terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Interpretação das Normas Constitucionais

A interpretação da norma jurídica consiste na atividade intelectual que tem por finalidade preeminente tornar possível a aplicação de enunciados normativos, abstratos e gerais, a situações da vida, particulares e concretas. Envolve um conjunto de métodos desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência com base em critérios ou premissas (filosóficas, metodológicas, epistemológicas) diferentes, mas, em geral, reciprocamente, complementares.
Interpretar é, portanto, reconstituir o conteúdo da lei, elucidá-lo de modo a operar-se uma restituição de sentido ao texto; é a operação pela qual se atribui um sentido ao texto.
A interpretação constitucional pressupõe a ocorrência, no texto da Constituição, de preceito (disposição, formulação, forma lingüística) e de norma (regra jurídica contida no preceito).
As regras gerais de interpretação das leis são aplicáveis ao Direito Constitucional.
Nesse sentido, fala-se em interpretação declarativa, restritiva e extensiva; interpretação gramatical, lógica ou racional, histórica, sistemática e teleológica. A interpretação declarativa é implementada quando há concordância entre o signo de linguagem e o significado a ele atribuído. A interpretação restritiva ocorre quando o legislador, a despeito de haver exprimido em forma genérica e ampla, quis referir-se a uma classe de relações. A interpretação extensiva visa corrigir uma formulação estreita em demasia.
No âmbito do Direito Constitucional, a denominada interpretação autêntica (a que é feita pelo próprio órgão que emanou o ato normativo) só é viável quando uma nova lei constitucional, mediante processo de revisão ou emenda, vier a fixar ou esclarecer o sentido do preceito constitucional. Não se aceita a interpretação autêntica se feita pelo legislador ordinário, pois não lhe cabe fixar o sentido de uma norma constitucional, mesmo porque uma lei interpretativa da Constituição poderia conter uma interpretação infraconstitucional.
A interpretação lógica ou racional conta com as seguintes técnicas: a) mediante raciocínios lógicos estuda-se a norma, analisando os vários termos da lei, combinando-os entre si, como o objetivo de atingir uma perfeita compatibilidade; b) a ratio legis consagra, necessariamente, os valores jurídicos dominantes e deve prevalecer sobre o sentido literal da lei, quando em oposição a este.
A interpretação histórica oferece as seguintes técnicas para a sua utilização: a) pesquisa de documentos históricos como projetos e anteprojetos de lei, mensagens e exposição de motivos, debates parlamentares, pareceres, relatórios, votos, emendas e justificações; b) pesquisa de fatos e circunstâncias que deram origem à lei, motivos econômicos e razões políticas; c) pesquisa a história do Direito anterior, especialmente, a evolução dos institutos jurídicos; d) essas pesquisas são consideradas como subsídios para se descobrir as razões históricas da lei.
A interpretação sistemática utiliza as seguintes técnicas: a) examina a norma na íntegra e também todo o Direito; b) é preciso comparar o dispositivo legal com outros afins, que compõem o mesmo instituto jurídico, e com outros referentes a institutos análogos; c) deve-se confrontar a norma com outras normas de igual ou superior hierarquia, com os Princípios Gerais do Direito, com o Direito Comparado, enfim, com o conjunto do sistema; d) resumindo, deve-se descobrir o espírito do sistema e captar o sentido da norma adaptada a esse espírito; e) chama a atenção para a supremacia constitucional como também para a hierarquia existente entre leis quando se vai solucionar problemas de conflitos e antinomias; f) deve-se observar sempre a coerência e a harmonia do sistema legal.
O Direito Constitucional possui, no entanto, princípios específicos de interpretação, em virtude da singularidade das normas constitucionais, traduzida, principalmente, pelo poder constituinte, criador da Constituição, e pelo processo de sua revisão (as Constituições rígidas demandam processo especial e mais difícil para sua alteração do que o previsto para a elaboração das leis ordinárias).
O ato de interpretação da Constituição suscita, desse modo, a abordagem de dois pontos: a especificidade dessa interpretação e o caráter político das normas constitucionais.
Destaque-se que, segundo Peter Härbele, a teoria da interpretação constitucional tem colocado duas questões essenciais: a indagação sobre as tarefas e os objetivos daquela interpretação, e sobre os métodos (processos de interpretação constitucional e regras da interpretação). O objeto da interpretação constitucional é a determinação dos significados das normas que integram a Constituição formal e material do Estado. Essa interpretação pode assumir duas modalidades: a) a da aplicação direta da norma constitucional para reger uma situação jurídica; b) ou a operação do controle de constitucionalidade de uma norma infraconstitucional com a Constituição, notando-se que, nesse último caso, a norma não vai ser aplicada a qualquer caso concreto, mas funciona como paradigma em face do qual se vai aferir a validade formal ou material de uma lei inferior.
De outra parte, se as normas constitucionais reclamam concretização, deve-se conferir maior liberdade ao intérprete para concretizar os princípios nela contidos, de fora que se possa até mesmo determinar, nessas circunstâncias, o conteúdo material da Constituição, sem que isso signifique operar alterações radicais no seu texto, mesmo porque a atividade interpretativa somente adquirirá legitimidade se compatível com os parâmetros do Estado Democrático do Direito.
A metódica estrutura de Müller se constrói em torno do conceito-chave de concretização, ou seja, o procedimento pelo qual se parte do texto da Constituição para se chegar à regulação concreta da realidade. Consoante ele, a tarefa da prática do direito constitucional consiste na concretização da Constituição através do estabelecimento de textos de normas e da atualização das normas jurídicas pela atuação legislativa, administrativa e governamental, bem como da atividade jurisdicional, onde se devem determinar os conteúdos possível das normas dentro dos limites postos pelo texto constitucional. Assim, uma decisão jurídica consiste na aplicação de uma norma jurídica concretizada.
A concretização da norma ocorre em dois momentos: no primeiro, através da interpretação do texto é demarcado o programa da norma, cuja função é fixar os limites nos quais da decisão pode ser licitamente proferia. Uma vez delimitado o programa da norma, a atividade de concretização prossegue, no segundo momento, através da identificação do âmbito da norma, o qual deve ser identificado empiricamente, pois é nele que estão compreendidos os fatos relevantes para a questão de direito, ou seja, a estrutura fundamental do setor da realidade selecionado pela norma.
Para Alexy uma decisão jurídica consiste no resultado de um processo argumentativo regulado pelas regras da razão prática. O jurista deve respeitar o denominado código da razão prática, isto é, um conjunto de regras procedimentais sobre a construção de discursos de justificação das decisões e pautas normativas que garante um mínimo de racionalidade nas conclusões obtidas.
Apesar da existência de pontos inconciliáveis em seus pensamentos, ambos os autores rejeitam a tese de que a aplicação do direito pode ser descrita em termos exclusivamente lógicos, porquanto os enunciados jurídicos não possuem significado dado de antemão, mas assumem uma perspectiva construtivista. Desse modo, o intérprete também cria direito ao decidir como vai ser resolvido um problema jurídico.
Na esteira dessa viragem hermenêutica – mesmo sob o risco de comprometer os valores fundamentais da estabilidade e da segurança jurídica – vem crescendo o número de juristas que já admitem substituir a interpretação da lei pela concretização do direito, trocando a invocação do passado pela antecipação do futuro: são as denominadas posições não interpretativistas, que se às interpretativistas, estas considerando que os juízes, ao interpretarem a Constituição, devem limitar-se a captar o sentido dos preceitos nela expressos, ou tidos como claramente implícitos.
Trata-se, por outras palavras, da interpretação evolutiva, considerada como processo informal de mudança da Constituição, e que possibilita a atribuição de novos conteúdos às normas constitucionais, sem alterar seu teor literal, em decorrência de mudanças históricas ou fatores sociais e políticos posteriores ao momento histórico em que o texto constitucional foi elaborado. A interpretação evolutiva se materializa também mediante a aplicação de normas constitucionais que utilizam conceitos indeterminados.
Nesta ordem de idéias, o Tribunal Constitucional, na sua competência de interpretar e aplicar, em caráter definitivo, a Constituição, estaria situado acima da tradicional repartição dos poderes estatais, mesmo porque sua atividade interpretativa se desenvolveria em torno de enunciados abertos, indeterminados, polissêmicos, como são as normas constitucionais.
O relacionamento do Direito com a moral foi redimensionado pela hermenêutica, especialmente com o advento do neopositivismo, que consiste na proposta teoria de superação da clássica antinomia entre o jusnaturalismo e o juspositivismo, a partir da interface entre a Filosofia do Direito e da Filosofia Política, com áreas de investigação de questões pertinentes à ordem jurídica legítima. Outro elemento que tem contribuído para a crítica da concepção estritamente jurídica da Teoria do Direito, assim estendido no positivismo analítico de Herbert Hart e no positivismo normativo de Hasn Kelsen, é a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, por meios dos trabalhos de Ronald Dworkin, Chaïm Perelman e Robert Alexy, com o objetivo de enfatizar a importância dos princípios gerais de direito, refletir sobre o papel desempenhado pela hermenêutica jurídica e a relevância da perspectiva argumentativa na compreensão do funcionamento do direto nas sociedades democráticas contemporâneas.
A Teoria da Integridade do Direito, como integridade, elaborada por Dworkin, parte implicitamente do tema da incerteza e procura delinear uma solução netura e apolítica (no sentido de não determinada por específicas policies). Vai à procura de critérios e de uma metodologia para resolver controvérsia jurídica sem remeter a decisão à personalidade ou à ideologia de cada Juiz.
Empurrado pela repulsa à politização do Direito, vista como elemento que comprometeria sua cientificidade que caracteriza toda a tradição jurídica ocidental, Dworkin afirma que as Cortes não devem basear suas decisões nas policies. Podem, ou melhor, devem remeter-se exclusivamente a normas e princípios. Esses últimos são fundamentais, porque permitem aos Juízes individuar os casos difíceis (hard cases), isto é, aqueles casos impossíveis de resolver com base em uma norma sem cometer uma injustiça, e dão indicações de como resolvê-los.
Abandonando a distinção entre regas e princípios, pois com a idéia de integridade uma norma jurídica poderá ser tratada como regra ou como princípio, Dworkin chega a comparar a interpretação jurídica a um romance em cadeia, segundo o qual cada momento histórico seria um capítulo do romance maior, cabendo ao Juiz dar um nexo lógico ao capítulos, pois se o Direito é visto como integridade (a interpretação deve buscar compatibilizar os princípios adequados ao caso concreto, a história institucional e o Direito vigente) deve ser considerado como uma cadeia lógica de peças.
Segundo a hermenêutica constitucional na sociedade pluralista de nosso tempo, mostra Peter Härbele que a interpretação constitucional é uma atividade que, potencialmente, diz respeito a todos, e não a um evento exclusivamente estatal. O cidadão que formula um recurso constitucional é intérprete da Constituição. Essa problematática hermenêutica decorreu da constitucionalização dos direitos fundamentais, positivados nos textos constitucionais como verdadeiras “Cartas de Cidadania” e não apenas catálogos de normas organizatórias do Estado e de suas competências, vertidos em estruturas normativas abertas de indeterminadas a reclamarem interpretação e aplicação dos princípios constantes da parte dogmática das Constituições.
Habermas, que reintroduziu a noção de sociedade aberta aos intérpretes da Constituição de Peter Häberle, afirma que o processo democrático de criação do Direito, nele incluída a interpretação, seria o único modo de conceder-lhe legitimidade. O cidadão não seria mero destinatário de bens, mas deve ser visto como autor de seu Direito. Entende que é no momento em que o cidadão passa a se ver não só como destinatário, mas como autor de seu direito que passa a se reconhecer como membro em liberdade e em igualdade com os demais membros de uma sociedade, interagindo e influenciado as decisões políticas.
Tem-se que, do mesmo modo que Häberle, Habermas acentua a importância das Cortes Constitucionais, mas destaca o papel relevante que elas devem exercer, ou seja, entendera si mesma como guardião de um processo de criação democrática do direito, e não como protetora de uma pseudo-ordem suprapositiva de valores substanciais.
A corrente não interpretativa deixa de consagrar o subjetivismo, e não traz insegurança ou incerteza quanto ao Direito Constitucional, suas formas, institutos, técnicas e conceitos, mesmo porque a atividade de interpretação da Constituição encontra limites na opinião pública e no devido processo legal.
A interpretação da Constituição, segundo Canotilho, é um conjunto de métodos desenvolvidos pela doutrina e pela jurisprudência, com base em critérios ou premissas (filosóficas, metodológicas, epistemológicas) diferentes, mas, em geral, reciprocamente complementares. Esses métodos são: a) método jurídico, que parte da consideração de ser a Constituição uma lei, que pode e deve ser interpretada utilizando-se os cânones ou regras tradicionais da hermenêutica; b) método tópico-problemático, que parte das seguintes premissas: caráter prático da interpretação constitucional, pois procura resolver os problemas concretos; caráter aberto, fragmentário ou indeterminado da norma constitucional; preferência pela discussão do problema em virtude da abertura daquela norma; c) método hermenêutico-concretizador, teorizado por Konrad Hesse, pelo qual a leitura de um texto constitucional inicia-se pela pré-compreensão do seu sentido através do intérprete, a quem cabe concretizar a norma para e a partir de uma situação histórica concreta. Este método procura realçar os aspectos subjetivos e objetivos da atividade interpretativa, isto é, a atividade criadora do intérprete e das circunstâncias em que se desenvolve essa atividade, promovendo uma relação entre texto e contexto, transformando a interpretação em movimento de ir e vir (círculo hermenêutico); d) método científico-espiritual, em que a interpretação da Constituição deve levar em conta a ordem ou o sistema de valores subjacentes ao texto constitucional, bem como o sentido e a realidade que ela possui como elemento do processo de interpretação; e) método normativo-estruturante, pelo qual o intérprete-aplicador deve considerar e trabalhar com dois tipos de elementos de concretização: um formado pelos elementos resultantes da interpretação do texto da norma, e o outro resultante da investigação do referente normativo – por outras palavras, o texto e a realidade social que este visa conformar.
Carlos Maxmiliano formulou algumas regras de interpretação da Constituição extraídas, sobretudo, de constitucionalistas norte-americanos:
I) o Código fundamental tanto prevê no presente como prepara o futuro. Por isso, ao invés de se ater a uma técnica interpretativa exigente e estreita, procura-se atingir um sentido que torna efetivos e eficientes os grandes princípios de governo e não os que contrarie ou reduza a inocuidade;
II) forte é a presunção da constitucionalidade de um ato ou de uma interposição, quando data de grande número de anos, sobretudo se foram contemporâneos da época em que a lei fundamental foi votada;
III) todas as presunções militam a favor da validade de um ato, legislativo ou executivo, até que a violação da Constituição seja provada de maneira que não reste a menor dúvida razoável;
IV) sempre que for possível sem fazer demasiada violência às palavras, interprete-se a linguagem da lei com reservas tais que se torne constitucional a medida que ela institui, ou disciplina;
V) quando a nova Constituição mantém alguns de seus artigos, a mesma linguagem da antiga, presume-se que se pretendeu não mudar a lei nesse particular, e a outra continua em vigor, isto é, aplica-se à atual interpretação aceita para a anterior.
VI) quando a Constituição confere poder geral ou prescreve dever franqueia também, implicitamente, todos os podres particulares, necessários para o exercício de um, ou o cumprimento do outro;
VII) quando o estatuto fundamental define as circunstâncias em que um direito pode ser exercido, ou uma pena aplicada, esta especificação importa proibir implicitamente qualquer interferência legislativa para sujeitar o exercício do direito a condições novas ou estender a outros casos a penalidade;
VIII) a prática constitucional longa e uniformemente aceita pelo Poder Legislativo, ou pelo Executivo, tem mais valor para o intérprete do que as especulações engenhosas dos espíritos concentrados;
IX) interpretam-se estritamente os dispositivos que instituem exceções às regras gerais firmadas pela Constituição;
X) a Constituição é a lei suprema do país, contra a sua letra, ou espírito, não prevalecem resoluções dos poderes federais, constituições, decretos ou sentenças federais, nem tratados, ou quaisquer outros atos diplomáticos.
Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto fixam os traços ou notas caracterizadoras de uma técnica de interpretação das normas constitucionais:a) inicialidade permanente à formação originária do ordenamento jurídico, em grau de superioridade hierárquica. O intérprete da Constituição não deve buscar diretrizes ou parâmetros na legislação infraconstitucional, mas no próprio texto constitucional; b) conteúdo marcadamente político, visto ser a Constituição o estatuto jurídico do fenômeno político; c) estrutura de linguagem caracterizada pela síntese e coloquialidade; d) predominância das chamadas normas de estrutura, tendo por destinatário habitual o próprio legislador.
Outras regras de interpretação constitucional: I) na interpretação constitucional deve prevalecer o conteúdo teleológico da Constituição; II) a finalidade suprema e última da norma constitucional é a proteção e a garantia da liberdade e dignidade do homem; III) a interpretação da lei fundamental deve orientar-se, sempre, para esta meta suprema; IV) em caso de aparente conflito entre a liberdade e o interesse do governo, aquela deve prevalecer sempre sobre este último; V) o fim último do Estado é exercer o mandato dentro de seus limites; VI) deve-se dar ênfase ao método histórico, que acentua a importância em recorrer às atas de outros documentos contemporâneos para a formulação da Constituição; VII) quando a Constituição confere um poder em termos gerais, prescreve um dever, outorga, implicitamente, todos os poderes particulares (implied powers) necessários ao exercício desse poder e ao cumprimento dessa obrigação; VIII) os Tribunais só podem declarar a inconstitucionais os atos de outros poderes, quando o vício é manifesto e não dá lugar a dúvidas.
Inocêncio Mártires Coelho arrola os princípios de interpretação constitucional que devem ser aplicados conjuntamente, como condição indispensável a que o ato de interpretação constitucional se reveste em toda a sua extensão e complexidade:
a) princípio da unidade da Constituição: as normas constitucionais devem ser consideradas não como normas isoladas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de regras e princípios;
b) princípio do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deve-se dar primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social e o reforço da unidade política;
c) princípio da máxima efetividade;
d) princípio da conformidade funcional: o órgão encarregado da interpretação constitucional não pode chegar a resultados que subvertam ou perturbem o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido;
e) princípio da concordância prática ou da harmonização: os bens constitucionalmente protegidos, em caso de conflito ou concorrência, devem ser tratados de maneira que a afirmação de um não implique o sacrifício de outro;
f) princípio da força normativa da Constituição: na interpretação constitucional deve-se dar primazia às soluções que, densificando as suas normas, as tornem eficazes e permanentes;
g) princípio da interpretação conforme a Constituição.
São pautas de uma nova hermenêutica, isto é, a participação criativa, participativa e construtiva, em harmonia adequada com os direitos fundamentais e a realidade social, as seguintes: concretização, princípio da proporcionalidade, teoria estruturante do direito, princípios gerais do direito convertidos em princípios constitucionais e colocados no vértice da pirâmide normativa, dimensão objetiva dos direitos fundamentais, a acolher novas gerações de direitos, e expansão horizontal do Direito Constitucional, abarcando todos os ramos da Ciência Jurídica.
Não se pode deixar de mencionar, no domínio da interpretação constitucional, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade.
O princípio objetiva conter o arbítrio e viabilizar a moderação no exercício do poder, tendo em vista a proteção dos indivíduos. Assim, os atos do Poder Público devem ser adequados e proporcionais relativamente às situações que visem atender.
Se no domínio da atividade administrativa, o princípio da proporcionalidade visa controlar a compatibilidade dos atos da administração com os interesses coletivos tutelados, e a sua compatibilidade, diante das restrições aos direitos dos administrados, no âmbito da atividade legislativa, o princípio, também conhecido como princípio da proibição do excesso, deve ser usado como parâmetro de controle da constitucionalidade, para impedir que o legislador estabeleça restrições desproporcionais, editando leis caprichosas, desarrazoadas e lesivas aos cidadãos. O poder de legislar não pode, desse modo, ir até o abuso, o excesso, o desvio.
Por tudo isso, no âmbito da interpretação constitucional, o Poder Judiciário deve verificar, quando da aplicação do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, se a norma , para se conformar ao princípio: 1) revela-se apta para os fins a que se destina, ou seja, mostre-se adequada; 2) seja menos gravosa possível para que se atinjam tais fins; 3) cause benefícios superiores às desvantagens que proporciona. Destas características do princípio da proporcionalidade decorrem os subprincípios denominados pela doutrina alemã de adequação, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação, conhecida como subprincípio da idoneidade, pertinência, conformidade ou aptidão, significa que a medida deve ser adequada aos motivos que a impulsionaram e às finalidades que persegue.
A necessidade, também denominada de subprincípio da exigibilidade, proibição do excesso, intervenção mínima indispensabilidade, quer dizer que a conduta estatal não deve exceder a imprescindível para a realização do fim jurídico a que se propõe.
A proporcionalidade em sentido estrito implica no sopesamento dos interesses em jogo, isto é, a ponderação das tensões entre os princípios em concorrência: pesa-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins.
Constitui ainda princípio específico da atividade de interpretação constitucional o da presunção da constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público que se traduz em duas regras de observância necessária pelo intérprete e aplicador do direito: a) não sendo evidente a inconstitucionalidade, havendo dúvida ou possibilidade de razoavelmente se considerar a norma como válida, deve o órgão competente abster-se da declaração de inconstitucionalidade; b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras que carreavam para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor, diluindo-se então o princípio da interpretação conforme a Constituição.
No âmbito da interpretação da Constituição, José Afonso da Silva fala numa hermenêutica contextual, aduzindo que não se tem levando em consideração a importância do contexto sobre o sentido da Constituição e, reciprocamente, desta sobre o contexto em que ela se situa. É pela hermenêutica contextual que se descobre que duas passagens semelhantes, dentro da mesma Constituição, podem ter sentidos diversos, consoante o lugar que ocupam relativamente ao teto como um todo. Aqui se tem que o contexto intrínseco (ou contexto interno) é que indica ao intérprete o sentido de uma norma dentro de uma estrutura normativa específica dentro da totalidade normativa da Constituição.
O contexto intratexto consiste na relação entre as partes e o todo, entre as normas e o conjunto de normas e entre estes e a Constituição como um todo unitário. É esse contexto que dá fundamento e operatividade à interpretação sistemática, porque é dele que decorrem os dois grandes princípios da hermenêutica constitucional, o princípio da unidade da Constituição e o princípio da coerência das normas da Constituição.
O contexto intratexto (não é inteiramente externo ao objeto a interpretar, pois este também o integra) consiste na relação entre as partes e o todo, unitário. O contexto extratexto refere-se a toda a realidade lingüística e não-lingüística, normativa e não-normativa, em que se insere a Constituição. Refere-se, em síntese, a todos os eventos e acontecimentos que se movem em torno da Constituição.
Destaca-se, também, na interpretação da Constituição, o princípio da auto-referência: à falta de definição constitucional ou pré-jurídica, os conceitos são extraídos das fórmulas operacionais, tal como postas no sistema da Constituição. O sentido das disposições constitucionais não se encontra na lei, mas na Constituição.
Destaque-se, no âmbito da interpretação da Constituição, o mecanismo denominado de ponderação de bens ou valores, utilizado para a solução de tensões ou conflitos entre normas. Busca-se, com isso identificar, na hipótese de colisão entre pelo menos dois princípios constitucionais, qual bem jurídico deverá ser tutelado.
Para tanto, a atividade do intérprete terá por finalidade delinear o que se denomina de topografia do conflito, a qual exige que se esclareçam dois pontos: a) se e em que medida a área ou esfera de um direito (âmbito normativo) se sobrepõe à esfera de um outro direito também normativamente protegido; b) qual o espaço que resta aos dois bens conflitantes para além da zona de sobreposição. E na realização da ponderação de bens ou valores constitucionais, essencial é a utilização do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, por ser ele que possibilitará a identificação do desvalor de alguns interesses invocados como dignos de proteção em conflito com outros.
O Supremo Tribunal Federal, em hipótese envolvendo ponderação de valores entre a incolumidade do patrimônio jurídico da vítima e a privacidade do ofendido, decidiu no sentido da prevalência deste último.
De se destacar, dentre os princípios constitucionais materiais o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 3º, inciso III), considerado como o núcleo axiológico do Estado Democrático de Direito pautado pelos direitos fundamentais. A dignidade humana refere-se não só à liberdade e valores do espírito, quanto às condições mínimas materiais de subsistência, aí considerados os direitos à renda mínia, saúde, educação fundamental e acesso à Justiça.
Necessária a consideração de que a atividade do intérprete não é absoluta. Inadmite-se que ele, ao mudar o sentido da norma constitucional, possa vir a mudar o texto. Assim, embora, em princípio, a interpretação constitucional caracterize um processo informal de mudança do sentido da Constituição, essa atividade encontra limites, pois se devem preservar os princípios estruturais (políticos e jurídicos) da Constituição.

Fonte: Direito Constitucional. Kildare Gonçalves Carvalho.