É possível o indeferimento da petição inicial com
resolução do mérito. O magistrado, liminarmente, reconhece a improcedência do
pedido e não admite sequer a citação do réu, ato que se revela desnecessário
ante a macroscópica impertinência do pedido. Trata-se de decisão que analisa o
mérito da causa, apta, portanto, a ficar imune pela coisa julgada material.
Pode-se denominá-la de julgamento liminar de mérito ou improcedência prima
facie.
Há três exemplos de improcedência prima facie na
legislação brasileira: o indeferimento em razão de prescrição ou decadência
(artigos 219, § 5º; 267, I; 269, IV e 295, IV do CPC); o julgamento imediato de
causas repetitivas (artigo 285-A do CPC); rejeição liminar de embargos à
execução manifestamente protelatórios (artigo 739, III do CPC).
O
julgamento liminar do mérito trata-se de decisão apta a ficar indiscutível pela
coisa julgada material. É decisão proferida sem ouvir o réu, mas a favor dele.
O contraditório, em relação ao autor, fica garantido pelo efeito regressivo da
apelação contra a sentença, que permite ao magistrado retratar-se, após ouvir
as razões do autor. O juízo de retratação homenageia também o princípio da
cooperação.
Mantida
da decisão, impõe-se a intimação do réu para apresentar contrarrazões de
apelação, que terá conteúdo muito similar ao de uma contestação, não somente
por ser a primeira manifestação do réu no processo, mas também, e
principalmente, para permitir que o Tribunal, se houver condições para isso
(desnecessidade de produção de outras provas, por exemplo), possa, dando
provimento à apelação, decidir o mérito desfavoravelmente ao réu – a previsão
de contrarrazões, nesse caso, existe apenas no caso do artigo 285-A, mas deve
ser aplicada, por analogia, à improcedência liminar pelo reconhecimento da
prescrição ou decadência.
Transitada
em julgado a decisão de improcedência, sem a participação do réu no processo, o
escrivão deverá comunicar, por correspondência, a sua vitória, enviando-lhe
cópia da petição inicial e da decisão. Essa comunicação é indispensável,
principalmente para que o réu, tendo ciência de sua vitória, possa alegar
objeção de coisa julgada material, se o autor renovar a demanda.
Admite-se
o julgamento liminar do mérito quando o magistrado reconhece ex officio a
decadência legal e a prescrição. O artigo 295, inciso IV do Código de Processo
Civil, é claro ao admitir o indeferimento da petição inicial pelo
reconhecimento da decadência ou da prescrição, situações que por força do
artigo 269, inciso IV do Código de Processo Civil, importam a resolução do
mérito da causa.
No
âmbito das relações jurídicas privadas, não se admitia, como regra, que o
magistrado conhecesse ex officio da prescrição, que sempre se
caracterizou como um direito (exceção substancial) disponível do devedor;
nesses casos, a sentença que acolhesse o pedido, ignorando a prescrição, não
seria injusta, porquanto reconhecesse um direito subjetivo ainda existente.
Segundo
o artigo 191 do Código Civil, é permitida, expressa ou tácita, da prescrição. A
não-arguição da prescrição consumada é uma forma de renúncia. Uma regra que
permite a renúncia tácita e outra que permite o reconhecimento ex
officio estão em evidente conflito.
É
lícito concluir que o sistema do Código Civil está todo comprometido com a
livre disponibilidade da prescrição consumada. A estrutura jurídica do sistema
é, inquestionavelmente, a de uma exceção de direito material, quer se mantenha
ou não a disposição do artigo 194 da lei civil. A alteração legislativa seria
aceitável se o sistema as obrigações no direito privado também fosse alterado,
o que não aconteceu.
Além
disso, é preciso indagar sobre a possibilidade de conhecimento de ofício da
prescrição em desfavor do consumidor, trabalhador, idoso e índio. Trata-se de
grupos humanos protegidos constitucionalmente pelo Estado, que lhes reconhece
hipossuficiência bastante para merecer tutela estatal. Não encontraria abrigo
constitucional uma interpretação que permitisse que o próprio Estado
(Estado-Juiz), a quem compete a proteção de tais sujeitos, atuasse ex
officio para prejudicá-los, reconhecendo uma prescrição que lhes seja
desfavorável, sem alegação da parte adversária. Em relação à criança e ao
adolescente, também protegidos constitucionalmente, não há problema, pois a
prescrição não corre em seu desfavor.
Também
não é possível reconhecimento ex officio da prescrição que diz
respeito a direito disponíveis, exatamente porque, em tais casos, é admitida
renúncia. Se se admitisse a atuação oficial em tais situações, haveria indevida
e inconstitucional invasão na autonomia privada.
A
prescrição não perdeu a natureza de exceção substancial. Alterou-se o
regramento processual da prescrição, que, embora uma exceção substancial, tem
regime jurídico de objeção. Não se vislumbra qualquer obstáculo teórico a isto.
A possibilidade de conhecimento ex officio da prescrição é uma
opção legislativa, e não uma exigência teórica.
Entende-se
que a regra do § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil deve ser aplicada
apenas antes da citação do réu, no momento de exame da petição inicial, para o
reconhecimento de prescrição envolvendo direitos indisponíveis, em nenhuma
hipótese em sentido desfavorável àqueles sujeitos protegidos
constitucionalmente (consumidor, índio, idoso e trabalhador).
Após
a apresentação da resposta ao réu, o magistrado deve esperar a sua provocação.
Como se trata de um direito do réu, não há sentido em conferir-se ao magistrado
o poder de exercitá-lo em nome do demandado, que, estando em Juízo e podendo
exercê-lo, não o fez.
O
artigo 112, parágrafo único do Código de Processo Civil permite o
controle ex officio da competência territorial no caso de
propositura de demanda em foro contratual reputado abusivo. O magistrado deve,
reconhecendo a abusividade da cláusula, remeter os autos ao domicílio do réu.
Se o magistrado não proceder ao controle da competência no despacho liminar, e
tendo sido citado o réu, que não alegou a ilicitude da cláusula contratual, há
preclusão, com a prorrogação da competência do Juízo. O magistrado pode
controlar a competência territorial ex officio, mas não pode
fazê-lo a qualquer tempo.
A
nova regra consagra, então, um caso de improcedência prima facie:
decisão de mérito pela improcedência, proferida antes da citação do réu, O
magistrado, com base no § 5º do artigo 219, no artigo 269, inciso IV e artigo
295, inciso IV, todos do Código de Processo Civil, indefere a petição inicial,
com resolução do mérito, sem necessidade de ouvir o demandado, já que a decisão
lhe favorece. Transitada em julgado a decisão que indeferiu a petição inicial
com exame do mérito, deverá o escrivão comunicar ao réu o resultado desse
julgamento, até para que ele possa ter conhecimento de uma decisão que, de
resto, lhe favorece e que está acobertada pela coisa julgada material.
Para
reconhecimento da improcedência prima facie é necessário que a
causa seja unicamente de direito. Trata-se de causa cuja matéria fática possa
ser comprovada pela prova documental. É hipótese excepcional de julgamento
antecipado da lide, que passa a ser autorizado, também, antes da citação do
réu, se a conclusão do magistrado é pela improcedência. Antecipa-se ainda mais
o momento de julgamento da causa, dispensando não só a fase instrutória, mas,
inclusive, a própria ouvida do réu. É exemplo de decisão definitiva, apta a
ficar imune pela coisa julgada material.
O
julgamento antecipado é autorizado caso se trate de causa repetitiva, ou seja,
aquela que verse sobre questão jurídica objeto de processos semelhantes. É o
que acontece com os litígios de massa.
A
apelação interposta contra sentença de improcedência prima facie também
permite o juízo de retratação do magistrado (em cinco dias), à semelhança do
que já acontece com a apelação interposta contra as demais sentenças de
indeferimento da petição inicial.
Se
o magistrado não se retratar, antes de encaminhar os autos ao Tribunal, deverá
proceder à citação do réu, para responder ao recurso.
Como
se trata de causa cujo julgamento dispensa a produção de outras provas, não
assustará se o Tribunal, acaso pretenda reformar essa sentença, ao invés de
determinar a devolução dos autos à primeira instância, também examine o mérito
e julgue procedente a demanda, sob o argumento de que o réu já apresentou
defesa (em forma de contrarrazões) e a causa dispensa atividade probatória em
audiência (aplicação analógica do artigo 515, § 3º do CPC).
Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie
Didier Júnior.