico stricto sensu, produz “realidade social”.

Fonte: A Perspectiva Sistêmica na Sociologia do Direito. Marcelo Pereira de Mello.




[1]Autopoiese ou autopoiesis (do grego auto "próprio", poiesis "criação") é um termo cunhado na década de 70 para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Segundo esta teoria, um ser vivo é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares (processos), onde as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas que as produziu. A conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são condições sistêmicas para a vida. Por tanto um sistema vivo, como sistema autônomo está constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre mantendo interações com o meio, onde este apenas desencadeia no ser vivo mudanças determinadas em sua própria estrutura, e não por um agente externo.

Intervenção de Terceiros - Conceito Básicos

Em um primeiro momento, pode-se afirmar que terceiro é um contra-conceito, isto é, terceiro será todo aquele que não for parte. Fala-se em terceiros desinteressados – e a esses a lei não fornece caminho algum para que possam intervir no processo alheio, instrumentando-lhes com os embargos de terceiro, para que possam justamente dizer que não podem ser atingidos porque nada têm a ver com o processo –; em terceiros interessados de fato – cujo interesse é meramente econômico, moral ou espiritual, mas não jurídico –; em terceiros interessados juridicamente; e em terceiros que podem intervir e se tornar partes.

Na intervenção de terceiros, alguém que não tomava parte no processo desde o início, dele passa a participar, por opção dele mesmo ou de uma das partes. Deve haver interesse jurídico que justifique tal intervenção.

Há circunstâncias, todavia, em que os efeitos da sentença podem alcançar terceiros, diretamente. Quando se tratar, por exemplo, da existência de afirmações de direito simultâneas e mutuamente excludentes a respeito do mesmo objeto ou indiretamente, quando o terceiro tiver de suportar algum tipo de efeito, ainda que por via oblíqua (efeito indireto), da sentença que for proferida entre “A” e “B”. Tais circunstâncias constituem casos excepcionais, diante dos quais o ordenamento autoriza a intervenção de terceiros.

Assistência

A figura da assistência simples é, na verdade, a mais autêntica das formas de intervenção de terceiro, já que se trata do único terceiro que permanece, em certa medida, na condição de terceiro, mesmo depois de ter integrado o processo. O que há de mais marcante com relação a essa figura é, indiscutivelmente, o tipo de interesse que tem relativamente ao objeto do processo que pende entre “A” e “B”, e no qual pretende ele, “C”, intervir.

Trata-se, apesar disso, de intervenção em que o terceiro, a que se denomina, em um primeiro momento, genericamente, de assistente, ingressa em processo alheio com o fim de prestar colaboração a uma das partes, isto é, àquela a quem assiste, tendo em vista o alcance de resultado satisfatório, no processo, para o assistido. O interesse do assistente consiste na vitória da parte a quem assiste e na conseqüente e correlata sucumbência da parte contrária.

Por aí já se vê que o assistente não formula pretensão e tampouco defesa, e a sua presença no processo não faz nascer uma outra lide para que o Juiz decida juntamente com a lide originária.

A lei prevê duas hipóteses de assistência. A primeira delas, a simples, é a assistência propriamente dita; a assistência litisconsorcial, a seu turno, consiste numa figura híbrida, já que o assistente litisconsorcial, sob certos aspectos, pode ser considerado parte, e sob outros, não.

Na assistência simples, disciplinada no artigo 50 do Código de Processo Civil, o assistente tem interesse jurídico, evidentemente diferente do interesse jurídico da parte. Esse interesse nasce da perspectiva de sofrer efeitos reflexos da decisão desfavorável do assistido, de forma que sua esfera seja afetada. Por isso, a possibilidade de atuação do assistente simples no processo é mais limitada, bastante dependente da atuação da parte assistida.

Na assistência simples, o assistente tem interesse jurídico próprio, que pode ser preservado na medida em que a sentença seja favorável ao assistido. O assistente simples não tem qualquer relação jurídica controvertida com o adversário do assistido, embora possa ser atingido, ainda que indiretamente, pela sentença desfavorável a este.

Há dois tipos de assistentes simples: aquele que, já no momento da prolação da sentença, é reflexamente atingido e aquele que, proferida a sentença, passa a correr o risco de ser atingido por decisão proferida em processo posterior, que eventualmente seja movido pelo vencedor da demanda, em que este poderia ter sido assistente.

Vê-se que, em ambos os casos, a sentença atinge diretamente estes terceiros que podem intervir no feito, já que estes não são parte, mas inexoravelmente se reflete em sua esfera.

Na assistência litisconsorcial, o assistente tem interesse jurídico próprio, qualificado pela circunstância de que sua própria pretensão (ou melhor, pretensão que lhe diz respeito, mas não formulou), que poderia ter sido deduzida em Juízo contra o adversário do assistido, mas não o foi, será julgada pela sentença, razão pela qual assume, quando intervém no processo alheio, posição idêntica à do litisconsorte. O assistente litisconsorcial exerce todos os poderes e submete-se a todos os ônus e responsabilidades da própria parte. Ele tem posição jurídica idêntica à do assistido. Sua atuação processual não é dependente em relação à do assistido.

Existem também duas espécies de assistente litisconsorcial: aquele que poderia ter sido litisconsorte facultativo, em caso de litisconsórcio facultativo unitário, e aquele que, apesar de ter legitimidade ad causam, não pode, por alguma razão, ser parte. Excepcionalmente o litisconsórcio pode ser facultativo e unitário, já que, normalmente, o litisconsórcio unitário é necessário, deixando de sê-lo em função de disposição legal expressa.

Outras Espécies de Intervenção de Terceiros

São modalidades de intervenção de terceiros: oposição, nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo. O traço comum entre elas é o fato de que os terceiros que intervêm no processo, uma vez tendo ingressado no feito, assumem invariavelmente a condição de parte. São terceiros, pois, única e exclusivamente, antes de seu ingresso em processo anteriormente existente.

Oposição

É o instituto por meio do qual terceiro (C) ingressa em processo alheio, exercendo direito de ação contra os primitivos litigantes (A e B), que figuram, no pólo passivo, como litisconsortes necessários. Existe nexo de prejudicialidade entre a oposição e a ação principal, sendo aquela prejudicial a esta.

Como característica da oposição, pode-se mencionar a unidade procedimental e decisória, do ponto de vista formal. Instaurada a oposição, esta e a ação principal terão o mesmo procedimento, correndo simultaneamente, e serão decididas, ao final, por uma sentença que será una sob o aspecto formal, embora, na verdade, estruturalmente, esteja-se diante de duas sentenças que decidem, na verdade, duas lides.

Uma outra característica apontada pela doutrina é a facultatividade. Isto significa que o terceiro pode ou não fazer uso da oposição para, por meio dela, fazer valer seu direito frente aos opostos. Se preferir, pode esperar o desfecho da ação em que controvertam “A” e “B” para, depois de findo o processo, voltar-se contra aquele a quem coube o bem em torno do qual controvertiam.

Para que “C” possa entrar, por meio do instituto da oposição, em processo alheio já pendente, é necessário que a pretensão que deverá deduzir seja, no todo ou em parte, incompatível com que pretendem (com a pretensão de “A” e com a resistência de “B”).

É necessário que tenha sido instaurada a litispendência para que possa ter lugar a oposição, já que o artigo 56 do Código de Processo Civil alude a coisa ou direito sobre que controverterem autor e réu. Necessário também que o Juiz da ação originariamente proposta seja competente para julgar a oposição. Deve-se verificar, com relação ao opoente e à pretensão que deduz, o preenchimento das condições da ação e dos pressupostos processuais. A oposição deve ser deduzida antes da sentença.

Os opostos são litisconsortes necessários passivos e serão tratados com autonomia. Desta regra é sintoma evidente o artigo 58 do Código de Processo Civil, que estabelece que, reconhecendo um dos opostos a procedência do pedido, deve o processo prosseguir contra o outro (princípio da economia processual).

A oposição propriamente dita só ocorrerá se for oferecida antes da audiência de instrução e julgamento, caso em que será apensada aos autos principais, havendo, daí para frente, unidade procedimental e decisão conjunta.

A lei prevê (artigo 60 do CPC), entretanto, que a oposição também pode ser oferecida depois da audiência, só que, nesta hipótese, não haverá unidade procedimental nem decisória. Pode o Juiz suspender o andamento do processo principal, por até noventa dias, para julgá-lo com a oposição, se estimar que este prazo seria suficiente. Se isso não acontecer, será a oposição julgada independentemente e, na verdade, não será tratado propriamente como oposição.

Os opostos será citados, na pessoa de seus advogados, para contestar o pedido no prazo de quinze dias, estes podem apresentar até três espécies de resposta: exceção, contestação e reconvenção.

Nomeação à Autoria

Trata-se do instituto por meio do qual se introduz no processo aquele que deveria ter sido originariamente demandado. Aquele que passa a integrar o processo assume a condição de réu, deixando, portanto de ser terceiro. Este instituto tem por finalidade a correção da legitimação passiva da ação, configurando-se numa exceção ao princípio da perpetuatio legitimationis.

A lei autoriza em duas hipóteses o Juiz, no lugar de proferir sentença de natureza processual, deva permitir a correção da legitimidade passiva, ensejando ao réu primitivo a oportunidade de nomear aquele que deveria ter sido indicado, pelo autor, como réu, originariamente.

Essas duas hipóteses são a do detentor, sendo demandado a respeito de coisa que detém em nome alheio e daquele que é acionado em função de ato que praticou por ordem de terceiro ou em cumprimento de suas determinações.

Pode a legitimidade ser corrigida no caso de o réu ser detentor da coisa e de esta lhe ser demandada em nome próprio. Outra hipótese é a do réu que seja acionado pelo proprietário ou pelo titular de direito sobre a coisa, com pedido de indenização. O réu pode nomear à autoria aquele de quem havia recebido ordem ou instrução para a prática do ato que seja a causa de pedir dessa ação.

O prazo para nomeação à autoria é o da defesa, sob pena de preclusão.

Quanto ao autor, pode-se dizer que sua vontade é relevante para que ocorra a nomeação à autoria, já que lhe cabe manifestar-se no prazo de cinco dias, quando não concorda com ela. Tendo sido aceita a nomeação, cabe-lhe promover a citação; tendo-a recusado, fica esta sem efeito, correndo o processo contra o nomeante.

Ao nomeado cabe, por sua vez, reconhecer ou não a qualidade que lhe é atribuída. Se isto ocorrer, isto é, se o nomeado reconhecer sua legitimidade em função da qualidade que lhe é atribuída, abre-se, para ele, novo prazo para defesa. Se o nomeado não se reconhece na posição de réu, abre-se o prazo para defesa. No caso de o nomeado não comparecer, ou, apesar de ter comparecido, não se manifestar, presume-se aceita a nomeação.

Diz-se que a nomeação a autoria é obrigatória. O sentido da expressão liga-se ao nascimento de direito no plano do direito material em relação a uma possível indenização por perdas e danos, na medida em que estes efetivamente tiverem ocorrido, que ocorre se o réu deixar de nomear à autoria, quando deveria tê-lo feito, ou nomear pessoa errada.

O que se pode dizer é que a obrigatoriedade da nomeação à autoria gera uma conseqüência que vai além do próprio processo. Segundo a regra do artigo 69 do Código de Processo Civil, se aquele a quem incumbia nomear à autoria deixar de fazê-lo ou, se o fizer, nomear pessoa diversa daquele em nome de quem detém a coisa demandada, está sujeito a responder por perdas e danos a que sua conduta der causa.

Denunciação da Lide

É instituto criado com o objetivo de, levando a efeito o princípio da economia processual, inserir num só procedimento duas lides, interligadas, uma de que se diz principal e outra de que se diz eventual, porque, na verdade, o potencial conflituoso da lide, levada a conhecimento do Juiz através da denunciação, só se realiza concretamente em função de um determinado resultado, que será obtido com a solução da lide principal. Não sendo vencido o denunciante na ação originária, a lide eventual não deve ser examinada, já que a denunciação perderá seu objeto.

O que se quer com a denunciação da lide, como regra geral, é embutir no mesmo procedimento a solução de um segundo conflito, em que, sendo sucumbente o réu, nasce simultaneamente à sua condenação a condenação do terceiro denunciado.

A denunciação da lide é exercício do direito de ação, do denunciante contra o denunciado. Estes se consideram litisconsortes perante o autor. Havendo denunciação, terá o Juiz de decidir duas lides, caso o denunciante seja sucumbente na ação originária, já que a lide secundária (a lide da denunciação) é eventual.

Existe nexo de prejudicialidade real entre a ação originária e aquela que se instaura com a denunciação. Denunciado e denunciante assumem a posição de litisconsortes porque, em relação ao autor, estão no pólo passivo do outro processo. Diz-se que esse litisconsórcio segue o regime a unitariedade.

A lei menciona três hipóteses em que a denunciação da lide pode (ou deve) acontecer.

A primeira delas diz respeito à evicção (perda de um direito material em função de uma decisão judicial). A denunciação da lide possibilita o exercício do direito que resulta da evicção, ou seja, com maior simplicidade, poderia ser dito que a denunciação da lide permite que alguém, com risco de vir a ser lesado com a perda de um direito em decorrência de uma decisão judicial, possa assegurar-se de que será ressarcido por aquele que lhe transferiu esse direito, caso o risco se concretize.

A denunciação da lide, neste caso, é obrigatória. A conseqüência decorrente da omissão daquele que deveria denunciar e não o fez é, só neste caso específico, além da perda da oportunidade de embutir a ação regressiva no mesmo processo, também a perda do direito material relativo à indenização. A lei prevê a possibilidade de o alienante se eximir da responsabilidade pela evicção, por cláusula expressa no contrato. Nesses casos, evidentemente, não pode haver a denunciação da lide (artigo 448 do CC).

A segunda hipótese serve para trazer ao processo o proprietário ou o possuidor indireto, quando o acionado é o possuidor direto da coisa. A diferença fundamental entre este instituto e o da nomeação a autoria e que, quando há denunciação, ambos – denunciante e denunciado – permanecem no processo, enquanto na nomeação a autoria o nomeante sai e o nomeado entra, passando a integrar o pólo passivo da ação.

A terceira hipótese que enseja a denunciação da lide é a que decorre de o denunciado estar obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar o eventual sucumbente.

Na denunciação da lide, a iniciativa pode partir do autor e do réu. Sendo admitida e ordenada a citação, há suspensão do processo. A sentença que julgar procedente a ação entre o autor e o réu originários, deve declarar o direito do réu em relação ao denunciado e vale como título executivo.

Chamamento ao Processo

Trata-se de instituto que consiste em um meio de formação de litisconsórcio passivo, por iniciativa do próprio réu.

O objetivo fundamental do chamamento ao processo é a criação de título executivo para posterior sub-rogação. Com isso quer dizer-se o seguinte: “B”, sendo acionado por “A”, e perdendo a ação, se tiver chamado ao processo os demais devedores solidários, pode, pagando “A”, sub-rogar-se em seus direitos de credor para acionar os demais co-devedores.

Entende-se predominantemente hoje que o uso do instituto do chamamento ao processo só pode ocorrer em processo de conhecimento e de natureza condenatória, principalmente em função de um dos principais objetivos do instituto, que é a formação de título executivo.

É instituto cujo uso, sob certo aspecto, pode ser visto como obrigatório, já que não se tem admitido a alegação do benefício de ordem sem que tenha havido chamamento no processo de conhecimento. Sob outro aspecto, que é o da perda de qualquer direito ou oportunidade, pode-se dizer que o chamamento é facultativo, já que o seu não uso não acarreta nenhum tipo de conseqüência negativa, a não ser a necessidade de intentar outra ação de conhecimento com o objetivo da obtenção de título executivo contra outros co-devedores, caso tenha “B” (réu da primitiva ação) respondido sozinho pela dívida.

A vontade relevante para o chamamento é exclusivamente do réu, podendo o chamado comparecer para negar a qualidade que lhe é atribuída e também, evidentemente, o autor manifestar-se no sentido de que não é o caso de chamamento.

Os réus atuam em regime de litisconsórcio passivo facultativo simples. Aplica-se o regime de unitariedade no caso do artigo 509, parágrafo único do Código de Processo Civil, que estabelece aproveitar aos outros o recurso por um interposto, quando as defesas opostas ao credor forem comuns, se houver solidariedade passiva.

O fiador pode chamar o devedor principal, o fiador pode chamar outro fiador e o devedor solidário pode chamar outro devedor solidário. Tem-se admitido chamamentos sucessivos.

O chamamento pode ter lugar no prazo para contestar. Tem-se, todavia, entendido que o chamamento deve ocorrer com a contestação.

Admitido o chamamento, o processo se suspende e o chamado terá prazo para a resposta, depois de ser citado, pois será litisconsorte do chamante.

A sentença proferida em processo em que houve chamamento diz respeito diretamente ao autor e ao réu chamante. Resultado a eficácia natural da sentença será a sub-rogação do primitivo devedor condenado, na posição de credor (autor da ação), para cobrar dos chamados, caso tenha satisfeito a dívida.

Fonte: Curso Avançado de Processo Civil. Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Administração Pública – Conceitos Iniciais

Em sentido objetivo, administração pública consiste na própria atividade administrativa exercida pelo Estado por seus órgãos e agentes, caracterizando, enfim, a função administrativa.

A expressão Administração Pública também pode significar o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas. Toma-se em consideração o sujeito da função administrativa, ou seja, quem a exerce de fato. Para diferenciar este sentido da noção anterior, deve a expressão conter as iniciais maiúsculas.

Os órgãos e agentes que fazem parte do sistema federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) compõem a Administração Direta, responsável pelo desempenho das atividades administrativas de forma centralizada. As autarquias, sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas integram a Administração Indireta, exercendo a função administrativa descentralizadamente.

Quando se trata de Federação, vigora o pluripersonalismo, porque além da pessoa jurídica central existem outras internas que formam o sistema político. Entre a pessoa jurídica em si e seus agentes, compõe o Estado um grande número de repartições internas, necessárias à sua organização, tão grande é a extensão que alcança e tamanha as atividades a seu cargo. Tais repartições é que constituem os órgãos públicos.

Primitivamente, se entendeu que os agentes eram mandatários do Estado (teoria do mando), contudo tal entendimento não podia prosperar porque, despido de vontade, não poderia o Estado outorgar mandato. Passou-se a considerar os agentes como representantes do Estado (teoria da representação), no entanto, o entendimento foi criticado pelo fato de atribuir incapacidade ao Estado.

Por inspiração de Otto Gierke, foi instituída a teoria do órgão e, segundo ela, a vontade da pessoa jurídica deve ser atribuída aos órgãos que a compõem, sendo eles mesmos, os órgãos, compostos de agentes.

A característica fundamental da teoria do órgão consiste no princípio da imputação volitiva, ou seja, a vontade do órgão público é imputada à pessoa jurídica a cuja estrutura pertence. Há, pois, uma relação jurídica externa, entre a pessoa jurídica e outras pessoas, e uma relação interna, que vincula o órgão à pessoa jurídica a que pertence.

A teoria tem aplicação concreta na hipótese de função de fato. Desde que a atividade provenha de um órgão, não tem relevância o fato de ter sido exercida por um agente que não tenha investidura legítima. Bastam a aparência da investidura e o exercício da atividade pelo órgão: nesse caso, os efeitos da conduta vão ser imputados à pessoa jurídica.

Tanto a criação como a extinção de órgãos depende de lei. A Constituição Federal reserva ao Presidente da República (e, por simetria, aos demais Chefes do Poder Executivo) iniciativa para deflagrar o processo legislativo sobre a matéria. No entanto, por meio de decreto, pode-se dispor sobre organização e funcionamento da Administração Federal, desde que não haja aumento de despesas nem criação ou extinção de órgãos públicos.

No Poder Legislativo, a criação ou extinção de órgãos públicos se situam dentro do poder que têm as Casas Legislativas de dispor sobre organização e funcionamento. Por conseqüência, não dependem de lei, mas de atos administrativos praticados pelas respectivas Casas. Como retratam princípios extensíveis atinentes à organização funcional, tais mandamentos aplicam-se também ao Legislativo de Estados, Distrito Federal e Municípios.

Três teorias procuram caracterizar os órgãos:

- teoria subjetiva: de acordo com elas, os órgãos públicos são os próprios agentes públicos. Tal pensamento não se coaduna com a realidade administrativa, pois que, a ser assim, se desaparecido o agente, extinto também seria o órgão;

- teoria objetiva: órgãos públicos seriam as unidades funcionais da organização administrativa. A crítica à teoria objetiva também tem procedência: é que, prendendo-se apenas à unidade funcional em si, repudia-se o agente, que é o verdadeiro instrumento através do qual as pessoas jurídicas recebem a oportunidade de querer e agir;

- teoria eclética: não rechaça qualquer dos dois elementos – nem o objetivo, significando os círculos de competência, nem o subjetivo, ligado aos próprios agentes públicos. Também esta teoria merece a crítica que lhe feita no sentido que incide no mesmo contra senso das primeiras.

Pode-se conceituar órgão público como o compartimento na estrutura estatal a que são cometidas funções determinadas, sendo integrado por agentes que, quando as executam, manifestam a própria vontade do Estado.

Como círculo interno de Poder, o órgão em si é despersonalizado; apenas integra a pessoa jurídica. A capacidade processual é atribuída à pessoa física ou jurídica.

De algum tempo para cá, todavia, tem evoluído a idéia de conferir capacidade a órgãos públicos para certos tipos de litígio. Um desses casos é o da impetração de mandado de segurança por órgãos públicos de natureza constitucional, quando se trata de defesa de sua competência, violada por ato de outro órgão. Não se afigura tecnicamente adequado o litisconsórcio entre o órgão e a pessoa a que pertence.

Classificação dos órgãos:

- quanto à pessoa federativa: federais, estaduais, distritais e municipais;

- quanto à situação estrutural: diretivos e subordinados;

- quanto à composição: singulares e coletivos (de representação unitária - aqueles em que a exteriorização da vontade dirigente do órgão é bastante para consubstanciar a vontade do próprio órgão; de representação plúrima – aqueles em que a exteriorização da vontade do órgão, quanto se trata de expressar ato inerente à função institucional do órgão como um todo, emana da unanimidade ou da maioria das vontades dos agentes que o integram, normalmente através de votação).

Ressalte-se, contudo, que, se o ato é de rotina administrativa, a vontade do órgão de representação plúrima será materializada pela manifestação volitiva apenas de seu presidente. Ademais, se for impetrado mandado de segurança contra ato do órgão, a notificação para prestar informações deverá ser dirigida exclusivamente ao agente que exerça a sua presidência.

Repise-se, agentes públicos são todos aqueles que, a qualquer título, executam uma função pública como prepostos do Estado.

Fonte: Manual de Direito Administrativo. José dos Santos Carvalho Filho.

Poder Constituinte

O poder constituinte é a fonte de produção das normas constitucionais, o poder de fazer uma Constituição e ditar as normas fundamentais que organizam os podres do Estado. O poder constituinte é poder onipotente e expansivo, extraordinário no tempo e no espaço.

Como a função da soberania nacional, o poder constituinte é o poder de constituir, reconstituir e reformular a ordem jurídica estatal. Tanto pode ser exercido para a organização originária de um agrupamento nacional ou popular quanto para constituir, reconstituir ou reformular a ordem jurídica de um Estado já formado.

É assim, poder político que antecede ao poder do Estado, e que não encontra justificativa em si mesmo, senão que depende de considerações extras e pré-jurídicas para se legitimar, ou de outro meio que possa expressar a força constituinte.

A titularidade do poder constituinte não se confunde com o seu exercício, que se manifesta por meio de um grupo revolucionário de uma assembléia constituinte, ou de outro meio que possa expressar a força constituinte.

É o poder constituinte um poder superior e distinto dos demais poderes.

No que se refere à titularidade do poder constituinte, considere-se a teoria que vê o povo como seu titular, e aquela que confunde sua titularidade com a pessoa ou o grupo que detém o poder de dizer o direito.

Só o povo real, entendido como comunidade aberta de sujeitos constituintes que pactuam e consentem no modo de governo para a cidade, e que não se confunde com o corpo eleitoral ou povo participante nos sufrágios, é que tem o poder de disposição e conformação da ordem político-social,

Afasta-se, com esse entendimento, sobretudo a titularidade do poder constituinte no governante ou no grupo constituinte que outorga a Constituição, pois se aquele poder guarda relação de intimidade com a força, ele é depositário do consenso, da vontade comum e das expectativas da comunidade, que só o obtém partindo da premissa de que a Constituição será democrática e, portanto, o próprio poder constituinte.

A distinção ente poder constituinte e poderes constituídos tem maior relevância nas Constituições rígidas, onde resulta a clara ocorrência de um poder inicial e criador da Constituição, destacado de um outro poder encarregado de alterá-la, circunstância que não se verifica nas Constituições flexíveis pela confusão existente entre poder constituinte e poderes constituídos (o mesmo poder ordinário que estabelece as regras jurídicas originárias promove alterações na Constituição).

Para os positivistas, como poder de fato, o poder constituinte se funda em si mesmo, não se baseia em regra de direito anterior, pois se entende por Direito apenas o Positivo, isto é, aquele posto pelo Estado.

Os teóricos do poder constituinte, como poder de direito, admitem a existência de um poder natural, de que resultam regras de Direito Natural, anteriores ao Direito Positivo, decorrentes de uma natureza humana e da própria idéia de justiça.

São os jusnaturalistas, para os quais o direito na se resume à vertente estatal, positivado pelos órgãos oficiais do Estado. É que antes dele existe o direito natural, que o informa e condiciona.

Destaca-se a posição de Paulo Bonavides, que reconhece no poder constituinte uma faculdade meramente política. Esclarece o eminente constitucionalista que o poder constituinte, embora de natureza extrajurídica, deve adequar-se ao plano essencialmente político. Enquanto poder de elaborar a Constituição seria poder extrajurídico, que teria legitimidade em si mesmo, conferindo-se, às vezes, um teor de poder revolucionário. Como poder de fato, deve-se, no entanto, ressaltar a questão de sua legitimidade, da titularidade, em que se considerariam os valores e a soberania encarnados na nação.

O poder constituinte é essencialmente soberano, pela capacidade de estabelecer originária e livremente a configuração jurídico-política do Estado e de sua Constituição, adotando determinadas opções políticas fundamentais.

Soberano que seja, o poder constituinte não é, todavia, absoluto; acha-se vinculado à idéia de legitimidade revelada pelas estruturas políticas, econômicas e sociais, dentre outras dominantes na sociedade, bem como pelos valores e princípios historicamente localizados, os quais deverão infletir na sua obra originária, a Constituição, e que portanto constituem os seus limites materiais. Daí falar-se em poder constituinte material e formal.

O poder constituinte material, de auto-conformação do Estado, consoante determina idéia de direito, que se identifica com a força política geradora da mudança institucional, se inspira em idéias políticas e modela novo regime político, devendo harmonizar-se com os anseios dos diferentes grupos sociais.

O poder constituinte material, antecedente do formal, determina o conteúdo da Constituição. Traduz-se na força política ou social, na idéia de direito inauguradora da nova ordem constitucional.

O poder constituinte formal revela-se na entidade (ou grupo constituinte) que formaliza as normas jurídicas a idéia de direito consentida num determinado momento histórico, conferindo estabilidade e permanência à nova situação.

O poder constituinte formal pode estruturar-se sob várias formas: por ato constituinte unilateral singular, ato constituinte unilateral plural, e ato constituinte bilateral ou plurilateral.

Sob a forma de ato constituinte unilateral – um único ato, um único órgão: outorga materializa a Constituição por meio: da outorga (não há manifestação por representantes do povo nesse processo); de atos de autoridade constitutiva de um novo Estado; de aprovação por assembléia representativa ordinária (nestes casos, há continuidade do poder constituinte material); de aprovação por assembléia formada especificamente (chamada de Assembléia Nacional Constituinte ou Convenção)

São formas de atos unilaterais plurilaterais – ato de representação mais ato de manifestação direta: aprovação por referendo, prévio ou simultâneo da eleição da Assembléia Nacional Constituinte, de um ou vários grandes princípios ou opções constitucionais e, a seguir, elaboração da Constituição, de acordo com o sentido da votação; definição, por assembléia representativa ordinária, dos grandes princípios, elaboração de projeto de Constituição pelo Governo, e aprovação por referendo final; promulgação da Constituição por assembléia constituinte, seguida de referendo; promulgação por órgão provindo da Constituição anterior, em subseqüente aprovação popular; promulgação, por autoridade revolucionária ou órgão legitimado pela revolução seguida de referendo.

Também as presente hipóteses assentam-se na legitimidade democrática (com mais ou menos pluralismo), combinando institutos representativos e democracia direta ou semidireta.

Finalmente, os atos constituintes bilaterais ou plurilaterais, ou seja participação de instâncias distintas na elaboração do poder representativo: elaboração e aprovação da Constituição por assembléia representativa com sanção do monarca; aprovação da Constituição por assembléia federal, seguida de ratificação pelos Estados componentes da União.

O poder constituinte originário se reveste das seguintes características:

- é inicial, pois não se funda em nenhum poder e porque não deriva de uma ordem jurídica que lhe seja anterior. É ele que inaugura uma ordem jurídica inédita;

- é autônomo, porque igualmente não se subordina a nenhum outro;

- é incondicionado, porquanto não se sujeita a condições nem a fórmulas jurídicas para sua manifestação;

- é poder limitado, condicionado, pois o fático, o critério do justo, o tempo em que se vive, a interdependência dos povos, o sentido comum e o pragmático, os costumes, os ideais e as crenças, as forças resistentes que cumprem função contra-poderes, moderam e neutralizam o mais entusiasmado ímpeto revolucionário.

As limitações de fato estão em que, quem estabelece uma Constituição, não pode chocar-se frontalmente com as concepções mais arraigadas – a cosmovisão – da comunidade, porque, do contrário, não obterá a adesão dessa comunidade para as novas instituições, que permanecerão letra morta, senão ineficazes.

Quanto aos limites de direito, o poder constituinte originário é limitado pelo direito internacional e suas regras fundamentais, especialmente aquelas que tutelam os direitos do homem.

Jorge Miranda distingue três categorias de limites ao poder constituinte: a) limitações transcendentes, que provêm de imperativos de direito natural, de valores éticos superiores, e de uma consciência coletiva, como os que predem aos direitos fundamentais conexos com a dignidade da pessoa humana; b) limites imanentes, que se ligam à configuração do Estado, à sua soberania e, de alguma maneira, à forma de Estado e à legitimidade política em concreto; c) limites heterônomos, provenientes da conjugação de outros ordenamentos jurídicos, e podem referir-se tanto a regras de Direito Internacional, de que resultem obrigações para todos ou determinado Estado, quanto para regras de Direito Interno, quando o Estado seja composto ou complexo e complexo o seu ordenamento jurídico: neste caso há dupla valência dos limites imanentes e heterônomos.

Anote-se outra característica do poder constituinte originário, que é ser ele extraordinário ou invulgar, pois a inauguração de uma ordem jurídica nova constitui fato incomum, embora o poder constituinte material permaneça latente em toda a existência do Estado, apto a emergir e a atualizar-se a qualquer instante.

O poder constituinte derivado, ou de reforma da Constituição, é derivado, pois provém de outro poder, que é o originário; é subordinado, por vincular-se ao poder constituinte originário, já que o seu exercício se verifica dentro de limites e condições estabelecidos na própria Constituição.

Não é próprio, entretanto, deste poder elaborar uma nova Constituição, em substituição da idéia de direito que deu origem ao ato constituinte originário, pois não outorga faculdades a si mesmo, mas as recebe do constituinte.

O poder constituinte derivado exerce também a atividade de institucionalizar os Estados federados, que provenham da obra do poder constituinte originário: trata-se do poder constituinte dos Estado-Membros, denominado poder constituinte decorrente.

Quanto à função do poder constituinte derivado, a doutrina se divide.

Para um grupo de juristas, a função é constituinte. Trata-se de um órgão que sobrevive ao autor da Constituição, e que não se confunde com os poderes constituídos, como o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, em razão, sobretudo, do princípio da separação dos poderes. Os órgãos do Poder Legislativo, quando exercem a função de emendar ou rever a Constituição, compõem um novo órgão, que não tem atividade de poder constituído, mas de constituinte, falando-se até mesmo em poder constituinte permanente, como parcela do poder constituinte geral.

Na concepção de outra corrente doutrinária, são inerentes ao poder de reforma limitações jurídicas materiais e formais, circunstância que viria desqualificá-lo como poder constituinte. Por sua vez, o poder constituinte que elabora a Constituição não sofre limitações jurídicas desde a origem. As limitações que porventura condicionam sua atuação no espaço e no tempo são limitações filosófico-sociológicas, e não jurídicas, estas ocorrentes apenas em relação ao poder de reforma da Constituição.

Podem-se identificar quatro tipos de limitações:

- limitações circunstanciais: vêm expressas no artigo 60, § 1º, da Constituição Federal e impedem a mudança válida no texto constitucional durante intervenção federal, estado de sítio e estado de defesa;

- limitações formais: previstas no artigo 60, inciso I, II, III c/c os §§ 2º e 5º da Constituição Federal. Vinculam o poder de reforma constitucional à observância de determinado procedimento, próprio das Constituições rígidas, cuja supremacia formal reside justamente na maior dificuldade para sua alteração;

- limitações temporais: são aquelas que vedam a reforma constitucional por um prazo determinado. Justificam-se pela necessidade de assegurar certa estabilidade às instituições constitucionais;

- limitações materiais: constituem o cerne imodificável da Constituição, suas cláusulas pétreas.

A primeira limitação material da Constituição de 1988 impede a mudança da forma federativa. Não se pode, portanto, transformar o Estado brasileiro em unitário, mesmo descentralizado.

Em seguida, a Constituição coloca a salvo o voto direto, secreto, universal e periódico, expressão do princípio democrático.

Constitui ainda óbice ao poder de reforma a separação dos poderes.

Finalmente, os direitos e garantias individuais são imodificáveis por via de emenda à Constituição.

Além das limitações materiais explícitas, outras há que se impõem no silencia do texto constitucional, pois servem de fundamento de validade da Constituição, traduzindo valores e princípios que a modelam à luz do princípio democrático. As limitações implícitas podem ser agrupadas da seguinte forma: a) as que dizem respeito aos direito fundamentais, devendo-se observar que tais limitações se tornaram expressas na Constituição de 1988; b) as concernentes ao titular do poder constituinte, já que o reformador não pode dispor do que não lhe pertence, devendo-se ainda considerar a inalienabilidade da soberania popular, princípio que nega ao próprio povo o direito de renunciar ao seu poder constituinte; c) as relativas o poder reformador porque este não pode renunciar a sua competência em favor de nenhum outro órgão, nem delegar suas atribuições, pois estas lhe foram conferidas para que ele próprio as exercite; d) as referentes ao processo da própria emenda ou revisão constitucional, de vez que o reformador não pode simplificar as normas que a Constituição estabelece para elaboração legislativa.

Fala-se, ainda, em poder constituinte dos Estados-Membros, denominado poder constituinte decorrente, ou seja, o poder de organizar o Estado Federado dotado de autonomia. É poder derivado, subordinado e condicionado, sendo que o seu condicionamento aos princípios ou diretrizes a que está sujeito a observar, traduzido nas normas constitucionais federais de preordenação, revela a predominância de forças centrípetas ou centrífugas no âmbito do Estado Federal.

As limitações do poder constituinte decorrente são de duas ordens:

- limitações de ordem formal, que se referem ao modo de elaboração das Constituições estaduais, indicando o prazo para elaboração, o poder competente para fazê-lo e ao quorum observado nas votações, o qual deve ser maior do que o previsto para a lei ordinária;

- limitações de ordem material, que se referem a disposições constantes da Constituição Federal, que devem ser incorporadas pelas Constituições Estaduais, seja em sentido positivo, seja em sentido negativo.

As vedações expressas podem ser diferenciadas, quanto ao objeto da limitação, em vedações de fundo (materiais, circunstanciais e temporais) e limitações de forma. As limitações positivas concernem: a) à assimilação obrigatória, pelo Constituinte Estadual, de preceitos ou princípios, expressa ou implicitamente estabelecidos na Constituição Federal, e que retratam o sistema constitucional do país; b) à observância de princípios federais, genéricos ou específicos, estabelecidos na Constituição Federal, e que se estendem aos Estados, expressa ou implicitamente; c) à absorção obrigatória de princípios consagrados pela Constituição Federal, cujo destinatário é, específica e exclusivamente o Estado-Membro e que, para facilitar, serão rotulados como princípios enumerados. Nos últimos dois casos, as limitações podem ser distinguidas em limitações de fundo (materiais, circunstanciais e temporais) e de forma, à exceção feita às limitações genéricas implícitas, que só podem ser limitações de fundo.

O poder constituinte decorrente pode ser: a) inicial, também denominado instituidor ou institucionalizador – destina-se a estabelecer a Constituição do Estado-Membro, notadamente quando não há mais Constituição em vigor na unidade da Federação; de revisão estadual, também denominado de poder constituinte decorrente, de segundo grau, que se destina a rever e modificar a Constituição do Estado-Membro da federação.

Há uma nova configuração do poder constituinte denominada de supranacional. Ela gira sob fundamentos mais amplos, como a cidadania, a integração, o pluralismo e a soberania, desta vez remodelada. Agindo de fora para dentro das fronteiras estatais, o poder constituinte supranacional destina-se à formação de uma Constituição supranacional legítima, apta a vincular a comunidade de Estados sujeitas à sua incidência.


Fonte: Direito Constitucional. Kildare Gonçalves Carvalho.