O
Estado Federal surgiu no século XVIII, com a Constituição norte-americana de
1787. Não obstante se falar em federações na Grécia antiga, ali não se identificavam as
características dos Estados federais modernos, haviam meras alianças temporárias,
como as alianças religiosas dos anfictões, e, mais tarde, da Liga de Delos, na
Grécia Central, e na Liga Etólica, no Peloponeso.
Surgiu,
então, em 1787, a Constituição norte-americana, quando os Estados passaram a se
sujeitar a uma série de princípios e diretrizes emanados da Constituição comum
a todos eles, estreitando-se o vínculo federativo. Reservaram-se todos os
poderes que não foram delegados para a União.
Até
a criação do Estado Federal norte-americano, o regime em vigor era o
confederativo. A Confederação possuía um órgão político central, o Congresso,
de cunho predominantemente diplomático, que carecia de autoridade própria e
respeitava a independência dos Estados associados (cada Estado conservava a
soberania, a liberdade, e a independência, bem como o poder, a jurisdição e os
direitos que não foram delegados expressamente à Confederação). Os seus
representantes se reuniam no Congresso para deliberar assuntos de interesse comum,
na sua maioria, os ligados às relações e comércio internacional.
A
Constituição dos Estados Unidos, de 1787, definiu as atribuições da União, e
deixou o resto para os Estados. Os principais objetivos a serem defendidos pela
União seriam a defesa comum dos membros, a preservação da paz pública contra
convulsões internas ou ataques externos, a regulação do comércio com outras
nações e a manutenção de relações políticas e comerciais com os países
estrangeiros. Dúvidas seriam dirimidas pela Suprema Corte.
Lê-se
no Preâmbulo, sede do Pacto Federativo da Constituição dos Estados Unidos, cujo
comando pertence ao povo, que constituem fins dos Pacto: tornar mais perfeita a
União, fortalecendo os laços federativos que a Confederação enfraqueceu;
estabelecer a justiça, assegurar a tranquilidade nacional e prover a defesa
comum; fomentar o bem-estar geral e assegurar os benefícios da liberdade.
No
Estado Federal, a soberania pertence à União e a autonomia, aos
Estados-Membros. Em razão disso, há, no Estado Federal, na concepção de Kelsen,
uma ordem jurídica central e ordens jurídicas parciais, sendo que a primeira
abrange todos os indivíduos que se encontram no território do estado, e as
outras, os que se acham no âmbito territorial dos entes federados. A reunião
dessas duas ordens jurídicas forma a terceira ordem jurídica, que é o Estado
Federal, comunidade jurídica total.
Outro
aspecto relevante do Estado Federal é a descentralização político-normativa.
Há,
no Estado Federal, uma descentralização do poder político, distribuída pela
Constituição entre a União e os Estados federados. Não é apenas administrativo
o nível dessa descentralização, mas constitucional-normativo, ou seja, cada
Estado detém competência para estabelecer sua organização política, mediante
Constituição própria, configurando-se assim o princípio da autonomia, que pressupõe
um poder de direito público não soberano, que pode, em virtude de direito
próprio e não de delegação, estabelecer regras de direito obrigatórias.
No
federalismo coexistem dois ou mais entes políticos autônomos, com capacidade de
auto-organização, unidos por um pacto de cooperação que se expressa na
repartição de competências.
Não
há federação sem que se assegure a participação dos Estados federados na
formação da vontade nacional, que se manifesta geralmente por uma Câmara
Legislativa dos Estados, o Senado Federal, embora possa haver outros
instrumentos que viabilizem essa participação.
As
características do Estado Federal podem ser sumariadas da seguinte forma:
a)
as Constituições dos Estados federados conformam-se necessariamente com a
Constituição do Estado Federal;
b)
os Estados federados usualmente não podem desvincular-se do Estado Federal;
c)
os Tribunais federais controlam a conformidade das Constituições e leis dos
Estados federados relativamente à Constituição do Estado Federal;
d)
compete exclusivamente ao Estado Federal manter as relações internacionais, bem
como definir a política de defesa de toda a federação.
Os
principais poderes que usufruem os Estados federados são os seguintes:
a)
os Estados federados se autoconstituem, isto é, elaboram sua própria
Constituição;
b)
os Estados federados participam, através de representantes próprios, na feitura
da Constituição Federal;
c)
os Estados federados dispõem normalmente de representantes seus numa feitura e
revisão da Constituição Federal;
d)
os Estados federados têm poderes legislativos próprios, que respeitam a
matérias de interesse específico, e não de interesse da federação ou de
interesse comum a vários Estados federados (princípio da especialidade das
leis). Estes correspondem uma orgânica legislativa própria;
e)
os Estados federados dispõem de Tribunais, Administração Pública e forças de
segurança aos quais incumbe a aplicação e execução das leis no seu território.
A
estrutura do Estado Federal apresenta alguns pontos comuns:
-
princípio federal que consiste no método de dividir os poderes, de modo que os
governos central e regionais sejam, a cada um dentro de sua esfera, coordenados
e independentes;
-
equilibrar a pluralidade com a unidade;
-
manutenção da unidade do Estado, para que a descentralização não leve à
dissolução da comunidade jurídica;
-
o ato constituinte do Estado Federal é um ato político que integra uma unidade
conjunta com coletividades particulares;
-
é um Estado soberano composto por vários Estados;
-
não há tratado nem pacto que dão origem contratual a essa unidade das partes,
mas uma Constituição surge como norma principal que tem eficácia e validade
para dar suporte, também, aos ordenamentos locais;
-
esta proeminência da Constituição Federal não retira a atribuição dos Estados
particulares em elaborar a própria organização constitucional;
-
a Constituição Federal ordena uma distribuição de competências que determinam
as relações entre federação e os Estados;
-
as relações decorrentes da distribuição de competências podem determinar: a)
participação: consiste no direito que têm os Estados-Membros de colaborar na
formação e decisão dos órgãos federais; b) coordenação.
O
Estado Federal pressupõe, na sua construção normativa, a adoção de determinados
princípios, técnicas e instrumentos operacionais, e que podem ser condensados
na seguinte relação:
i)
a decisão constituinte criadora do Estado Federal e de suas partes
indissociáveis, a Federação ou a União, e os Estados-Membros;
ii)
a repartição de competências entre a Federação e os Estados-Membros;
iii)
o poder de auto-organização constitucional dos Estados-Membros, atribuindo-lhes
autonomia constitucional;
iv)
a intervenção federal, instrumento para restabelecer o equilíbrio federativo,
em casos constitucionalmente definidos;
v)
a Câmara dos Estados, como órgão do Poder Legislativo Federal, para permitir a
participação do Estado-Membro na formação da legislação federal;
vi)
a titularidade dos Estados-Membros, através de suas Assembleias Legislativas,
em número qualificado, para propor emenda à Constituição Federal;
vii)
a criação de novo Estado ou modificação territorial de Estado existente
dependendo da aquiescência da população do Estado afetado;
viii)
a existência no Poder Legislativo Federal de um Supremo Tribunal ou Corte Suprema,
para interpretar e proteger a Constituição Federal, e dirimir litígios ou
conflitos entre a União, os Estados e outras pessoas jurídicas de direito
interno.
A
reunião desses requisitos não se realiza homogeneamente na realidade dos
Estados Federais, havendo casos em que a lista é atendida total ou
parcialmente.
Pode-se
sintetizar dizendo que no Estado Federal ocorrem dois princípios que lhe são
basilares: o princípio da autonomia dos Estados federados e o princípio de sua
participação na formação das leis nacionais.
A
federação brasileira nasceu inspirada formalmente na experiência
norte-americana. Todavia, sua conformação seguiu trilhas bem diferentes.
Primeiro, porque no momento da constituição do nosso federalismo partiu-se de
um Estado unitário fortemente centralizado para um modelo descentralizador do
poder. A partir dessa característica, nossa experiência estaria mais para o
modelo do hold together, em que uma
união anterior desconcentra o poder, tal qual a construção federativa da Índia,
do que para o do come together, a
junção entre partes antes separadas que distinguiu o paradigma estadunidense. É
nesse sentido que Rui Barbosa, ao comparar nossa realidade com a
norte-americana, afirmou: “Não somos uma Federação de povos até ontem separados
e reunidos de ontem para hoje. Pelo contrário, é da União que partimos, Na
União nascemos”.
Em
linhas gerais, o caráter centrífugo, o federalismos assimétrico e hierárquico e
a oligarquização do sistema político no plano subnacional, com o respectivo
fortalecimento dos governadores e de suas máquinas estaduais, constituem as
três características básicas do modelo federativo brasileiro em seu nascedouro.
O
artigo 1º da Constituição afirma que a República Federativa do Brasil, formada
pela união dos Estados e Municípios, constitui-se em Estado Democrático de
Direito, configurando-se uma federação de dois níveis pela presença dos
Municípios.
A
Constituição Federal, no entanto, determina que as Constituições dos
Estados-Membros adotem a descentralização em Municípios, considerados por isso
mesmo como entidades intra-estaduais autônomas. Assim, além dos Estados
descentralizados, os Estados-Membros, por imposição constitucional, são
constitucionalmente descentralizados.
Nesta
perspectiva, fala-se em Constituição materialmente federal, que não tem a
extensão da Constituição Nacional, dado o conteúdo específico de sua matéria.
No
Estado Federal ocorre uma descentralização do poder político. Toda a estrutura
federal baseia-se, assim, na repartição de competências considerada como a
grande questão do federalismo, o elemento essencial da construção federal, o
tema representativo da medida dos poderes políticos do Estado.
O
que coloca as leis em posição de superioridade ou inferioridade, umas em
relação às outras, é a sua espécie e o exercício das competências
constitucionalmente atribuídas a cada ente federado.
Competências,
no dizer de José Afonso da Silva, “são as diversas modalidades de poder de que
servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções”. Competência
é a capacidade de agir de numa esfera determinada.
O
critério próprio para a repartição de competências é o da amplitude do
interesse em jogo. À União dirá respeito a tudo quanto concernir ao país em sua
totalidade, abrangendo-se, sob esse prisma genérico, o âmbito de suas relações
internas, e o domínio de suas relações externas. Aos Estados-Membros dirá
respeito tudo quando se vincular a seu próprio território e aos interesses
preponderantemente regionais.
Competência
legislativa é aquela relacionada com a elaboração da lei, enquanto que a competência
material, geral ou de execução, se acha voltada para a realização de diferentes
tarefas ou serviços. Trata-se de competência não legislativa. No âmbito da
competência material da União, de que trata o artigo 21 da Constituição,
classificada como competência geral, encontram-se os seguintes poderes da
União, que agrupam os assuntos correspondentes: Poderes Soberanos; Poderes de
Defesa do Estado e da Estrutura Federal; Poderes de Administração e Fiscalização
Econômico-Financeira; Poderes de Planejamento e Desenvolvimento; Poderes de
Comunicação, Telecomunicação e Transportes; Poderes de Polícia e Segurança
Federais; Poderes de Organização; Poderes de Atividade Nuclear e Monopolização
de Minérios Nucleares e seus Derivados; Poder de Anistiar; Poder de Regular.
É
bom lembra, todavia, que a competência material não exclui a possibilidade de
ação normativa precedente da pessoa jurídica que a titulariza. Por isso mesmo é
que as competências materiais da União se acham relacionadas com as
competências legislativas privativas ou exclusivas, constantes do artigo 22.
Por
competência exclusiva (material e legislativa) entende-se aquela conferida a
determinada entidade que a exerce em toda sua plenitude, sem interferência de
outra entidade política. José Afonso da Silva distingue, no entanto, quanto à
extensão, ou da realização material, competência exclusiva e competência
privativa.
No
primeiro caso, trata-se de competência indelegável (artigo 21 da CF), e no
segundo, quando enumerada como própria de uma entidade, pode ser de delegação
ou suplementar (artigo 22 e seu parágrafo único e artigo 24 e seus parágrafos,
ambos da CF).
Competência
legislativa concorrente é a exercida por duas ou várias entidades políticas, desaparecendo
a exclusividade (artigo 24 da CF). A competência concorrente pode ser: a) cumulativa
ou clássica, quando não há limites prévios à atuação legislativa dos entes
políticos,, quem podem assim legislar ilimitadamente sobre as mesmas matérias;
b) não-cumulativa ou limitada, quando a União fixa princípios, diretrizes,
normas gerais, e os Estados estabelecem normas de aplicação, ou específicas,
detalhando as normas gerais da União.
A
competência legislativa concorrente cria outro ordenamento jurídico dentro do
Estado Federal, o ordenamento misto, formado pela participação do titular do
ordenamento central e dos titulares dos ordenamentos parciais.
A
competência suplementar do Município só caberá em relação a assuntos que digam
respeito ao interesse local, pois não haveria sentido o Município suplementar a
legislação federal ou estadual em matérias a ele estranhas, como, por exemplo,
a legislação referente à nacionalidade ou à organização do Poder Judiciário
Estadual.
Competência
legislativa supletiva é a que permite que os entes políticos próprios supram a
legislação federal não exercida, quando a União deixa de regular determinada
matéria. A Constituição, no artigo 24, § 3º, diz que, inexistindo lei federal
sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para
atender a suas peculiaridades. Mas a superveniência de lei federal sobre normas
gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (artigo
24, §º 4º da CF).
Competência
legislativa complementar é a que os Estados-Membros, respeitadas as normas
gerais ou princípios emanados da União, exercem para complementar a legislação
federal, a fim de atender as peculiaridades locais.
Pelo
enfoque positivo, tem-se entendido que normais gerais são princípios, bases,
diretrizes, que sustentam o sistema jurídico. São declarações principiológicas
que cabe à União editar, no uso de sua competência concorrente limitada,
restrita ao estabelecimento de diretrizes nacionais sobre certos assuntos, que
deverão ser respeitados pelos Estados-Membros na feitura de suas legislações,
através de normas específicas e particularizantes que as detalharão, de modo
que possam ser aplicadas direta e indiretamente, às relações concretas a que se
destinam, em seus respectivos âmbitos políticos.
Pelo
enfoque negativo, as normas que não complementem, particularizem ou
especifiquem são gerais.
Apesar
de todas essas dificuldades na sua identificação, as normas gerais se
justificam pela necessidade de uniformização de determinadas matérias, a fim de
se evitar que a excessiva diversificação normativa dos Estados-Membros
comprometa o conjunto do país, em que, como no caso do Brasil, as dimensões
continentais e as disparidades econômicas, geográficas e culturais entre os
Estados-Membros propiciam que a legislação estadual reflita diversas realidades
locais. Essa situação, se por um lado, leva ao fortalecimento das competências
estaduais, por outro lado acarreta a necessidade de uniformização de soluções
para todo o país, pelo que a competência concorrente surge como forma de
harmonizar essas duas realidades.
A
Constituição ainda dispõe sobre competência comum, que é uma competência
concorrente administrativa, deferida à União, Estados, Distrito Federal e
Municípios (artigo 23 da CF).
Quanto
ao conteúdo, encontra-se na Constituição competência político-administrativa,
competência econômico-social, competência legislativa e competência tributária,
notando-se que, nesta última, é enumerada a competência de todas as entidades
componentes da federação (artigos 153, 155 e 156 da CF). Ainda quanto à
competência tributária, de notar que a Constituição realçou a autonomia formal
e material do sistema tributário.
Fonte:
Direito Constitucional. Kildare Gonçalves Carvalho.