O exame acerca dos meios de prova disponíveis,
bem como da idoneidade e da capacidade de produção de certeza que cada um deles
pode oferecer, deve ser precedido da identificação dos princípios e das regras
gerais a eles aplicáveis.
A ampla defesa autoriza até mesmo ingresso de
provas obtidas ilicitamente, desde que favoráveis à defesa. E nem poderia ser
de outro modo. Quando a obtenção da prova é feita pelo próprio
interessado (o acusado), ou mesmo por outra pessoa que tenha conhecimento da
situação de necessidade, o caso será de exclusão da ilicitude, presente, pois,
uma das causas de justificação: o estado de necessidade (porque ainda não
iniciada a persecução penal, por exemplo), ela poderá ser validamente
aproveitada no processo, em favor do acusado, ainda que ilícita sua obtenção. E
assim é porque o seu não-aproveitamento, fundado na ilicitude, ou seja, com a
finalidade de proteção do direito, constituiria um insuperável paradoxo: a
condenação de quem se sabe e julga inocente, pela qualidade probatória
obtida ilicitamente, seria, sob quaisquer aspectos, uma violação abominável ao
Direito, ainda que justificada pela finalidade originária de sua proteção (do
Direito).
A inadmissibilidade da prova ilícita é dirigida
ao Estado (produtor da prova, como regra) exatamente para a proteção dos
direitos individuais de quem pode, em tese, ser atingido pela atividade
investigatória. Assim, produzida a ilicitude, o não-aproveitamento da prova
para a acusação atuaria preventivamente, na preservação potencial dos apontados
direitos individuais.
No processo penal não se admite a modalidade de
certeza denominada verdade formal, porque decorrente de uma presunção legal,
exigindo-se a materialização da prova. Então, ainda que não impugnados os fatos
imputados ao réu, ou mesmo confessados, compete à acusação a produção de provas
da existência do fato e da respectiva autoria, falando-se, por isso, em verdade
material.
- a
distribuição do ônus da prova e a iniciativa do Juiz
Em um processo informado pelo contraditório e
pela igualdade das partes, a distribuição dos ônus probatórios deveria seguir
as mesmas linhas de isonomia.
Entretanto, o nosso processo penal, por qualquer
ângulo que se examine, deve estar atento à exigência constitucional da
inocência do réu, como valor fundante do sistema de provas.
A prova do dolo (também chamado de dolo genérico)
e dos elementos subjetivos do tipo (conhecidos como dolo específico) são
aferidas pela via do conhecimento dedutivo, a partir do exame de todas as
circunstâncias já devidamente provadas e utilizando-se como critério de
referência as regras da experiência comum do que ordinariamente acontece. É a
via da racionalidade. Assim, quem desfere três tiros na direção de alguém, em regra,
quer produzir ou aceita produzir o risco do resultado morte. Não se irá
cogitar, em princípio, de conduta imprudente ou negligente, que caracterizariam
o delito culposo.
Nesses casos, a prova será obtida pelo que o
Código de Processo Penal chama de indícios, ou seja, circunstância conhecida e
provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução (trata-se, à
evidência, de dedução), concluir-se a existência de outra ou de outras circunstâncias
(art. 239 do CPP).
Não se exige que a acusação, em todas as ações
penais, faça prova de se tratar de acusado capaz e mentalmente são. Parte-se da
presunção legal que todas as pessoas maiores de idade, até prova em contrário,
sejam efetivamente capazes. Havendo, porém, quaisquer indícios de se tratar de
acusado portador de alguma enfermidade, deverá o Juiz, de ofício, ou a
requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, do
descendente, irmão ou cônjuge do acusado (art. 149 do CPP), requer o exame de
insanidade mental.
Cabe, assim, à acusação, diante do princípio da
inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua
autoria, não se impondo o ônus de demonstrar a inexistência de qualquer situação
excludente da ilicitude ou mesmo da culpabilidade. Por isso, é perfeitamente
aceitável a disposição do artigo 156 do Código de Processo Penal, segundo a
qual “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”.
Não é o caso, contudo, da nova redação do artigo
156, inciso I do Código de Processo Penal, dada pela Lei n.º 11.690/2008, ao
prever que poderá o Juiz, de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação
penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes,
observando a necessidade de adequação e proporcionalidade da medida. Segundo corrente
doutrinária a qual se filia Eugênio Pacelli de Oliveira, esta previsão legal
constitui retrocesso e padece de inconstitucionalidade.
O citado autor considera que o Juiz não tutela e
nem deve tutelar a investigação. A rigor, a jurisdição somente se inicia com a
apresentação da peça acusatória (arts. 395 e 396 do CPP). No curso do inquérito
policial ou de qualquer outra investigação a atuação da jurisdição não se
justifica enquanto tutela dos respectivos procedimentos. O juiz, quando defere
uma prisão cautelar, interceptação telefônica ou quebra de uma inviolabilidade
pessoal, não está, nem nesse momento protegendo os interesses da investigação
criminal. Na verdade, aponta o autor, como garantidor das liberdades públicas,
o magistrado estará exercendo o controle constitucional das restrições às
inviolabilidades, nos limites da Constituição Federal e do devido processo
legal.
Eugênio Pacelli de Oliveira afirma esta é a razão
da instituição das cláusulas de reserva da jurisdição, segundo as quais somente
ao Juiz se defere o tangenciamento de direitos e garantias individuais, como
ocorre, por exemplo, em relação à inviolabilidade do domicílio (mandado de
busca a apreensão), da liberdade individual (prisão cautelar), do direito à intimidade
e privacidade (interceptação telefônica). Considera que, em razão disso, nenhuma
providência pode ser tomada de ofício pelo magistrado, para fins de preservação
do material a ser colhido na fase de investigação criminal.
Provas não requeridas pela defesa poderão ser
determinadas de ofício pelo Juiz, quando vislumbrada a possibilidade de
demonstração da inocência do réu. Hipótese diferente ocorreria quando a
atividade probatória do Juiz se destinasse unicamente a resolver dúvida sobre
ponto relevante, nos exatos termos do artigo 156, inciso II do Código de
Processo Penal. Por dúvida, que se deve dirigir a questionamento acerca da
qualidade ou da idoneidade da prova, não se pode entender como ausência dela
(prova). A dúvida somente instala-se no espírito a partir da confluência de
proposições em sentido diverso sobre determinado objeto ou ideia. No campo
probatório, ela ocorreria a partir de possíveis conclusões diversas acerca do
material probatório então produzido, e não sobre conclusões diversas acerca do
material probatório não produzido. Assim, é de se admitir a dúvida do Juiz
apenas sobre prova produzida, e não sobre a insuficiência ou a ausência da
atividade persecutória.
-o
livre convencimento motivado e a íntima convicção
Embora livre para formar seu convencimento, o
Juiz deverá declinar as razões que o levaram a optar por tal ou qual prova,
fazendo-o com base na argumentação racional, para que as partes, eventualmente
insatisfeitas, possam confrontar a decisão nas mesmas bases argumentativas.
O livre convencimento motivado é regra de
julgamento, a ser utilizada por ocasião da decisão final, quando se fará a
valoração de todo o material probatório levado aos autos.
E essa regra de julgamento é aplicável somente às
decisões do Juiz singular, não se estendendo aos julgamentos pelo Tribunal do
Júri, em que não se impõe aos jurados o dever de fundamentarem as suas
respostas aos quesitos. Para o Tribunal do Júri vige o princípio da íntima
convicção.
Nesse passo, benvinda e esclarecedora disposição
contém a Lei n.º 11.690/2008, que impede o magistrado de fundamentar a
condenação em material colhido unicamente na fase de investigação, ressalvadas
as provas antecipadas e não repetíveis (as perícias técnicas).
É preciso estar atento ao fato de que toda
restrição a determinados meios de prova deve estar atrelada (e, assim,
justificada) à proteção de valores reconhecidos e positivados pela ordem
jurídica. As restrições podem ocorrer tanto em relação ao meio de obtenção da
prova, no ponto em que esse meio implicaria a violação de direitos e garantias,
quando em referência ao grau de conhecimento resultante do meio de prova
utilizado.
Quanto às primeiras, existe norma constitucional
expressa vedando a admissibilidade de provas obtidas ilicitamente.
Do mesmo modo, a disposição do artigo 564, inciso
III, alínea “b” do Código de Processo Penal estabelece uma hipótese de
especificidade de prova, no que concerne ao exame de corpo de delito, quando a
infração deixar vestígios e não tiverem estes desaparecido.
As apontadas restrições ou especificidades funcionariam
como verdadeiras garantias do acusado, na medida em que estabelecem critérios
específicos quanto ao grau de convencimento e de certeza a ser obtida em
relação a determinadas infrações penais.
A existência de certo grau de especificidade
quanto ao meio de prova não implica a existência de qualquer hierarquia das
provas.
-
direito e restrições à prova
Embora se cuide de direito, isso não impede que o
Juiz da causa examine a pertinência da prova requerida, tendo em vista que cabe
a ele a condução do processo, devendo, por isso mesmo, rejeitar as diligências
manifestamente protelatórias.
Consequência ainda do direito à prova, ou seu
reverso, porquanto dirigido ao mau exercício por parte dos órgãos da persecução
penal, seria o de exclusão das provas obtidas ilicitamente, sobretudo quando se
tratar de procedimentos do Tribunal do Júri. É que ali vigora a regra da íntima
convicção, não se exigindo motivação das decisões. Com isso, o contato com material
probatório ilícito poderia trazer graves consequências na formação do
convencimento do jurado. Assim, tais provas deverão ser desentranhadas, antes
do ingresso da fase de valoração, nos termos do artigo 157 do Código de
Processo Penal.
Quanto à fase de produção da prova, a regra do
processo penal é que as provas podem ser produzidas a qualquer tempo, incluindo
a fase recursal, e até mesmo em segunda instância (quando dependerão de
iniciativa judicial – art. 616 do CPP), desde que respeitado o contraditório. À
exceção, quanto ao tempo apenas, por conta do artigo 479 do Código de Processo
Penal, no qual se exige a antecedência mínima de três dias antes da instrução
em Plenário para a juntada de documentos o procedimento do Tribunal do Júri.
A vedação das provas ilícitas atua no controle da
regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desestimulando a
adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável
pela sua produção. Nesse sentido, cumpre função eminentemente pedagógica, ao
mesmo tempo que tutela determinados valores reconhecidos pela ordem jurídica.
Em tema de prova, portanto, mesmo quando não
houver vedação expressa quanto ao meio, será preciso indagar ainda acerca do
resultado da prova, isto é, se os resultados obtidos configuram ou não violação
e direitos. E se configurarem, se a violação foi e se poderia ter sido
autorizada.
E mais. Nos termos do artigo 157, caput do Código de Processo Penal, as
provas obtidas ilicitamente deverão ser desentranhadas dos autos, esclarecendo
o § 3º do aludido dispositivo legal que a decisão de desentranhamento estará
sujeita à preclusão. No entanto, nada se diz acerca do momento processual em
que tal ocorrerá.
Há corrente doutrinária que defende a apreciação
da ilicitude da prova por parte do magistrado antes da audiência de instrução
criminal, ou seja, após a apresentação de defesa escrita, desde que, é claro, a
prova tenha sido juntada no momento anterior. Tratando-se de prova apresentada
em audiência, deve o Juiz, de imediato, apreciar a questão.
É de se ter em mente que, não obstante da decisão
de preclusão da decisão de desentranhamento da prova ilícita, a matéria diz
respeito à questão de interesse público, indisponível às partes. Por isso,
tanto o Juiz quanto o Tribunal poderá conhecer da matéria quando do julgamento
do mérito. A única ressalva fica por conta do Tribunal do Júri. Ali, em que se
realiza um julgamento por leigos e sem qualquer necessidade de motivação, não
caberá aos jurados o conhecimento da prova desentranhada.
Os métodos e meios de prova que frequentemente
podem ser questionados quanto à sua licitude atingem o direito à intimidade
e/ou à privacidade (art. 5º, X da CF) do acusado ou de terceiros. A noção de
intimidade está mais ligada ao conjunto de convicções, sensações e estados de
ânimo pessoais (íntimos) de seu titular, enquanto a privacidade seria o espaço
mais adequado ou mais utilizado para manifestação da intimidade. Destacam-se os
seguintes meios de prova:
a) as
gravações ambientais
Quando um dos interlocutores promove a gravação
da conversa sem o conhecimento do outro, a ilicitude não ocorrerá,
efetivamente, do fato da gravação. E isso porque o conteúdo da conversa
empreendida foi disponibilizado àquele interlocutor. Assim, porque conhecedor
do conteúdo, não haveria problema na gravação feita por este.
A revelação do conteúdo poderá, em tese, afetar o
direito à intimidade daquele interlocutor que desconhecia a gravação. Nesse
caso, embora lícita a gravação, a revelação de seu conteúdo poderia não sê-lo,
afinal, o que ali teria sido dito não se destinava a mais ninguém, pois
realizada no âmbito da intimidade dos interessados. O que irá determinar a
ilicitude da prova (gravação e revelação do conteúdo) não é o fato de ter sido
realizada por terceiros ou por um dos interlocutores. Ao contrário, será o
conteúdo então revelado que poderá afetar a intimidade dos interlocutores (em
quaisquer situações).
Para que seja válida a revelação da gravação
feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, é necessário que
esteja presente situação de relevância jurídica, a justa causa. Como exemplo,
tem-se o artigo 153 do Código Penal, no que se estabelece ser crime a
divulgação do conteúdo de documento particular ou de correspondência
confidencial, de que é destinatário ou detentor, sem justa causa.
Não se pode inquinar de ilícita a prova obtida
pelo interlocutor na defesa de seus direitos, eventualmente em risco, e cuja
proteção, potencialmente, pode ser realizada por tal prova.
A gravação de conversa sem o conhecimento de um
dos interlocutores, e na qual se obtenha a confissão da prática de um crime, é
evidentemente inadmissível no processo, até pela violação do direito ao
silêncio que se reconhece a todos os que, potencialmente ou efetivamente,
estejam ou venham a ser submetidos a processo penal. Nesse sentido é a decisão
no HC n.º 69.818 do Supremo Tribunal Federal.
A prova assim obtida também não teria valor
probante, na medida em que a confissão somente poderá ser valorada quando
realizada perante o Juiz, no curso, pois, da ação pena. Assim, se não
confirmada em Juízo, a afirmação feita na aludida gravação não se prestaria a
comprovar a confissão.
De outro lado, há julgados da Suprema Corte (HC
n.º 69.818 e 69.204-4), reconhecendo a validade de uma gravação mantida entre
agentes policiais e um preso, na qual este atribuía a responsabilidade pela
prática de certo crime a determinada pessoa. As gravações foram admitidas ao
fundamento de que o preso, por ter ciência da prática de um crime, teria o
dever de depor sobre ele. Assim, não poderia alegar direito à intimidade.
O Superior Tribunal de Justiça tem,
sistematicamente, aceitado a gravação de conversa feita por um dos
interlocutores sem o consentimento do outro, com base na aplicação do princípio
da proporcionalidade (HC n.º 4654/RS e RHC n.º 5.944/PR).
A Lei n. º 10.217/2001 alterou o disposto nos
artigos 1º e 2º da Lei n.º 9.034/95, que cuida dos crimes resultantes de
organizações criminosas, autorizando, para aqueles casos, a captação e a
interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, bem como
seu registro e análise, “mediante circunstanciada autorização judicial”.
b) as
interceptações telefônicas e de dados
O direito à privacidade, à honra, e todas as suas
formas de manifestação, ou seja, a inviolabilidade do domicílio, da
correspondência, das comunicações, que se constituem apenas em algumas das
várias modalidades de exercício dos aludidos direitos, podem, como regra, ser
limitados, por não configurarem nenhum direito absoluto. Podem e poderão, por
isso, ser limitados, sempre que o respectivo exercício puder atingir outros
valores igualmente protegidos pela Constituição, e desde que haja previsão
expressa na lei.
Não se vislumbra inconstitucionalidade na Lei n.º
9.296/96, regulamento das hipóteses nas quais serão possíveis interceptações
telefônicas, incluindo-se ali a interceptação do fluxo de comunicações em
sistema de informática e telemática. Nesse sentido é a jurisprudência,
inclusive do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. Deve-se
ressaltar que, em razão do princípio acusatório, será inconstitucional o dispositivo legal que autorize o Juiz a determinar a interceptação telefônica
de ofício.
Nos termos do artigo 1º da Lei n.º 9.296/96, as
interceptações deverão ser precedidas de ordem do Juiz competente,
devidamente fundamentada, e poderão ser decretadas na fase de investigação ou
no curso da ação penal, sob segredo de Justiça.
Exige-se, ainda, que haja indícios de autoria ou
participação em infração penal punida com pena de reclusão, bem como que a
prova do crime não possa ser feita por outros meios.
O prazo máximo da interceptação será de 15 dias,
prorrogáveis por mais 15, devendo as diligências ser registradas em autos
apartados, preservando-se o sigilo de todo procedimento. O Supremo Tribunal
Federal fixou entendimento no sentido de ser possível a renovação do prazo de
15 dias por mais de uma vez, quando complexa a investigação, desde que comprovada
a indispensabilidade do procedimento.
Registre-se que a quebra do sigilo dos dados
telefônicos, ou seja, dos registros dos telefonemas dados e recebidos por
determinados aparelhos (que não configura hipótese de interceptação), reclama
autorização judicial, posto que tais informações inserem-se no contexto da
intimidade e da privacidade do interessado.
c)
sigilo bancário
Somente para a quebra da inviolabilidade do
domicílio e das comunicações telefônicas é que haveria o condicionamento
expresso do legislador ordinário. Isso se dá, provavelmente, em razão de ser
essa a manifestação da intimidade ou da privacidade mais frequentemente
atingida pelas autoridades responsáveis pela persecução penal.
Nas demais, a lei poderá atribuir a outras
autoridades do Poder Público a flexibilização dessa intimidade/privacidade,
desde que preenchidos os requisitos de indispensabilidade da medida, do sigilo
do procedimento e finalidade pública reservada à providência.
Em tema de direito à intimidade e/ou privacidade,
é sempre necessária a valoração dos interesses em disputa, sopesando-se o grau
do dano a ser causado pela flexibilização legislativa, a ser aferido em
contrapartida àquele produzido pelo exercício de modo absoluto do referido
direito.
Para que a quebra de sigilo seja possível,
deverão concorrer os mesmos requisitos de indispensabilidade, da existência de
procedimento regular já instaurado e da finalidade pública da medida, nos
termos de expressa previsão legal.
Se não há dúvida quanto ao fato de a
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) poder determinar a quebra sigilo bancário,
talvez o mesmo não se possa afirmar em relação às Comissões Parlamentares
estaduais, seja por falta de previsão específica na Constituição Federal, seja
por eventuais receios de abusos. Seja como for,
o Supremo Tribunal Federal já esclareceu a questão na ACO n.º 730/RJ, onde
reconheceu tal poder investigativo às Comissões Parlamentares estaduais,
afastando, porém, a possibilidade de eventuais Comissões Parlamentares
municipais intentarem a medida.
O fundamento principal para a admissão da
competência das Casas Legislativas estaduais, para além das observações acerca
do modelo do federalismo adotado na Constituição Federal, residiu,
essencialmente, no reconhecimento da existência concreta do Poder Judiciário
estadual, o que permitirá atribuir aos parlamentares estaduais os mesmos
poderes investigatórios concedidos à autoridade judiciária (estadual), para
fins de determinação de quebra do sigilo bancário. Podendo os Juízes Estaduais,
também deveriam poder os respectivos parlamentares estaduais.
d) a
comissão parlamentar de inquérito e a cláusula de reserva da jurisdição
O artigo 58, § 3º da Constituição Federal prevê
que as Comissões Parlamentares de Inquérito terão poderes próprios das
autoridades judiciais, contudo a atuação é limitada pelas chamadas cláusulas de
reserva da jurisdição previstas no texto constitucional. Tais reservas decorreriam
de eventual excepcionalidade de determinada regra, quando prevista na Constituição.
Exemplos: a Constituição assegura como inviolável
o domicílio, à exceção do flagrante delito e de ordem judicial (art. 5º, XI da
CF); assegura, ainda, que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, à
exceção do flagrante delito, ou por ordem escrita da autoridade judiciária
(art. 5º, LXVI); para a violação do sigilo das comunicações telefônicas, há
dispositivo expresso reservando a competência da autoridade judiciária (art.
5º, XII).
Não é o que ocorre, por exemplo, com o sigilo de
dados das comunicações telefônicas, isto é, dos registros telefônicos (e não da
interceptação), com o sigilo bancário e com o sigilo fiscal, todos ao alcance
das CPIs, consoante, aliás, vem entendendo o Supremo Tribunal Federal.
- a
teoria dos frutos da árvore envenenada
A teoria dos fruits
of the poisonous tree, ou teoria dos frutos da árvore envenenada (também
conhecida por ilicitude por derivação), cuja origem é atribuída à
jurisprudência norte-americana, nada é mais que simples consequência lógica da
aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas.
A partir da Lei n.º 11.690/2008, a teoria dos
frutos da árvore envenenada passa a integrar a ordem processual penal
brasileira de modo expresso. Diz o artigo 157, § 1º: são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando
não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as
derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
Pode ocorrer que alguma prova obtida já
estivesse, desde o início, ao alcance das diligências mais frequentemente
realizadas pelos agentes da persecução penal. Pode ocorrer, de fato, que seja
possível concluir que o conhecimento da existência de tais provas se daria se o
auxílio da informação ilicitamente obtida. Aí, ao que se vê, a hipótese seria
de aplicação da “fonte independente”, isto é, de meio de prova sem qualquer
relação fática com aquela ilicitamente obtida.
Note-se que a Lei n.º 11.690/2008 comete equívoco
técnico. No artigo 157, § 2º, ao pretender definir o significado de “fonte
independente”, afirmou tratar-se daquela que “por si só, seguindo os trâmites
típicos e de praxe, próprios da investigação ou da instrução criminal, seria
capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. Essa é a definição de outra
hipótese de aproveitamento da prova, qual seja, da teoria da descoberta inevitável, na qual admite-se a prova, ainda
que presente eventual relação de causalidade ou dependência entre as provas (a
ilícita e a descoberta), exatamente em razão de se tratar de meios de prova
rotineiramente adotados em determinadas investigações. Com isso, evita-se a
contaminação das provas que sejam subsequentes às ilícitas.
Já a teoria da fonte independente baseias
precisamente na ausência fática de relação de causalidade ou de dependência
lógica ou temporal (produção da prova posteriormente à ilícita). Fonte de prova
independente é apenas isto: prova não relacionada com os fatos que geraram a
produção da prova contaminada.
Alguns autores defendem que, ainda que ilícita a
prova, inexistem motivos para determinar o trancamento do inquérito. Isso
porque toda atividade investigatória subsequente estaria contaminada. Entendem
que, a prevalecer tal extensão da teoria dos frutos da árvore envenenada, com
desconsideração completa à teoria da descoberta inevitável, a ilicitude da prova,
mais que uma violação à intimidade dos interessados, revelar-se-ia cláusula de
permanente imunidade em relação ao fato.
Em face deste entendimento, impõe-se, para uma
adequada tutela também dos direitos individuais que são atingidos pelas ações
criminosas, a adoção de critérios orientados por uma ponderação de cada
interesse envolvido no caso concreto, para saber se toda a atuação estatal
investigatória estaria contaminada, sempre, por determinada prova ilícita.
Pode-se e deve-se recorrer, ainda, mais uma vez, ao critério da razoabilidade.
- a
teoria do encontro fortuito de provas
A teoria do encontro fortuito ou casual das
provas está alinhada com a inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente.
Fala-se em encontro fortuito quando a prova de determinada infração é obtida a
partir da busca regularmente autorizada para investigação de outro crime.
Nos autos do HC n.º 83.515/RS, o Supremo Tribunal
Federal reconheceu a licitude da prova de outro crime, diverso daquele
investigado, obtida por meio de interceptação telefônica autorizada, de início,
para a apuração de crime punido com reclusão. Argumentou-se que a conexão entre
os fatos e os crimes justificaria a licitude e o aproveitamento da prova.
Não é a conexão que justifica a licitude da
prova. Como exemplo: uma vez franqueada a violação dos direitos à privacidade e
à intimidade dos moradores da residência, não haveria razão para a
recusa de provas de quaisquer outros delitos, punidos ou não como reclusão.
Isso porque, uma coisa é a justificação para a autorização da quebra de sigilo;
tratando-se d violação à intimidade, haveria mesmo de se acenar com a gravidade
do crime. Entretanto, outra coisa é o aproveitamento do conteúdo da intervenção
autorizada; tratando-se de material relativo à prova de crime (qualquer crime),
não se pode mais argumentar com a justificação da medida (interceptação
telefônica), mas, sim, com a aplicação da lei.
- a
prova ilegítima: a prova emprestada
As provas ilícitas seriam aquelas obtidas com
violação ao direito material, enquanto as provas ilegítimas receberiam tal
definição por violarem normas de Direito Processual. O melhor exemplo é o da
prova emprestada, isto é, a prova obtida a partir de outra produzida em processo
distinto.
Em ação penal instaurada contra determinados
réus, é possível, por exemplo, que, no caso de morte de uma testemunha, a
acusação obtenha uma certidão de inteiro teor do depoimento por ela prestado em
outra ação penal, envolvendo os mesmos fatos e outros acusados. Essa prova,
assim obtida, seria denominada emprestada, porque produzida efetivamente em
outro processo.
Todavia, sua introdução no novo processo e,
sobretudo, a sua valoração, seria inadmissível por manifesta violação do
princípio do contraditório. Efetivamente, como os réus na novação ação não eram
os mesmos daquela, no curso da qual teria sido produzida a aludida prova
testemunhal, tem-se que eles não puderam manifestar-se concretamente sobre o
conteúdo do depoimento constante assim da prova emprestada.
- o
aproveitamento da prova com exclusão da ilicitude
Havendo situações reconhecidas pelo Direito como suficientes
a afastar a ilicitude, as provas, assim produzidas, serão validamente
aproveitadas no processo penal. A exclusão pode ocorrer pela presença de
fatos e/ou circunstâncias que afastam a ilicitude da ação praticada, como
também em razão de nem sequer se ter por configurada a hipótese de violação de
qualquer direito e, por isso, não configurada a hipótese de ilicitude.
a)
excludentes de ilicitude
Quando ao agente, atuando movido por algumas das causas
de justificação (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do
dever legal e exercício regular de direito), atinge determinada inviolabilidade
alheia para o fim de obter prova de sua inocência, sua ou de terceiros, estará
afastada a ilicitude da ação.
Em consequência, estará também afastada a
ilicitude da obtenção da prova, podendo ela ser regularmente introduzida e
valorada no processo penal.
b) o
flagrante delito
A Constituição Federal estabelece a
inviolabilidade do domicílio, com o que alguém somente poderá nele adentrar,
sem o consentimento do morador, para prestar socorro ou em situação de
flagrante delito.
Ainda que o delito no interior da residência esteja
sendo praticado por seu proprietário, qualquer pessoa do povo estará autorizada
a ingressar na casa para a proteção de bens (vida, liberdade sexual, patrimônio
etc.). Evidentemente, a prova assim obtida não nada terá de ilícita, quer
quanto à sua obtenção, quer quanto à sua produção e valoração no processo. Em
uma situação de flagrante delito (de qualquer delito), o ingresso no domicílio
é expressamente autorizado pela norma constitucional.
No caso de gravações ambientais, a prova deve ser
tranquilamente admitida no processo, porque obtidas durante a prática de
delito, situação em que os seus autores jamais poderão alegar violação de
direitos (intimidade, imagem, privacidade etc.), pela ausência de extensão a
eles, naquele momento, das garantias constitucionais individuais. No momento o
crime, que configura sempre violação de direitos, e não o exercício deles, nenhuma
norma de direito poderá ser alegada para proteger a situação delituosa.
Por isso, a gravação de conversa telefônica feita
por um dos interlocutores, sem a autorização do outro, poderá ser validamente
utilizada, quando realizada durante flagrante delito, como correr, por exemplo,
durante o crime de extorsão mediante sequestro.
- o
aproveitamento da prova ilícita: proporcionalidade e proibição do excesso
No processo penal, a aplicação da vedação das
provas ilícitas, se considerada como garantia absoluta, poderá gerar, por
vezes, situações de inegável desproporção, com a proteção conferida ao direito então violado (na
produção da prova) em detrimento da proteção do direito da vítima do delito.
O aproveitamento da prova ilícita em favor da
defesa constitui critério objetivo de proporcionalidade, dado que: i) a violação
de direitos na busca da prova da inocência poderá ser levado à conta do estado
de necessidade, excludente da ilicitude; ii) o princípio da inadmissibilidade
da prova ilícita constitui-se em garantia individual expressa, não podendo ser
utilizado contra quem é seu primitivo e originário titular.
No tocante ao aproveitamento da prova ilícita em
favor da acusação, há corrente doutrinária que entende ser o critério de
proporcionalidade validamente utilizado, nas hipóteses em que não estiver em
risco a aplicabilidade potencial e finalística (função de controle da atividade
estatal que desempenha a norma do art. 5º, LVI da CF) da norma de inadmissibilidade.
Assim, quando não se puder falar no incremento ou no estímulo da prática de
ilegalidade pelos agentes produtores da prova, defende-se ser possível, em
tese, a aplicação da regra de proporcionalidade.
Merecem ser feitas considerações acerca de uma
suposta impossibilidade de fazer distinções entre a prova ilícita produzida
pelo Estado e aquela produzida pelo particular, no âmbito que se convencionou
denominar eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
A questão não se resolve pela afirmação de que os
direitos da personalidade devem ser respeitados tanto na relação entre o Estado
e particulares quanto na relação entre particulares. O critério da
proporcionalidade reclama sua aplicação exatamente onde haja tensão entre princípios
constitucionais da mesma grandeza.
O exame do cabimento do juízo de proporcionalidade
deve passar também não só pela identificação de uma tensão ou conflito entre
princípios constitucionais relativos à proteção de direitos fundamentais (do
réu e da vítima), mas pela elaboração de critérios objetivos, tanto quanto
possíveis, em que a escolha por um dos princípios possa não implicar o
sacrifício integral de outro. Pertinentes as ponderações de Robert Alexy, na
sua teoria dos princípios como mandados de otimização, cuja aplicabilidade
poderá ocorrer segundo graus de efetividade, de modo a permitir a convivência
pacífica entre todos aqueles que integram o ordenamento.
Se é possível sustentar que a norma da
inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente destina-se prioritariamente
(e não unicamente) ao Estado, no processo penal, dado que este é o produtor da
prova, mesmo nas ações penais privadas, não há como negar que o referido
princípio constitucional não perderia tanto em sua efetividade quanto aquele (princípio)
que garante a proteção dos direitos individuais, e cuja violação se
demonstraria por meio da prova ilicitamente obtida pelo particular.
Fonte: Curso de Processo Penal. Eugênio
Pacelli de Oliveira.