quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Improbidade Administrativa - Aspectos Doutrinários

A regra matriz da Lei de Improbidade Administrativa – Lei n.º 8.429/92 é, por excelência o artigo 37, § 4º da Constituição Federal. As opiniões a respeito do assunto podem ser divididas em duas opiniões: as dos que adotam um critério subjetivo, acentuando o aspecto da violação de um dever moral, e as do que se inclinam por um critério objetivo, conceituando a improbidade administrativa como a violação de um dever legal.

Para os que seguem o critério subjetivo, a improbidade é a “prática que traduz delito, ou desonestidade, abuso, fraude, má-fé, má conduta no serviço ou fora dele, ferindo as leis penas ou as morais, caracterizando o ilícito penal ou o ilícito civil”. Já para os que defendem o critério objetivo, não se pode estender o conceito de improbidade “até os últimos refolhos morais, incluindo nele a maldade, a malícia, a perversidade”, devendo os elementos dessa falta ter objetividade, concretude.

O jurista Délio Maranhão contesta o critério objetivo extremado, que considera ato de improbidade do empregado apenas o ato criminoso, perfilhando-se à corrente subjetiva, sem, no entanto, deixar de registrar que “não é exato que os valores morais e jurídicos girem em órbitas afastadas uma da outra. O conceito de boa-fé, por exemplo, é moral e é jurídico. E o contrato cujo objeto ofende a moral é juridicamente nulo”. Alertando quanto à relatividade temporal e geográfica do conceito de ato de improbidade, resume sua posição afirmando que a falta do trabalhador estará caracterizada mediante a violação de uma “obrigação geral de conduta” e não propriamente contratual.

Na mesma linha subjetiva, Eduardo Gabriel Saad afirma que ato de improbidade “é todo aquele que não se coaduna com os padrões de moral de uma dada sociedade e num dado momento”. Para ele, “o empregado pode ser ímprobo sem prejudicar patrimonialmente o empregador”, asseverando que “ato de improbidade pode ser praticado fora do local de trabalho e criar uma situação em que o empregador perde a confiança no empregado”.

Na esfera do direito administrativo, a doutrina apresenta os atos de improbidade a partir de uma análise ora formal, ora substantiva, sem olvidar de outros critérios. Pode-se identificar a presença de cinco correntes doutrinárias:

- substantiva: compreende esse ilícito a partir da lesão ao princípio da moralidade administrativa;

- legalista ou formal: identifica o ato de improbidade como violação da lei, em sentido estrito;

- mista: entende caracterizado o ato de improbidade em função do atentado simultâneo ao binômio legalidade-moralidade;

- principiológica em sentido estrito: entende caracterizado o ilícito em razão do atentado aos princípios do artigo 37, caput da Constituição Federal;

- principiológica em sentido amplo/juridicidade: compreende estar caracterizado o ato de improbidade a partir da violação de quaisquer dos princípios da Administração.

Corrente Substantiva

José Afonso da Silva compreende a improbidade administrativa a partir do princípio da moralidade administrativa, que, por sua vez, não deve ser confundida com a moral comum, mas com a moral jurídica, e que se configura como causa autônoma de nulidade do ato administrativo, a ensejar a propositura de ação popular.

A improbidade administrativa seria a imoralidade qualificada pelo resultado, vale dizer, a conduta ilegítima geradora de dano ao erário, vantagem indevida do agente ou terceiro, punida com a suspensão dos direitos políticos.

A perspectiva, portanto, é eminentemente substantiva e principiológica, na medida em que pratica ato de improbidade administrativa o agente público que “atentar contra as pautas morais básicas – abrangendo as relacionadas ao princípio conexo da boa-fé nos atos e nos contratos públicos”.

Corrente Legalista ou Formal

Sob o prisma constitucional, a “probidade é forma qualificada de moralidade administrativa”, referindo-se à improbidade como transgressão do princípio da moralidade, ou seja, uma imoralidade qualificada como tal pelo ordenamento jurídico. O ato de improbidade administrativa é visto como violação de uma dever previsto na norma.

Marcelo Figueiredo conceitua a improbidade administrativa objetivamente, como violação de um dever legal, cujas conseqüências são definidas pela Lei n.º 8.429/92.

Alexandre de Moraes também se filia à corrente formal, pois, para ele “atos de improbidade administrativa são aqueles que, possuindo natureza civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da Administração, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário”.

O princípio nullum crimen nulla poena sine lege, que a Constituição enuncia no inciso XXXIX do artigo 5º, aludindo especificamente a crimes, em verdade, aplica-se também às infrações administrativas, notadamente os atos de improbidade administrativa. Os atos de improbidade administrativa, tanto quanto as infrações penais, só podem ser julgados pelo Poder Judiciário e só por lei federal podem ser definidos.

Corrente Mista

Estará caracterizado em função do “descumprimento, por atos dos agentes públicos dos preceitos constitucionais e legais básicos que regem o setor público, resumindo-se em duas exigências fundamentais: legalidade e moralidade dos atos dos agentes públicos”.

A ilegalidade e imoralidade lato sensu (abrangendo, portanto, os princípios da supremacia do interesse público, da impessoalidade, publicidade, razoabilidade, lealdade, etc) são causas de improbidade administrativa.

Corrente Principiológica Restrita

A improbidade administrativa é sinônimo técnico de corrupção administrativa: “numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica, revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo tráfico de influência nas esferas da Administração e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.

No plano fático, portanto, improbidade seria igual a corrupção. A Lei n.º 8.429/92 parece conduzir o intérprete a essa conclusão, pois sob o signo improbidade administrativa são batizadas três modalidades de ato de improbidade: os que importam enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da Administração, subespécies que desdobram em dezenas de condutas igualmente caracterizadas pelo legislador como atos de improbidade.

Corrente Principiológica Ampla/Juridicidade

O cotejo entre o princípio da moralidade administrativa e o princípio da probidade administrativa reafirma a identidade entre esses princípios no plano da principiologia, apontando, no entanto, na perspectiva do ato ilícito de improbidade administrativa, conforme a Lei n.º 8.429/92, uma dissonância entre eles, ou seja, a maior amplitude da probidade administrativa relativamente à moralidade administrativa, inserta no princípio da probidade.

Em que pese ser a observância ao princípio da moralidade um elemento de vital importância para a aferição da probidade, não é ele o único. Todos os atos dos agentes públicos devem observar a normatização existente, o que inclui toda a ordem de princípios, e não apenas o da moralidade. Assim, quando muito, será possível dizer que a probidade absorve a moralidade, mas jamais terá sua amplitude delimitada por esta.

A improbidade administrativa estará, a priori, configurada diante da ofensa ao princípio da juridicidade, que aglutina todos os princípios que informam a Administração, em especial aquelas desempenhadas pelo Poder Executivo, bem como as demais atividades estatais, igualmente sujeitas a tal principiologia, com ênfase nos princípios da legalidade e da moralidade.

Exemplificativamente, fazem referência aos princípios da impessoalidade, publicidade, eficiência, supremacia do interesse público e razoabilidade (de fundamental relevância na ponderação dos valores em jogo para a caracterização do ato de improbidade e na aplicação das sanções), complementos importantes do princípio da juridicidade, cuja violação produz as condições necessárias para a configuração do ato de improbidade administrativa. Essa posição aproxima-se, em última análise, na configuração de que a improbidade resulta potencialmente do atentado à legalidade em sentido amplo.

A moralidade administrativa tem relevo singular e é o mais importante desses princípios, porque é pressuposto informativo dos demais, muito embora devam coexistir no ato administrativo.

A contribuição da moralidade administrativa o tema da discricionariedade é justamente a imposição de limites à atuação estatal, de modo que a extensão daquele princípio alcança o dever de melhor administrar, maior que o de bem administrar, impondo-se ao agente público, diante das várias alternativas colocadas a seu juízo, o dever de adotar a melhor, sob pena de reconhecimento judicial da ilegitimidade do ato e não de sua substituição, porque não desfruta do poder de escolher qualquer uma delas, senão a melhor.

A partir do princípio da moralidade é apresentada a probidade administrativa, que é um subprincípio daquele, caracterizando-se, por outro vértice, em direito público subjetivo a uma Administração proba e honesta, de natureza difusa, influenciado pela conversão instrumentalizada e outros princípios da Administração (notadamente, impessoalidade, lealdade, imparcialidade, publicidade, razoabilidade) e pelo cumprimento do dever de boa administração.

Além a repressão aos atos de improbidade administrativa na seara cível, em sentido amplo, conforme a Lei n.º 8.429/92, tais condutas apresentam reflexos nas esferas político-administrativa, penal e disciplinar, consoante o artigo 85, inciso V da Constituição Federal e, que considera crime de responsabilidade atos que atentam contra a probidade da Administração, matéria regulada nos níveis federal e estadual pela Lei n.º 1.079/50, no municipal pelo Decreto-Lei n.º 201/67 e no artigo 55, inciso II, § 1º da Constituição Federal para os membros das corporações legislativas. E tudo isso sem prejuízo da tutela penal da probidade administrativa, de seu sancionamento no âmbito administrativo-disciplinar e do ajuizamento da ação popular para o combate a ato ofensivo à moralidade administrativa.

A atual dimensão constitucional do prestígio da probidade administrativa não se limita, no aspecto repressivo, ao sancionamento do enriquecimento ilícito ou da lesão ao erário, sendo um conceito mais amplo e que abrange toda e qualquer violação aos princípios que ordenam a Administração. Probidade administrativa é o respeito aos princípios da Administração.

Ato de improbidade, por conseguinte, seria todo aquele que atentasse contra princípios da Administração ou contra o dever de probidade administrativa. Improbidade administrativa, em linhas gerais, significa servir-se da função pública para angariar ou distribuir, em proveito pessoal ou para outrem, vantagem ilegal ou imoral, de qualquer natureza, e por qualquer modo, com violação aos princípios e regras presidentes das atividades na Administração, menosprezando os deveres do cargo e a relevância dos bens, direitos, interesses e valores confiados a sua guarda, inclusive por omissão, com ou sem prejuízo patrimonial.

Improbidade administrativa para a sociedade brasileira possui um significado próprio, e pelo que indicam as fortes diferenças entre as lições dos autores que tentaram conceituá-la, esta real significação pode ainda não ter sido captada, fato que coloca em dúvida, inclusive, o proveito dessas concepções doutrinárias, para compreender o teor e os limites a categoria sob crivo. Nessa medida, eventual doxismo há de ser superado.

O conceito de improbidade administrativa, portanto, sendo um conceito jurídico, está relacionado a uma dada significação, que é expressada por meio de seu termo, portanto, não é um conceito jurídico indeterminado. A essência do ato de improbidade administrativa é imutável.

Fonte: Ato de Improbidade Administrativa – 15 Anos da Lei 8.429/92. Mateus Bertoncini.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Teoria da Ação

O vocábulo ação pode apresentar diversas acepções:

a) “Ação” como direito material em movimento/exercício. No processo romano não havia distinção nítida entre a relação jurídica processual e a relação jurídica material no processo deduzida. Ação, neste contexto, era o próprio direito material violado, cujo exercício se dava perante os tribunais da época.

b) “Ação” como direito autônomo em relação ao direito material. Neste sentido, seria o direito de provocar a jurisdição, direito ao processo, de instaurar a relação jurídica processual. Trata-se da “pretensão à tutela jurídica”, que se exerce contra o Estado para que ele preste justiça. Os autonomistas dividiam-se entre os “abstrativistas”, que consideravam que o direito de ação era abstrato, pois existiria sempre (pouco importa o resultado da causa – existência ou não do direito material) e os “concretistas”, para quem embora autônomo, o direito de ação só existiria se o autor tivesse o direito material.

c) “Ação” como exercício daquele direito abstrato de agir. “Ação exercida”, “ação processual”, “demanda”, “pleito”, “causa”, todas essas são palavras sinônimas e possuem o sentido de identificar o exercício do direito abstrato de ação, que no caso é sempre concreta, porque relacionada a determinada situação jurídico-substancial.

O vocábulo “demanda” tem duas acepções: a) ato de ir a Juízo provocar a atividade jurisdicional; b) conteúdo dessa postulação (sinônimo de ação concretamente exercida).

Toda ação concretamente exercida pressupõe a existência de, pelo menos, uma relação jurídica de direito substancial. Ocorrido o fato da vida previsto no substrato fático de uma determinada norma jurídica, ter-se-á plena incidência da norma, um fato jurídico. Inexistindo ao menos a afirmação de uma relação jurídica de direito material, inexistirá demanda-conteúdo e a demanda-ato será um recipiente vazio.

Todos os elementos da relação jurídica discutida em Juízo guardam correspondência com os elementos da demanda, num perfeita simetria: enquanto a relação jurídica de direito substancial tem como elementos os sujeito, o fato jurídico e o objeto da demanda têm como elementos as partes, a causa de pedir e o pedido.

A causa de pedir da demanda impõe, segundo a vertente acolhida pelo nosso sistema processual, a narrativa dos fatos da vida e da própria relação jurídica nascida a partir deles (teoria da substanciação: causa de pedir = pedidos + relação jurídica) e o pedido da pretensão veicula a pretensão processual do autor (pedido imediato: prestação da atividade jurisdicional; pedido mediato: tutela do bem da vida).

A afirmação da relação processual é o conteúdo da demanda. A relação substancial há de se processualizada, isto é, há de ser deduzida em Juízo.

O Código de Processo Civil adotou a concepção eclética sobre o direito de ação, segundo a qual ele é o direito ao julgamento do mérito da causa, julgamento esse que fica condicionado ao preenchimento de determinadas condições - legitimidade ad causam, interesse de agir (processual) e a possibilidade jurídica do pedido. Somente o exercício do direito de ação pode ser condicionado (a demanda), jamais o direito de ação, constitucionalmente garantido e decorrente do direito fundamental à inafastabilidade.

De acordo com o § 3º do artigo 267 do Código de Processo Civil, o preenchimento das condições da ação pode ser averiguado a qualquer tempo e grau de jurisdição.

De acordo com a Teoria da Asserção ou da “Prospettazione”, se positivo o juízo de admissibilidade, tudo o mais seria decisão de mérito, ressalvados os fatos supervenientes que determinassem a perda de uma condição da ação. A decisão sobre a existência ou não de carência de ação, de acordo com esta teoria, seria sempre definitiva.

- Possibilidade Jurídica do Pedido

A possibilidade jurídica do pedido não é simplesmente a “previsão, in abstracto, no ordenamento jurídico, da pretensão formulada pela parte”. Não deve ser conceituada, com vistas à existência de uma previsão no ordenamento jurídico, que torne o pedido viável em tese, mas isto sim, com vistas à inexistência, no ordenamento jurídico, de uma previsão que o torne inviável. A impossibilidade jurídica deve estender-se para os casos que, embora previsto o pedido no direito positivo, haja uma ilicitude na causa de pedir ou nas próprias partes.

- Legitimidade para Agir em Juízo (ad causam)

A noção de legitimidade ad causam surge da necessidade de existência de um vínculo entre os sujeitos da demanda e a situação jurídica afirmada, que lhes autorize a gerir o processo em que a pretensão será discutida.

A legitimidade para agir é condição da ação que se precisa investigar no elemento subjetivo da demanda: os sujeitos. Não basta que se preencham os pressupostos processuais subjetivos para que a parte possa atuar regularmente em Juízo. É necessário, ainda, que os sujeitos da demanda estejam em determinada situação jurídica que lhes autorize a conduzir o processo em que se discuta aquela relação jurídica de direito material deduzida em Juízo. É a “pertinência subjetiva da ação”.

Os principias aspectos da legitimidade ad causam são: a) trata-se de uma situação jurídica regulada pela lei (situação legitimante, esquemas abstratos, modelo ideal); b) é qualidade jurídica que se refere a ambas as partes do processo (autor e réu); c) afere-se diante do objeto litigioso, a relação jurídica substancial deduzida – toda legitimidade baseia-se em regras de direito material, embora se examine à luz da situação afirmada no instrumento da demanda.

Há legitimação ordinária quando houver correspondência entre a situação legitimante e as situações jurídicas submetidas à apreciação do magistrado.

Há legitimação extraordinária (legitimação anômala ou substituição processual) quando não houver correspondência total entre a situação legitimante e as situações jurídicas submetidas à apreciação do magistrado. Legitimado extraordinário e aquele que defende em nome próprio interesse de outrem.

Há legitimação conclusiva quando o contraditório somente puder ser considerado regular e eficazmente formado com a presença de um determinado sujeito de direito – atribui-se o poder jurídico a apenas um sujeito.

Há legitimação concorrente ou co-legitimação quando mais de um sujeito de direito estiver autorizado a discutir em Juízo determinada situação jurídica.

Há legitimação concorrente ou co-legitimação quando mais de um sujeito de direito estiver autorizado a discutir em Juízo determinada situação jurídica.

A legitimação pode ser classificada em isolada ou simples, quando o legitimado puder estar no processo sozinho, e legitimação conjunta ou complexa, quando houver necessidade de formação de litisconsórcio.

É possível, também, dividir a legitimidade em total, quando existir para todo o processo ou parcial, quando se relacionar a algum incidente. Pode, ainda, a legitimidade ser classificada em originária, verificada à luz da demanda inicial, e derivada, que é decorrente daquela e resultante de situações de sucessão na titularidade do direito alegado no pedido e na qualidade de parte processual.

A legitimidade extraordinária deve ser encarada como algo excepcional e somente pode ser autorizada por lei, não se admitindo a substituição processual convencional. O legitimado extraordinário atual no processo na qualidade de parte, e não de representante, ficando submetido, em razão disso, ao regime jurídico deste sujeito processual. Atua em nome próprio defendendo interesse alheio. A substituição processual pode ocorrer tanto no pólo passivo quanto no pólo ativo da demanda. Salvo disposição legal em sentido contrário, a coisa julgada porventura surgida em processo conduzido por legitimado extraordinário estenderá os seus efeitos ao substituído.

O substituto processual também pode ser sujeito passivo de situações processuais. Quanto aos poderes processuais, o substituto tem, ordinariamente, apenas aqueles relacionados à gestão do processo, não lhe sendo autorizados poderes de disposição do direito material discutido. A inexistência de legitimação extraordinária não leva à resolução do mérito da causa, trata-se de análise puramente do direito de condução do processo, sem que haja investigação dos fundamentos da demanda.

A legitimação na tutela coletiva possui nas seguintes características: a) está regulada, inicialmente, por lei (artigo 5º da Lei n.º 7.347/85 e artigo 82 do CDC); b) é conferida a entes públicos, privados, despersonalizados e até ao cidadão, na ação popular; c) o legitimado coletivo atua em nome próprio na defesa de direitos que pertencem a um agrupamento humano; d) o representado não tem personalidade jurídica, portanto, não pode atuar em Juízo para proteger os seus direitos, cuja defesa cabe aos legitimados coletivos, que possuem legitimação autônoma e exclusiva, embora disjuntiva (há co-legitimação).

Na tutela coletiva, há legitimação extraordinária toda vez que exista uma incoincidência entre o legitimado a demandar e o sujeito da relação jurídica material deduzida em Juízo, com a particularidade de o titular do direito (agrupamento humano) não estar autorizado a atuar em Juízo na defesa de tais direitos.

Não basta a previsão legal da legitimação, é necessário que exista um vínculo entre o legitimado e o objeto do processo, que o habilite, em determinado caso, para a condução do processo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deu a este vínculo o nome de “pertinência temática”, a qual decorreria da cláusula do devido processo legal, aplicada à tutela jurisdicional coletiva.

- Interesse de Agir

A necessidade da tutela jurisdicional, que conota o interesse, deflui da exposição fática consubstanciada na causa de pedir remota, a utilidade do provimento jurisdicional também deve ser examinada à luz da situação substancial trazida pelo autor da demanda. A constatação do interesse de agir faz-se, sempre, in concreto, à luz da situação narrada no instrumento da demanda. Não há como indagar, em tese, em abstrato, se há ou não interesse de agir, pois ele sempre estará relacionado a uma determinada demanda judicial.

O exame do interesse de agir (interesse processual) passa pela verificação de duas circunstâncias: a) utilidade; b) necessidade do pronunciamento judicial. Por isso, é um interesse processual, secundário e instrumental com relação ao interesse substancial primário; tem por objeto o provimento que se pede ao Juiz como meio para obter a situação de um interesse primário lesado pelo comportamento da parte contrária, ou, mais genericamente, pela situação de fato objetivamente existente. Constitui o interesse de agir a tutela jurisdicional e não o bem da vida a que ela se refere.

Há utilidade da jurisdição toda vez que o processo puder propiciar ao demandante o resultado favorável pretendido. É por isso que se afirma, com razão, que há falta de interesse processual quando não mais for possível a obtenção daquele resultado almejado, fala-se em perda do objeto da causa.

O exame da necessidade da jurisdição fundamenta-se na premissa de que a jurisdição tem de ser encarada como última forma de resolução do conflito. Se não houver meios para a satisfação voluntária, há necessidade de jurisdição.

Há determinadas demandas, no entanto, que são denominadas “ações constitutivas necessárias”, já que o bem da vida ou o estado jurídico que se pretende obter somente poder ser alcançado por intermédio do Poder Judiciário (ex. interdição). Nesses casos, o exame da necessidade, para verificação do interesse, é dispensável, pois está in re ipsa.

Nas ações condenatórias, o autor deve afirmar a existência do fato constitutivo do seu direito (causa ativa), bem como o fato violador desse direito – para a configuração do interesse, basta a afirmação da lesão, pois a verificação da sua existência é questão de mérito. Se se tratar de ação preventiva, anterior à violação, é necessário alegar, além do fato constitutivo do direito, a ameaça/risco/perigo de violação a esse direito.

Nas ações constitutivas necessárias, o autor deve afirmar o direito à modificação jurídica que se pretende efetivar, ou seja, o autor deve afirmar a existência de um direito potestativo e a necessidade de efetivá-lo através da atuação do Poder Judiciário.

Em relação à adequação do provimento (pedido) ao fim almejado, a situação ou é: a) de impossibilidade jurídica do pedido; b) ou o próprio sistema admite a fungibilidade, como de resto deveria ser a regra; c) ou o caso é de erro de nome, corrigível pelo próprio magistrado; d) ou não sendo possível a correção pelo magistrado, deverá ele determinar a alteração do pedido, conforme autoriza do artigo 264 do Código de Processo Civil.

- Tipologia das Ações

A demanda poder ser classificada de acordo com a natureza da relação jurídica substancial deduzida em Juízo. Se relação jurídica real, demanda real; se pessoal, demanda pessoal. As demandas classificam-se, também, de acordo com o objeto do pedido mediato. São, assim, mobiliárias ou imobiliárias, conforme o objeto seja bem móvel ou imóvel. Não se pode achar que toda ação imobiliária é real (a ação de despejo é pessoal, pois se funda em direito pessoal, e é imobiliária), nem que toda ação mobiliária é pessoal pois nada impede que se proponha uma reivindicatória de um carro.

As demandas podem ser classificadas de acordo com a função jurisdicional que se busca: conhecimento, execução ou cautelar.

As ações de conhecimento (certificação) podem ser classificadas como: condenatórias, constitutivas, meramente declaratórias, executivas e mandamentais.

Direito a uma prestação é o poder jurídico, conferido a alguém, de exigir de outrem o cumprimento de uma prestação (conduta), que pode ser um fazer, não-fazer ou dar coisa (prestação essa que se divide em dar dinheiro e dar coisa distinta de dinheiro). Os direitos a uma prestação relacionam-se aos prazos prescricionais que, como prevê o artigo 189 do Código Civil, começam a correr da lesão/inadimplemento – não cumprimento do sujeito passivo do seu dever.

Quando se pensa em tutela executiva, pensa-se na efetivação de direitos a uma prestação; fala-se de um conjunto de meios para efetivar a prestação devida; fala-se em execução de fazer/não-fazer/dar, exatamente os três tipos de prestação existentes. Não é por acaso, nem coincidência, que a tutela executiva pressupõe inadimplemento – fenômeno exclusivo dos direitos a uma prestação.

A tutela jurisdicional executiva pode operar-se de duas formas: a) ou no bojo de uma relação jurídica processual especialmente formada para esse objetivo; b) ou como fase de um processo já instaurado – fase complementar.

As sentenças que reconhecem a existência de obrigações de fazer/não-fazer não precisam, para serem efetivadas, ser submetidas a um processo autônomo de execução. Possuem essas sentenças “força executiva própria”, podem ser efetivadas no mesmo processo em que foram proferidas, independentemente de instauração de um novo processo e da provocação do interessado: o magistrado, no corpo da sentença, já determinará quais as providências devem ser tomadas para garantir a efetivação da decisão. São, pois, sentenças oriundas das chamadas ações sincréticas, pois além de certificarem, também servem à efetivação imediata da providência determinada. São ações mandamentais e executivas em sentido lato. Com a edição da Lei n.º 11.232/2005, todas as ações de prestação tornaram-se sincréticas, ou seja, não há mais necessidade de instauração de um processo de execução de sentença, que efetivará em fase do mesmo processo em que foi proferida.

Pode-se fazer uma diferença entre “ação executiva lato sensu” e “ação mandamental” a partir da distinção entre coerção direta e indireta. Ambas as demandas teriam por característica comum a circunstância de poderem gerar uma decisão que certifique a existência do direito e já tome providências para efetivá-lo, independentemente de futuro processo de execução. São, pois, ações sincréticas. Distinguem-se na medida em que a primeira visa à efetivação por sub-rogação/execução direta, e a segunda por coerção pessoal/execução indireta.

A ação constitutiva relaciona-se aos chamados direitos potestativos. Ação constitutiva é a demanda que tem o objetivo de certificar e efetivar direitos potestativos (poder jurídico conferido a alguém de alterar, criar ou extinguir situações jurídicas). A efetivação de tais direitos consiste na alteração/criação/extinção de uma situação jurídica, fenômenos que só se operam juridicamente, sem a necessidade de qualquer ato material (mundo dos fatos).

A sentença que reconheça um direito potestativo já o efetiva com o simples reconhecimento e a implementação da nova situação jurídica almejada. A sentença que acolhe uma demanda que veicule um direito potestativo é constitutiva, que, exatamente por isso, não gera atividade executiva posterior em razão da absoluta desnecessidade.

Como nos direitos potestativos não há dever, prestação, conduta a ser cumprida pelo sujeito passivo (a doutrina denomina estado de sujeição a situação jurídica do sujeito passivo), não se pode falar de lesão/inadimplemento; assim, a prescrição não está relacionada a tais direitos. Na verdade, os direitos formativos submetem-se, se houver previsão legal, a prazos decadenciais. Por isso, costuma-se dizer que as ações constitutivas ficam sujeitas a prazo decadencial, se houver prazo para o exercício do direito potestativo por ela veiculado. Sempre que do processo resultar uma situação jurídica nova ou a modificação/extinção de uma situação jurídica existente, o caso é de demanda constitutiva, cujos efeitos, normalmente, operam-se ex nunc. No entanto, há decisões constitutivas-negativas com eficácia retroativa (ex. anulação de negócio jurídico – artigo 182 do Código Civil).

A ação meramente declaratória é aquela que tem o objetivo de certificar a existência ou inexistência de uma situação jurídica. A doutrina e a jurisprudência também admitem a ação meramente declaratória do modo de ser da relação jurídica. É demanda de mera certificação. As ações de prestação e as ações constitutivas são também ações de certificação, mas as meramente declaratórias têm apenas esse objetivo. Por conta disso, porque não se busca, nem mediatamente, a efetivação de qualquer direito, não há prazo para o ajuizamento de uma demanda meramente declaratória, que é imprescritível.

O legislador brasileiro admite haver interesse-utilidade na pretensão processual à simples declaração (ações meramente declaratórias), quando o que se busca é apenas a obtenção da certeza jurídica (com a coisa julgada material), nas hipóteses de controvérsia quanto à existência de relação jurídica ou autenticidade ou falsidade de documento. Também haverá interesse de agir na ação meramente declaratória, mesmo se possível o ajuizamento de ação de prestação (condenatória, mandamental ou executiva).

Não se admite, ressalvada a ação sobre autenticidade de documento, ação meramente declaratória de fato; não se vai ao Poder Judiciário para que ele declare que um fato ocorreu; é possível requer a certificação judicial da situação jurídica que tenham ou não emergido de um fato, mas jamais pedir a simples declaração da ocorrência ou não de um evento. Considera-se não haver interesse na relação processual quando se tratar de consulta (salvo no caso da Justiça Eleitoral). Admite-se a ação declaratória com o objetivo de identificar a exata interpretação da cláusula contratual (Enunciado 181 da Súmula do STJ). Aceita-se, também, ação declaratória para reconhecimento do tempo de serviço para fins previdenciários (Enunciado 242 da Súmula do STJ).

Se uma decisão judicial reconhecer a existência de um direito a prestação já exercitável (definição completa da norma jurídica individualizada), em nada ela se distingue de uma sentença condenatória, em que isso também acontece. No caso de ação declaratória preventiva (anterior à lesão) não há que se falar em prescrição, haja vista que não houve violação do direito. Em se tratando de ação declaratória do artigo 4º, parágrafo único do Código de Processo Civil, há prescrição, mas o despacho inicial não a interrompe por não haver pretensão de efetivação, mas à mera certificação. A ação condenatória, que pressupõe a violação do direito, há prescrição e interrupção do prazo. Assim, as sentenças declaratórias e condenatórias têm idêntico conteúdo (certificação do direito subjetivo e da sua exigibilidade) e efeitos idênticos (oportunizar o manejo de medidas executivas), mas o prazo prescricional para efetivação da sentença condenatória recomeçaria a correr a partir do trânsito em julgado, enquanto que, no caso da declaratória, por nunca ter se interrompido, conta-se desde a violação. O prazo para efetivação da sentença meramente declaratória, como não houve interrupção, conta-se desde a violação; assim, se, após o trânsito em julgado da decisão, ainda houver prazo, poderia ser efetivada (executada), caso contrário, não.

Em sentido processual, ação dúplice é sinônimo de pedido contraposto: demanda proposta pelo réu em face do autor, no bojo da contestação, nas hipóteses admitidas em lei, como no procedimento sumário e na Lei dos Juizados Especiais. As ações dúplices pretensões de direito material em que a condição dos litigantes é a mesma, não se podendo falar em autor e réu, pois ambos assumem concomitantemente as duas posições. Esta situação decorre da pretensão deduzida em Juízo. A discussão judicial propiciará o bem da vida a uma das partes, independente de suas posições processuais. A simples defesa do réu implica no exercício de pretensão (não há pedido do sujeito passivo), porquanto a sua pretensão já se encontra inserida no objeto do processo com a formulação do autor. São exemplos de ações dúplices: declaratórias; divisórias; de acertamento; prestação de contas e oferta de alimentos.

São elementos da ação: causa de pedir, pedido e partes.

A cumulação de ações pode ser: a) subjetiva (estudo do litisconsórcio); b) objetiva (estudo da cumulação de pedidos)

O denominado concurso de ações pode dar-se, em seu aspecto objetivo, de duas formas: a) concurso impróprio – há mais de uma pretensão concorrente, nascida a partir de um mesmo fato gerador; b) concurso próprio – há pluralidade de causas de pedir que autorizam a formulação de mesmo pedido. Não se podem cumular direitos concorrentes, pois é impossível o acolhimento simultâneo de todos eles. A cumulação eventual (pedidos subsidiários) é muito útil nas situações em que exista concurso objetivo de ações. Exatamente por não se tratar, a cumulação eventual, de uma cumulação de pedidos, pode o autor demandar as concorrentes pretensões ao mesmo tempo, de modo que a segunda poda ser acolhida, acaso a primeira não o seja.

Não tendo havido a satisfação (e não mera certificação) definitiva do direito do postulante, e em razão da não coincidência dos elementos da demanda, poderia o autor pleitear a pretensão concorrente àquela que inicialmente havia sido rejeitada.

Também do concurso subjetivo de ações. Isso ocorre nas hipóteses de co-legitimação ativa, em que um mesmo pedido, fundado em uma mesma causa de pedir, pode ser formulado por diversas pessoas. Trata-se dos clássicos casos de litisconsórcio facultativo unitário, que normalmente se revela no pólo ativo. Frise-se que o concurso, neste caso, é o da legitimação para a postulação do mesmo direito (diferente do concurso objetivo, em que há vários direitos concorrentes). O concurso subjetivo decorre de situações jurídicas substanciais plurissubjetivas. Exemplo marcante é o das ações de impugnação de decisão societária: cada um dos sócios pode propor a demanda isoladamente.

No que concerne à extensão subjetiva da coisa julgada aos titulares do direito em concurso que não propuseram a demanda, há três correntes doutrinárias: a) como se trata de situação subsumível às hipóteses do chamado litisconsórcio facultativo unitário, a decisão proferida em um processo estende seus efeitos aos demais titulares do direito, pois a relação jurídica já recebeu a solução do Poder Judiciário, a qual deve ser única. Seria a hipótese de extensão ultra partes dos efeitos da coisa julgada, relativizando a regra do artigo 472 do Código de Processo Civil; uma segunda corrente prega a extensão da coisa subjetiva da coisa julgada secundum eventum litis. Assim, a coisa julgada somente se estenderia aos demais titulares do direito em concurso se fosse para beneficiar (é a posição menos aceita); uma terceira corrente segue o prescrito no artigo 472 do Código de Processo Civil: em nenhuma hipótese haverá extensão subjetiva dos efeitos da coisa julgada, que somente opera inter partes.

Enquanto a cumulação eventual serve como forma de solução do concurso objetivo de pretensões, o concurso subjetivo resolve-se pelo litisconsórcio (facultativo unitário), que nada mais é que um cúmulo de ações.

Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Julgado e condenado. E agora, como aplicar a pena?

Tendo o réu praticado uma das ações elencadas na lei penal, parte-se para um segundo momento da individualização da pena, agora, de competência do julgador. Do plano abstrato (fase da cominação) passa-se para o plano concreto (fase da aplicação), cabendo ao Juiz do processo penal de conhecimento aplicar àquele que praticou um fato típico, ilícito e culpável uma sanção penal que seja necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

O artigo 68 do Código Penal determina que a pena será aplicada observando-se três fases distintas. Primeiramente, deverá o julgador encontrar a chamada pena-base, sobre a qual incidirão os demais cálculos. Nos tipos penais incriminadores existe uma margem entre as penas máxima e mínima, permitindo ao Juiz, depois da análise das circunstâncias judiciais previstas pelo artigo 59 do Código Penal, fixar aquela que seja mais apropriada ao caso concreto.

Cada uma dessas circunstâncias judiciais deve ser analisada e valorada individualmente, não podendo o Juiz simplesmente se referir a elas de forma genérica na determinação da pena-base, sob pena de se macular o ato decisório. De fato, tanto o réu como o Ministério Público devem entender os motivos pelos quais o Juiz fixou a pena-base naquela quantidade.

Depois da fixação da pena-base serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes previstas na parte geral do Código Penal (artigos 61 e 65). O Superior Tribunal de Justiça, nos termos do Enunciado n.º 231 de sua Súmula, expressou seu posicionamento no sentido de que “a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.

O terceiro momento de aplicação da pena diz respeito às causas de diminuição e de aumento. Merece ser destacada a diferença entre circunstâncias agravantes e atenuantes e causas de aumento e diminuição da penal. A diferença fundamental reside no fato de que as primeiras são arroladas na parte geral do Código Penal e seu quantum de redução e aumento não vem predeterminado pela lei, devendo o Juiz, atento ao princípio da razoabilidade, fixá-lo no caso concreto; as causas de aumento e diminuição podem vir previstas na parte geral como na especial do Código Penal, contudo seu quantum de redução e de aumento sempre é fornecido em frações pela lei.

No terceiro momento de aplicação da pena não existem discussões sobre a possibilidade de redução da pena aquém do mínimo ou além do máximo, pois que se isso acontecesse a pena do crime tentado deveria ser sempre a mesma do que a do consumado.

Quando houver concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o Juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

As circunstâncias judiciais, que deverão ser obrigatoriamente analisadas quando da fixação da pena-base pelo julgador, são as seguintes:

- culpabilidade: é o juízo de reprovação que recai sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente, é um dos elementos integrantes do conceito tripartido de crime. A análise da culpabilidade deve ocorrer sob dois aspectos: no primeiro, dirigido à configuração da infração penal, quando se afirmará que o agente que praticou o fato típico e ilícito era imputável, que tinha conhecimento sobre a ilicitude do fato que cometia e, por fim, que lhe era exigível um comportamento diverso; no segundo, a culpabilidade será aferida com o escopo de influenciar na fixação da pena-base. A censurabilidade do ato terá como função fazer com que a pena percorra os limites estabelecidos no preceito secundário do tipo penal incriminador.

- antecedentes: dizem respeito ao histórico criminal do agente que não se preste para efeitos de reincidência. Em virtude do princípio constitucional da presunção de inocência, somente as condenações anteriores com trânsito em julgado, que não sirvam para forjar a reincidência, é que poderão ser consideradas em prejuízo do sentenciado. Assim, simples anotações na folha de antecedentes criminais do agente, apontando inquéritos policiais ou processos penais em andamento, inclusive com condenações pendentes de recurso, não tem o condão de permitir com que a sua pena seja elevada.

- conduta social: quer a lei traduzir o comportamento do agente perante a sociedade. Não podemos confundir a conduta social com antecedentes penais. Estes jamais servirão de fundamento para a conduta social, pois esta abrange todo o comportamento do agente no seio da sociedade, afastando-se desse raciocínio seus histórico criminal, verificável em sede de antecedentes penais.

- personalidade do agente: o julgador não possui capacidade técnica para a aferição da personalidade do agente, de modo que esta circunstância somente poderá ser considerada se embasa em laudo técnicos emitidos por profissionais da área.

- motivos: são as razões que antecederam e levaram o agente a cometer a infração penal. Se já estão fazendo com que a pena fuja àquela prevista na modalidade básica, quando da fixação da pena-base não poderá o julgador, por mais de uma vez, considerá-los negativamente, ou seja, em prejuízo do agente, sob pena de bis in idem. Da mesma forma, os motivos não podem ser considerados por duas vezes em benefício do agente se a sua previsão já fizer parte do tipo penal.

- circunstâncias: são elementos acidentais que não participam da estrutura própria de cada tipo, mas que, embora estranhas à configuração típica, influem sobre a quantidade punitiva para efeito de agravá-la ou abrandá-la. As circunstâncias apontadas em lei são as circunstâncias legais (atenuantes e agravantes). As circunstâncias inominadas não as circunstâncias judiciais a que se refere o artigo 59 do Código Penal e, apesar de não especificadas em nenhum texto legal, podem, de acordo com uma avaliação discricionária do Juiz, acarretar um aumento ou uma diminuição da pena. Entre tais circunstâncias, podem ser incluídos o lugar do crime, o tempo e sua duração, o relacionamento existente entre o autor e a vítima, a atitude assumida pelo delinqüente no decorrer da realização do fato do criminoso. As circunstâncias que servirão de fundamento para a aplicação da pena-base não se confundem com as chamadas circunstâncias legais, atenuantes ou agravantes, a serem aferidas no segundo momento de aplicação da pena.

- conseqüências do crime

- comportamento da vítima

Circunstâncias Agravantes e Atenuantes

Circunstâncias são dados periféricos que gravitam ao redor da figura típica e têm por finalidade diminuir ou aumentar a pena aplicada ao sentenciado. Por permanecerem ao lado da definição típica, as circunstâncias em nada interferem na definição jurídica da infração penal. As elementares, ao contrário, não dados essenciais, indispensáveis à definição da figura típica, sem os quais o fato poderá ser considerado atípico – atipicidade absoluta ou relativa.

O Código Penal não fornece um quantum para fins de atenuação ou agravação da pena, ao contrário do que ocorre com as chamadas causas de aumento ou diminuição, a serem observadas no terceiro momento do critério trifásico previsto no artigo 68 do Código Penal. Deve-se, portanto, considerar o princípio da razoabilidade como reitor para essa atenuação ou agravação da pena.

Como bem observado por Cezar Roberto Bitencourt:

“(...) o Código não estabelece a quantidade de aumento ou de diminuição das agravantes ou atenuantes legais genéricas, deixando-a à discricionariedade do Juiz. No entanto, sustentamos que a variação dessas circunstâncias não deve ir muito além do limite mínimo das majorantes e minorantes, que é fixado em um sexto. Caso contrário, as agravantes e as atenuantes se equiparam àquelas causas modificadoras da penal, que, a nosso juízo, apresentam maior intensidade, situando-se pouco abaixo das qualificadoras (no caso das majorantes)”.

As circunstâncias agravantes estão previstas nos artigos 61 e 62 do Código Penal e são previstas numerus clausus:

- reincidência: verifica-se quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. O Código Penal afastou a chamada reincidência específica, sendo suficiente a prática de crime anterior que, independentemente de suas características, pode ou não ser idêntico ou ter o mesmo bem juridicamente protegido pelo crime posterior, praticado após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Nos termos do artigo 64 do Código Penal, não prevalece a condenação anterior se a data o cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período superior a cinco anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação. Também não são computados para efeitos de reincidência os crimes militares próprios e os políticos.

Para fins de contagem do período de cinco anos, quando ao condenado tiver sido concedida a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional, o início da contagem do prazo ocorrerá a partir da data da audiência admonitória ou da cerimônia do livramento condicional, desde que não revogada a medida e declarada a extinção da pena.

Somente no segundo momento de aplicação da pena é que a reincidência poderá ser considerada, razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça (Enunciado n.º 241) posicionou-se no sentido de que “a reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”.

- ter o agente cometido o crime: por motivo fútil ou torpe (motivo fútil é aquele insignificante, gritantemente desproporcional. Torpe é o motivo abjeto, vil, que nos causa repugnância, pois que atenta contra os mais basilares princípios éticos e morais); para facilitar ou assegurar a execução, ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; à traição, emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido; com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma de lei específica; com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão; contra criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida; quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade; em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido; em estado de embriaguez preordenada.

- agravantes no concurso de pessoas: quando o agente promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; coage ou induz outrem à execução do crime; instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.

As circunstâncias atenuantes estão previstas no artigo 65 do Código Penal, contudo o rol não é taxativo, uma vez que o artigo 66 diz que a pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora na prevista expressamente em lei. Estão previstas na lei penal:

- ser o agente menor de 21 anos na data do crime ou maior de 70 anos na data da sentença; o desconhecimento da lei (a redução da reprimenda deve guardar relação com a maior ou menor influência que o desconhecimento da lei exerceu sobre a configuração da vontade delitiva. Quanto maior a influência, maior a redução da pena).

- ter o agente cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral; procurado por espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes o julgamento, reparado o dano; cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime (o Superior Tribunal de Justiça tem considerado a circunstância atenuante na hipótese em que o julgador tenha se valido da confissão do agente, mesmo que, posteriormente, tenha ele se retratado); cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.

Diz o artigo 67 do Código Penal que, no concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.

São três, portanto, as espécies de circunstâncias preponderantes, que dizem respeito:

- motivos determinantes: são aqueles que impulsionaram o agente ao cometimento do delito, tais como motivo fútil, torpe, de relevante valor social ou moral;

- personalidade do agente: são dados pessoais, inseparáveis da sua pessoa, como é o caso da idade (menor de 21 anos na data do delito ou maior de 70 anos na data da sentença);

- reincidência: demonstra que a condenação anterior não atingiu o objetivo preventivo, sendo o novo delito detentor de maior reprovação.

Se houver concurso de circunstância preponderante com outra que não tenha essa natureza, prevalecerá aquela do segundo momento da aplicação da pena. No concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes de idêntico valor, a existência de ambas levará a afastamento das duas, ou seja, não se aumenta ou diminui a pena no segundo momento.

Por fim, tem se entendido que a menoridade do réu prepondera sobre todas as demais circunstâncias, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Nos julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri, não competirá mais aos jurados a análise, mediante quesitação, das circunstâncias agravantes ou atenuantes, mas tão-somente ao Juiz-Presidente, conforme o novo (Lei n.º 11.689/08) artigo 492, inciso I, alínea b do Código de Processo Penal.


Fonte: Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rogério Grecco.