terça-feira, 24 de agosto de 2010

Serviço Público e Obra Pública

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.


Ao erigir-se algo em serviço público, bem relevantíssimo da coletividade, quer-se também impedir, de um lado, que terceiros os obstaculem e; de outro, que o titular deles, ou quem haja sido credenciado a prestá-los, procedam, por ação ou omissão, de modo abusivo, quer por desrespeitar direitos dos administrados em geral, quer por sacrificar direitos ou conveniências dos usuários dos serviços.


Só merece ser designado como serviço público aquele concernente à prestação de atividade e comodidade material fruível singularmente pelo administrado, desde que tal prestação se conforme a um determinado e especifico regime: o regime de Direito Público, o regime jurídico-administrativo.


A noção de serviço público há de se compor necessariamente de dois elementos: i) um deles, que é seu substrato material, consistente na prestação de utilidade ou comodidade fruível singularmente pelos administrados; ii) o outro, traço formal indispensável, que lhe dá justamente o caráter de noção jurídica, consistente em específico regime de Direito Público, isto é, numa unidade normativa.


Esta unidade normativa é formada pelos princípios e regras caracterizados pela supremacia do interesse público sobre o privado e por restrições especiais, firmados uns e outros em função da defesa de valores especialmente qualificados no sistema normativo.


Quanto ao primeiro elemento, seu substrato material, cumpre observar que a atividade estatal denominada serviço público é a prestação consistente no oferecimento, aos administradores em geral, de utilidade ou de comodidades materiais (ex. água, luz, gás, telefone etc.), singularmente fruíveis pelos administrados que o Estado assume como próprias, por serem reputadas imprescindíveis, necessárias ou apenas correspondentes a conveniências básicas da sociedade, em dado tempo histórico. Aliás, é por isto que as presta sob o regime de Direito Público, diretamente ou através de alguém por ele qualificado para tanto.


Ditas atividades, portanto, salvo algumas exceções, estão excluídas da esfera do comércio privado. De conseguinte, as atividades que não pertençam à esfera da livre iniciativa, sendo estranhas, então, ao campo da exploração da atividade econômica.


O segundo elemento, formal, isto é, a submissão a um regime de Direito Público, o regime jurídico-administrativo, é que confere caráter jurídico à noção de serviço público.


Hely Lopes Meirelles enumera cinco princípios atinentes ao serviço público: a) o da permanência, que é o nome que atribui ao princípio da continuidade; b) o da generalidade, que corresponde ao princípio da igualdade; c) o da eficiência, que exige atualização do serviço, outra desginação para a chamada mutabildiade; d) o da modicidade, exigente de tarifas razoáveis; e) o da cortesia.


Também podem ser elencados como princípios do serviço público: dever inescusável de o Estado promover-lhe a prestação; princípio da supremacia do interesse público; princípio da adaptabilidade; princípio da universalidade; princípio da impessoalidade; princípio da continuidade; princípio da transparência; princípio da motivação; princípio da modicidade de tarifas; princípio do controle (interno ou externo) sobre as condições de sua prestação.


Não se deve confundir titularidade do serviço com a titularidade da prestação do serviço.


O fato de o Estado ser titular dos serviços públicos, ou seja, ser o sujeito que detém senhoria sobre eles, não significa que deva obrigatoriamente prestá-los por si ou por criatura sua quando detenha a titularidade exclusiva do serviço. Na esmagadora maioria dos casos estará apenas obrigado a discipliná-los e a promover-lhes a prestação.


Assim, tanto poderá prestá-los por si mesmo como poderá promover-lhes a prestação conferindo a entidades estranhas ao seu aparato administrativo titulação para que os desempenhem, isto é, para que os prestem segundo os termos e condições que fixe e, ainda assim, enquanto o interesse público aconselhar tal solução. Ou seja, poderá conferir autorização, permissão ou concessão de serviços públicos para que sejam efetuados por tais pessoas.


Obra pública é a construção, reparação, edificação ou ampliação de um bem imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público. Obra pública não é serviço público, uma vez que a obra é, em si mesma, um produto estático; já o serviço é uma atividade, algo dinâmico. A obra é uma coisa, o produto cristalizado de uma operação humana; o serviço é a própria operação ensejadora do desfrute. A fruição da obra, uma vez realizada, independe de uma prestação, é captada diretamente, salvo quando é apenas suporte material para a prestação de um serviço; a fruição do serviço é a fruição da própria prestação, assim, depende sempre integralmente dela. A obra, para ser executada, não presume prévia existência de um serviço; o serviço público, normalmente, para ser prestado, pressupõe uma obra que lhe constitui o suporte material.


Pelo poder de polícia, o Estado, mediante lei, condiciona, limita, o exercício da liberdade e da propriedade dos administrados, a fim de compatibilizá-las com o bem-estar social. Daí que a Administração fica incumbida de desenvolver certa atividade destinada a assegurar que a atuação dos particulares se mantenha consonante com as exigências legais, o que pressupõe a prática de atos, ora preventivos, ora fiscalizadores e ora repressivos.


Para o leigo, insciente das letras jurídicas, podem aparecer como serviços e, portanto, serviços públicos, as perícias, exames, vistorias, efetuadas pelo Estado ou sua entidades auxiliares com o fito de examinar o cabimento da liberação do exercício de atividades privadas, ou com o propósito de fiscalizar-lhes a obediência aos condicionamentos da liberdade e da propriedade, ou com a finalidade de comprovar a existência de situações que demandariam a aplicação de sanções. Tais atos constituem em rotineiros atos de polícia administrativa, perfeitamente distintos dos atos de prestação de serviço público.


Enquanto o serviço público visa ofertar ao administrado uma utilidade, ampliando, assim, o seu desfrute de comodidades, mediante prestações feitas em prol de cada qual, o poder de polícia, inversamente (conquanto para a proteção do interesse de todos), visa a restringir, limitar, condicionar, as possibilidades de sua atuação livre, exatamente para que seja possível um bom convívio social.


A expressão “serviços” é utilizada algumas vezes em sentido natural – e não técnico-jurídico – para nomear atividades industriais ou comerciais que o Estado, a teor do artigo 173 da Constituição Federal, desempenha basicamente sob regime de Direito Privado, por se constituírem em exploração de atividade econômica, isto é, atividade própria dos particulares, atividade privada, portanto, e, bem por isto, insuscetível de ser qualificada como serviço público.


É preciso, ainda, não confundir com serviço público certas atividades privadas, que, conquanto entregues à livre iniciativa, por força de lei, dependem de prévia autorização de órgãos públicos. Por não se tratar de atividades assumidas pelo Estado como próprias, pertencentes ao seu campo específico, é evidente que, por definição, não são serviços públicos.


A Constituição Federal já indica, expressamente, alguns serviços antecipadamente propostos como da alçada do Poder Público federal. Serão, pois, obrigatoriamente serviços públicos os arrolados como de competência das entidades públicas.


Também não se deve imaginar que todos os serviços postos à compita do Poder Público, e, por isto, qualificáveis como públicos, estejam, todos eles (salvo concessão ou permissão), excluídos do campo de ação dos particulares.


Com efeito, cumpre distinguir, de um lado, os serviços públicos privativos do Estado – que são os referidos no artigo 21, incisos XI e XII da Constituição Federal, bem como quaisquer outros cujo exercício suponha necessariamente a prática de atos de império, os quais devem ser prestados pela União, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão – e, de outro lado, os serviços públicos não-privativos do Estado.


De acordo com a Constituição, são quatro estas espécies de serviços sobre os quais o Estado não detém titularidade exclusiva, ao contrário do que ocorre com os demais serviços públicos nela previstos. A saber: serviços de saúde, de educação, de previdência e de assistência social.


Ante ao tratamento dado pela Constituição aos serviços públicos nela mencionados, pode ser distinguidas as seguintes hipóteses:


- serviços de prestação obrigatória e exclusiva do Estado;


- serviços de prestação obrigatória do Estado e em que é também obrigatório outorgar em concessão a terceiros;


- serviços de prestação obrigatória pelo o Estado, mas sem exclusividade;


- serviços de prestação não obrigatória pelo Estado, mas não os prestando é obrigado a promover-lhes a prestação, tendo, pois, que outorgá-los em concessão ou permissão a terceiros.


Há duas espécies de serviços que só podem ser prestados pelo próprio Estado, isto é, que não podem ser prestados por concessão, permissão ou autorização. São eles, o serviço postal e o correio aéreo nacional, como resulta do artigo 21, inciso X da Constituição Federal.


Há uma espécie de serviços públicos que o Estado, conquanto obrigado a prestar por si ou por criatura sua, é também obrigado a oferecer em concessão, permissão ou autorização: são os serviços de radiofusão sonora (rádio) ou de sons e imagens (televisão).


Há cinco espécies de serviço que o Estado não pode permitir que sejam prestados exclusivamente por terceiros, seja a título de atividade privada livre, seja a título de concessão, autorização ou permissão. São os serviços: de educação, de saúde, de previdência, de assistência social, de radiofusão sonora e de sons e imagens.


Todos os demais serviços públicos, notadamente os arrolados no artigo 21, incisos XI e XII da Constituição, o Estado tanto pode prestar por si mesmo (mediante administração direta ou indireta) como transferindo seu desempenho a entidade (mediante concessão ou permissão).


A concessão, no Brasil, é mencionada como um contrato, tanto na legislação como no próprio texto constitucional; a permissão é qualificada pela quase totalidade da doutrina brasileira como ato unilateral do Poder Público e que não garantiria ao permissionário situação jurídica da mesma força que a outorgada pela concessão.


Já a expressão “autorização”, que aparece no artigo 21, incisos XI e XII da Constituição Federal, tem em mira duas espécies de situação: a) uma, que corresponde a hipóteses em que efetivamente há serviço de telecomunicação, como o de radioamador ou de interligação de empresas por cabos de fibras óticas, mas não propriamente serviço público, mas serviço de interesse privado delas próprias; b) outra, a de abranger casos em que efetivamente está em pauta um serviço público, mas se trata de resolver emergencialmente uma dada situação, até a adoção dos convenientes procedimentos por força dos quais se outorga permissão ou concessão.


É realmente o Estado, por meio do Poder Legislativo, que erige ou não em serviço público tal ou qual atividade, desde que respeite os limites constitucionais. Afora os serviços mencionados na Carta Constitucional, outros podem ser assim qualificados, contanto que não seja ultrapassadas as fronteiras constituídas pelas normas relativas à ordem econômica, as quais são garantidoras da livre iniciativa.


É importante observar que, embora o Estado possa, em certos casos previstos na Constituição, atuar personalizadamente na esfera econômica, como protagonista empresarial, as atividades econômicas que, destarte, desempenhe não são qualificáveis como serviços públicos.


Verifica-se que os serviços correspondentes à exploração de atividade econômica na são serviços públicos porque não competem ao Poder Público, a não ser supletivamente, e mesmo assim basicamente sob a regência do Direito Privado, circunstâncias que os apartam irremissivelmente da categoria de serviços públicos.


O reconhecimento há de ser feito dos critérios e padrões vigentes em dada época e sociedade, ou seja, em certo tempo e espaço, de acordo com a intelecção que nela se faz do que sejam “esfera econômica” (âmbito da livre iniciativa) e a esfera das atividades existenciais à sociedade em um momento dado e que, por isto mesmo, devem ser prestadas pelo próprio Estado ou criatura sua (“serviços públicos”).


As obras públicas podem ser executadas diretamente pelo Poder Público ou por sua entidades auxiliares, sejam elas de Direito Público, como as autarquias, sejam elas de Direito Privado, como as empresas públicas e sociedades de economia mista (“execução direta”). Podem, ainda, ser contratadas com terceiros (“execução indireta”).


Ressalte-se que, em tal caso, terá de existir, obrigatoriamente, projeto básico, que é o “conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução”, e subsequentemente um projeto executivo, o qual pode ser desenvolvido concomitantemente com a execução da obra e que consiste no “conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT”. Registre-se que sem o projeto básico, orçamento detalhado do custo global da obra e a previsão de recursos orçamentários nem ao menos pode ser efetuada a licitação para a obra.


São modalidades de execução indireta da obra: i) empreitada por preço global; ii) empreitada por preço unitário; iii) empreitada integral.


A empreitada por preço global é a modalidade em que se constata a execução da obra “por preço certo e total”, sob responsabilidade e risco do contratado, com ressalva das hipóteses de desequilíbrio contratual oriundas de atos e fatos estranhos a ele. É a modalidade corrente de execução. A previsão de um preço total não significa que inexista especificação de preços unitários, os quais servirão de referência para os reajuste e incrementos de valor oriundos de acréscimos e supressões, dentro dos limites legais. Outrossim, em nada interfere com o fato de que os pagamentos ela execução da obra se façam parceladamente, nas datas contratuais prefixadas, após cada “medição”. A medição é a conferência daquilo que foi executado dentro de um dado período de tempo.


A empreitada por preço unitário é aquela em que se contrata a execução “por preço certo e unidades determinadas”. O pagamento é devido após o recebimento de cada unidade pela Administração.


A empreitada integral tem lugar quando se contrata um “empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação”.


De acordo com a referida lei, considera-se “obra de grande vulto” aquela cujo valor estimado ultrapasse 25 vezes o valor previsto para concorrência destinada a obras e serviços de engenharia.


Quando se tratar de obra de grande vulto de alta complexidade técnica, a Administração poderá exigir dos licitantes a “metodologia da execução”, para fins de aceitá-la ou não.


Perante obras de grande vulto majoritariamente dependentes de “tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito”, cabe o uso de critérios de julgamento de “melhor técnica” ou de “técnica e preço”.


Diante das obras de grande vulto, de alta complexidade técnica e que, demais disto, envolvam riscos financeiros consideráveis, será admitido que seja exigida prestação de garantia de até 10% do valor do contrato.


Embora a lei não sirva da nomenclatura utilizada, o artigo 30 da Lei n.º 8.666/93 deu tratamento específico à hipótese de licitação ou conjunto de licitações “sucessivas ou simultâneas” cujo valor estimado exceda 100 vezes o limite previsto para a obrigatoriedade de concorrência para obras e serviços de engenharia. Tal tratamento consiste em que o procedimento licitatório será obrigatoriamente iniciado por uma audiência pública com antecedência mínima de 15 dias úteis da data prevista para a publicação do Edital e divulgada pelos mesmos meios previstos para a licitação. Quaisquer interessados terão acesso a ela, podendo se manifestar e obter informações pertinentes.


A matéria relativa à garantia da execução está regulada no artigo 56 e parágrafos da Lei n.º 8.666/93. De acordo com o ali estabelecido, se o ato convocatório o previr, a Administração exigirá, no contrato de obras (e assim também nos de serviços ou compras), garantia de execução em uma das seguintes modalidades a escolha do contratado: a) caução em dinheiro ou títulos da dívida pública; b) seguro-garantia; c) fiança bancária. A garantia não poderá ser superior a 5% do valor do contrato, salvo tratando-se de operação de grande vulto com alta complexidade técnica e que envolva riscos financeiros consideráveis, hipótese na qual poderá elevar-se te 10% do valor do contrato.


O contratado deverá manter na obra, para ali representá-lo na execução dela, preposto aceito pela Administração, a qual fiscalizará por seu representante especialmente designado – que poderá ser assistido e subsidiado por terceiros para tanto contratados –, que anotará em registro próprio todas as providências necessárias para a regularização das faltas e defeitos observados.


Uma vez executado o contrato, o recebimento da obra será feito a título provisório, salvo se seu valor se contiver no limite previsto para as hipóteses em que a modalidade de concorrência for a do convite, pelo servidor administrativamente responsável por seu acompanhamento e fiscalização, mediante termo circunstanciado assinado pelas partes em até 15 dias contados da comunicação escrita do contratado, e ao depois, definitivamente, por seu servidor ou comissão designada pela autoridade competente, uma vez decorrido prazo de observação ou vistoria que observe sua adequação aos termos contratuais, inclusive, se necessário, com reparação, correção ou substituição de defeitos ou incorreções, lavrando-se termo circunstanciado assinado pelas partes.


O contratado é responsável tanto pelos danos que cause à Administração ou a terceiros, em decorrência de culpa ou dolo na execução do contrato – não lhe valendo como escusa ou atenuante a fiscalização que sofre –, quanto pelos encargos trabalhistas, fiscais, comerciais e previdenciários resultantes da execução do contrato, havendo quanto a estes últimos responsabilidade solidária da Administração.


Apenas em caráter subsidiário emergirá responsabilidade pública, justificada pelo fato de que, mesmo não os tendo produzido, se o causador não tem mais recursos econômicos para enfrentá-los, deverá acorrer aquele que ordenou a execução da obra. Se, todavia, os danos a terceiros não provêm de conduta culposa ou dolosa do executor, mas não uma inerência da obra, irromperá a responsabilidade objetiva do Poder Público, a teor do artigo 37, § 6º da Constituição Federal.



Fonte: Curso de Direito Administrativo. Celso Antônio Bandeira de Mello.