A razoabilidade funciona como standards para avaliação e crítica das possibilidades de decisão na
interpretação da práxis judicial e possui conteúdo variável; por ser um valor
de conceito indeterminado, gera controvérsias quando aplicada a casos
concretos. De fato, na medida em que depende de uma avaliação subjetiva, não é
possível estabelecer uma diretriz geral para todo e qualquer caso e, por isso, há que se
avaliar cada situação de per si.
Tendo em vista que é um conceito valorativo, é imperioso
estabelecer critérios para justificar juízos formulados em nome da
razoabilidade, sob pena de transformá-la em conceito vazio, um verdadeiro
sofisma.
Na maioria das Constituições, o fundamento da razoabilidade não
está expresso, no entanto, existe corrente que a associa com a cláusula do Due Process of Law, dando-lhe, uma
faceta substantiva. Há defensores de uma concepção da razoabilidade sob o
fundamento jusnaturalista e outros a identificam com a cláusula de proibição do
excesso – teoria do détourrnement du
pouvir do Direito Administrativo.
Para Robert Alexy, todos os atos institucionais de produção de
direito são eivados de uma pretensão de correção presente quando o Juiz decide
uma questão jurídica que envolve dois aspectos: a) pronunciamento judicial corretamente
substanciado à luz do direito positivo; b) a decisão justa e razoável.
Quando se diz que a razoabilidade faz parte da pretensão de
correção, significa afirmar que ela está implícita em todos os contextos de
produção e aplicação do direito.
A razoabilidade, enquanto conceito valorativo, assume o papel
de parâmetro para avaliar e criticar decisões judiciais particulares e, em
última análise, funciona como critério para decidir uma questão de forma
correta.
Há doutrinadores que retiram da razoabilidade a característica
de princípio, haja vista sustentarem ser esta expressão reservada a um
significado mais restrito que remete a um estado de coisas tido como ideal. Os
autores argumentam que a razoabilidade está mais próxima de um standard, uma diretiva ou um postulado
normativo-aplicativo, v. g., uma
metanorma ou norma metodológica que estrutura a aplicação de princípios e
regras do ordenamento jurídico.
Chaïm Perelman considera razoável é aquilo que deve ser
visto como correto em determinado momento e, em face do conteúdo variável do
postulado não haverá solução única, ou seja, a pluralidade de situações
implicará em diversos resultados. A razoabilidade, no entanto, estabeleceria o
limite para a tolerância que, se ultrapassado, tornaria as decisões ilegítimas.
A posição de Chaïm Perelman foi recebida com reservas, pois o
critério é pouco frutífero na prática jurídica pelo fato de possuir baixa
potencialidade crítica e por fixar uma moldura tão ampla que é capaz de
abranger praticamente tudo.
Robert Alexy apresenta um conceito compreensivo de
razoabilidade, definindo-a a partir dos elementos da lógica, verdade empírica e
racionalidade meio/fim, acrescentando a correta compreensão dos interesses de
terceiros eventualmente afetados pela medida, tratamento adequado aos
interesses de todos e discussão crítica dos vários interesses e tradições em
conflito.
A forma de entender a razoabilidade desenvolvida por Alexy
fornece parâmetros adequados para toda e qualquer decisão de caráter prático e
normativo, entretanto, ainda é uma noção carregada de abstração. A fim de se
ter maior objetividade, tornando a razoabilidade um diretiva com força
argumentativa, deve-se buscar critérios especificamente jurídicos.
Na visão de Luís Roberto Barroso, a razoabilidade, sob a ótica
do direito constitucional, identifica-se com a proporcionalidade e três
subprincípios (adequação, necessidade e proporcionalidade) forneceriam
critérios de caráter formal, possibilitando distingui-los dos argumentos que
operam o discurso jurídico, quando da aplicação da máxima da proporcionalidade.
A razoabilidade é um conceito que possui ligações com a justiça
e equidade e tem alcance mais amplo do que a proporcionalidade, a qual, embora
extremamente importante para as ponderações de princípios, tem se mostrado
insuficiente para a criação de exceções a regras jurídicas válidas. De fato,
quando a máxima da proporcionalidade é aplicada às relações jurídicas, analisar
a questão sob o ponto de vista da razoabilidade torna-se dispensável.
Deve-se considerar que a razoabilidade é um conceito amplo o
suficiente para abarcar equidade, exigência de um suporte empírico adequado
para a regulação normativa e justificativa dos critérios de diferenciação à
vista do princípio da igualdade.
A equidade é uma das facetas mais antigas da razoabilidade e
exige a adaptação do direito ao caso concreto. Tal fato implica na rejeição do
brocardo ita lex o dura lex sed lex,
condicionando a aplicação do direito positivo à adequação da norma à realidade
sobre a qual ela incidirá (se a lei é dura, será esta é que deverá ceder passo
ao caso concreto e às suas exigências). Neste caso, estamos diante de situações
cuja anormalidade torna desarrazoado a aplicação da norma geral, uma vez que as
peculiaridades do caso concreto não levadas em consideração pelo legislador faz
com que a aplicação da norma viole princípios fundamentais do ordenamento
jurídico ou as razões justificadoras da norma.
Ao empregar a razoabilidade como equidade, tem-se que as regras
jurídicas não estabelecem nada mais senão condições ordinariamente necessárias
e presumidamente suficientes para as conseqüências que prevêem. Em toda
regulação jurídica há certas pressuposições implícitas – definidoras de um
contexto de aplicação das normas – que, tendo em vista os limites à precisão e
à exaustividade dos enunciados normativos, não puderam ser expressamente
previstos pelo legislador. A ausência dessas pressuposições implícitas – que,
diga-se, compõem o verdadeiro direito não escrito – indica que não há
necessidade de observância incondicional da norma.
A razoabilidade como equidade atua como teste para verificar a
adequação da norma ao caso e, eventualmente, formular exceções às regras
jurídicas existentes.
Ao contrário de um valor em si mesma, a razoabilidade é um
valor-função porque fixa um parâmetro interpretativo para especificar os
fatores de valoração que são relevantes para um julgamento sobre a existência
ou não de justificativa nos casos em análise.
A razoabilidade atua entre o fato e a norma, na forma de
parâmetro normativo (ou, talvez, metanormativo), na medida em que o postulado
não se situa no nível das normas jurídicas propriamente ditas, mas no nível das
metanormas ou diretivas que se voltam para o trabalho de busca da justiça do
caso concreto.
A visão da razoabilidade como manifestação da equidade
refere-se a questio facti, v. g., à pertinência e relevância dos
fatos para a aplicação do direito.
Enquanto dever de congruência, a perspectiva da razoabilidade
deve ser alterada. Embora qualquer juízo de congruência só possa ser formulado
a partir de certas premissas empíricas extraídas da realidade, não se verifica
apenas a aplicação de uma norma cuja validade é inquestionável, mas a
justificabilidade dos próprios enunciados normativos.
A razoabilidade como dever de congruência exige a harmonização
das normas com suas condições externas de aplicação. Deve haver um suporte
empírico adequado para a medida adotada. Nesta hipótese, a razoabilidade atua
no plano de validade da norma ao verificar se há ou não um retrato
suficientemente seguro da realidade extrajurídica.
Diante disso, a valoração das causas e as próprias fontes
materiais do direito podem ser feitas pela razoabilidade.
Uma relação adequada entre o critério de diferenciação
escolhido e a medida adotada pelo legislador pode ser evocado pela razoabilidade
que, neste caso, seria vista como
igualdade ou, mas especificamente, como medida de diferenciação de tratamento
dado pela lei a certas situações particulares. O postulado funciona como
parâmetro para aferição da violação à igualdade ou justiça formal, compreendendo
a seleção dos fatores que devem ser considerados relevantes para um tratamento
jurídico especial.
Pode-se buscar na razoabilidade fundamento para uma
justificabilidade axiológica da decisão jurídica. Se fosse esse o caso, a
razoabilidade pode estabelecer ligações entre direito e justiça exigindo do
direito positivamente válido um mínimo de substância moral.
A razoabilidade como aceitabilidade racional seria uma
propriedade final do processo de justificação jurídica, vinculando-se à concepção
habermasiana de racionalidade comunicativa como forma de racionalidade prática.
O problema central desta concepção é justamente a aceitabilidade racional das
decisões jurídicas concretas, que abarca uma série de requisitos de caráter
ideal. O principal deles é a idéia de certeza jurídica que é um dos fins que a
argumentação jurídica busca alcançar, abarcando dois elementos: i) a exigência
de que a arbitrariedade seja evitada (que se liga à previsibilidade dos
comportamentos exigidos dos sujeitos de direito em geral e é alcançada se a
decisão se mantém no quadro do ordenamento jurídico vigente); ii) a exigência
de que a decisão seja apropriada.
A aceitabilidade racional compreenderia, além de uma
racionalidade procedimental, uma aceitabilidade axiológica, que demanda a
legitimidade da decisão (ou do resultado da interpretação). A razoabilidade
compreenderia a combinação de elementos de justificação, que são argumentos
jurídicos, empíricos e morais.
Robert Alexy assume postura polêmica ao lecionar que o conflito
entre justiça e segurança jurídica pode ser resolvido no sentido de que o
direito positivo, estabelecido por promulgação e força, tem prioridade mesmo
quando seu conteúdo é impróprio ou injusto. Somente quando a contradição entre
o direito positivo e a justiça atinge um nível intolerável é que o direito deve
ser concebido como “falso direito” para a justiça.
Segundo a fórmula de Radbruch, a justiça ou substantive correctness é incorporada ao
núcleo do próprio conceito de direito, fixando um mínimo de justiça material do
qual nenhum ordenamento jurídico pode abrir mão. Desde o momento em que de
adota a fórmula, é fixado o limite da extrema injustiça, que atua para demarcar
o terreno dentro do qual o direito formalmente promulgado e socialmente eficaz
pode possuir validade. Adota-se um conceito de direito mais rico, segundo o
qual nenhuma norma de direito positivo pode permanecer válida quando
contaminada, em nível intolerável, por extrema injustiça.
Caso a fórmula de Rabbruch seja incorporada aos critérios
normativos de razoabilidade, haverá possibilidade de alargar os horizontes do
jurista prático e fixar um grau mínimo de justiça para a aceitabilidade de
qualquer decisão. A razoabilidade se tornaria, assim, uma ferramenta
metodológica normativamente relevante par a harmonização – em casos extremos,
eis que não deixa de haver uma prioridade prima
facie dos valores “certeza” e “segurança” sobre “correção substantiva” –
entre direito e moral, o que sem dúvida tornaria o direito um instrumento mais
consistente para alcançar suas próprias funções sociais.
A razoabilidade pode ser vista, portanto, como uma ponte que
liga produtivamente as esferas do direito e da moral, servindo de passaporte
para ingresso do pós-positivismo no terreno onde ele realmente se faz
necessário: a prática jurídica.
O controle objetivo da razoabilidade pode ser exercido a partir
do momento em que toda norma de justiça válida deve satisfazer à condição de
que as consequências e efeitos colaterais que, previsivelmente resultarem para
satisfação dos interesses de cada um dos indivíduos do fato de ela ser
universamente seguida, possam ser aceitas por todos os concernidos e preferidos
a todas as consequências das possibilidades alternativas e conhecidas por
regrarem.
A razoabilidade funciona, assim, como o cânone mais profundo
para avaliar a justiça de uma decisão judicial.
Fonte: Leituras Complementares de Direito Constitucional –
Controle de Constitucionalidade de Hermenêutica Constitucional. Organizador:
Marcelo Novelino. A Razoabilidade na Dogmática Jurídica Contemporânea. Thomas
da Rosa de Bustamante.