terça-feira, 29 de setembro de 2009

Competência - Modificações, Conflito e Competência da Justiça Federal

Modificações da Competência

Ocorrerá a modificação/prorrogação de competência quando se amplia a esfera de competência de um órgão judiciário para conhecer certas causas que não estariam, ordinariamente, compreendidas em suas atribuições jurisdicionais. Só há modificação de competência relativa.

A incompetência relativa é argüida por meio de exceção. Não sendo oposta a exceção declinatória do foro, prorroga-se a competência. Se não opuser em ação cautelar preparatória, não poderá opor na principal: terá havido prorrogação. O Ministério Público só pode argüir a exceção quando for réu, nunca como custo legis.

No que concerne à escolha do foro, o que se elege é o foro e não o Juízo. Trata-se de norma que dá aplicação ao disposto no artigo 78 do Código Civil. É um caso de prorrogação da competência, assim como a não-oposição de exceção de incompetência. Há julgados que, mesmo em causas que versem sobre a validade do contrato, não excluem a competência do foro de eleição para processar e julgar a demanda, sob o fundamento de que se a ação corre entre partes contratantes que estipularam entre si a cláusula do foro de eleição, não se justifica a invalidade do foro eleito simplesmente por versar a demanda sobre a invalidade do pacto.

Se o magistrado, ex officio, pode invalidar cláusula abusiva de foro contratual em contrato de adesão, reconhecendo sua incompetência e remetendo os autos ao Juízo competente (artigo 112 do CPC). Do mesmo modo, o Juiz pode invalidar de ofício a cláusula contratual abusiva de contrato de consumo, porquanto, à luz do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, são nulas de pleno direito.

Com fundamento na circunstância de serem de ordem pública as normas relacionadas à proteção do consumidor (artigo 1º do CDC), tem-se admitido que, reconhecendo o magistrado a ineficácia da cláusula do foro de eleição, poderia ele remeter os autos ao Juízo competente. Embora se trate de conduta lícita, a escolha do foro deve ser analisada à luz do direito material, porque objeto de disposição contratual em relação de consumo.

A Lei n.º 11.280/2006 consagrou esse entendimento, estendendo-o a todos os contratos de adesão, e não somente os de consumo. A competência seria prorrogada se não houvesse oposição do demandado – prorrogação tácita da competência. Agora, haverá também a prorrogação se o magistrado não declinar da competência, na forma do parágrafo único do artigo 112 do Código de Processo Civil. Há hipótese de incompetência que pode ser conhecida ex officio, mas não pode sê-lo a qualquer tempo. É um novo regime jurídico de reconhecimento de incompetência, com características dos outros dois. Assim, deve o magistrado, ao examinar a admissibilidade da petição inicial, verificar se é possível a incidência do parágrafo único do artigo 112 do Código de Processo Civil; se o Juiz determinar a citação do réu, não poderá mais declinar, ex officio, da competência por força do mencionado dispositivo legal. Caberá ao réu opor a exceção de incompetência, podendo, inclusive, alegar a abusividade da cláusula do foro de eleição.

Conexão e continência são as espécies de relação entre causas. Dois ou mais processos podem ser iguais, quando houver identidade total dos elementos do seu conteúdo (objeto litigioso). Nesse caso, rigorosamente, trata-se da mesma demanda, proposta mais de uma vez, perante juízes diversos. Chama-se de litispendência essa relação de causas.

Dois ou mais processos podem, ainda, ser semelhantes: embora não-idênticos, podem manter um vínculo de semelhança, em razão, por exemplo, da parcial identidade dos elementos que compõem seu objeto litigioso (mérito). Esse tipo de relação entre demandas é fato jurídico processual que determina a modificação legal da competência relativa, de modo que as causas sejam reunidas em um mesmo Juízo, para que sejam processadas e resolvidas simultaneamente. A conexão/continência é um vínculo de semelhança entre causas pendentes. Caudas pendentes distintas tornam-se semelhantes ou ligadas reciprocamente. Essa relação é fato jurídico. Frise-se, portanto, que a conexão e continência são fatos, que não se confundem com os efeitos jurídicos que geram (modificação de competência com a reunião de causas em um mesmo Juízo).

O artigo 105 do Código de Processo Civil diz que o Juiz pode reunir os processos em se tratando de ações conexas. Na verdade, se houver conexão (semelhança), aliada ao risco de decisões contraditórias e a possibilidade de reunião (mesma competência absoluta), o magistrado deve reunir os processos, pois trata-se de norma processual cogente.

O legislador optou por conceituar a conexão no artigo 103 do Código de Processo Civil: “reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir”. A continência foi defina pelo artigo 104: “dá-se continência entre duas ou mais ações sempre que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas, o objeto de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras”. Vale a pena ressaltar as teorias existentes sobre a conexão:

- Teoria tradicional: adotada pelo Código de Processo Civil, conceitua a conexão como identidade entre pedido e causa de pedir.

- Teoria de Carnelluti: identidade de questões. Para que demandas sejam havidas por conexas, bastará que ambas sejam sede de discussões acerca de determinadas razões de fato e de direito comuns.

- Teoria materialista: identidade da relação jurídica de direito material. Causas são conexas quando decidem mesma relação de direito material, ainda que sob enfoques diversos. A conseqüência processual do fenômeno é a garantia de julgamentos uniformes e a economia processual. É a teoria mais adotada na prática e pelos Tribunais.

A conexão deve ser definida à luz do direito material (objeto litigioso do processo). Isso é fundamental. A conexão pode existir por prejudicialidade ou preliminaridade: se uma causa é prejudicial/preliminar a outra, há conexão e a reunião se exige, respeitados os limites impostos para qualquer reunião.

É possível falar em conexão como relação de semelhança entre recursos, interpostos em um mesmo processo e que devem ser dirigidos a um mesmo Juízo, por óbvio, o mesmo relator. Também é possível falar em conexão de recursos que provenham de causas distintas, mas que sejam conexas: neste caso, os recursos nelas interpostos também o serão. Haverá conexão de recursos se provierem de causas que mantenham entre si uma relação de acessório/principal, como ocorre com a ação cautelar e a ação de conhecimento/execução.

Qualquer das partes pode alegar a conexão/continência, que de resto pode ser conhecida ex officio pelo Juiz. Ao réu cabe alegar a conexão em preliminar de contestação. Não se alega conexão por exceção de incompetência: a conexão pressupõe que o Juízo era competente e teve a sua competência modificada. A exceção de incompetência suspende o processo, efeito que não pode ser imputado à alegação de conexão, mesmo que feita pela equivocada via da exceção instrumental.

A competência territorial na ação civil pública é absoluta. A conexão, de acordo com o regramento a lei processual civil, não pode modificar a competência absoluta, apenas a relativa. Há que se acrescentar que o parágrafo único do artigo 2º da Lei n.º 7.347/85 criou uma conexão que permite a mudança de competência absoluta, a ensejar a reunião dos processos para julgamento simultâneo. No entanto, verifica-se a incompatibilidade desse parágrafo com outro dispositivo da lei de ação civil pública, que, em seu artigo 16 e o artigo 2º-A da Lei n.º 9.347/97, visam restringir a eficácia da coisa julgada em ação coletiva, impondo uma limitação territorial a essa eficácia, restrita ao âmbito da jurisdição do órgão prolator da decisão. Esse regramento especial da conexão em causas coletivas, leva-nos a concluir que a vetusta lição de que conexão modifica competência relativa deve ser revista. Conexão pode modificar competência territorial, em regra relativa, mas que, em alguns casos, pode ser absoluta.

É possível que uma causa de conhecimento seja reunida com uma causa de execução, se elas forem conexas entre si. Induvidosamente, o Poder Judiciário corre o risco de assumir posições contraditórias: mandar executar e, ao mesmo tempo, em outro Juízo, determinar a sua revisão/execução. É, em razão disso, que doutrina mais moderna tem redimensionado o conceito e a finalidade da conexão, para esse fim. O STJ vem admitindo a possibilidade de reunião, em face da conexão por prejudicialidade, de uma ação de conhecimento e uma ação executiva.

A prevenção é critério para execução dos demais Juízos competente de um mesmo foro ou Tribunal. A prevenção não é fator de determinação de competência. A prevenção funciona como mecanismo de integração em casos de conexão: é o instrumento para que se saiba em qual Juízo serão reunidas as causas conexas. O Código de Processo Civil traz duas regras de prevenção, que não se excluem, pois cada qual cuida de uma situação específica: a) se a conexão se der em Juízos de comarcas diversas, prevento será aquele que tenha havido a primeira citação válida (artigo 219 do CPC); b) se a conexão se der em Juízos da mesma comarca, prevento será o Juízo que despachou em primeiro lugar (artigo 106 do CPC).

Há ainda outras regras de modificação de competência:

- Imóvel situado em mais de um Estado ou comarca (artigo 107 do CPC): determina-se o foro pela prevenção, como regra do artigo 219 do Código de Processo Civil, estendendo-se sobre a totalidade do imóvel. Trata-se de um caso de extraterritorialidade.

- Ações acessórias (artigo 108 do CPC): ação acessória é a demanda secundária, destinada a complementar ação mais importante do ponto de vista do autor, denominado de principal. Competente será o Juízo da ação principal. Se antecedente, o autor deverá ajuizar ação no Juízo competente para a principal. Se incidental ou posterior, perante o Juízo que conheceu a ação principal (conexão por acessoriedade).

- Ações incidentais (artigo 109 do CPC): a competência para julgar as demandas incidentais (reconvenção, oposição, embargos de terceiro, incidente de falsidade, ação declaratória incidental, denunciação da lide, etc.) será do Juízo em que tramita a demanda principal.


Conflito de Competência

É o fato de dois ou mais Juízes se darem por competentes (conflito positivo, artigo 115, inciso I do CPC) ou incompetentes (conflito negativo, artigo 115, inciso II do CPC) para julgamento da mesma causa ou de mais de uma causa (em caso de reunião por conexão, artigo 115, inciso III do CPC). É possível que surja, também, na aplicação do princípio da identidade física do magistrado (artigo 132 do CPC).

Conforme Enunciado da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, não se pode cogitar de conflito se já tiver havido julgamento de uma das causas. Também não há conflito se entre Juízos houver diferença hierárquica, prevalecendo o posicionamento do Juízo hierarquicamente superior.

Podem suscitar o conflito o magistrado, o membro do Ministério Público ou qualquer das partes. Se o Ministério Público não o tiver suscitado, deverá ser ouvido, obrigatoriamente, no conflito de competência. A parte que ofereceu exceção de incompetência não pode suscitar o conflito, pois já teve a oportunidade de se manifestar sobre a competência e preferiu exceção: preclusão consumativa (artigo 117 do CPC).

A competência para julgar o conflito de competência será sempre de um Tribunal. O Supremo Tribunal Federal tem competência sempre que o conflito envolver um Tribunal Superior. Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais devem processar e julgar os conflitos de competência que envolvem Juízes a ele vinculados. Se o conflito envolver Juízes vinculados a Tribunais diversos, a competência será do Superior Tribunal de Justiça, que é responsável também para dirimir as demais hipóteses de conflito. A Emenda Constitucional n.º 45 deixou claro que, se o conflito de competência se der entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvada a competência do Supremo Tribunal Federal, será dos órgãos da Justiça do Trabalho a competência para apreciá-lo e julgá-lo.

A petição do incidente deverá ser dirigida ao Tribunal competente para apreciar o conflito. Em sendo positivo o conflito, deverá o relator suspender o processo, a fim de se evitarem atos inúteis. Por óbvio, quando o conflito for negativo, não se aplicará a norma porque nenhum Juiz estará praticando qualquer ato. O relator deverá sempre nomear um dos Juízes para apreciar atos urgentes (artigo 120 do CPC). Acrescentou-se o parágrafo único ao citado artigo, permitindo que, havendo jurisprudência dominante no Tribunal sobre a questão suscitada, o relator decida de plano, monocraticamente, o conflito de competência, cabendo agravo no prazo de cinco dias, contado da intimação da decisão às partes, para o órgão recursal competente.


Competência da Justiça Federal

A competência da Justiça Federal é constitucional e taxativa. Quando cível é fixada em razão da pessoa, da matéria e da função. Será, portanto, sempre absoluta, inderrogável pela vontade das partes, ressalvadas as regras da competência territorial.

O artigo 109, inciso I da Constituição Federal menciona causas em geral, em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidente do trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

Nos termos do artigo 109, inciso II da Constituição Federal, as causas envolvendo pessoa residente no Brasil ou Município brasileiro contra Estado estrangeiro ou organismo internacional devem tramitar na Justiça Federal, ressalvada da competência da Justiça do Trabalho.

Compete aos Juízes federais processar e julgar os mandados de segurança e habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos Tribunais Federais. Se a autoridade, a despeito de não pertencer aos quadros federais, exercer função federal, o mandado de segurança impetrado contra ato seu deverá ser processado por um Juiz federal.

Compete ao Juiz federal executar sentença estrangeira, após homologação do Superior Tribunal de Justiça e cumprir carta rogatória, após exequatur a cargo daquele Tribunal Superior.

Compete à Justiça Federal processar e julgar e julgar as causas fundadas em contratos internacionais ou tratados firmados pela União. Trata-se de competência fixada em razão da causa de pedir e, pois, da matéria discutida. Para dirimir eventual dúvida, ante a abrangente redação do artigo 109, inciso III da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm esposado o entendimento de que somente estarão afetas à competência da Justiça Federal as causas que tenham por objeto essencial obrigações derivadas de disposições contidas no tratado internacional.

Outro bom exemplo de causas que tramita na Justiça Federal por força deste inciso é a ação de alimentos internacionais, envolvendo os sujeitos que estejam em países diversos. Trata-se de causa regulada exclusivamente por tratado internacional (Decreto Legislativo n.º 10/58 e Decreto Legislativo n.º 56.826/65) e que tramita, em razão disso, perante a Justiça Federal (artigo 26 da Lei n.º 5.478/68).

O artigo 109, inciso V da Constituição Federal confere à Justiça Federal a competência para julgar causas que envolvam grave violação a direitos humanos. Não houve distinção no enunciado constitucional entre a natureza da causa, se cível ou criminal. Tendo em vista o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que considera pressuposto para federalização da competência para processar e julgar a causa a incapacidade de as autoridades estaduais desincumbirem-se a contento das duas funções, é indispensável o estabelecimento do contraditório, neste incidente, que envolva essas mesmas autoridades.

Será competente a Justiça Federal para toda a ação que verse sobre direitos indígenas. Contudo, deve prevalecer o entendimento de que, em âmbito cível ou penal, a Justiça Federal é competente para julgar causas que dizem respeito aos direitos indígenas coletivamente considerados. Em relação às questões individuais, a incumbência recairá sobre a Justiça Estadual, contudo, merece registro o fato que há divergências no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça a respeito de tema.

A Lei de Registros Públicos, no artigo 32, § 4º, prevê que o interessado em manifestar sua opção pela nacionalidade brasileira deverá fazê-lo perante Juiz federal. A expressão “causas referentes à nacionalidade”, presente no artigo 109, inciso X da Constituição Federal, deve ser entendida de maneira abrangente, uma vez que o dispositivo busca trazer à competência da Justiça Federal tudo que envolva o tema. Por outro lado, estão excluídas, por exemplo, causas sobre adição de patronímico por brasileira naturalizada – referem-se a direito de família e registro público. Também estão afastadas causas de modificação de registro de brasileiro naturalizado.

A Justiça Federal organiza-se em seções judiciárias, podendo ainda haver varas federais situadas em cidades do interior. Esta fixação de competência é territorial, portanto de foro, ficando sujeita à prorrogação. As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte. Embora foro constitucional, está sujeito à prorrogação. Trata-se de foro exclusivo que prevalece sobre qualquer competência territorial prevista no Código de Processo Civil. As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas (todas igualmente competentes, não havendo falar-se em incompetência relativa): a) na seção judiciária em que for domiciliado o autor; b) no foro onde houver ocorrido o fato ou fato; c) onde esteja situada a coisa; d) no Distrito Federal.

Os §§ 3º e 4º do artigo 109 da Constituição Federal de 1988 autorizam lei infraconstitucional a, preenchidos certos requisitos, delegar competência (jurisdição) da Justiça Federal para a Justiça Estadual, desde que não haja no local sede da Justiça Federal. Determinam, ainda, que o recurso contra estas decisões seja dirigido ao Tribunal Regional Federal.

A primeira autorização específica está prevista constitucionalmente: delegou-se competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual nas hipóteses de causas previdenciárias, permitindo que sejam processadas no foro dos segurados ou beneficiários, se lá não houver sede da Justiça Federal. A criação ulterior de vara federal na localidade implica deslocamento da causa, porque se trata de fato superveniente que altera competência absoluta e, portanto, está apta a quebrar a perpetuação da competência determinada pelo artigo 87 do Código de Processo Civil.

O Superior Tribunal de Justiça ainda considera aplicável o Enunciado 216 da Súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos que afirma que essa autorização constitucional não se aplica em casos de mandado de segurança. Registre-se que a restrição é descabida: a) a Constituição Federal fala de causas previdenciárias, sem especificar o procedimento; b) mandado de segurança é garantia fundamental, logo ele estaria fora de uma regra que tem o claro objetivo de favorecer o cidadão em face do Estado.

A Constituição Federal também procede a uma autorização genérica (atípica) de delegação de competência. Prescreve que a lei infraconstitucional poderá promover esta delegação, qualquer seja a causa, desde que o foro local não haja sede da Justiça Federal. Essa delegação deve vir expressamente prevista na lei federal, não se admitindo interpretação elástica.

A competência do Tribunal Regional Federal é sempre funcional, não sendo relevantes os sujeitos da demanda nem a matéria discutida. A competência cível do Tribunal Regional Federal está prevista em três alíneas do inciso I do artigo 108 da Constituição Federal: a) julgar ação rescisória contra seus julgados ou julgados de Juízes federais; b) julgar mandado de segurança e habeas data contra seus atos u atos de Juízes federais; c) julgar conflito de competência entre Juízes federais.

O Superior Tribunal de Justiça deu interpretação extensiva à alínea “e” do inciso I do artigo 108 da Constituição Federal, para que se entenda como a competência do Tribunal Regional Federal o julgamento do conflito de competência envolvendo Juiz federal e Juiz estadual investido de jurisdição federal, da mesma região – Enunciado 03 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Dessa forma, se a União (ou entidade autárquica ou empresas públicas federais) recorrer, como terceira, de sentença prolatada contra a sociedade de economia mista: desloca-se o julgamento para a Justiça Federal ou permanecerá competente o Tribunal de Justiça Estadual? E se ela pedir para intervir como assistente em processo que está pendente de julgamento em segunda instância da Justiça Estadual?

No primeiro caso, o recuso, a despeito de ter sido interposto pela União, deverá ser julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado, porquanto o Tribunal Regional Federal somente tem competência recursal para “as causas decididas pelo Juízes federais e pelos Juízes estaduais no exercício de competência federal da área de sua jurisdição”.

Se autarquia federal ingressa como assistente de uma das partes, após proferida a sentença, a causa não se desloca da Justiça estadual para a federal. Nesse sentido é o Enunciado 518 do Supremo Tribunal Federal. Se a intervenção se der antes da prolação de sentença, a causa deverá ser remetida à Justiça Federal.

Se o Tribunal Regional Federal, ao julgar apelação interposta pela União, em processo que litiga como litisconsórcio de um ente privado, reconhecer sua legitimidade ad causam, e excluí-la do feito, não será caso de remessa aos autos à Justiça Estadual nem de reconhecimento de uma eventual incompetência da Justiça Federal para ter processado a causa até então. Caberá ao Tribunal Regional Federal prosseguir no julgamento do recurso, a despeito da exclusão do ente federal.


Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Competência - Considerações Iniciais

A competência é o resultado de critérios para distribuir entre vários órgãos as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição. A competência é o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos por lei. É o âmbito do qual o Juiz pode exercer a jurisdição. É a medida da jurisdição.

A distribuição de competência se faz por meio de normas constitucionais, de leis processuais e de organização judiciária, além da distribuição interna nos Tribunais, feita pelos seus regimentos internos.

Canotilho identifica dois princípios relacionados à distribuição de competência: indisponibilidade e tipicidade. Esses princípios compõem o conteúdo do princípio do Juiz natural, o qual será desrespeitado se tais princípios forem violados.

O dispositivo do artigo 87 do Código de Processo Civil prevê a perpetuatio jurisdictionis, que consiste na regra segundo a qual a competência é fixada no momento da propositura da demanda, com sua distribuição ou com o despacho inicial, não mais se modifica. Excepcionam-se nos seguintes casos: a) supressão do órgão judiciário; b) alteração superveniente da competência em razão da hierarquia ou da matéria – neste caso, a interpretação deve ser extensiva, pois o legislador quis referir-se a todas as modalidades de competência absoluta, à exemplo dos artigos 102 e 111, ambos do Código de Processo Civil. Tais dispositivos, ao tentarem sistematizar os tipos de competência relativa e absoluta, seguiram o modelo chiovendiano, limitando-se a incluir os critérios hierárquico e material para a primeira espécie, e territorial e em razão do valor da causa, para a segunda, deixando à margem outros critérios (como o pessoal), bem assim inúmeras exceções. O desmembramento da comarca só implicará a modificação de competência se alterar a competência absoluta, inclusive a competência territorial absoluta.

De acordo com os artigos 251 e 252 do Código de Processo Civil, onde houver “mais de um escrivão” os processos deverão ser sorteados dentre aqueles abstratamente competentes, de forma alternada, com rigorosa atenção ao princípio da igualdade. Com isso, se fixa a competência concreta do Juízo, transformando a “competência cumulativa de todos em competência exclusiva de um só dentre todos”. Tais regras são cogentes, indisponíveis, que surgiram no intuito de atender ao interesse público. São, portanto, regras de competência absoluta.

A competência originária é aquela atribuída ao órgão jurisdicional diretamente, para conhecer da causa em primeiro lugar; pode ser atribuída tanto ao Juízo monocrático, que é a regra, como ao tribunal , em algumas situações (ação rescisória e mandado de segurança contra ato judicial, por exemplo). A competência derivada ou recursal é atribuída ao órgão jurisdicional destinado a rever a decisão já proferida; normalmente, atribui-se a competência derivada ao Tribunal. Ambas são espécies de competência absoluta.

A incompetência é defeito processual que, em regra, não leva à extinção do processo, mesmo se se tratar de incompetência absoluta, salvo nas excepcionais hipóteses do inciso III do artigo 51 da Lei n.º 9.099/95, da incompetência internacional (artigos 88 e 89 do CPC) e do § 1º do artigo 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Características das regras de competência absoluta:

- regra criada para atender interesse público;

- a incompetência absoluta pode ser alegada a qualquer tempo, por qualquer das partes, podendo ser reconhecida ex officio pelo magistrado;

- a parte que deixar de alegar no primeiro momento que lhe couber falar nos autos arcará com as custas do retardamento;

- não há forma especial para a argüição de incompetência absoluta, até mesmo porque o magistrado pode conhecê-la de ofício. No entanto, não pode o réu alegar incompetência absoluta por exceção instrumental e querer que essa alegação produza o efeito de suspender o processo, característica das exceções instrumentais;

- reconhecida a incompetência absoluta, remetem-se os autos ao Juiz competente e reputam-se nulos os atos decisórios já praticados;

- a regra de competência absoluta não pode ser alterada pela vontade das partes, nem por conexão ou continência;

- competência em razão da matéria, da pessoa e funcional são exemplos de competência absoluta. A competência em razão do valor da causa também pode ser absoluta, quando extrapolar os limites estabelecidos pelo legislador. Em alguns casos, a competência territorial também pode ser absoluta.

Características da competência relativa:

- regra de competência criada para atender precipuamente a interesse particular;

- a incompetência relativa somente pode ser alegada pelo réu, no prazo de resposta, sob pena de preclusão e prorrogação da competência do Juízo, não podendo o magistrado reconhecê-la de ofício (Enunciado 33 da Súmula do STJ);

- há forma específica de argüição de incompetência relativa: a exceção instrumental. Deve ser ajuizada em peça apartada da contestação e será autuada em apenso. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a alegação de incompetência relativa no bojo da contestação, como preliminar, por não causar prejuízo, não pode ser desconsiderada;

- reconhecida a incompetência relativa, remetem-se os autos ao Juiz competente e não se anulam os atos decisórios já praticados;

- as partes podem modificar a regra de incompetência relativa, assim como por ocasião da conexão ou continência;

- competência territorial é, em regra, relativa. Da mesma forma é a pelo valor da causa, quando ficar aquém do limite estabelecido por lei.

De acordo com o princípio Kompetenz kompetenz (o Juiz tem sempre competência para examinar sua competência), o magistrado incompetente constitucionalmente tem, no mínimo, a competência de reconhecer sua incompetência, o que já revela a existência de ao menos uma parcela da jurisdição. Portanto, não se poderia falar de sentença inexistente, mas de sentença inválida – não se poderia equiparar a sentença de um não-juiz com a de um Juiz que não tenha competência, ainda que constitucional.

A competência internacional visa delimitar o espaço em que deve haver jurisdição, na medida em que o Estado possa fazer cumprir soberanamente as suas sentenças. É o chamado princípio da efetividade, que orienta a distribuição de competência internacional, segundo a qual o Estado deve abster-se de julgar se a sentença não tem como ser reconhecida onde deve exclusivamente produzir efeitos. Princípios que informam as regras de competência internacional:

- plenitudo jurisdicionis: o poder-dever de conceder a prestação jurisdicional nos limites de seu território é pleno e ilimitado, assim proclamado como regra geral pelo direito internacional, excepcionado apenas pelas limitações estabelecidas por sua própria legislação e, em alguns casos, por construção jurisprudencial;

- exclusividade: é aquele em razão do qual os Tribunais de cada país, uma vez acionados, aplicarão sempre as regra delimitadoras de jurisdição que integram a sua própria ordem jurídica;

- unilateralidade: é norma delimitadora da jurisdição estatal, que afirma ou afasta a competência internacional do Estado, não se concede o poder de atribuir competência internacional a outro Estado;

- imunidade da jurisdição: trata-se do princípio segundo o qual a jurisdição deixa de ser exercida em razão da qualidade do réu;

- proibição de denegação da Justiça: para evitar a denegação da Justiça, o Estado inicialmente incompetente para apreciar a demanda, deve julgá-la quando ficar constatado que ela não poderá ser proposta em qualquer outro Tribunal estrangeiro;

- autonomia da vontade: reconhece-se a possibilidade de escolha da jurisdição, em caso de concorrência, inclusive com foro de eleição.

O artigo 88 do Código de Processo Civil especifica as causas em que a competência internacional é concorrente: pode essas causas também ser julgadas por Tribunais estrangeiros. A sentença proferida no estrangeiro será eficaz no território brasileiro, desde que homologada pelo STJ, e acordo com critérios vários, tais como: não ofenda a soberania brasileira, tenha sido examinada por Juiz competente, o processo não esteja viciado, transitada em julgado.

São hipóteses de competência internacional concorrente: a) se o réu estiver domiciliado no Brasil, não importando a sua nacionalidade; b) se no Brasil houver de ser cumprida a obrigação, não importa onde ela foi contraída; c) se a ação originar-se de fato ou ato ocorrido no Brasil.

O artigo 89 do Código de Processo Civil especifica as causas em que a competência dos Tribunais brasileiros é exclusiva. Sentença estrangeira proferida em tais casos não pode produzir qualquer efeito no território brasileiro; será ato sem qualquer importância. Não há como homologá-la no Brasil. São os casos de: a) qualquer ação relativa a imóvel situado no Brasil; b) proceder a inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

A ação intentada perante Tribunal estrangeiro não induz litispendência no Brasil, salvo se a sentença estrangeira tiver sido homologada pela Justiça brasileira. Esta regra, naturalmente, só existe em função dos casos de competência concorrente, pois, dessa forma, é natural que a lei interna prefira o julgamento por nossos Tribunais. A verificação de litispendência há de ser feita pelo Juiz de primeira instância, tendo ele que examinar se a sentença proferida no estrangeiro possui certos requisitos de admissibilidade para eventual homologação.

A competência funcional relaciona-se com a distribuição das funções que devem ser exercidas em um mesmo processo. Toma-se por critério de distribuição aspectos endoprocessuais (internos), relacionados com o exercício das diversas atribuições que são exigidas do magistrado durante toda a marcha processual. O critério funcional puro é aquele que poderá ser auferido somente da relação jurídica processual.

Registre-se ser o caso de competência territorial absoluta, semelhante ao regime do foro da situação da coisa, para as ações reais imobiliárias previstas na parte final do artigo 95 do Código de Processo Civil.

O artigo 132 do Código de Processo Civil estabelece o chamado princípio da identidade física do Juiz, segundo o qual o Juiz da sentença deve ser o mesmo que ultimou audiência de instrução e julgamento. Trata-se de regra que deriva do princípio da oralidade, segundo o qual as provas devem ser produzidas perante o magistrado que julgará a causa (são condições a colheita de prova oral e o Juiz não pode, por qualquer motivo, estar afastado ou impedido). Impõe, com isso, hipótese de competência funcional e, pois, absoluta e o desrespeito autoriza o ajuizamento de ação rescisória.

O Código de Defesa do Consumidor determina que o foro competente para a discussão das relações de consumo é o do domicílio do autor-consumidor. O Estatuto do Idoso determina a competência absoluta do domicílio do idoso, para as causas relacionadas a direitos difusos, coletivos, individuais indisponíveis e homogêneos.

O Código de Processo Civil estabelece as regras gerais para as ações reais imobiliárias: competente será o Juízo da situação da coisa, forum rei sitae. São exemplos de ações reais: confessória (reconhecimento e respeito da servidão); demolitória; discriminatória; imissão na posse; publiciana (reivindicatória do proprietário de fato); reivindicatória; negatória (impedir que a plenitude do domínio seja violada por servidão). No entanto, essa escolha não será possível nos casos de demandas que versem sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, nunciação de obra nova, divisão e demarcação de terras. Nesses casos, a competência territorial é absoluta.

A ação pauliana (invalidação de negócio jurídico em razão de fraude contra credores) tem natureza pessoal, mesmo se o negócio que se pretenda desconstituir tiver por objeto um imóvel. As ações edilícias (redibitória e quanti minoris) também têm natureza de ação pessoal, e, mesmo se disserem respeito a imóveis, não se submetem à regra do artigo 95 do Código de Processo Civil. São os meios processuais para dar efeito à garantia de proteção contra vícios ocultos da coisa, poda o adquirente utilizar-se de uma ou de outra, mas não lhe é dado cumulá-las.

A ação ex empto (artigo 500 do CC) também tem natureza pessoal, não se submetendo à regra especial do artigo 95 do Código de Processo Civil. Trata-se de ação para os casos de venda ad mensuram (aquela em que se determina a área do imóvel vendido, estipulando-se o preço por medida de extensão): poderá o comprador ingressar com ação, ao objetivo de que seja entregue a parte faltante da coisa.

O artigo 96 do Código de Processo Civil cuida do foro da sucessão do de cujus. A regra geral é a de que o foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, partilha, arrecadação, cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações em que o espólio foi réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro. Trata-se de competência relativa. Quando o espólio for réu em litígios sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, o foro competente é o do domicílio da coisa. Se o de cujus não tinha domicílio certo, o foro será o da situação dos bens ou, se houver bens em diversas localidades, competente será o foro do lugar em que ocorreu o óbito.

Nas ações em que o ausente for réu, o foro será o do seu último domicílio e, nas ações contra incapaz, competente será o do domicílio de seu representante legal.

O artigo 100, inciso I do Código de Processo Civil estabelece um foro da residência da mulher para as ações de anulação de casamento, separação e conversão desta em divórcio. Nas ações em que se pedem alimentos, será o foro do domicílio do alimentando competente para apreciá-las. Quando cumulada com investigação de paternidade, prevalece o foro do alimentando (Enunciado 01 da Súmula do STJ). Na ação revisional de alimentos também incide a mesma regra.

Quando a pessoa jurídica é demandada, competente é o Juízo do lugar onde está a sua sede. Se se tratar de agência ou sucursal, a demanda deverá ser proposta em suas respectivas sedes, se versarem sobre obrigações por elas contraídas. Se ré for sociedade em comum (antiga sociedade de fato), a causa deve ser ajuizada no lugar de sua atividade principal.

A aliena “d” do inciso IV do artigo 100 do Código de Processo Civil estabelece o forum obligationis ou forum destinatae solutionis, o foro para cumprimento de obrigações. A ação em que se exigir o cumprimento de obrigação deve ser ajuizada perante o foro do lugar onde de ser satisfeita. Essa alínea incide para os casos de obrigação contratual.

O inciso V do artigo 100 do Código de Processo Civil estabelece o forum comissi delicti – foro para ação de responsabilidade extracontratual: é o foro do fato ou do ato. Justifica-se a regra como medida de economia, tendo em vista a possibilidade de se fazerem perícias no,local do dano, com menos custos. Quando a reparação do dano se der em razão de acidente de veículo ou delito (ação civil ex delicto): haverá foros concorrentes, pois poderá ser o do autor ou do local do fato, ou ainda, se optar o autor, o geral. O réu não pode opor-se à opção feita pelo autor.

Há uma inclinação predominante no sentido de considerar os foros distritais (a divisão territorial da comarca, que se faz por distritos) absolutos. Tem se entendido que a divisão territorial da seção judiciária gera a hipótese de competência territorial absoluta. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, conforme Enunciado 689 de sua Súmula, permitiu que o segurado, domiciliado em município do interior que possui sede de Justiça Federal, opte a ajuizar a demanda previdenciária no Juízo da capital.


Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Princípios Administrativos

Princípios administrativos são os postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública.

Insta consignar que as normas jurídicas admitem a classificação em duas categorias básicas: os princípios e as regras.

As regras, são operadas de modo disjuntivo, vale dizer, o conflito entre elas é dirimido no plano da validade: aplicáveis ambas a uma mesma situação, uma delas apenas a regulará, atribuindo-se à outra o caráter de nulidade.

Os princípios, ao revés, não se excluem do ordenamento jurídico na hipótese de conflito: dotados que são de determinado valor ou razão, o conflito entre eles admite a adoção do critério da ponderação de valores (ou ponderação de interesses), vale dizer, deverá o intérprete averiguar qual deles, na hipótese em exame, será atribuído grau de preponderância. Não há, porém, nulificação do princípio postergado: este, em outra hipótese e mediante nova ponderação de valores, poderá ser preponderante, afastando-se o outro princípio em conflito.

Os princípios administrativos expressos são aqueles arrolados no artigo 37 da Constituição Federal. Devem ser observados por todas as pessoas administrativas dos entes federativos.

- Princípio da legalidade: certamente é a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita. É corolário do Estado de Direito, ou seja, aquele Estado que deve respeitar as próprias leis que edita. O princípio da legalidade se reflete na conseqüência de que a própria garantia dos direitos dos indivíduos depende de sua existência. Uma conclusão é inarredável: havendo dissonância entre a conduta e a lei, deverá aquela ser corrigida para eliminar a ilicitude.

- Princípio da impessoalidade: objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Nesse ponto, representa uma faceta do princípio da isonomia. Por outro lado, para que haja verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público. Aqui se reflete a aplicação do principio da finalidade. A função administrativa é baseada na lei e também deverá respeitar a isonomia, sob pena de desvio de finalidade. A Administração há de ser impessoal, sem ter em mira este ou aquele indivíduo de forma especial.

- Princípio da moralidade: impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto. Tal forma de condução também deve estar presente na conduta interna da Administração. Em algumas ocasiões, a imoralidade consistirá na ofensa dieta à lei e aí violará, ipso facto, o princípio da legalidade. Em outras, residirá no tratamento discriminatório, positivo ou negativo, dispensado ao administrado; nesse caso, vulnerado estará também o princípio da impessoalidade, requisito, em última análise, da legalidade da conduta administrativa. Pela ação popular (Lei n.º 4.717/65), qualquer cidadão pode deduzir a pretensão de anular atos do Poder Público contaminados de imoralidade administrativa. Registre-se que a ação civil pública (Lei n.º 7.347/85) possui o mesmo escopo.

- Princípio da publicidade: indica que os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Pode se reclamado através de dois instrumentos básicos: o direito de petição e as certidões. Negado o exercício de tais direitos, ou ainda não veiculada a informação, ou veiculada incorretamente, terá o prejudicado os instrumentos constitucionais para garantir a restauração da legalidade o mandado de segurança e o habeas data. É importante que não se deixe de registrar que ao princípio da publicidade devem submeter-se todas as pessoas administrativas, quer as que constituem as próprias pessoas estatais, quer aquelas outras que, mesmo sendo privadas, integram os quadros da Administração Pública, como é o caso das entidades paraestatais.

O direito ao acesso à expedição de certidões está sujeito a restrição, ou até mesmo ao não reconhecimento, quando o interessado age com abuso de direito (ocorre em situações nas quais formula sejam fatos absurdos ou inviáveis) ou reitera pedidos sucessivos de modo irrazoável ou inócuo. Sem embargo da circunstância de que a publicidade dos atos constitui a regra, o sistema jurídico institui algumas exceções, tendo em vista a excepcionalidade da situação e os riscos que eventual divulgação poderia acarretar. O próprio artigo 5º, inciso XXXIII da Constituição Federal resguarda o sigilo de informações quando se revela indispensável à segurança da sociedade e do Estado.

Quanto aos efeitos decorrentes da falta de publicidade, há que se consignar ela se situa no plano da validade ou da eficácia. Anteriormente, a doutrina era mais inflexível, considerado como inválido todo o ato praticado sem publicidade, que seria requisito de validade. Modernamente, tem-se entendido que cada hipótese precisa ser analisada separadamente, inclusive a lei que disponha sobre ela. Assim, a falta de validade não retira a validade do ato, funcionando como fator de eficácia: o ato é válido, mas inidôneo a produzir efeitos jurídicos.

- Princípio da eficiência: o núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir desperdício de dinheiro público, impondo-se a execução dos serviços com presteza, perfeição e rendimento funcional. Quanto ao controle do princípio da eficiência, os publicistas entendem que os controles administrativo (de caráter interno e processado pelos próprios órgãos administrativos) e legislativo são reconhecidamente legítimos e indubitáveis à luz dos artigos 70 e 74 da Constituição Federal. O controle judicial, entretanto, sofre limitações e só pode incidir quando se tratar de comprovada ilegalidade. Como tem consagrado corretamente a doutrina, o Poder Judiciário não podem compelir a tomada de decisão que entende ser de melhor grau de eficiência, nem invalidar atos administrativos invocando exclusivamente o princípio da eficiência.

Cumpre ressaltar que a eficiência não se confunde com eficácia nem com efetividade. A eficiência transmite sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa, a idéia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes. Por outro lado, eficácia tem relação com os meios e instrumentos empregados pelos agentes no exercício de seus misteres na administração. A efetividade é voltada para os resultados obtidos com as ações administrativas, sobreleva nesse aspecto a positividade dos objetivos.

Afora os princípios expressos, a doutrina reconhece outros que, de igual forma, devem orienta a Administração Pública por outras diretrizes, são os denominados princípios reconhecidos.

- Princípio da supremacia do interesse público: as atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público. E se não estiver presente este objetivo, a atuação estará inquinada de desvio de finalidade. Desse modo, não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social num todo – Welfare State – Estado do Bem-Estar.

- Princípio da autotuela: defrontando-se com erros, pode a Administração revê-los para restaurar a situação de regularidade. Não se trata apenas de uma faculdade, mas também de um dever, pois não se pode admitir que, diante de situações irregulares, permaneça inerte e desinteressada. A Administração não precisa ser provocada para o fim de rever seus atos, pode fazê-lo de ofício. A autotutela envolve dois aspectos quanto à atuação administrativa: I) de legalidade, em relação aos quais a Administração, de ofício procede à revisão de atos ilegais; II) de mérito, em que examina atos anteriores quanto à conveniência e oportunidade de sua manutenção ou desfazimento. A Lei n.º 9.784/99, que regulou o processo administrativo, consignou que o direito da Administração de anular atos administrativos que tenham irradiado efeitos favoráveis ao destinatário decai em 5 (cinco) anos.

- Princípio da indisponibilidade: os bens e interesses públicos não pertencem à Administração nem aos seus agentes. Cabe-lhes apenas geri-los, conservá-los e por eles velar em prol da coletividade, esta sim a verdadeira titular dos direitos e interesses públicos. A Administração não tem a livre disposição dos bens e interesses públicos porque atua em nome de terceiros.

- Princípio da continuidade dos serviços públicos: está intimamente ligado ao princípio da eficiência e da supremacia do interesse público. Pretende-se que a coletividade não sofra prejuízos em razão de eventual realce a interesses particulares. É vedado ao particular contratado, dentro de certos limites, opor à Administração a exceção do contrato não cumprido.

- Princípio da segurança jurídica (proteção à confiança): se, de um lado, não se pode relegar o postulado de observância dos atos e condutas aos parâmetros estabelecidos na lei, de outro é preciso evitar que situações jurídicas permaneçam por todo o tempo em nível de instabilidade, o que, evidentemente, provoca incertezas e receios entre os indivíduos. A prescrição e decadência são fatos jurídicos através dos quais a ordem jurídica confere destaque ao princípio da estabilidade das relações jurídicas.

Distingue-se a segurança jurídica da proteção à confiança. Pelo primeiro, confere-se relevo ao aspecto objetivo do conceito, indicando-se a inafastabilidade da estabilização jurídica; pelo segundo, o realace incide sobre o aspecto sujetivo, e neste se sublinha o sentimento do indivíduo em relação aos atos, inclusive e principalmente do Estado, dotados de presunção de legitimidade e aparência de legalidade.

Pela Teoria do Fato Consumado, em certas ocasiões melhor seria convalidar o fato do que suprimi-lo da ordem jurídica, hipótese em que o transtorno seria de tal modo expressivo que chegaria ao extremo de ofender o princípio da estabilidade das relações jurídicas. A tutela da confiança legítima abrange o poder normativo da Administração, e não apenas os atos de natureza concreta por ela produzidos.

- Princípio da razoabilidade: razoável pe aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma pouco diversa. O que é totalmente razoável para uns pode não o ser para outros. Mas, mesmo quando não o seja, é de reconhecer-se que a valoração se situou dentro dos standarts de aceitabilidade. Dentro desse quadro, não pode o Juiz controlar a conduta do administrador sob a mera alegação de que não a entendeu razoável. Não lhe é lícito substituir o juízo de valor do administrador pelo seu próprio, porque a isso se coloca o óbice da separação das funções, que rege as atividades estatais. Poderá, isto sim, até mesmo deverá, controlar os aspectos relativos à legalidade da conduta, ou seja, verificar se estão presentes os requisitos que a lei exige para a validade dos atos administrativos (esse é o sentido que os Tribunais têm emprestado do controle judicial).

O princípio da razoabilidade tem que ser observado pela Administração na medida em que sua conduta se apresente dentro os padrões normais de aceitabilidade. Se atuar fora desses padrões, algum vício estará, sem dúvida, contaminando o comportamento estatal. Significa dizer, por fim, que não de existir violação ao referido princípio quando a conduta administrativa é inteiramente revestida e licitude.

Acertada é a noção de que o princípio da razoabilidade se fundamenta nos princípios da legalidade e da finalidade, não se podendo supor que a correção judicial possa invadir o mérito administrativo. A liberdade do administrador se circunscreve à lei, vale dizer, segundo as possibilidades nela comportadas. Uma providência desarrazoada não pode ser havida como admitida pela lei. O princípio da razoabilidade não incide apenas sobre a função administrativa, mas, ao contrário, alcança qualquer função pública, inclusive a legislativa.

- Princípio da proporcionalidade: seu grande fundamento é o excesso de poder e o fim a que se destina exatamente o de conter atos, decisões e condutas de agentes públicos que ultrapassem os limites adequados, com vistas ao objetivo colimado pela Administração, ou até mesmo pelos Poderes representativos do Estado. Para que a conduta estatal observe o princípio da proporcionalidade, há de revestir-se de tríplice fundamento: 1) adequação, significando que o meio empregado na atuação deve ser compatível com o fim colimado; 2) exigibilidade, porque a conduta deve ter-se por necessária, não havendo outro meio menos gravoso e oneroso para alcançar o fim público, ou seja, o meio escolhido é o que causa o menor prejuízo possível para os indivíduos; 3) proporcionalidade em senti estrito, quando as vantagens a serem conquistadas superam as desvantagens.

Fonte: Manual de Direito Administrativo. José Carvalho dos Santos Filho.