-
retrocessão e direito de preferência
Efetivada uma desapropriação, o
Poder Público deve aplicar o bem, por tal modo adquirido, à finalidade pública
que suscitou o desencadeamento de sua força expropriatória. Não o fazendo, terá
ocorrido o que se denomina “tredestinação”, ou seja, a destinação desconforme
com o inicialmente previsto, que pode ser lícita (quando, persistindo o interesse
público, o expropriante dispensa ao bem desapropriado destino diverso do que
planejara no início) ou ilícita (quando o Poder Público transfere a terceiro o
bem desapropriado ou pratica desvio de finalidade, permitindo que alguém se
beneficie de sua utilização).
Retrocessão é um direito real do
ex-proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto a finalidade
pública.
O Decreto-lei n.º 3365/41 dispõe em
seu artigo 35 que os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública,
não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do
processo de desapropriação. Qualquer ação julgada procedente, será resolvida em
perdas e danos. Em face disso, parte da doutrina assinala o caráter de direito
pessoal – ensejador, pois, de perdas e danos se desconhecido o direito de
preferência. Outros autores defendem a natureza real do direito em apreço, isto
é, o de readquirir o bem e, para tanto, elencam como fundamento o disposto no
artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal, o qual configura o direito de
propriedade como um direito básico, que só deve ceder à demissão compulsória
para a realização de uma finalidade pública.
Celso Antonio Bandeira de Mello
ressalta que, reconhecer ao ex-proprietário o direito de recuperar o bem
expropriado e não afetado ao destino público não significa que não lhe deva ser
oferecido o bem, como resulta da conjugação dos artigos 519 e 513 do Código
Civil, ou ainda, libera o Poder Público do pagamento de perdas e danos (artigo
518 do CC). O autor defende que, se houver violação do direito de preferência,
o expropriado tanto poderá se valer das perdas e danos, quanto, ao invés disso,
optar pela ação de retrocessão, não podendo, no entanto, cumular as pretensões.
Assim, o direito de preferência do
expropriado é o que lhe seja oferecido pelo expropriante o bem desapropriado e
não aplicado à finalidade pública, para que possa readquiri-lo pelo mesmo valor
por que foi indenizado na desapropriação. Uma vez oferecido o bem, o
expropriado dispõe do prazo de três dias, no caso de móveis, e sessenta dias,
no caso de imóveis, contados a partir da data em que o Poder Público lhe houver
feito a notificação, para aceita-la ou não.
Se o bem desapropriado para uma
específica finalidade for utilizado para outro fim público, não há vício algum
que enseje ao particular a ação de retrocessão, considerando-se que, no caso,
não teria havido obrigação do Poder Público de lhe oferecer o bem para
reaquisição. Além disso, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que não cabe
pedido de retrocessão quando a obra pública foi executada em sua parte
substancial.
Ressalte-se a contradição do § 3º do
artigo 5º do Decreto-lei n.º 3365/41, segundo o qual, quando se tratar de
imóvel desapropriado para implantação de parcelamento popular e destinado às
classes de menor renda, não se dará outra utilização ao bem. Entretanto, a
norma dispõe que não haverá retrocessão.
A obrigação de oferecer o bem em
preferência nasce a partir do momento em que se possa depreender que o
expropriante desistiu de destinar o bem a finalidade pública. Alguns autores
entendem que tal desistência se caracteriza ao cabo de cinco anos sem que haja
preposição do bem a finalidade pública, adotando-se tal prazo por analogia ao
da caducidade da declaração de utilidade pública. Outra corrente (majoritária)
considera que tal desistência deve ser analisada caso a caso e deduzida de
indícios ou fatos concretos.
O preço a ser pago pelo expropriado,
a fim de readquirir o bem que lhe seja oferecido em preferência, é o preço
atual da coisa, conforme o artigo 519 do Código Civil.
A obrigação do expropriante de
oferecer o bem em preferência nasce no momento em que este desiste de aplica-lo
à finalidade pública. A determinação exata deste momento há que se verificada in concreto.
O valor das perdas e danos que o
ex-proprietário tem direito em caso de violação do direito de preferência,
segundo leciona Celso Antonio Bandeira de Mello, consiste na diferença entre o
valor pelo qual seria readquirido o bem se este lhe houver sido ofertado e o valor
atual dele, além dos lucros cessantes. Todavia, o autor reconhece que o
pagamento dos lucros cessantes é rechaçado pela jurisprudência, que só os
admite se provados cabalmente sua existência.
Embora não seja entendimento
uníssono, o direito de preferência do expropriado é transmissível e tal
assertiva fundamenta-se no fato de que este direito integra o patrimônio
jurídico do ex-proprietário por força de lei e como tal não pode ser negada sua
transmissibilidade (precedentes do STF).
Há que se registrar que o direito de
preferência inexiste no caso de o bem ser aplicado a finalidade de interesse
público, mas posteriormente foi desafetado e eventualmente alienado. Não se
pode exigir a eterna vinculação do bem ao destino público.
Não há nada no texto constitucional
ou no artigo 519 do Código Civil que leve ao entendimento de que, efetuada uma
desapropriação, o bem adquirido tenha que estar vinculado ad perpetuam a uma finalidade pública, pois o dever administrativo
é o de solver as questões em dado tempo e lugar, segundo as necessidades e
conveniências presentes. Se o faz adequadamente, cumpre a ordem jurídica, e não
está, com isto, a lesar o direito ou as expectativas de quem quer que seja.
Ressalte-se que é impossível cogitar
da ação de retrocessão relativa a bens revendidos pelo Poder Público no caso de
desapropriação para fins urbanísticos, uma vez que aí não há transgressão
alguma de finalidade pública em vista da qual foi realizada. Idem, por igual
razão, na revenda de bens adquiridos por desapropriação por zona efetuada para
colher o sobrevalor resultante de obra pública.
-
requisição
Além de desapropriação, também a
requisição e a servidão administrativa retratam hipóteses de sacrifício de
direito.
Requisição é o ato pelo qual o
Estado, em proveito de um interesse público, constitui alguém, de modo
unilateral e auto-executório, na obrigação de prestar-lhe um serviço ou
ceder-lhe transitoriamente o uso de alguma coisa in natura, obrigando-se a indenizar os prejuízos que tal medida
acarretar ao obrigado.
A requisição funda-se no artigo 5º,
inciso XXV da Constituição Federal e a competência para legislar sobre ele
assiste apenas à União, conforme o artigo 22, inciso III da Carta Magna.
Requisição e desapropriação diferem
nos seguintes pontos:
a) a requisição se refere a bens e
serviços. A desapropriação apenas a bens;
b) a requisição preordena-se tão
somente ao uso da propriedade, ao passo que a desapropriação é volvida à
aquisição dela;
c) a requisição decorre de
necessidades transitórias. A desapropriação é suscitada por necessidades
permanentes da coletividade;
d) a requisição é auto-executória. A
desapropriação, para se efetivar, depende de acordo ou, na falta deste, de
procedimento judicial;
e) a requisição supõe, em geral, na
necessidade pública premente. A desapropriação supõe necessidade corrente,
usual;
f) a requisição pode ser indenizada a posteriori e nem sempre é obrigatória.
A desapropriação é sempre indenizável previamente (exceto nas hipóteses dos artigos
182, § 4º, inciso III e artigo 184 da Constituição Federal).
-
servidão administrativa
Servidão administrativa é o direito
real que assujeita um bem a suportar uma utilidade pública, por força da qual
ficam afetados parcialmente os poderes do proprietário quanto ao seu uso ou
gozo. É, pois, o gravame que onera um dado imóvel subjugando-o ao dever de
suportar uma convivência pública, de tal sorte que a utilidade residente no bem
pode ser fruída singularmente pela coletividade ou pela Administração.
As servidões administrativas não se
confundem com as limitações administrativas à propriedade.
Do ponto de vista teórico, é
profunda a distinção entre umas e outras. Enquanto, por meio das limitações, o
uso da propriedade ou da liberdade é condicionado pela Administração par que se
mantenha dentro da esfera correspondente ao desfecho legal do direito, na
servidão há um verdadeiro sacrifício, conquanto parcial, do direito. A
compostura do direito, legalmente definida, vem a sofrer uma compressão em nome
do interesse público a ser extraído do bem sujeito à servidão.
As limitações administrativas à
propriedade alcançam toda uma categoria abstrata de bens, ou, pelo menos, todos
os que se encontrem em uma situação ou condição abstratamente determinada,
enquanto nas servidões administrativas atingem-se bens concreta e
especificamente determinados.
Nas servidões administrativas há um
ônus real, de tal modo que o bem gravado fica em um estado de especial sujeição
à utilidade pública, proporcionando um desfrute direto, parcial, do próprio bem
(singularmente fruível pela Administração ou pela coletividade em geral).
Nas servidões administrativas há um pati, isto é, uma obrigação de suportar,
enquanto nas limitações administrativas há um non facere, isto é, uma obrigação de não fazer.
Toda vez que uma propriedade sofre
restrições em decorrência de ato concreto da Administração, ou seja, uma
injunção decorrente do chamado jus
imperii, estamos diante de uma servidão.
As limitações administrativas não
obrigam o Poder Público a indenizar o proprietário dos bens afetados, enquanto
nas servidões administrativas, em geral, devem ser indenizadas, o que ocorrerá
sempre que impliquem real declínio da expressão econômica do bem ou subtraiam
de seu titular uma utilidade que fruia (o prejuízo deve ser demonstrado).
Se a propriedade não é afetada
diretamente pela disposição abstrata da lei, mas em consequência de uma
injunção especificada Administração, que individualize o bem ou os bens a serem
gravados, está-se diante de uma servidão ou tombamento. Não haveria em tais
hipóteses que se falar em simples limitação administrativa. Em face disso,
caberá indenização sempre que da injunção cogitada resultar um prejuízo para o
proprietário do bem alcançado.
Quando a propriedade é afetada
diretamente pela lei, pode ou não configurar-se servidão. Haverá esta, e não
mera limitação administrativa, se o gravame implicar uma sujeição especial
daquele bem ao interesse coletivo. Entende-se como sujeição especial aquela em
que a utilidade social a ser obtida for singularmente fruível pelos membros da
coletividade ou pela própria Administração através de seus órgãos, agentes,
prepostos etc., consistindo o gravame em dever de suportar e não simplesmente imposição de non facere.
Se a propriedade é atingida por um
ato específico, imposto pela Administração, embora calcada em lei, a hipótese é
de servidão ou de tombamento, porque as limitações administrativas à
propriedade são sempre genéricas.
Se a propriedade é afetada por uma disposição
genérica e abstrata, pode ou não ser o caso de servidão. Será limitação, e não
servidão, se impuser apenas um dever de abstenção: um non facere. Será servidão se impuser um pati: obrigação de suportar.
- tombamento
O tombamento é a intervenção
administrativa na propriedade pela qual o Poder Público sujeita determinados
bens à sua perene conservação para preservação dos valores culturais ou
paisagísticos nele encarnados.
A teor do artigo 24, inciso VII da
Constituição Federal, a competência para legislar sobre tombamento é
concorrente de União, Estados e Distrito Federal, cabendo aos Municípios suplementá-los,
com base no artigo 30, inciso II. Também é da alçada de todos estes sujeitos a
prática dos atos administrativos que o concretizem, a teor do artigo 23, inciso
III da Carta Magna, de acordo com o qual é competência de tais pessoas proteger
os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural,
os monumentos, as paisagens naturais e os sítios arqueológicos.
Em decorrência do tombamento os
poderes inerentes ao titular do bem afetado ficam parcialmente elididos, uma
vez que poderá usar e gozar do bem, nas não alterá-lo, para não desfigurar o
valor que se quer nele resguardar, além de ficar constituído no dever de mantê-lo
em boa conservação, o que terá de fazer a expensas próprias, salvo se não tiver
recursos para tanto, caso em que, a teor do artigo 19 do Decreto-lei n.º 25/37,
solicitará ao Poder Público o custeio das despesas. Tudo isto se o Poder
Público não entender conveniente despojar, de vez, o dominus da senhoria sobre a coisa, desapropriando-a e adquirindo-a
para si, sem, todavia, desfazer a sujeição do bem à utilidade pública que
comandou sua desapropriação.
São traços distintivos do tombamento
em relação à servidão:
a) a servidão é um direito real
sobre coisa alheia ao passo que o tombamento também pode afetar um bem próprio
e ser satisfeito mesmo quanto o bem de terceiro é expropriado, sem que com isto
se extingam os gravames inerentes ao tombamento, não vigorando o princípio de
que nemini res sua servit;
b) a servidão não impõe ao titular
do bem tombado o dever de agir, pois não se lhe exige um facere, mas tão-só um pati,
ao passo que o tombamento constitui o titular do bem tombado no dever de
conservá-lo em bom estado, no que se incluem todas as realizações de reformas
para tanto necessárias;
c) as servidões oneram só bens
imóveis e o tombamento tanto pode se referir a bens imóveis, quanto a bens
móveis (quadros, estatuetas, jóias e outros objetos de interesse cultural).
Como regra, o tombamento exige uma indenização
ao particular cujo bem seja afetado.
Fonte: Curso de Direito
Administrativo. Celso Antônio Bandeira de Mello.