sexta-feira, 17 de julho de 2009

Atos Administrativos - IV

A Lei 9.784/99 regula o processo administrativo e desse texto legal podemos extrair o princípio da motivação como caractere indissociável do ato praticado pela Administração.

Sob este prisma, destaca-se a Teoria dos Motivos Determinantes, fundada na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade.

Cabe gizar que, mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados aos motivos como causas determinantes de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade daqueles. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido. Assim, de acordo com a Teoria dos Motivos Determinantes, a exoneração de um cargo em confiança, que sabiamente pode ser ad nutum, se for motivada, fica a autoridade a ela adstrita aos motivos, sob pena de nulidade.

Já foi visto que o ato administrativo é o meio que se vale a Administração para expressar sua vontade, contudo, sua subsistência pode não mais despertar interesse para o Poder Público, seja em razão de inconveniência, inoportunidade ou ilegitimidade, hipóteses estas que autorizam a invalidação.

A faculdade de invalidação dos atos administrativos pela própria Administração é bem mais ampla do que a que se concede à Justiça Comum. O administrador pode desfazer seus próprios atos por considerações de mérito e de legalidade, ao passo que o Poder Judiciário só os pode invalidar quando ilegais. Verifica-se, portanto, que a Administração controla seus próprios atos em toda plenitude, isto é, sob os aspectos da oportunidade, conveniência, justiça, conteúdo, forma, finalidade, moralidade e legalidade, enquanto o controle judicial se restringe ao exame de legalidade.

Nesse contexto, é de rigor enfatizar que a Administração revoga (por motivo de conveniência e oportunidade) ou anula (por motivo de legalidade) seu próprio ato; o Judiciário apenas anula o ato administrativo. Esse tema já é pacificado em nossos Tribunais, inclusive sedimentado pelo Enunciado 473 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

“A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

Revogação é a supressão de ato discricionário legítimo e eficaz, realizada pela Administração por não mais lhe convir sua existência. Toda revogação pressupõe um ato legal e perfeito, mas inconveniente ao interesse público.

Em princípio, todo ato administrativo é revogável, mas a estabilidade das relações jurídicas e o respeito aos direitos adquiridos pelos particulares afetados pelas atividades do Poder Público impõem certos limites a essa faculdade da Administração.

Os atos administrativos gerais/regulamentares são, por natureza, revogáveis a qualquer tempo e em quaisquer circunstâncias, desde que a Administração observe seus efeitos produzidos até o momento da invalidação. Já os atos especiais/individuais são, em tese, revogáveis se inconvenientes ao interesse público, entretanto, tais atos podem se tornar operantes e irregováveis desde a sua origem ou adquirir esse caráter por circunstâncias supervenientes a sua emissão, quando gerarem direitos subjetivos para o destinatário.

Desde que o administrador possa revogar ao ato inconveniente – por não ter gerado direitos subjetivos para o destinatário ou por não ser definitivo –, sua invalidação não obrigará o Poder Público a indenizar quaisquer prejuízos presentes ou futuros que a revogação possa eventualmente ocasionar, haja vista que a obrigação da Administração é de apenas manter os efeitos passados do ato revogado.

Anulação é a declaração de invalidação de um ato administrativo ilegítimo ou ilegal feita pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário. Desde que seja reconhecida administrativamente a prática de um ato contrário ao Direito, cumpre ao Poder Público anulá-lo o quanto antes para restabelecer a legalidade administrativa. Na inércia da Administração, o interessado pode socorrer-se ao Poder Judiciário. Outra modalidade de anulação é a cassação do ato que, embora legítimo na sua origem e formação, torna-se ilegal na sua execução. Isto ocorre principalmente nos atos administrativos negociais, cuja execução fica a cargo do particular que o obteve regularmente, mas o descumpre ao executá-lo.

A mudança de interpretação da norma ou da orientação administrativa não autoriza a anulação dos atos anteriores praticados, pois tal circunstância não caracteriza ilegalidade, mas simples alteração de critério da Administração, incapaz de invalidar situações jurídicas regularmente constituídas. Nesta hipótese, deve-se observar o princípio da segurança jurídica.

Tratando-se de ato derivado de erro de fato quanto à inexistência de seus pressupostos, não cabe invocar mudança de interpretação, uma vez que esta pressupõe a identidade de situação de fato em torno do qual variam os critérios de decisão.

O conceito de ilegalidade ou ilegitimidade, para fins de anulação do ato administrativo, não se restringe à violação frontal da lei, abarca também o abuso, por excesso ou desvio de poder, ou por relegação dos princípios gerais do Direito, especialmente aqueles informadores do regime jurídico administrativo.

A ilegitimidade, quando intencional e como toda fraude à lei, vem sempre dissimulada sob as vestes da legalidade. Em tais casos, é preciso que a Administração ou o Poder Judiciário desça ao exame dos motivos, disseque os fatos e vasculhe as provas que deram origem à prática do ato inquinado de nulidade. Tal atitude não corresponde ao exame do mérito administrativo.

Em postura de vanguarda, a jurisprudência vem adotando entendimentos que mantêm atos ilegítimos praticados e operante há longo tempo e que já produziram efeitos perante terceiros de boa-fé. Esse entendimento jurisprudencial arrima-se na necessidade de segurança e estabilidade jurídica na atuação da Administração. Também não se justifica a anulação de atos defeituosos na sua tramitação interna, pois ao particular não se impõe a obrigação de fiscalizar a conduta do Poder Público. Aplica-se, em tais casos, a presunção de legitimidade dos atos da Administração.

Via de regra, reconhecida e declarada a nulidade do ato, pela Administração ou pelo Poder Judiciário, o pronunciamento de invalidade opera-se ex tunc, desfazendo todos os vínculos entre as partes e obrigando-as à reposição do status quo ante como conseqüência natural e lógica da decisão anulatória. Essa regra, porém, é de ser atenuada e excepcionada para os terceiros de boa-fé alcançados pelos efeitos incidentes do ato anulado, uma vez que estão amparados pela presunção de legimitidade que acompanha a atividade da Administração Pública, bem como pelo princípio da segurança jurídica. Os efeitos são idênticos tanto para os atos nulos quanto para os inexistentes.

Registre-se que no Direito Administrativo não há espaço para atos anuláveis. De fato, o interesse público é inerente a todo ato administrativo e a legalidade impõe-se como condição de validade e eficácia do ato, não se admitindo o arbítrio dos interessados para a sua manutenção ou invalidação, porque isto ofenderia a exigência de legitimidade da atuação pública. O ato administrativo é legal ou ilegal, válido ou inválido; jamais poderá ser meio-legal ou meio-válido, como ocorreria se fosse admitida a nulidade relativa. Pode ocorrer a convalidação, desde que não haja lesão ao interesse público, nem prejuízo a terceiros. Admite-se, também, a correção de mera irregularidade, caso em que o ato é ineficaz até sua retificação.

A prescrição administrativa, que, tecnicamente, é uma decadência, e a judicial impedem a anulação do ato no âmbito da Administração ou pelo Poder Judiciário. Tal conduta justifica-se porque o interesse da estabilidade das relações jurídicas entre o administrado e a Administração ou entre esta e seus servidores é também interesse público. Tendo em vista que as ações pessoas contra a Fazenda Pública prescrevem em cinco anos e as reais em vinte, nesses prazos é que podem ser invalidados os respectivos atos administrativos, por via judicial.

A anulação dos atos administrativos pela própria Administração constitui a forma normal de invalidação de atividade ilegítima do Poder Público. Essa faculdade assenta-se no poder de autotutela do Estado. O essencial é que a autoridade que o invalidar demonstre, no devido processo legal, a nulidade com que foi praticado. A faculdade de anular os atos ilegais é ampla e pode ser exercida de ofício, pelo mesmo agente que os praticou, como por autoridade superior eu venha a ter conhecimento da ilegalidade através de recurso interno, ou mesmo por avocação, nos casos regulamentares.

Repise-se que o controle judicial dos atos administrativos é unicamente de legalidade, mas nesse campo a revisão é ampla, em fae dos preceitos constitucionais. Nenhum ato do Poder Público pode ser subtraído do exame judicial, seja de que categoria for e provenha de qualquer agente, órgão ou Poder. A única restrição oposta é quando o objeto do julgamento (exame de legalidade ou da lesividade ao patrimônio público), e não quanto à origem ou natureza do ato impugnado. O Judiciário não poderá substituir a Administração em pronunciamentos que lhe são privativos, mas dizer se ela agiu com observância da lei, dentro de sua competência, é função específica da Justiça Comum, e por isso mesmo poderá ser exercida em relação a qualquer ato do Poder Público, ainda que praticado no uso da faculdade discricionária, ou com fundamento político, ou mesmo os interna corporis.

Fonte: Direito Administrativo Brasileiro. Hely Lopes Meirelles.

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