sábado, 19 de fevereiro de 2011

Consumação e Tentativa – Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz

Consumação e Tentativa
O Código Penal, em seu artigo 14, preocupou-se em conceituar o momento da consumação do crime, bem como quando o delito permanece na fase de tentativa (conatus), esclarecendo que o delito é tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.
A ação é composta por duas fases: interna e externa. Na fase interna, o agente antecipa e representa mentalmente o resultado, escolhe os meios necessários a serem utilizados para o cometimento da infração, bem como considera os efeitos concomitantes que resultarão dos meios por ele escolhidos, e em seguida exterioriza a sua conduta, colocando em prática tudo aquilo que por ele fora elucubrado.
O iter criminis, assim, é composto pelas seguintes fases: a) cogitação (cogitatio); b) preparação (atos preparatórios); c) execução (atos de execução); d) consumação (summatum opus); e) exaurimento.
Cogitação é aquela fase do iter criminis que se passa na mente do agente. Aqui ele define a infração penal que deseja praticar, representando e antecipando mentalmente o resultado que busca alcançar.
Uma vez selecionada a infração penal que deseja cometer, o agente começa a se preparar com o fim de obter êxito em sua empreitada criminosa. Em seguida, depois da cogitação e da preparação, o agente dá início à execução do crime. Quando, efetivamente, ingressa na fase dos atos de execução, duas situações podem ocorrer: a) o agente consuma a infração por ele pretendida inicialmente; b) em virtude de circunstâncias alheias à sua vontade, a infração não chega a consumar-se, restando, portando, tentada.
Como a última fase do iter criminis, e somente em determinadas infrações penais, temos o chamado exaurimento. É a fase que se situa após a consumação do delito, esgotando-o plenamente.
Merece ser frisado que o iter criminis é um instituto específico para os crimes dolosos.
Segundo o inciso I do artigo 14 do Código Penal, diz-se consumado o crime quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal. A consumação, portanto, varia de acordo com a infração penal selecionada pelo agente. Podemos, dessa forma, dizer que ocorre a consumação nos crimes:
- materiais e culposos: quando se verifica a produção do resultado naturalístico, ou seja, quando há modificação no mundo exterior;
- omisssivos próprios: com a abstenção do comportamento imposto pelo agente;
- mera conduta: com o simples comportamento previsto no tipo, não se exigindo qualquer resultado naturalístico;
- formais: com a prática da conduta descrita no núcleo do tipo, independentemente da obtenção do resultado esperado pelo agente, que, caso aconteça, será considerado como mero exaurimento do crime;
- qualificados pelo resultado: com a ocorrência do resultado agravador;
- permanentes: enquanto durar a permanência.
A lei penal limitou-se a punição doa atos praticados pelo agente a partir de sua execução, deixando de lado a cogitação e os atos preparatórios. Em determinadas situações, o legislador entendeu por bem punir de forma autônoma algumas condutas que poderiam ser consideradas preparatórias, como nos casos dos crimes de quadrilha ou bando e a posse de instrumentos destinados usualmente à prática de furtos.
Essa punição somente acontece quando o legislador eleva à categoria de infração autônoma um ato que, por sua natureza, seria considerado preparatório ao cometimento de uma outra infração penal.
Dentre as inúmeras teorias que surgiram com a finalidade de definir a tentativa, podemos citar as seguintes:
- Teoria subjetiva: haveria tentativa quando o agente, de modo inequívoco, exteriorizasse sua conduta no sentido de praticar a infração penal. Essa teoria se satisfaz tão-somente com o fato de o agente revelar sua intenção criminosa através de atos inequívocos, não fazendo distinção entre atos preparatórios e atos de execução;
- Teorias objetivas:
. teoria objetiva-formal: segundo esse teoria, somente poderíamos falar em tentativa quando o agente já tivesse praticado a conduta descrita no núcleo do tipo penal. Tudo o que antecede a esse momento é considerado como ato preparatório. A teoria objetiva-formal indica a ação do tipo como elemento do início da execução. A tentativa se caracteriza pelo início da execução da ação do tipo: ações anteriores são preparatórias; ações posteriores são executivas;
. teoria objetiva-material: essa teoria busca ser um complemento da primeira, de natureza formal. Por intermédio dela se incluem ações que por sua necessária vinculação com a ação típica, aparecem como parte integrante dela, segundo uma natural concepção ou que produzem uma imediata colocação em perigo de bens jurídicos;
. teoria da hostilidade do bem jurídico: para se concluir pela tentativa teria de se indagar se houve ou não uma agressão direta ao bem jurídico.
Na verdade, não obstante os esforços expendidos por um grande número de doutrinadores a fim de demarcar a fronteira entre os atos preparatórios e os de execução, tal tarefa, mesmo nos dias de hoje, ainda não foi superado. Há atos que, com toda certeza, reputaríamos como preparatórios ao início da execução da infração penal, há outros também com absoluta certeza, entenderíamos como de execução.
Embora existam os atos externos, em que não há possibilidade de serem confundidos, a controvérsia reside naquela zona cinzenta na qual, por mais que nos esforcemos, não teremos a plena convicção se o ato é de preparação ou de execução. Ainda não surgiu, portanto, teoria suficientemente clara e objetiva que pudesse solucionar esse problema.
Se, no caso concreto, depois de analisar detidamente a conduta do agente e uma vez aplicadas todas as teorias existentes que se prestam a tentar distinguir os atos de execução, que se configurarão em tentativa, dos atos meramente preparatórios, ainda assim persistir a dúvida, esta deverá ser resolvida em benefício do agente. Segundo lição de Hungria, nos casos de irredutível dúvida sobre se o ato constitui um ataque do bem jurídico ou apenas uma predisposição para esse ataque, o Juiz terá de pronunciar non liquet, negando a existência da tentativa.
Para evitar que tais situações restassem impunes e também para não fugir à técnica legislativa de narrar, no tipo penal, como regra geral, a consumação da infração penal foram criadas as chamadas normas de extensão, como a prevista no inciso II do artigo 14 do Código Penal, fazendo com que se amplie a figura típica, de modo a abranger situações não previstas expressamente pelo tipo penal.
Entende-se, portanto, que nos casos de tentativa, quando a lei dela não fizer previsão expressa no tipo, haverá uma adequação típica de subordinação mediata ou indireta, pois que, para que se possa existir esta adequação, será necessário socorrer-se de uma norma de extensão.
Para que se possa falar em tentativa, é preciso que: a) a conduta seja dolosa, isto é, que exista uma vontade livre e consciente de querer praticar determinada infração penal; b) o agente ingresse, obrigatoriamente, na fase dos chamados atos de execução; c) não consiga chegar à consumação do crime, por circunstâncias alheias à sua vontade.
Se a tentativa é um tipo objetivamente incompleto, é, no entanto, do ângulo subjetivo, um tipo completo. De qualquer modo, para conceituar a tentativa, não basta o só desencadeamento do processo executivo de um fato, mas se exige também que de identifique a presença da vontade voltada na direção do resultado, que é a mesma do crime consumado.
Podemos distinguir a tentativa perfeita da imperfeita. Fala-se em tentativa perfeita, acabada ou crime falho, quando o agente esgota, segundo o seu entendimento, todos os meios que tinha ao seu alcance a fim de chegar à consumação da infração penal, que somente não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. Diz-se imperfeita ou inacabada, a tentativa em que o agente é interrompido durante a prática dos atos de execução, não chegando, assim, a fazer tudo aquilo que intencionava, visando consumar o delito.
Não há possibilidade de falar-se em tentativa de contravenção penal, uma vez que a lei que rege a matéria, considerada especial em relação ao Código Penal, dispõe de modo diverso em seu artigo 4º, asseverando não ser punível a tentativa de contravenção.
Podemos falar que o crime admite tentativa toda vez que pudermos fracionar o iter criminis.
Crimes habituais: são delitos que, para se chegar à consumação, é preciso que agente pratique, de forma reiterada e habitual, a conduta descrita no tipo. Ou o agente comete a série de condutas necessárias e consuma a infração penal, ou o fato por ele levado a efeito é atípico. Embora seja essa a posição majoritária, não podemos descartar a hipótese de tentativa. Isso porque poderá o agente ter dado início à cadeia dos atos que, sabidamente, seriam habituais, quando é impedido de continuar a exercer o comportamento proibido pelo tipo, por circunstâncias alheias à sua vontade.
Crimes preterdolosos: fala-se em preterdolo quando o agente atua com dolo na sua conduta e o resultado agravador advém da culpa. Ou seja, há dolo na conduta e culpa no resultado; dolo no antecedente e culpa no conseqüente. Os crimes preterdolosos são delitos que, obrigatoriamente, para sua consumação, necessitam de um resultado naturalístico. Se não houver esse resultado, não há falar em crime culposo.
Crimes culposos: aqui o agente não atua dirigindo sua vontade a fim de praticar a infração penal, somente ocorrendo o resultado lesivo devido ao fato de ter agido com negligência, imprudência ou imperícia. Não se fala, portanto, em tentativa de crimes culposos, uma vez que se não há vontade dirigida à prática de uma infração penal não existirá a necessária circunstância alheia impeditiva de sua consumação. Não se cogita, não se prepara e não se executa uma ação dirigida a cometer um delito culposo. Contudo, a doutrina costuma excepcionar essa regra dizendo que na chamada culpa imprópria, prevista no § 1º do artigo 20 do Código Penal, que cuida das discriminantes putativas, pode-se cogitar de tentativa, haja vista que o agente, por questões de política criminal, responde pelas penas relativas a um delito culposo.
Há crimes nos quais a simples prática da tentativa é punida com as mesmas penas do delito consumado, v. g., artigo 352 do Código Penal – evasão mediante violência contra a pessoa.
Crimes unissubsistentes: são os crimes nos quais a conduta do agente é exaurida num único ato, não se podendo fracionar o iter criminis.
Crimes omissivos próprios: nessa modalidade de infração penal, ou o agente não faz aquilo que a lei determina e consuma a infração, ou atua de acordo com o comando da lei e não pratica qualquer fato típico.
Diz-se complexo o crime quando numa mesma figura típica há fusão de dois ou mais tipos penais. Pela definição podemos concluir que o latrocínio, sendo uma modalidade qualificada do delito de roubo, é um crime complexo.
Para Hungria, na subtração consumada e homicídio tentado, haveria aqui uma tentativa de homicídio qualificado. Fragoso e Noronha, analisando a mesma situação discordam, entendem que, havendo uma subtração consumada e um homicídio tentado, resolve-se pela tentativa de latrocínio.
Quando há homicídio consumado e subtração tentada surgem três correntes: a) a primeira delas (Frederico Marques) entende que houve um latrocínio tentado em virtude de ser um crime complexo; b) a segunda posição, encabeçada por Hungria, conclui que deve o agente responder tão-somente por homicídio qualificado, ficando afastada a punição pela tentativa de subtração; c) a terceira e majoritária posição, adotada pelo Supremo Tribunal Federal, basta que tenha ocorrido o resultado morte para que se possa falar em latrocínio consumado, mesmo que o agente não consiga levar a efeito a subtração patrimonial – Enunciado n.º 610 da Súmula da Corte Suprema: há crime de latrocínio quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.
Fala-se em tentativa branca ou incruenta quando o agente, não obstante ter-se utilizado dos meios que tinha ao seu alcance, não consegue atingir a pessoa ou a coisa contra a qual deveria recair sua conduta.
Importante frisar que a tentativa branca, para que possamos concluir por alguma infração penal é preciso que se pesquise o dolo do agente. É necessário que, juntamente com a análise do conjunto probatório para identificação do dolo do agente, seja feita a seguinte indagação: a conduta do agente era dirigida finalisticamente a quê? Somente depois de respondida esta pergunta é possível imputar ao agente a prática de uma infração penal.
Para solucionar o problema da punição da tentativa, surgiram basicamente duas teorias: a subjetiva e a objetiva.
Segundo a teoria subjetiva, o agente que deu início aos atos de execução de determinada infração penal, embora, por circunstâncias alheias à sua vontade, não tenha alcançado o resultado inicialmente pretendido, responde como se a tivesse consumado. Basta, como se vê, que a sua vontade seja dirigida à produção de um resultado criminoso qualquer, não importando se efetivamente ele venha ou não ocorrer.
Já a teoria objetiva, adotada pelo Código Penal, entende que deve existir uma redução da pena quando o agente não consiga, efetivamente, consumar a infração penal. Tal regra, contudo, sofre exceções, como no caso em que o legislador pune a tentativa com as mesmas penas do crime consumado, prevendo-a expressamente no tipo. Não se fala em redução da pena nos moldes previstos no parágrafo único do artigo 14 do Código Penal, uma vez que a tentativa foi equiparada ao crime consumado. Por essa razão é que podemos concluir que o Código Penal adotou a teoria objetiva temperada, moderada ou matizada.
Em algumas ocasiões entendeu por bem o legislador punir a tentativa como se fora delito autônomo, deixando, assim, de ocorrer a adequação típica de subordinação mediata, como a aplicação da norma de extensão contida no artigo 14, inciso II do Código Penal, passando-se àquela de subordinação imediata ou direta.
Conforme redação do parágrafo único do artigo 14 do Código Penal, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.
O percentual de redução não é meramente opção do legislador, livre de qualquer fundamento. Assim, visando trazer critérios que possam ser aferidos no caso concreto, evitando decisões arbitrárias, entende a doutrina que quando mais próximo o agente chegar à consumação da infração penal, menor será o percentual de redução; ao contrário, quando mais distante o agente permanecer da consumação do crime, maior será a redução.
Rogério Greco entende ser o dolo eventual completamente incompatível com a tentativa. Para o autor, a própria definição do conceito de tentativa impede de reconhecê-la nos casos em que o agente atua com dolo eventual. Acrescenta que quando o Código Penal, em seu artigo 14, inciso II, diz ser o crime tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, estar a induzir, mediante a palavra vontade, que a tentativa somente será admissível quando a conduta do agente for finalísitca e diretamente dirigida à produção de um resultado, e não nas hipóteses em que somente assuma o risco de produzi-lo, nos termos propostos pela teoria do assentimento. Defende que o artigo 14, inciso II do Código Penal adotou, para fins de reconhecimento do dolo, tão-somente a teoria da vontade.

Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz
Na primeira parte do artigo 15 do Código Penal encontramos a chamada desistência voluntária. A primeira ilação que se extrai desse artigo é que, para que se possa falar em desistência voluntária, é preciso que o agente já tenha ingressado na fase dos atos de execução. Caso ainda se encontre praticando os atos preparatórios, sua conduta será considerada um indiferente penal.
Na desistência voluntária o agente interrompe, voluntariamente, os atos de execução, impedindo, por ato seu, a consumação da infração penal, razão pela qual a desistência voluntária também é conhecida por tentativa abandonada.
Impõe a lei penal que a desistência seja voluntária, mas não espontânea. Isso quer dizer que não importa se a idéia de desistir no prosseguimento da execução criminosa partiu do agente, ou se foi ele induzido a isso por circunstâncias externas que, se deixadas de lado, não o impediriam de consumar a infração penal.
Muito embora satisfaça somente o requisito da voluntariedade para se caracterizar a desistência, é preciso saber exatamente como identificar a sua ocorrência.
Com o escopo de resolver esse problema, a fim de se distinguir quando do agente desistiu voluntariamente d quando não chegou a consumar o crime por circunstâncias alheias a sua vontade, deve-se aplicar ao caso concreto a chamada “Fórmula de Frank”. Na análise do fato, e de maneira hipotética, se o agente disse a si mesmo “posso prosseguir, mas não quero”, será o caso de desistência voluntária, porque a interrupção da execução ficará a seu critério, pois ainda continuará sendo o senhor de suas decisões; se, ao contrário, o agente disser “quero prosseguir, mas não posso”, estaremos diante de um crime tentado, uma vez que a consumação só não ocorrera em virtude de circunstâncias alheias à vontade do agente.
Depois que o agente desistiu de prosseguir na execução, deve-se verificar qual ou quais infrações penais cometeu até o momento da desistência, para que, nos termos da parte final do artigo 15 do Código Penal, por elas possa responder.
A finalidade desse instituto é fazer que com que o agente jamais responda pela tentativa. Isso quer dizer que se houver desistência voluntária o agente não responderá pela tentativa em virtude de ter interrompido, voluntariamente, os atos de execução que o levariam a alcançar a consumação da infração penal por ele pretendida inicialmente. Ao agente é dado do benefício legal de, se houver desistência voluntária, somente responder pelos atos já praticados, isto é, será punido por ter cometido aquelas infrações penais que antes eram consideradas delito-meio, para a consumação do delito-fim.
Situação sempre apontada pela doutrina é aquela que diz respeito ao agente que, possuindo um único projétil em sua arma de fabricação caseira, dispara-o, agindo com dolo de matar, contra o seu desafeto e, por circunstâncias alheias à sua vontade, atinge-o em região não letal. A pergunta que se faz, in casu, é: o agente poderia alegar desistência voluntária, respondendo somente pelas lesões por ele já praticadas?
Como se percebe, o agente, depois de efetuar seu único disparo possível, esgotou seus atos de execução, razão pela qual ficará afastada a possibilidade de ser alegada desistência voluntária, haja vista que este necessita, para ser argüida, que o agente ainda esteja praticando, ou, pelo menos, possa praticá-los.
Fala-se em arrependimento eficaz quando o agente, depois de esgotar todos os meios de que dispunha para chegar à consumação da infração penal, arrepende-se e atua em sentido contrário, evitando a produção do resultado inicialmente por ele pretendido.
Quanto à natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, Hungria entende serem causas de extinção da punibilidade não previstas no artigo 107 do Código Penal. Em sentido contrário, Frederico Marques concluiu que é o caso de atipicidade do fato, uma vez que o legislador retirou a possibilidade de ampliação do tipo penal com norma de extensão relativa à tentativa (artigo 14, inciso II do CP).
Para diferenciar os institutos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, deve-se observar que, na primeira, o processo de execução do crime ainda está em curso; por outro lado, no arrependimento eficaz, a execução já foi encerrada.
Embora o agente tenha voluntariamente desistido de prosseguir na execução ou, mesmo depois de tê-la esgotado, atua no sentido de evitar a produção do resultado, se este vier a ocorrer, o agente não será beneficiado com a desistência voluntária ou com o arrependimento eficaz.

Fonte: Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rogério Greco.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Interpretação das Normas Constitucionais

A interpretação da norma jurídica consiste na atividade intelectual que tem por finalidade preeminente tornar possível a aplicação de enunciados normativos, abstratos e gerais, a situações da vida, particulares e concretas. Envolve um conjunto de métodos desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência com base em critérios ou premissas (filosóficas, metodológicas, epistemológicas) diferentes, mas, em geral, reciprocamente, complementares.
Interpretar é, portanto, reconstituir o conteúdo da lei, elucidá-lo de modo a operar-se uma restituição de sentido ao texto; é a operação pela qual se atribui um sentido ao texto.
A interpretação constitucional pressupõe a ocorrência, no texto da Constituição, de preceito (disposição, formulação, forma lingüística) e de norma (regra jurídica contida no preceito).
As regras gerais de interpretação das leis são aplicáveis ao Direito Constitucional.
Nesse sentido, fala-se em interpretação declarativa, restritiva e extensiva; interpretação gramatical, lógica ou racional, histórica, sistemática e teleológica. A interpretação declarativa é implementada quando há concordância entre o signo de linguagem e o significado a ele atribuído. A interpretação restritiva ocorre quando o legislador, a despeito de haver exprimido em forma genérica e ampla, quis referir-se a uma classe de relações. A interpretação extensiva visa corrigir uma formulação estreita em demasia.
No âmbito do Direito Constitucional, a denominada interpretação autêntica (a que é feita pelo próprio órgão que emanou o ato normativo) só é viável quando uma nova lei constitucional, mediante processo de revisão ou emenda, vier a fixar ou esclarecer o sentido do preceito constitucional. Não se aceita a interpretação autêntica se feita pelo legislador ordinário, pois não lhe cabe fixar o sentido de uma norma constitucional, mesmo porque uma lei interpretativa da Constituição poderia conter uma interpretação infraconstitucional.
A interpretação lógica ou racional conta com as seguintes técnicas: a) mediante raciocínios lógicos estuda-se a norma, analisando os vários termos da lei, combinando-os entre si, como o objetivo de atingir uma perfeita compatibilidade; b) a ratio legis consagra, necessariamente, os valores jurídicos dominantes e deve prevalecer sobre o sentido literal da lei, quando em oposição a este.
A interpretação histórica oferece as seguintes técnicas para a sua utilização: a) pesquisa de documentos históricos como projetos e anteprojetos de lei, mensagens e exposição de motivos, debates parlamentares, pareceres, relatórios, votos, emendas e justificações; b) pesquisa de fatos e circunstâncias que deram origem à lei, motivos econômicos e razões políticas; c) pesquisa a história do Direito anterior, especialmente, a evolução dos institutos jurídicos; d) essas pesquisas são consideradas como subsídios para se descobrir as razões históricas da lei.
A interpretação sistemática utiliza as seguintes técnicas: a) examina a norma na íntegra e também todo o Direito; b) é preciso comparar o dispositivo legal com outros afins, que compõem o mesmo instituto jurídico, e com outros referentes a institutos análogos; c) deve-se confrontar a norma com outras normas de igual ou superior hierarquia, com os Princípios Gerais do Direito, com o Direito Comparado, enfim, com o conjunto do sistema; d) resumindo, deve-se descobrir o espírito do sistema e captar o sentido da norma adaptada a esse espírito; e) chama a atenção para a supremacia constitucional como também para a hierarquia existente entre leis quando se vai solucionar problemas de conflitos e antinomias; f) deve-se observar sempre a coerência e a harmonia do sistema legal.
O Direito Constitucional possui, no entanto, princípios específicos de interpretação, em virtude da singularidade das normas constitucionais, traduzida, principalmente, pelo poder constituinte, criador da Constituição, e pelo processo de sua revisão (as Constituições rígidas demandam processo especial e mais difícil para sua alteração do que o previsto para a elaboração das leis ordinárias).
O ato de interpretação da Constituição suscita, desse modo, a abordagem de dois pontos: a especificidade dessa interpretação e o caráter político das normas constitucionais.
Destaque-se que, segundo Peter Härbele, a teoria da interpretação constitucional tem colocado duas questões essenciais: a indagação sobre as tarefas e os objetivos daquela interpretação, e sobre os métodos (processos de interpretação constitucional e regras da interpretação). O objeto da interpretação constitucional é a determinação dos significados das normas que integram a Constituição formal e material do Estado. Essa interpretação pode assumir duas modalidades: a) a da aplicação direta da norma constitucional para reger uma situação jurídica; b) ou a operação do controle de constitucionalidade de uma norma infraconstitucional com a Constituição, notando-se que, nesse último caso, a norma não vai ser aplicada a qualquer caso concreto, mas funciona como paradigma em face do qual se vai aferir a validade formal ou material de uma lei inferior.
De outra parte, se as normas constitucionais reclamam concretização, deve-se conferir maior liberdade ao intérprete para concretizar os princípios nela contidos, de fora que se possa até mesmo determinar, nessas circunstâncias, o conteúdo material da Constituição, sem que isso signifique operar alterações radicais no seu texto, mesmo porque a atividade interpretativa somente adquirirá legitimidade se compatível com os parâmetros do Estado Democrático do Direito.
A metódica estrutura de Müller se constrói em torno do conceito-chave de concretização, ou seja, o procedimento pelo qual se parte do texto da Constituição para se chegar à regulação concreta da realidade. Consoante ele, a tarefa da prática do direito constitucional consiste na concretização da Constituição através do estabelecimento de textos de normas e da atualização das normas jurídicas pela atuação legislativa, administrativa e governamental, bem como da atividade jurisdicional, onde se devem determinar os conteúdos possível das normas dentro dos limites postos pelo texto constitucional. Assim, uma decisão jurídica consiste na aplicação de uma norma jurídica concretizada.
A concretização da norma ocorre em dois momentos: no primeiro, através da interpretação do texto é demarcado o programa da norma, cuja função é fixar os limites nos quais da decisão pode ser licitamente proferia. Uma vez delimitado o programa da norma, a atividade de concretização prossegue, no segundo momento, através da identificação do âmbito da norma, o qual deve ser identificado empiricamente, pois é nele que estão compreendidos os fatos relevantes para a questão de direito, ou seja, a estrutura fundamental do setor da realidade selecionado pela norma.
Para Alexy uma decisão jurídica consiste no resultado de um processo argumentativo regulado pelas regras da razão prática. O jurista deve respeitar o denominado código da razão prática, isto é, um conjunto de regras procedimentais sobre a construção de discursos de justificação das decisões e pautas normativas que garante um mínimo de racionalidade nas conclusões obtidas.
Apesar da existência de pontos inconciliáveis em seus pensamentos, ambos os autores rejeitam a tese de que a aplicação do direito pode ser descrita em termos exclusivamente lógicos, porquanto os enunciados jurídicos não possuem significado dado de antemão, mas assumem uma perspectiva construtivista. Desse modo, o intérprete também cria direito ao decidir como vai ser resolvido um problema jurídico.
Na esteira dessa viragem hermenêutica – mesmo sob o risco de comprometer os valores fundamentais da estabilidade e da segurança jurídica – vem crescendo o número de juristas que já admitem substituir a interpretação da lei pela concretização do direito, trocando a invocação do passado pela antecipação do futuro: são as denominadas posições não interpretativistas, que se às interpretativistas, estas considerando que os juízes, ao interpretarem a Constituição, devem limitar-se a captar o sentido dos preceitos nela expressos, ou tidos como claramente implícitos.
Trata-se, por outras palavras, da interpretação evolutiva, considerada como processo informal de mudança da Constituição, e que possibilita a atribuição de novos conteúdos às normas constitucionais, sem alterar seu teor literal, em decorrência de mudanças históricas ou fatores sociais e políticos posteriores ao momento histórico em que o texto constitucional foi elaborado. A interpretação evolutiva se materializa também mediante a aplicação de normas constitucionais que utilizam conceitos indeterminados.
Nesta ordem de idéias, o Tribunal Constitucional, na sua competência de interpretar e aplicar, em caráter definitivo, a Constituição, estaria situado acima da tradicional repartição dos poderes estatais, mesmo porque sua atividade interpretativa se desenvolveria em torno de enunciados abertos, indeterminados, polissêmicos, como são as normas constitucionais.
O relacionamento do Direito com a moral foi redimensionado pela hermenêutica, especialmente com o advento do neopositivismo, que consiste na proposta teoria de superação da clássica antinomia entre o jusnaturalismo e o juspositivismo, a partir da interface entre a Filosofia do Direito e da Filosofia Política, com áreas de investigação de questões pertinentes à ordem jurídica legítima. Outro elemento que tem contribuído para a crítica da concepção estritamente jurídica da Teoria do Direito, assim estendido no positivismo analítico de Herbert Hart e no positivismo normativo de Hasn Kelsen, é a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, por meios dos trabalhos de Ronald Dworkin, Chaïm Perelman e Robert Alexy, com o objetivo de enfatizar a importância dos princípios gerais de direito, refletir sobre o papel desempenhado pela hermenêutica jurídica e a relevância da perspectiva argumentativa na compreensão do funcionamento do direto nas sociedades democráticas contemporâneas.
A Teoria da Integridade do Direito, como integridade, elaborada por Dworkin, parte implicitamente do tema da incerteza e procura delinear uma solução netura e apolítica (no sentido de não determinada por específicas policies). Vai à procura de critérios e de uma metodologia para resolver controvérsia jurídica sem remeter a decisão à personalidade ou à ideologia de cada Juiz.
Empurrado pela repulsa à politização do Direito, vista como elemento que comprometeria sua cientificidade que caracteriza toda a tradição jurídica ocidental, Dworkin afirma que as Cortes não devem basear suas decisões nas policies. Podem, ou melhor, devem remeter-se exclusivamente a normas e princípios. Esses últimos são fundamentais, porque permitem aos Juízes individuar os casos difíceis (hard cases), isto é, aqueles casos impossíveis de resolver com base em uma norma sem cometer uma injustiça, e dão indicações de como resolvê-los.
Abandonando a distinção entre regas e princípios, pois com a idéia de integridade uma norma jurídica poderá ser tratada como regra ou como princípio, Dworkin chega a comparar a interpretação jurídica a um romance em cadeia, segundo o qual cada momento histórico seria um capítulo do romance maior, cabendo ao Juiz dar um nexo lógico ao capítulos, pois se o Direito é visto como integridade (a interpretação deve buscar compatibilizar os princípios adequados ao caso concreto, a história institucional e o Direito vigente) deve ser considerado como uma cadeia lógica de peças.
Segundo a hermenêutica constitucional na sociedade pluralista de nosso tempo, mostra Peter Härbele que a interpretação constitucional é uma atividade que, potencialmente, diz respeito a todos, e não a um evento exclusivamente estatal. O cidadão que formula um recurso constitucional é intérprete da Constituição. Essa problematática hermenêutica decorreu da constitucionalização dos direitos fundamentais, positivados nos textos constitucionais como verdadeiras “Cartas de Cidadania” e não apenas catálogos de normas organizatórias do Estado e de suas competências, vertidos em estruturas normativas abertas de indeterminadas a reclamarem interpretação e aplicação dos princípios constantes da parte dogmática das Constituições.
Habermas, que reintroduziu a noção de sociedade aberta aos intérpretes da Constituição de Peter Häberle, afirma que o processo democrático de criação do Direito, nele incluída a interpretação, seria o único modo de conceder-lhe legitimidade. O cidadão não seria mero destinatário de bens, mas deve ser visto como autor de seu Direito. Entende que é no momento em que o cidadão passa a se ver não só como destinatário, mas como autor de seu direito que passa a se reconhecer como membro em liberdade e em igualdade com os demais membros de uma sociedade, interagindo e influenciado as decisões políticas.
Tem-se que, do mesmo modo que Häberle, Habermas acentua a importância das Cortes Constitucionais, mas destaca o papel relevante que elas devem exercer, ou seja, entendera si mesma como guardião de um processo de criação democrática do direito, e não como protetora de uma pseudo-ordem suprapositiva de valores substanciais.
A corrente não interpretativa deixa de consagrar o subjetivismo, e não traz insegurança ou incerteza quanto ao Direito Constitucional, suas formas, institutos, técnicas e conceitos, mesmo porque a atividade de interpretação da Constituição encontra limites na opinião pública e no devido processo legal.
A interpretação da Constituição, segundo Canotilho, é um conjunto de métodos desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência, com base em critérios ou premissas (filosóficas, metodológicas, epistemológicas) diferentes, mas, em geral, reciprocamente complementares. Esses métodos são: a) método jurídico, que parte da consideração de ser a Constituição uma lei, que pode e deve ser interpretada utilizando-se os cânones ou regras tradicionais da hermenêutica; b) método tópico-problemático, que parte das seguintes premissas: caráter prático da interpretação constitucional, pois procura resolver os problemas concretos; caráter aberto, fragmentário ou indeterminado da norma constitucional; preferência pela discussão do problema em virtude da abertura daquela norma; c) método hermenêutico-concretizador, teorizado por Konrad Hesse, pelo qual a leitura de um texto constitucional inicia-se pela pré-compreensão do seu sentido através do intérprete, a quem cabe concretizar a norma para e a partir de uma situação histórica concreta. Este método procura realçar os aspectos subjetivos e objetivos da atividade interpretativa, isto é, a atividade criadora do intérprete e das circunstâncias em que se desenvolve essa atividade, promovendo uma relação entre texto e contexto, transformando a interpretação em movimento de ir e vir (círculo hermenêutico); d) método científico-espiritual, em que a interpretação da Constituição deve levar em conta a ordem ou o sistema de valores subjacentes ao texto constitucional, bem como o sentido e a realidade que ela possui como elemento do processo de interpretação; e) método normativo-estruturante, pelo qual o intérprete-aplicador deve considerar e trabalhar com dois tipos de elementos de concretização: um formado pelos elementos resultantes da interpretação do texto da norma, e o outro resultante da investigação do referente normativo – por outras palavras, o texto e a realidade social que este visa conformar.
Carlos Maxmiliano formulou algumas regras de interpretação da Constituição extraídas, sobretudo, de constitucionalistas norte-americanos:
I) o Código fundamental tanto prevê no presente como prepara o futuro. Por isso, ao invés de se ater a uma técnica interpretativa exigente e estreita, procura-se atingir um sentido que torna efetivos e eficientes os grandes princípios de governo e não os que contrarie ou reduza a inocuidade;
II) forte é a presunção da constitucionalidade de um ato ou de uma interposição, quando data de grande número de anos, sobretudo se foram contemporâneos da época em que a lei fundamental foi votada;
III) todas as presunções militam a favor da validade de um ato, legislativo ou executivo, até que a violação da Constituição seja provada de maneira que não reste a menor dúvida razoável;
IV) sempre que for possível sem fazer demasiada violência às palavras, interprete-se a linguagem da lei com reservas tais que se torne constitucional a medida que ela institui, ou disciplina;
V) quando a nova Constituição mantém alguns de seus artigos, a mesma linguagem da antiga, presume-se que se pretendeu não mudar a lei nesse particular, e a outra continua em vigor, isto é, aplica-se à atual interpretação aceita para a anterior.
VI) quando a Constituição confere poder geral ou prescreve dever franqueia também, implicitamente, todos os podres particulares, necessários para o exercício de um, ou o cumprimento do outro;
VII) quando o estatuto fundamental define as circunstâncias em que um direito pode ser exercido, ou uma pena aplicada, esta especificação importa proibir implicitamente qualquer interferência legislativa para sujeitar o exercício do direito a condições novas ou estender a outros casos a penalidade;
VIII) a prática constitucional longa e uniformemente aceita pelo Poder Legislativo, ou pelo Executivo, tem mais valor para o intérprete do que as especulações engenhosas dos espíritos concentrados;
IX) interpretam-se estritamente os dispositivos que instituem exceções às regras gerais firmadas pela Constituição;
X) a Constituição é a lei suprema do país, contra a sua letra, ou espírito, não prevalecem resoluções dos poderes federais, constituições, decretos ou sentenças federais, nem tratados, ou quaisquer outros atos diplomáticos.
Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto fixam os traços ou notas caracterizadoras de uma técnica de interpretação das normas constitucionais:a) inicialidade permanente à formação originária do ordenamento jurídico, em grau de superioridade hierárquica. O intérprete da Constituição não deve buscar diretrizes ou parâmetros na legislação infraconstitucional, mas no próprio texto constitucional; b) conteúdo marcadamente político, visto ser a Constituição o estatuto jurídico do fenômeno político; c) estrutura de linguagem caracterizada pela síntese e coloquialidade; d) predominância das chamadas normas de estrutura, tendo por destinatário habitual o próprio legislador.
Outras regras de interpretação constitucional: I) na interpretação constitucional deve prevalecer o conteúdo teleológico da Constituição; II) a finalidade suprema e última da norma constitucional é a proteção e a garantia da liberdade e dignidade do homem; III) a interpretação da lei fundamental deve orientar-se, sempre, para esta meta suprema; IV) em caso de aparente conflito entre a liberdade e o interesse do governo, aquela deve prevalecer sempre sobre este último; V) o fim último do Estado é exercer o mandato dentro de seus limites; VI) deve-se dar ênfase ao método histórico, que acentua a importância em recorrer às atas de outros documentos contemporâneos para a formulação da Constituição; VII) quando a Constituição confere um poder em termos gerais, prescreve um dever, outorga, implicitamente, todos os poderes particulares (implied powers) necessários ao exercício desse poder e ao cumprimento dessa obrigação; VIII) os Tribunais só podem declarar a inconstitucionais os atos de outros poderes, quando o vício é manifesto e não dá lugar a dúvidas.
Inocêncio Mártires Coelho arrola os princípios de interpretação constitucional que devem ser aplicados conjuntamente, como condição indispensável a que o ato de interpretação constitucional se reveste em toda a sua extensão e complexidade:
a) princípio da unidade da Constituição: as normas constitucionais devem ser consideradas não como normas isoladas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de regras e princípios;
b) princípio do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deve-se dar primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política;
c) princípio da máxima efetividade;
d) princípio da conformidade funcional: o órgão encarregado da interpretação constitucional não pode chegar a resultados que subvertam ou perturbem o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido;
e) princípio da concordância prática ou da harmonização: os bens constitucionalmente protegidos, em caso de conflito ou concorrência, devem ser tratados de maneira que a afirmação de um não implique o sacrifício de outro;
f) princípio da força normativa da Constituição: na interpretação constitucional deve-se dar primazia às soluções que, densificando as suas normas, as tornem eficazes e permanentes;
g) princípio da interpretação conforme a Constituição.
São pautas de uma nova hermenêutica, isto é, a participação criativa, participativa e construtiva, em harmonia adequada com os direitos fundamentais e a realidade social, as seguintes: concretização, princípio da proporcionalidade, teoria estruturante do direito, princípios gerais do direito convertidos em princípios constitucionais e colocados no vértice da pirâmide normativa, dimensão objetiva dos direitos fundamentais, a acolher novas gerações de direitos, e expansão horizontal do Direito Constitucional, abarcando todos os ramos da Ciência Jurídica.
Não se pode deixar de mencionar, no domínio da interpretação constitucional, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade.
O princípio objetiva conter o arbítrio e viabilizar a moderação no exercício do poder, tendo em vista a proteção dos indivíduos. Assim, os atos do Poder Público devem ser adequados e proporcionais relativamente às situações que visem atender.
Se no domínio da atividade administrativa, o princípio da proporcionalidade visa controlar a compatibilidade dos atos da administração com os interesses coletivos tutelados, e a sua compatibilidade, diante das restrições aos direitos dos administrados, no âmbito da atividade legislativa, o princípio, também conhecido como princípio da proibição do excesso, deve ser usado como parâmetro de controle da constitucionalidade, para impedir que o legislador estabeleça restrições desproporcionais, editando leis caprichosas, desarrazoadas e lesivas aos cidadãos. O poder de legislar não pode, desse modo, ir até o abuso, o excesso, o desvio.
Por tudo isso, no âmbito da interpretação constitucional, o Poder Judiciário deve verificar, quando da aplicação do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, se a norma , para se conformar ao princípio: 1) revela-se apta para os fins a que se destina, ou seja, mostre-se adequada; 2) seja menos gravosa possível para que se atinjam tais fins; 3) cause benefícios superiores às desvantagens que proporciona. Destas características do princípio da proporcionalidade decorrem os subprincípios denominados pela doutrina alemã de adequação, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação, conhecida como subprincípio da idoneidade, pertinência, conformidade ou aptidão, significa que a medida deve ser adequada aos motivos que a impulsionaram e às finalidades que persegue.
A necessidade, também denominada de subprincípio da exigibilidade, proibição do excesso, intervenção mínima indispensabilidade, quer dizer que a conduta estatal não deve exceder a imprescindível para a realização do fim jurídico a que se propõe.
A proporcionalidade em sentido estrito implica no sopesamento dos interesses em jogo, isto é, a ponderação das tensões entre os princípios em concorrência: pesa-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins.
Constitui ainda princípio específico da atividade de interpretação constitucional o da presunção da constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público que se traduz em duas regras de observância necessária pelo intérprete e aplicador do direito: a) não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou possibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade; b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras que carreavam para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor, diluindo-se então o princípio da interpretação conforme a Constituição.
No âmbito da interpretação da Constituição, José Afonso da Silva fala numa hermenêutica contextual, aduzindo que não se tem levando em consideração a importância do contexto sobre o sentido da Constituição e, reciprocamente, desta sobre o contexto em que ela se situa. É pela hermenêutica contextual que se descobre que duas passagens semelhantes, dentro da mesma Constituição, podem ter sentidos diversos, consoante o lugar que ocupam relativamente ao teto como um todo. Aqui se tem que o contexto intrínseco (ou contexto interno) é que indica ao intérprete o sentido de uma norma dentro de uma estrutura normativa específica dentro da totalidade normativa da Constituição.
O contexto intratexto consiste na relação entre as partes e o todo, entre as normas e o conjunto de normas e entre estes e a Constituição como um todo unitário. É esse contexto que dá fundamento e operatividade à interpretação sistemática, porque é dele que decorrem os dois grandes princípios da hermenêutica constitucional, o princípio da unidade da Constituição e o princípio da coerência das normas da Constituição.
O contexto intratexto (não é inteiramente externo ao objeto a interpretar, pois este também o integra) consiste na relação entre as partes e o todo, unitário. O contexto extratexto refere-se a toda a realidade lingüística e não-lingüística, normativa e não-normativa, em que se insere a Constituição. Refere-se, em síntese, a todos os eventos e acontecimentos que se movem em torno da Constituição.
Destaca-se, também, na interpretação da Constituição, o princípio da auto-referência: à falta de definição constitucional ou pré-jurídica, os conceitos são extraídos das fórmulas operacionais, tal como postas no sistema da Constituição. O sentido das disposições constitucionais não se encontra na lei, mas na Constituição.
Destaque-se, no âmbito da interpretação da Constituição, o mecanismo denominado de ponderação de bens ou valores, utilizado para a solução de tensões ou conflitos entre normas. Busca-se, com isso identificar, na hipótese de colisão entre pelo menos dois princípios constitucionais, qual bem jurídico deverá ser tutelado.
Para tanto, a atividade do intérprete terá por finalidade delinear o que se denomina de topografia do conflito, a qual exige que se esclareçam dois pontos: a) se e em que medida a área ou esfera de um direito (âmbito normativo) se sobrepõe à esfera de um outro direito também normativamente protegido; b) qual o espaço que resta aos dois bens conflitantes para além da zona de sobreposição. E na realização da ponderação de bens ou valores constitucionais, essencial é a utilização do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, por ser ele que possibilitará a identificação do desvalor de alguns interesses invocados como dignos de proteção em conflito com outros.
O Supremo Tribunal Federal, em hipótese envolvendo ponderação de valores entre a incolumidade do patrimônio jurídico da vítima e a privacidade do ofendido, decidiu no sentido da prevalência deste último.
De se destacar, dentre os princípios constitucionais materiais o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 3º, inciso III), considerado como o núcleo axiológico do Estado Democrático de Direito pautado pelos direitos fundamentais. A dignidade humana refere-se não só à liberdade e valores do espírito, quanto às condições mínimas materiais de subsistência, aí considerados os direitos à renda mínia, saúde, educação fundamental e acesso à Justiça.
Necessária a consideração de que a atividade do intérprete não é absoluta. Inadmite-se que ele, ao mudar o sentido da norma constitucional, possa vir a mudar o texto. Assim, embora, em princípio, a interpretação constitucional caracterize um processo informal de mudança do sentido da Constituição, essa atividade encontra limites, pois se devem preservar os princípios estruturais (políticos e jurídicos) da Constituição.

Fonte: Direito Constitucional. Kildare Gonçalves Carvalho.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Vícios do Negócio Jurídico: Simulação

Simular é fingir, mascarar, camuflar, esconder a realidade. Juridicamente, é a prática de ato ou negócio que esconde a real intenção. A intenção dos simuladores é encoberta mediante disfarce, parecendo externamente negócio que não é espelhado pela vontade dos contraentes.
As partes não pretendem originalmente o negócio que se mostra à vista de todos; objetivam tão-só produzir aparência. Trata-se de declaração enganosa de vontade.
A características fundamental do negócio simulado é a divergência intencional entre a vontade e a declaração.
Na simulação, há conluio. Existe um processo simulatório; acerto, concerto entre os contraentes para proporcionar aparência exterior de negócio.
Trata-se do chamado vício social, por diferir dos vícios de vontade. Na simulação, as partes em geral pretendem criar na mente de terceiros falsa visão do pretendido.
Pode-se configurar a simulação quando existe divergência intencional entre a vontade e a declaração, emanada do acordo entre os contratantes, com o intuito de enganar terceiros. Daí a possibilidade de extrair os elementos do instituto. Há intencionalidade na divergência entre a vontade e a declaração.
A declaração de vontade é livre.
Existe, também, acordo simulatório, concerto, ajuste entre os contraentes. Nos atos unilaterais, a simulação é possível nos negócios receptícios. Quando se trata de negócio jurídico unilateral não recíproco, não há como configurar esse vício.
O conteúdo material da simulação insere-se no instrumento do simulacro, ou seja, a falsificação ou arremedo do ato. O conluio, geralmente, antecede a declaração, mas pode a ela ser contemporâneo.
Contém a simulação, igualmente, o intuito de enganar terceiros. Não se confunde o intuito de enganar com o intuito de prejudicar. Terceiros podem ser enganados, sem que sofram prejuízos. O artigo 167 do Código Civil não considera esse vício quando inexistente a intenção de prejudicar terceiros, ou violar disposições de lei.
A finalidade de enganar terceiros pode ser defender legítimo interesse ou até beneficiar terceiros. É o caso da chamada simulação inocente que se contrapõe à simulação maliciosa. O que se constitui elemento da simulação é o intuito de enganar ou iludir, e não o intuito de prejudicar, causar dano a outrem; este último elemento pode não estar presente.
Como a simulação caracteriza-se pelo conhecimento da outra parte (mancomunação, conluio), evidencia-se também a ignorância da artimanha por parte de terceiros. Distingue-se, aí, do dolo, no qual apenas uma das partes conhece o artifício malicioso, geralmente por ele engendrado. Na simulação existe dolo de ambas as partes contra terceiros.
Há simulação absoluta quando o negócio é inteiramente simulado, quando as partes, na verdade, não desejam praticar ato algum. Não existe negócio encoberto porque nada realmente existe. Não existe ato dissimulado. Existe mero simulacro de negócio.
Na simulação relativa, pelo contrário, as partes pretendem realizar um negócio, mas de forma diferente daquela que se apresenta. Há divergência, no todo ou em parte, no negócio efetivamente efetuado. Aqui, existe ato ou negócio dissimulado, oculto, que forma um complexo negocial único. Desmascarado o ato simulado pela ação de simulação, aflora e prevalece o ato dissimulado, se não for contrário à lei nem prejudicar terceiros. Esse é, aliás, o sentido expresso no artigo 167 do Código Civil.
Há simulação sobre a natureza do negócio quando as partes simulam doação, mas, na verdade, realizam compra e venda. Há simulação do conteúdo do negócio quando, por exemplo, se coloca preço inferior ao real em compra e venda, para se recolher menos imposto, ou quando se altera a data do documento para acomodar interesses dos simulantes. Finalmente, há simulação sobre a pessoa participante do negócio quando o ato vincula outras pessoas que não os partícipes do negócio aparente; quando, na compra e venda, por exemplo, é um “testa de ferro” que aparece como alienante ou adquirente.
O negócio jurídico simulado forma, com a relação jurídica dissimulada, parte de um todo, um procedimento simulatório. Daí por que, com a ação de simulação, desmascarado o defeito, valerá o negócio dissimulado, desde que não contrarie a lei ou prejudique terceiros ou seja válido na substância e na forma, como é expresso na lei civil.
Entendendo-se o procedimento simulatório, a simulação relativa inteira, a declaração de vontade simulada deverá conter os requisitos de forma exigidos à relação dissimulada.
Como todos os vícios dos negócios jurídicos, o prazo de prescrição para a ação de simulação é de quatro anos, de acordo com o artigo 178, § 9, inciso V, alínea “b” do Código Civil. No atual sistema, considerada a simulação como negócio nulo, a ação é imprescritível.
A simulação maliciosa diferencia-se da inocente sob o aspecto da boa ou má-fé dos agentes. Na simulação inocente, a declaração não traz prejuízo a quem quer que seja, sendo, portanto, tolerada. Na simulação maliciosa, existe intenção de prejudicar por meio do processo simulatório.
A simulação inocente, enquanto tal, não leva à anulação do ato porque não se traz prejuízo a terceiros. O ordenamento não a considera defeito. O novo Código Civil, ao contrário do anterior, não aceita a alegação de simulação inocente pelos agentes, porque a simulação como vício se situa no plano de nulidade.
A doutrina tem entendido que, para a configuração da simulação maliciosa, não é necessário o resultado constante do prejuízo a terceiros. Basta mera possibilidade de esse prejuízo ser ocasionado. Tal interpretação é escudada na lei, que se refere apenas à intenção de prejudicar. Não havendo tal intenção, mas ocorrendo o prejuízo ou possibilidade de sua existência, o ato não poderá ser anulado. Protege-se, em síntese, a boa-fé objetiva.
Quando a simulação fere dispositivo legal, por força do artigo 3º da Lei de Introdução do Código Civil, pelo qual “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, não se pode utilizar o mesmo raciocínio. Nesta última hipótese, pode haver casos em que, ainda que não haja intenção de infringir a lei, a simulação seja ilícita, passível de anulação.
Na simulação maliciosa, os terceiros prejudicados ou o representante do Poder Público podem pleitear a anulação.
A simulação não se identifica com o negócio fraudulento. A simulação traduz negócio aparente. O negócio fraudulento é visivelmente real, não é negócio aparente; é perfeitamente sério. Na fraude, pretende-se exatamente o que se declarou.
Na fraude, há violação indireta da lei, enquanto na simulação só pode ocorrer violação direta à lei, mas com estratagema de ocultação. Há violação da lei no negócio simulado, mas encoberto por manto enganador. A simulação não é meio para fraudar a lei, mas meio para ocultar sua violação.
Para fins de anulação do negócio jurídico, a simulação que atenta contra a lei é expediente fraudatório. Tal conclusão é, portanto, verdadeira quando a simulação é preordenada no sentido de burlar norma cogente, quando, então, a simulação confunde-se com a própria fraude. Nesse caso, porém, quando a destinação da simulação era burlar norma cogente, a situação deve ser tratada como ato nulo, como faz o Código Civil.
Outra atitude próxima à simulação é a reserva mental ou reticência, que ocorre quando o declarante faz a ressalva de não querer o negócio objeto da declaração. Na reserva mental, o declarante emite conscientemente declaração discordante de sua vontade real, com intenção de enganar o próprio declaratário. É diversa da simulação, porque na reserva mental a intenção de enganar é dirigida contra o próprio declaratário, não havendo acordo simulatório. Pode-se dizer, ainda que impropriamente, mas para melhor compreensão, que a reserva mental traduz “simulação unilateral”, sendo também a simulação, sob certo aspecto, uma “reserva mental bilateral”.
A reserva mental configura-se, é certo, por uma mentira do declarante. No entanto, essa mentira somente será relevante para o negócio se tiver efeitos jurídicos. Essa relevância jurídica deve permitir a anulação do negócio por parte do declaratário, que foi induzido maliciosamente em erro (dolo).
Segundo o artigo 110 do Código Civil, “a manifestação de vontade subsiste ainda que seu ator haja feito reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”.
A idéia é de que a validade é a eficácia do negócio jurídico e a estabilidade das relações negociais não podem ficar sujeitas ao exclusivo subjetivismo do declarante. Em princípio, a vontade manifestada deve prevalecer. Nesse aspecto, reside a utilidade do citado dispositivo.
O negócio não pode ser anulado com escudo na reserva mental, a qual será, portanto, juridicamente irrelevante e ineficaz. A solução será idêntica com ou sem a presença de texto legal expresso. Se a reserva mental é, por outro lado, conhecida da outra parte, o deslinde da questão desloca-se simplesmente da reserva mental e deve buscar a análise do caso concreto: poderá ocorrer outro vício no negócio jurídico.
Quando a reserva mental é de conhecimento do declaratário, a situação em muito se aproxima da simulação, do acordo simulatório, tanto que nessa hipótese parte da doutrina equipara ambos institutos. No entanto, o que caracteriza primordialmente a reserva mental é a convicção do declarante de que o declaratário ignora a mentira. Todavia, se o declaratário efetivamente sabe da reserva e com ela compactua, os efeitos inelutavelmente serão de simulação, com aplicabilidade do artigo 167 do Código Civil.
O negócio fiduciário, por outro lado, representa negócio sério, realmente concluído pelas partes contratantes. As partes não pretendem simular, com entrega de uma porção de bens a alguém, para que este os administre e aufira vantagens em nome do fiduciante. O negócio fiduciário deve ser admitido desde que tenha finalidade lícita. Seu ponto de contato com a simulação esta no fato de que no negócio fiduciário há um agente que atua oculto, em detrimento do fiduciário, que o faz de forma ostensiva. Em geral, no negócio fiduciário não há a intenção de prejudicar terceiros ou de fraudar a lei, além de ser negócio real, efetivo e verdadeiramente manifestado pelas partes.
A simulação possui também pontos de contato com a falsidade, mas não se confundem. Esta diz respeito à prova do ato ou negócio jurídico, é divergência entre o efetivamente manifestado e o que realmente se passou. A simulação não diz respeito à prova do ato, mas ao próprio ato.
A simulação também não se confunde com a fraude contra credores. Esta última pressupõe atos praticados por um devedor, que atingem a incolumidade de seu patrimônio, garantia dos credores, Na simulação, não há o requisito do crédito, nem que este já existisse à época dos atos inquinados. Importante distinção, no entanto, é que no negócio realizado em fraude contra credores existe um negócio formal, real e desejado pelos contraentes tal como se mostra, ao contrário da simulação, cujo conteúdo diverge da aparência. Os requisitos da ação de simulação e da ação pauliana, esta derivada da fraude contra credores, são também diversos. Pode haver, contudo, simulação em determinados casos de fraude contra credores.
Se a simulação for inocente, inexistindo prejuízo, violação de direito de terceiro ou fraude à lei, prevalecerá o ato dissimulado, desde que não ilida disposição legal, bem como reúna os elementos necessários para ter vida jurídica.
Na simulação maliciosa, possuem legitimidade para propor a ação de simulação todos os terceiros interessados no ato, entendendo-se como tais aqueles que não intervieram. Entre eles incluem-se os representantes do Poder Público, quando há interesse do Estado ou, mais propriamente, da Fazenda Pública.
Se a ação visa anular simulação absoluta, sua decisão precedente extirpa o negócio do mundo jurídico simplesmente, com eficácia ex tunc, por força da nulidade.
Quando, porém, o processo visa atingir simulação relativa, que esconde ato dissimulado, a anulação ou declaração de nulidade do ato simulado fará aflorar o ato camuflado não aparente, o negócio dissimulado. Com isso, deve o Juiz determinar que esse ato dissimulado passe a ter eficácia como ato efetivamente realizado.
Em nossa sistemática legal, a ação de simulação pode ser de duas naturezas: ação declaratória destinada à mera declaração do negócio jurídico simulado, na simulação inocente; ação de nulidade, conforme do artigo 168 do Código Civil, destinada a declarar a nulidade do ato fraudulento, que pode ser proposta por terceiros lesados, ou por representantes do Poder Público, ou enfim por qualquer interessado.
Importa também fixar o âmbito da ação de simulação com a ação pauliana na fraude contra credores.
A ação pauliana compete aos credores quirografários para anular atos verdadeiros praticados pelo devedor. Como pontos comuns com a ação de simulação, identifica-se que a ação pauliana é ação anulatória e está sujeita ao mesmo prazo prescricional de quatro anos. Como existem pontos de contato, é admissível a cumulação de fundamentos na mesma ação, com pedidos alternativos, ou ter a ação pauliana como pedido subsidiário. Não podem, evidentemente, na cumulação de ações, os pedidos ser cumulativos, pois são excludentes um do outro, conforme orientação jurisprudencial.
Em que pese à possibilidade de cumulação, ambas as ações não se confundem. A simulatória visa a atos aparentes, enquanto a pauliana ou revocatória visa a atos reais, normais. A ação pauliana exige a anterioridade do crédito: só o credor, cujo crédito é anterior ao negócio a ser revogado, está legitimado a exercer essa ação. Para a ação pauliana, é necessário que o devedor esteja insolvente no momento da realização do negócio a ser anulado, ou tenha sido reduzido à insolvência em conseqüência. Na ação de simulação, não há necessidade a existência de crédito anterior ao negócio, visto que pode o prejudicado por crédito posterior demandar a anulação (daí decorre o interesse, na maioria das vezes, da cumulação de ações, pois nem sempre é possível precisar com exatidão a época do crédito). Os efeitos de ambas as ações também são diversos: na ação pauliana, uma vez anulado o ato, o bem em questão volta ao patrimônio do devedor, beneficiando toda a massa de credores. Na ação de simulação os efeitos podem ser vários, inclusive, como demonstrado, com a prevalência do ato dissimulado; e, sob o Código Civil, o efeito é de nulidade.
Um dos principais indícios de simulação é a pesquisa da causa simulandi. A primeira pergunta que deve fazer o julgador é: possuíam os contraentes motivos para praticar o ato simulado? A segunda pergunta que se deve fazer no exame de um caso de simulação é: possuíam os contraentes necessidade de praticar o negócio simulado? A resposta afirmativa a essas duas questões induz o julgador a decidir pela existência da simulação. Outros indícios, porém, formarão o complexo probatório. A prova da simulação requer todo homogêneo, não bastando simplesmente a íntima convicção do julgador.
O artigo 167 do Código Civil, ao contrário do sistema anterior, coloca a simulação como causa de nulidade e não de anulabilidade.
Pelo atual Código Civil, não há distinção expressa entre simulação relativa é absoluta, havendo em ambos os casos a nulidade do negócio simulado. O que se leva em conta é a conduta simulatória, como um todo. Enfaticamente, essa lei diz valer o negócio dissimulado na simulação relativa, se válido for na substância e na forma. Assim, se os agentes demonstram externamente uma compra e venda, quando, na verdade, o negócio subjacente e realmente querido pelas partes é uma doação, subsistirá a doação se não houver impedimento legal para esse negócio jurídico e se for obedecida a forma desse negócio. Um primeiro enfoque que deve ser dado à possibilidade de o negócio dissimulado subsistir é que a simulação seja inocente. Se maliciosa, certamente terá sido perpetrada em fraude à lei ou em detrimento de terceiros, estes, por sua vez, não podem ser prejudicados pela simulação.


Fonte: Direito Civil – Parte Geral. Sílvio de Salvo Venosa.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Modalidades de Licitação: Breves Considerações


Licitação é o gênero, do qual a concorrência, a tomada de preços, o convite, o concurso, o leilão e o pregão são suas espécies.
A Lei das Licitações define quando será utilizada cada modalidade, bem assim a Lei que institui a modalidade pregão.
Para grandes contratos cujos valores são indicados no artigo 23, a Lei n.º 8.666/93 determina que seja adotada a concorrência. Para contratos de pequeno porte, poderá ser utilizado o convite (se o valor for realmente reduzido – para obras e serviços de engenharia inferiores a R$15.000,00, e para compras e outros serviços inferiores a R$8.000,00 – a licitação será dispensável). E para contratos de valores médios, a modalidade será a tomada de preços. Observa-se que a Lei n.º 8.666/93 indica os valores que irão definir a modalidade de licitação a ser adotada.
O leilão e o concurso de diferenciam da concorrência, da tomada de preços, do convite e do pregão não apenas em razão do procedimento. Ao disciplinar as modalidades, a lei busca adaptá-las ao objeto que se pretende contratar. Isso fica evidente quando se analisa o concurso e o leilão. A distinção entre um e outro reside, sobretudo, no objeto licitado.
As duas primeiras modalidades (concurso e leilão) podem ser consideradas modalidades especiais: uma se destina à escolha de trabalhos artísticos, técnicos ou científicos; a outra, à alienação de bens. As demais modalidades de licitação (concorrência, tomada de preços, convite e pregão) podem ser consideradas modalidades comuns. A rigor, não existe diferença no objeto a ser licitado quando estamos diante da concorrência, da tomada de preços ou do convite. A compra de produtos, assim como a contratação de serviços ou obras, pode ser licitada por meio de qualquer uma dessas três modalidades comuns indicadas na Lei n.º 8.666/93, sendo o valor do contrato o critério básico para indicar, dentre essas três modalidades, aquela a ser adotada. No caso do pregão, a Lei n.º 10.520/2002 exige que se trate de bem ou se serviço comum, independentemente do valor da contratação.
O pregão é adotado preferencialmente para a contratação de bens e de serviços comuns. Deve o administrador, especialmente o que atua no âmbito federal (Decreto n.º 5.450/2005) ter que justificar por que não utilizou o pregão para contratar mencionados bens ou serviços comuns.
O principal critério para definir se o administrador irá utilizar a concorrência, a tomada de preços e o convite é valor do objeto a ser licitado. Caso se trate de bem ou serviço comum, hipótese em que se deve, preferencialmente, utilizar o pregão, não há limite de valor para a utilização desta modalidade.
Não sendo o caso de pregão, a regra passa a ser a utilização da concorrência, modalidade mais ampla de licitação, salvo os casos em que, pelas peculiaridades do contrato, seja exigido concurso ou leilão, ou que, em face do seu valor, seja admitida a tomada de preços ou o convite.
Em algumas situações, independentemente do valor do contrato, a concorrência é obrigatória. Nos termos do artigo 23, § 3º da Lei n.º 8.666/93, “a concorrência é a modalidade de licitação cabível, qualquer que seja o valor de seu objeto, tanto na compra ou alienação de bens imóveis, ressalvado o disposto no artigo 19, como nas concessões de direito real de uso e nas licitações internacionais, admitindo-se neste último caso, observados os limites deste artigo, a tomada de preços, quando o órgão ou entidade dispuser de cadastro internacional de fornecedores, ou o convite, quando não houver fornecedor do bem ou serviço no país”.
Em relação às hipóteses previstas no citado artigo 19, elas dizem respeito a imóveis cuja aquisição pela Administração haja derivado de dação em pagamento ou de procedimentos judiciais. Nesses dois casos, a lei autoriza a utilização do leilão ou da concorrência para a alienação de bens imóveis, podendo o administrador optar ou uma ou outra modalidade de forma discricionária, independentemente do valor do bem.
A distinção entre o leilão e a concorrência para alienação de imóveis se restringe basicamente a dois aspectos: prazos e forma de apresentação das propostas. Na concorrência, o prazo entre a publicação do edital e a apresentação das propostas é de 30 dias, e as propostas serão apresentadas em envelopes lacrados. No leilão, o prazo entre a divulgação do edital e a sessão pública para a apresentação dos lances é de 15 dias, e os lances são apresentados verbalmente na própria sessão, sendo facultado aos interessados apresentarem tantos lances quando lhes for conveniente. Ademais, pode-se apresentar terceiro critério de distinção entre as duas modalidades, haja vista a concorrência ser conduzida por comissão e o leilão por leiloeiro, podendo este ser um servidor público ou leiloeiro oficial registrado em junta comercial.
O artigo 23, § 3º da Lei n.º 8.666/93 determina que a concorrência deve ser seguida como regra em licitações internacionais, salvo se, observados os limites fixados em lei, houver cadastro internacional de fornecedores, caso em que poderá ser utilizada a tomada de preços, ou se não houver fornecedor do bem ou serviço no país, hipótese em que poderá ser utilizado o convite. Somente quando a divulgação do certame for deita no exterior, será ela considerada internacional. Isto impõe a adoção, como regra, da concorrência.
Outra particularidade da concorrência internacional diz respeito à possibilidade de serem apresentadas propostas em moeda estrangeira, nos termos do artigo 42, § 1º da Lei n.º 8.666/93.
Ainda que o pequeno valor justificasse um dispensa, poderá a Administração licitar, e na modalidade da concorrência, se assim o desejar. Essa postura deve, o entanto, ser examinada à luz do princípio constitucional da eficiência.
É vedada a utilização da modalidade convite ou tomada de preços, conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas em conjunto e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de tomada de preços ou concorrência, respectivamente, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço.
O Tribunal de Contas da União já decidiu que é obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais para licitações para contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade.
O gestor público deve, portanto, como primeira atitude, verificar se o objeto a ser licitado admite desmembramento. Isso ocorre, por exemplo, se certa prefeitura decide contratar empresa para promover a recuperação de diversas praças públicas. Podem ser celebrados diversos contratos com diversas empresas ou ser celebrado contrato único por meio do qual uma única empresa realizaria todo o objeto licitado.
À luz da Lei n.º 8.666/93, a Administração poderá optar por uma ou por outra hipótese. Poderá, caso o deseje, desmembrar o objeto de modo a garantir a ampliação da competitividade no mercado, sem perda da economia de escala. Essa, aliás, deve ser a regra a ser seguida. Porém, se a adoção dessa solução implicar a criação de ônus mais elevados pela quebra a economia de escala, a adoção de modalidade menos rigorosa de licitação ou o enquadramento do objeto do contrato nos limites que justificam a dispensa de licitação, não se admite o desmembramento. Do contrário, à luz do princípio da competitividade, o desmembramento deve até ser recomendado.
Jamais poderá ocorrer a utilização do desmembramento ou fracionamento, de modo a enquadrar o contrato nos limites da licitação dispensável, ou com vistas a permitir a adoção de modalidade de licitação menos rigorosa que a cabível.
De igual modo, o agrupamento de obras, serviços ou fornecimentos, que possam ser contratados separadamente de modo a ampliar a competitividade, pode vir a ser considerado fraudulento. Se esse agrupamento tiver o objetivo de direcionar a licitação para grandes empresas, que seriam as únicas a preencher os requisitos de qualificação técnica e econômico-financeira, deve ser essa medida julgada ilegal.
A lei veda a criação de outra modalidade de licitação ou a combinação das modalidades existentes. Somente o legislador federal possui legitimidade para, por meio de lei, criar nova modalidade de licitação.
- concorrência
A concorrência tem como principais características a ampla publicidade e a universalidade. A primeira é demonstrada pela necessidade de publicação de aviso de licitação, nos termos do artigo 21 da Lei de Licitações. A universalidade, a seu turno, caracteriza-se pela existência de uma fase inicial no procedimento da licitação, denominada habilitação, em que quaisquer interessados que demonstrem o preenchimento dos requisitos de qualificação podem apresentar propostas.
- tomada de preços
A diferença básica entre a concorrência e a tomada de preços reside na circunstância de que a primeira é destina a qualquer pessoa que na fase de habilitação preencha os requisitos necessários à sua participação na licitação, enquanto a tomada de preços é modalidade dirigida a fornecedores que já estejam cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação.
O cadastramento dispensa os interessados de terem de juntar documentos relativos à sua habilitação. Pode ser exigido que os licitantes comprovem o preenchimento dos requisitos de qualificação técnica e econômica que, eventualmente, não tenham sido exigidos por ocasião do cadastramento.
Outro aspecto que distingue a tomada de preços da concorrência diz respeito ao prazo para apresentação das propostas. No artigo 21, são definidos esses prazos que, no caso de concorrência, serão de no mínimo 30 dias, exceto quando o contrato a ser celebrado contemplar o regime de empreitada integral ou quando a licitação for do tipo melhor técnica ou técnica e preço, hipótese em que prazo mínimo para a apresentação de propostas passa a ser de 45 dias.
Em relação à tomada de preços, a Lei n.º 8.666/93 estabelece que o prazo para apresentação das propostas será de no mínimo 15 dias, salvo se tratar de tomada de preços em que o tipo de licitação seja de melhor técnica ou técnica e preço, em que o prazo mínimo para apresentação de propostas será de 30 dias.
- convite
O convite adota procedimento extremamente simplificado. A Administração escolhe pelo menos três possíveis interessados no objeto que será licitado e dirige-lhes carta-convite convocando-os a apresentarem suas propostas.
A divulgação do convite segue regras distintas das aplicáveis à concorrência, à tomada de preços, ao concurso e ao leilão. Em relação a essas modalidades, impõe-se a publicação dos avisos em órgão de divulgação oficial e em jornal de grande circulação. Para o convite, a lei impõe a obrigação de que se promova a afixação do convite no quadro de avisos do órgão. Ademais, o prazo para apresentação das propostas será, no convite, no mínimo de 5 dias.
Outra observação importante consta do artigo 51, § 1º, que desobriga a Administração de constituir comissão de licitação. No convite, as atribuições que caberiam a uma comissão poderão ser realizadas por servidor formalmente designado pela autoridade competente.
Observa-se a regra do artigo 32, § 1º, que permite que a documentação de que tratam os artigos 28 a 31 (habilitação jurídica, qualificação técnica e econômico-financeira, regularidade fiscal) poderá ser dispensada no todo ou em parte, nos casos de convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão.
- leilão
É modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a Administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis previstas no artigo 19 da Lei n.º 8.666/93, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação.
O leilão é indicado, portanto, para a alienação de bens. Essa é a regra a ser seguida. Para bens imóveis é utilizado excepcionalmente, a preferência será a adoção da concorrência, pois somente nas situações indicadas na lei poderá ser utilizado o leilão para a alienação de bens imóveis.
O único critério de julgamento a ser adotado será o maior lance ou oferta. Desse modo, seria totalmente descabido querer exigir que a realização do leilão, que não implica a realização de despesas, tenha tido previsão orçamentária, requisito indispensável para a realização dos demais contratos (obras, serviços, compras), que pressupõem a devida previsão orçamentária.
Em relação ao leilão, a lei não impõe formas rígidas, dispensando, inclusive, a necessidade de habilitação – isto não impede, porém, que a Administração se certifique da capacidade de pagamento do interessado, ou seja, se o interessado em adquirir o bem em leilão possui condições econômicas de honrar o preço que ele próprio apresentou.
- concurso
É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes do edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 dias.
O prazo para inscrição no concurso para provimento de cargos ou empregos não é fixado em lei, e não se lhe aplica o prazo definido pela Lei n.º 8.666/93.
Essa modalidade de licitação se destina à escolha de trabalhos técnicos, artísticos ou científicos. Os trabalhos já devem ser entregues prontos, acabados, a fim de serem submetidos a julgamento pela comissão que foi constituída para tal fim.
São duas as diferenças básicas entre o concurso e as demais modalidades de licitação que visam à contratação de empresas ou profissionais para a prestação de serviços. Nessas últimas, o serviço será prestado após a seleção, e o preço a ser pago é indicado pelo próprio licitante em sua proposta. Nas demais modalidades, aliás, o preços apresentando pelo licitante é utilizado como critério básico para a escolha da melhor proposta. No concurso, ao contrário, os trabalhos são apresentados prontos e acabados, e o preço a ser pago, o denominado prêmio, é fixado pela Administração no edital do próprio certame.
- pregão
É indicado para a contratação de bens e serviços comuns, independentemente do valor estimado da contratação.





Fonte: Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Lucas Rocha Furtado.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Nulidades em Processo Penal

Toda matéria relativa às nulidades há de ter interpretada à luz de um princípio que resume e reúne a totalidade das tarefas atribuídas aos atos e formas processuais e/ou procedimentais. É o chamado princípio da instrumentalidade das formas, tradução do antigo pas de nullité sans grief, segundo o qual, para o reconhecimento e a declaração de nulidade de ato processual, haverá de ser aferida a sua capacidade para a produção de prejuízos aos interesses das partes e/ou ao regular exercício da jurisdição (art. 563 do CPP).
A declaração de nulidade seria, assim, a consequência jurídica da prática irregular de ato processual, seja pela não-observância da forma prescrita em lei, seja pelo desvio de finalidade surgido com a sua prática.
Se a nulidade é sanção, não pode ser concebida como se fosse inerente ao vício ou como se fosse automaticamente dele decorrente.
Partindo da necessária superação da dificuldade que se apresenta para a definição – dizer o que é – de algo que não é, seria possível situar o ato inexistente estritamente do ponto de vista de sua aptidão para a produção de efeitos no processo. Assim o ato existiria, enquanto praticado por alguém, mas, em relação ao processo, seria como inexistente, pela sua impossibilidade de produzir efeitos.
Desde que regularmente provocado, o recebimento de denúncia ou queixa, bem como o prosseguimento do curso da ação penal por meio de atos prolatados por quem se achar investido da função jurisdicional, dá por existente o processo, e com capacidade para a produção de determinados efeitos jurídicos, ainda que irremediavelmente nulos.
Eis, então, uma distinção corrente entre atos nulos e atos inexistentes. Estes, exatamente porque inexistentes, não produzem efeito algum, ao contrário dos atos nulos, que não só produzem efeitos até serem anulados, como também implicam conseqüências jurídicas mesmo após o reconhecimento de sua nulidade. Atos inexistentes, portanto, não produzem efeitos, tal como ocorre com as decisões proferidas por quem não se achar investido de função jurisdicional. É até possível haver inexistência ou ato juridicamente inexistente também dentro de um processo regular e válido, como ocorrerá, por exemplo, na hipótese de sentença ou decisão sem a assinatura do Juiz.
Os atos inexistentes só não produzem efeitos, como também não poderão ser convalidados. Faltam aos atos inexistentes elementos essenciais para a produção de quaisquer conseqüências jurídicas, o que não ocorrerá com os atos nulos, ora passíveis de convalidação, ora a exigir a sua repetição, com aproveitamento de algum de seus efeitos.
Os atos nulos, ou seja, aqueles praticados com violação à forma prescrita em lei, poderão ter como conseqüência de seus vícios ora a nulidade absoluta, ora a nulidade relativa.
A primeira distinção que se pode fazer entre as nulidades relativas e as nulidades absolutas começa a partir da definição dos interesses envolvidos na irregularidade.
O predicado relativa que acompanha a expressão nulidade significa exatamente isso: a nulidade encontra-se em relação ao interesse da parte, em determinado e específico processo.
As nulidades relativas, por dependerem da valoração das partes quanto à existência e à conseqüência do eventual prejuízo, estão sujeitas a prazo preclusivo, quando não alegadas a tempo e modo. Parte-se do pressuposto de que, não havendo alegação do interessado, a não-observância da forma prescrita em lei não teria resultado em qualquer prejuízo para as partes. Assim, é de se prosseguir normalmente com o processo, sem o recuo à fase ultrapassada.
Embora reservada às partes a valoração dos efeitos decorrentes do vício do ato, não há como negar que, ao menos em algumas hipóteses, será possível o reconhecimento ex officio de nulidades relativas. O Código de Processo Penal, por exemplo, permite o reconhecimento, pelo Juiz, de sua incompetência relativa, o que implica a possibilidade de reconhecimento ex officio de nulidade relativa (art. 109 do CPP).
Se, de um lado, é possível admitir-se uma certa margem de disponibilidade quanto à eficiência e à suficiência da atuação das partes (sobretudo e particularmente da defesa), de outro, quando o vício esbarrar em questões de fundo, essenciais à configuração do devido processo penal, não se pode nunca perder de vista a proteção das garantias constitucionais individuais inseridas no atual modelo processual.
Configuram, portanto, vícios passíveis de nulidades absolutas as violações aos princípios fundamentais do processo penal, tais como o do Juiz natural, o do contraditório e da ampla defesa, o da imparcialidade do Juiz, a exigência de motivação das sentenças judiciais etc., implicando todos eles a nulidade absoluta do processo,
E não só quando se tem violação a princípios expressamente acolhidas na Constituição é que se poderá falar em nulidade absoluta. Há outros, a serem inferidos do sistema de garantias constitucionais que, embora não explicitados, integram a estrutura do novo modelo processual penal brasileiro, ainda que como decorrência lógica daqueles expressamente assegurados.
Diante da qualidade do interesse em disputa, as nulidades absolutas poderão ser reconhecidas ex officio e a qualquer tempo, ainda que já presente o trânsito em julgado da sentença.
Mas não parece exato afirmar que, nas nulidades absolutas, o prejuízo seja presumido. Não se cuida de qualquer presunção. O que há é verdadeira afirmação ou pressuposição da existência de prejuízo. Não se cuida de inversão do ônus da prova, passível de alteração no plano concreto, mas de previsão abstrata da lei, a salvo de qualquer indagação probatória.
Evidentemente, o que poderá ser objeto de prova é a existência ou não da violação da lei, ou seja, da irregularidade. Mas, uma vez demonstrada esta, o prejuízo dela decorrente é sua conseqüência inevitável.
Tratando-se de recursos contra sentença absolutória, mesmo as nulidades absolutas não poderão ser reconhecidas ex officio quando em prejuízo da defesa, se não alegada no recurso da acusação, consoante se tem entendido se maiores divergências, em posição consolidada no Enunciado n.º 160 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
A cláusula do devido processo legal tem por escopo essencial a realização das garantias individuais do acusado em face do Estado, de modo a promover o necessário equilíbrio de forças entre a acusação e a defesa na ação penal. Para tal finalidade deverá, quanto possível, impedir que a atividade judicante ou jurisdicional funcione como acréscimo ou corretivo da má atuação do órgão estatal responsável pela função acusatória. Assim, permitir-se o reconhecimento da nulidade quando não alegada pela acusação poderia gerar uma situação de desigualdade entre os litigantes, em prejuízo da instrumentalidade do processo, vista, então, da perspectiva do Estado Democrático de Direito, ou seja, enquanto garantia do réu diante do Estado.
E não é só. Implicaria também prejuízo à ampla defesa, na medida em que não permitiria a participação do acusado no debate acerca da nulidade, tendo em vista a omissão do recurso da acusação em relação à matéria.
Por essa razão, em sede de recursos, é de se aplicar, com rigor, a máxima tantum devolutum quantum apellatum, a limitar a atividade judicante de segunda instância, no que se refere à extensão dos recursos da acusação.
Ainda com referência às nulidades processuais que podem ser identificadas na sentença de primeira instância, é importante registrar a vedação da reformatio in pejus, ou seja, a reforma para pior da decisão impugnada.
Há jurisprudência consolidada na Suprema Corte e do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de se atribuir à decisão anulada o efeito de impedir o agravamento da pena a ser fixada na nova decisão, quando em recurso unicamente da defesa. O fundamento seria precisamente a proibição da reformatio in pejus do artigo 617 do Código de Processo Penal, mas com nova roupagem: a reformatio in pejus indireta.
Fala-se em reforma indireta em razão de não resultar diretamente da decisão do órgão de segunda instância, mas da nova decisão proferida pelo Juiz da causa, após o reconhecimento da nulidade da sentença. Nessa hipótese, com efeito, o recurso da defesa, no qual se alegou a existência de nulidade, teria sido provido, não havendo de se falar em decisão in pejus. O prejuízo somente ocorreria e ocorrerá a partir da nova decisão, quando, afastada a nulidade, for confirmada (ou repetida) a condenação, com imposição, porém, de sanção mais grave.
Cuidando-se, porém, de incompetência absoluta, instituída em razão da matéria e da função exercida pelo acusado, a solução há de ser diferente, na esteira de decisões do Supremo Tribunal Federal.
Não se afigura razoável que o Juiz natural, cuja competência decorre da própria Constituição, possa estar subordinado aos limites da pena fixados em decisão absolutamente nula, ainda que tal nulidade somente tenha sido conhecida a partir de recurso da defesa. Nunca é demais lembra que a nulidade absoluta, em regra, deve ser conhecida ex officio, diante da gravidade do vício nela contido.
No vício decorrente da incompetência absoluta, a subordinação à quantidade da pena imposta na primeira decisão dirige-se contra o princípio do juiz natural, não no que concerne à prevalência de sua jurisdição, já garantida com o reconhecimento da nulidade, mas no que respeita à liberdade de seu convencimento e do livre exercício da tarefa judicante. Não parece possível, falar-se em vedação da reformatio in pejus indireta, sob pena de fazer-se prevalecer regra legislativa de natureza ordinária (art. 617 do CPP) sobre princípio de fonte constitucional.
No que diz respeito à existência de nulidade absoluta não alegada em recurso exclusivo da acusação, não se vê como recusar o entendimento segundo o qual será perfeitamente possível o seu reconhecimento ex officio pelo Tribunal ad quem (desde que favorável à defesa, relembre-se que aqui não se trata de decisão absolutória, quando cabível a aplicação do Enunciado n.º 160 da Súmula do STF), na linha, aliás, da fundamentação geral em tema de nulidades: as nulidades absolutas dizem respeito a violações a regras e princípios fundamentais do processo, configurando verdadeiro interesse público. Nesse caso, para a acusação, tanto será possível a reformatio in pejus direta quanto a indireta.
Na reforma indireta, o Tribunal poderá conhecer da nulidade absoluta não alegada (nem pela defesa nem pela acusação), em razão da gravidade do vício e do interesse público a ela imanente, não havendo qualquer limitação quando à nova decisão a ser proferida em primeira instância, ou seja: o Juiz poderá tanto absolver o acusado quando condená-lo a pena mais leve. A vedação da reformatio in pejus, porém, não se aplicará ao Tribunal do Júri, no que respeita à decisão dos jurados. Anulado o julgamento, o novo júri é livre para apreciar toda a matéria do fato e de direito. Se, contudo, as respostas aos quesitos foram no mesmo sentido, o Juiz-Presidente não poderá agravar a pena.
Em sede de nulidades absolutas, portanto, à exceção da nulidade por vício de incompetência absoluta, a regra é a vinculação da nova decisão ao máximo da pena aplicada na sentença anulada, quando se tratar de nulidade reconhecida em recurso exclusivo da defesa.
Não há como reconhecer ao Ministério Público a legitimidade para argüir nulidade de ato cujo proveito seja unicamente da defesa. Já o contrário não será possível. A defesa, cujo interesse é exclusivamente voltado para a não-condenação, não poderá alegar qualquer nulidade cuja conseqüência venha a beneficiar unicamente a acusação.
Fala-se em instrumentalidade das formas (pas nullité sans grief) para realçar exatamente a função que se lhe atribui a legislação: a função de meio, de instrumento, e não do próprio direito.
Por isso, se do ato nulo não tiver decorrido qualquer prejuízo para atuação das partes ou da jurisdição, não haverá razão alguma para o reconhecimento e declaração da nulidade, nos exatos termos do artigo 563 do Código de Processo Penal, pedra de toque do sistema de nulidades.
Na mesma linha de desdobramento, não se reconhecerá a nulidade (ou considerar-se-á sanada) de ato praticado de outra forma, não prevista em lei, quando ele tiver alcançado o seu fim, sem prejuízo algum dos litigantes, conforme se observa do artigo 572, inciso II do Código de Processo Penal.
Se a conseqüência jurídica do ato irregular é a declaração de sua nulidade, nada mais lógico que aludida nulidade estenda-se também aos atos que sejam subsequentes àqueles e, mais que isso, que sejam deles dependentes ou consequentes.
Para que haja derivação, impõe-se, então, que o ato subseqüente seja dependente do anterior, no sentido de ter sua existência subordinada à existência e à validade do primeiro, ou que seja dele conseqüência, enquanto seu efeito ou resultado.
Não configuraria hipótese de contaminação, todavia, eventual irregularidade ocorrida em audiência de instrução, em relação à audiência subseqüente, quando esta for necessária (arts. 402 e 404 do CPP). Ressalve-se o caso de inversão da ordem da oitiva das testemunhas de acusação e defesa ou a hipótese de aditamento da denúncia após prova testemunhal.
Outro exemplo de contaminação da nulidade ocorreria nas hipóteses de provas obtidas a partir de outras cuja ilicitude seja reconhecida, tal como se dá na aplicação da conhecida teoria dos frutos da árvore envenenada ou fruits of the poisonous tree, acolhida, agora expressamente, pelo artigo 157, § 1º do Código de Processo Penal.
A regra da causalidade, a ditar a contaminação dos atos processuais dependentes ou consquentes do ato nulo, recebe um tratamento diferenciado quando se tratar de vício e nulidade decorrentes de incompetência de Juízo.
Nos termos do artigo 567 do Código de Processo Penal, “a incompetência do Juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao Juiz competente”. E, retrocedendo aos termos do artigo 109, tem-se que, uma vez aceita a declinatória (ou seja, concordando o Juiz para o qual foram remetidos dos autos com a sua competência) e ouvido o Ministério Público, o processo prosseguirá a partir da ratificação dos atos anteriores.
O único problema real que se pode apontar neste seara diz respeito ao recebimento da denúncia. Isso porque, pela regra da causalidade, os atos posteriores ao ato decisório nulo não teriam validade.
Não é razoável recusar o conteúdo decisório da manifestação judicial que recebe a peça acusatória, tendo em vista que há ali, ainda que em juízo perfunctório e delibativo, apreciação acerca da viabilidade da ação penal (justa causa), de suas condições (legitimidade etc.), e da própria competência do Juízo. A jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, entretanto, de modo geral, reluta em aceitar a realidade, certamente com receio de eventuais conseqüências que poderiam advir da impossibilidade de ratificação do recebimento de denúncia.
A Lei n.º 11.719/08 inseriu o princípio da identidade física do Juiz no processo penal brasileiro (art. 399, § 2º do CPP), ao dispor que o Juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.
Com isso, quando os autos forem recebidos pelo “novo” Juiz, em razão de declinação de competência de outro magistrado, haveria ou não a necessidade de repetição dos atos instrutórios (que não são decisórios)? Agora, o Juiz que presidiu a instrução deve sentenciar, não se poderá admitir o reconhecimento de incompetência relativa após a instrução, podendo aceitar-se, contudo, que a incompetência seja afirmada ainda de ofício, mas não a qualquer tempo, mais somente até a realização da audiência de instrução de julgamento. A partir daí, preclusa estaria a questão, inclusive para o Juiz.
Percebe-se, então, que a solução apontada mantém a validade de ambos os dispositivos, quais, sejam, os artigos 109 e 567 do Código de Processo Penal, reduzindo-lhes, porém, o alcance de aplicação. Os atos não decisórios continuarão podendo ser ratificados (designação de audiência, admissão de assistente de acusação, de assistente técnico na prova perical, etc.) exceto aqueles de instrução, fazendo prevalecer aqui o princípio da identidade física do Juiz, até porque a norma que o consagra é posterior à legislação codificada.
Segundo o posicionamento das instâncias superiores, não anulado o recebimento da denúncia, em caso de incompetência relativa, o processo seguiria seu curso normal, com aproveitamento de todos os atos não decisórios. A ratificação que alude o artigo 108, § 1º do Código de Processo Penal seria automática.
Entretanto, se a ratificação anteriormente mencionada não for automática, significa que o Juiz poderá não concordar com o conteúdo dos atos não decisórios já realizados e determinar sua repetição. Nesse caso, a solução aventada será idêntica à que se está propondo, do ponto de vista prático. Relembre-se: a ratificação referida diz respeito aos atos não instrutórios.
Por isso, acredita-se que o Enunciado n.º 709 da Súmula do Supremo Tribunal Federal deve ser recebido como uma modificação do entendimento jurisprudencial anterior, no ponto em que estabelece que: “salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela”.
O processo que se desenvolver perante Juiz material ou absolutamente incompetente será irremediavelmente nulo, não desde o recebimento da denúncia, mas desde o seu oferecimento. E aqui já entraria em cena outro princípio, ligado às funções acusatórias do Estado: o princípio do promotor natural.
Com isso, clareia-se sobremaneira o quadro das nulidades no processo penal, permitindo-se visualizar a nulidade da própria peça acusatória (por ilegitimidade ativa) quando oferecida por órgão do parquet que não seja o titular das atribuições constitucionais acusatórias.
Assim, quando o vício referir-se à incompetência absoluta, não será o caso de aplicação do artigo 567 do Código de Processo Penal, não se podendo falar em ratificação de quaisquer atos processuais, ainda que não decisórios, tratando-se, na verdade, de processo nulo desde o início.
O novo Juiz não poderia, jamais, ratificar automaticamente o recebimento da denúncia, oferecida por órgão ministerial não legitimado, isto é, sem atribuições constitucionais para a causa.
Cabe registrar o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, que em matéria de incompetência absoluta, vinha entendendo que somente os atos decisórios seriam anulados, sendo possível a ratificação dos atos não decisórios. Contudo, a partir do julgamento do HC 83.006/SP, em 29/08/03, a Suprema Corte passou a admitir a possibilidade de ratificação pelo Juiz competente, inclusive, quanto aos atos decisórios.
Na hipótese de modificação da competência absoluta, isto é, quando um processo estiver em curso e, por motivo de superveniente imposição de foro privativo por prerrogativa de função (exercício de mandato eletivo, assunção de cargo público etc.), por exemplo, não haverá de se falar na necessidade de ratificação de quaisquer dos atos até então praticados. É que os aludidos atos teriam sido praticados pelas autoridades constitucionalmente competentes a tanto legitimadas, seja pela competência (Juiz), seja pela atribuição (Ministério Público), ao tempo e espaço das respectivas práticas. O novo foro (privativo, então) limitar-se-ia a dar prosseguimento ao processo, no estado em que ele se encontrar.
As nulidades relativas têm como características o fato de se submeterem ao prazo preclusivo, se não argüidas a tempo e modo, ao pressuposto (da lei) de que assim, sendo, não teria havido prejuízo a ser sanado. A preclusão é, portanto, a regra de convalidação por excelência dos atos processuais nulos.
Esses atos serão convalidados desde que não alegados no prazo previsto em lei, consoante se verifica do rol de oportunidades temporais do artigo 571 do Código de Processo Penal.
Quanto à oportunidade para argüição do vício, vale dizer que a regra é a manifestação por ocasião das alegações finais (art. 571, I, II e VI do CPP) em relação às nulidades ocorridas até aquele momento processual. Após a prolação da sentença, as nulidades relativas (e as absolutas, nos casos excepcionais em que deverão ser argüidas para serem conhecidas) devem ser alegadas nas razões de recurso ou na sessão de julgamento, se estas não tiverem sido oferecidas.
Considera-se também sanada a nulidade por vício ou mesmo ausência de citação, de intimação ou de notificação, nos termos do artigo 570 do Código de Processo Penal, “desde que o interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de argui-la. O Juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a irregularidade poderá prejudicar direito da parte”.

Fonte: Curso de Processo Penal. Eugênio Pacelli de Oliveira.