quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Questões Incidentais e Processos Incidentes Processo Penal

O comum entre os processos incidentes é o seu processamento em apenso aos autos da ação penal, reclamando, em regra (a exceção fica por conta do julgamento de eventuais embargos ao seqüestro, que deverá ser posterior ao julgamento da ação penal), pronunciamento prévio do Juízo. Tais incidentes, em geral, também não suspendem o curso da ação penal. Já as questões prejudiciais de que cuidam os artigos 92 e seguintes do Código de Processo Penal não têm processamento em apartado à ação penal; aliás, nem sequer são da competência do Juízo criminal.
Trata-se de matéria cuja solução é prejudicial ao julgamento da ação penal, no sentido de atuarem como pressupostos (fundamento de origem) da própria definição da existência do crime. Em uma palavra, integram, como elementar, o tipo penal imputado ao réu. É bem verdade que há também questões incidentais no Juízo criminal que igualmente reclamam solução prévia, para a própria configuração do crime. São as chamadas questões prejudiciais homogêneas, de que é exemplo mais eloqüente a apreciação do crime de receptação, cujo tipo penal apresenta como elementar o fato de ser produto de crime a coisa ali mencionada.
Entretanto, embora prejudicial, nada impede que o Juiz da causa prejudicada resolva como lhe parecer de direito uma questão, mesmo quando não for territorialmente competente para o julgamento de ambas as causas. É bem verdade que essa possibilidade põe em risco o princípio da unidade da jurisdição, a partir de eventuais soluções distintas para um único mesmo fato. Ocorre, porém, que, tratando-se de matéria que se insere na competência jurisdicional do Juiz, o risco pode ser minimizado pela aplicação das regras da conexão, sobretudo aquela que cuida da conexão instrumental ou probatória (artigo 76, inciso III do CPP). No que respeita, entretanto, às questões propriamente ditas, isto é, aquelas previstas nos artigos 92 e 93 do Código de Processo Penal, também chamadas de questões heterogêneas, a respectiva solução judicial, como regra, não é da competência do Juiz criminal, e sim da jurisdição cível. Daí porque inevitável o recurso às regras da conexão, por exemplo. As questões prejudiciais – objeto de uma relação jurídica de natureza civil – podem ser obrigatórias ou facultativas.
Na primeira hipótese, serão obrigatórias no sentido de afastarem absoluta e completamente a competência da instância criminal, devendo ser resolvidas unicamente na jurisdição cível. Isso ocorre quando a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o Juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas (artigo 92 do CPP). Assim, o Juiz de ofício ou a requerimento das partes suspende o processo, até solução final e definitiva da questão no Juízo cível, devendo o Ministério Público (se pública a respectiva ação) promover a ação civil relativa à questão prejudicial, ou nela prosseguir, quando já iniciada. O prazo prescricional estará suspenso enquanto não resolvida a questão no Juízo cível, nos termos do artigo 116, inciso I do Código Penal, devendo o Juiz determinar a produção de provas reputadas urgentes. Diferentemente, a questão prejudicial será facultativa, ou seja, a depender do juízo de conveniência e oportunidade do Juiz da causa penal, quando a existência da infração penal depender de decisão relativa ao estado civil das pessoas (artigo 93 do CPP).

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Ineficácia dos Negócios Jurídicos

A ineficácia, no sentido geral, é declaração legal de que os negócios jurídicos não se amoldam aos efeitos que ordinariamente produziram. Sem dúvida, a ineficácia, por qualquer de suas formas, tem sentido de pena, punição pelo fato de os agentes terem transgredido os requisitos legais. Essa pena ora tem o interesse público a respaldá-la, como nos atos ou negócios inexistentes e nulos, ora simples interesse privado, em que a lei vê o defeito de menor gravidade, como nos atos ou negócios anuláveis.
O vocábulo ineficácia é empregado para todos os casos em que o negócio jurídico se torna passível de não produzir os efeitos regulares. Quando o negócio jurídico é declarado judicialmente defeituoso, torna-se inválido. Nesse sentido, há que tomar o termo invalidade.
A função da nulidade é tornar sem efeito o ato ou o negócio jurídico. A idéia é fazê-lo desaparecer como se nunca houvesse existido. Os efeitos que lhe seriam próprios não podem ocorrer. Trata-se, portanto, de vício que impede o ato de ter existência legal e produzir efeito, em razão de não ter sido obedecido qualquer requisito formal.
Nos casos de nulidade absoluta, em contraposição à nulidade relativa, que é a anulabilidade, existe interesse social, além de interesse individual, para que o ato não ganhe força.
É nulo o negócio jurídico quando: celebrado por pessoa absolutamente incapaz; for ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto; o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; não revestir a forma prescrita em lei; for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; tiver por objetivo fraudar lei imperativa; a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Quando um só dos partícipes estiver ciente da ilicitude, não há como nulificar o negócio sob pena de constante instabilidade no mundo jurídico. A ciência de ambas as partes quanto ao motivo determinante é matéria de prova, nem sempre fácil, por sinal.
A nulidade repousa sempre em causas de ordem pública, enquanto a anulabilidade tem em vista mais acentuadamente o interesse privado.
Em geral, prova-se o ato nulo de forma objetiva, pelo próprio instrumento ou por prova literal. Poderá ocorrer, porém, com menos freqüência, que a nulidade necessite ser provada, caso seja contestada ou posta em dúvida, como é o caso de ato praticado pelo alienado mental, antes de sua interdição; da hipótese do motivo ilícito bilateral ou da fraude mencionadas. Tais circunstâncias deverão ser provadas para que se constate a nulidade.
A nulidade é penalidade que importa em deixar de existir qualquer efeito do ato, desde o momento de sua formação (ex tunc). A sentença que decreta a nulidade retroage, pois, à data do nascimento do ato viciado.
A regra “o que é nulo não pode produzir qualquer efeito” (quod nullum este nullum effectum producit) deve ser entendida com o devido temperamento. Na maioria das vezes, embora o ato seja tido como nulo pela lei, dele decorrem efeitos de ordem material.
O negócio é juridicamente nulo, mas o ordenamento não pode deixar de levar em conta efeitos materiais produzidos por esse ato. Isso é verdadeiro tanto em relação aos atos nulos como em relação aos atos anuláveis. As partes contratantes devem ser reconduzidas ao estado anterior. Nem sempre, fisicamente, isso será possível, assim serão indenizadas com o equivalente.
Quanto os efeitos materiais do ato não podem ser extirpados, a lei determina que seja feita recomposição em dinheiro, único substituto possível nessas premissas.

sábado, 27 de agosto de 2011

Petição Inicial

Como regra, no direito brasileiro, a demanda deve vir de forma escrita, admitindo-se, excepcionalmente, a demanda oral.
Como a demanda tem a função de bitolar a atividade jurisdicional, que não pode extrapolar os seus limites (decidindo além, aquém ou fora do que foi pedido), costuma-se dizer que a petição inicial é um projeto de sentença: contém tudo aquilo que o demandante almeja ser o conteúdo da decisão que vier a acolher o seu pedido.
Os requisitos formais da petição inicial estão previstos nos artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil:
- forma escrita;
- firma de advogado legalmente habilitado;
- indicação do Juízo a que é dirigida a demanda;
- qualificação das partes: quando ignorada uma destas circunstâncias, deve o autor declinar esse fato na petição inicial. É possível a demanda contra pessoa incerta, quando se deve proceder a um esboço de identificação;
- o fato e o fundamento jurídico do pedido: formam a denominada causa de pedir. Compõem a causa petendi o fato (causa remota) e o fundamento jurídico (causa próxima). A causa de pedir é o fato ou o conjunto de fatos jurídicos (fatos da vida judicializados pela incidência da hipótese normativa) e a relação jurídica, efeito daquele fato jurídico, trazidos pelo demandante como fundamento do seu pedido. Nosso Código de Processo Civil adotou a teoria da substancialização da causa se pedir, segundo a qual se exige do demandante indicar, na petição inicial, qual o fato jurídico e qual a relação jurídica dele decorrente. Não basta a indicação da relação jurídica, efeito do fato jurídico, sem que se indique qual o fato jurídico que lhe deu causa – teoria da individualização. Com isso, a pluralidade de fatos jurídicos implicará a pluralidade de demandas – hipótese muito comum em ação rescisória, quando o demandante pede a rescisão do julgado com fundamento em mais de uma das hipóteses previstas no artigo 485 do Código de Processo Civil. Não se deve confundir fundamento jurídico (qualificação jurídica, enquadramento jurídico), com fundamentação legal, essa dispensável. O magistrado está limitado, na sua decisão, pelos fatos jurídicos e pelo pedido formulados – não o está, porém, ao dispositivo legal invocado pelo demandante, pois é sua a tarefa de verificar se houve a subsunção do fato à norma (ou seja, verificar se houve incidência). Há quem divida a causa de pedir em ativa e passiva, sendo aquela o fato do direito e essa o fato que impulsiona o interesse de agir. Se o autor reclama a restituição de quantia emprestada, a causa petendi abrange o empréstimo, fato constitutivo do direito alegado (aspecto ativo), e o não pagamento da dívida no vencimento, fato lesivo do direito alegado (aspecto passivo). Observe-se que tanto a causa ativa como a causa passiva são englobadas pela chamada causa de pedir remota: o fato jurídico, que se divide nos aspectos ativo e passivo;
- o pedido;
- valor da causa;
- a indicação dos meios de prova com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
- requerimento para citação do réu;
- documentos indispensáveis para a propositura da demanda.
Se a petição inicial estiver irregular, por lhe faltar algum dos seus requisitos, deve o magistrado intimar ao autor para corrigi-la, emendá-la. É o que prescreve o artigo 284 do Código de Processo Civil, que autoriza o Juiz a determinar a emenda da petição inicial, no prazo de 10 dias, intimando-se o advogado do autor.
O indeferimento da petição inicial é decisão judicial que obsta liminarmente o prosseguimento da causa, pois não se admite o processamento da demanda. Não se recomenda, contudo, o indeferimento indiscriminado. A petição inicial somente deve ser indeferida se não houver possibilidade de correção do vício ou, se houver, tiver sido conferida oportunidade para que o autor a emende e este não tenha atendido satisfatoriamente à determinação.
Só há indeferimento liminar antes da ouvida do réu. Após a citação, o Juiz não mais poderá indeferir a petição inicial, de resto já admitida, devendo, se vier a acolher alguma alegação do réu, extinguir o feito por outro motivo. É o indeferimento (na hipótese de invalidade) uma hipótese especial de extinção do processo por falta de um pressuposto processual.
As matérias que dão azo ao indeferimento da petição inicial são todas questões que não se submetem à preclusão, podendo ser conhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição. Com exceção da prescrição, todas são questões de ordem pública. As causas de indeferimento são de duas ordens: a) indeferimento por defeito da petição inicial; b) indeferimento por improcedência prima facie do pedido.
É possível o indeferimento da petição inicial com julgamento do mérito. O magistrado, liminarmente, reconhece a improcedência do pedido e não admite sequer a citação do réu, ato que se revela desnecessário ante a macroscópica impertinência do pedido. É a chamada improcedência prima facie.
O indeferimento da petição inicial pode ocorrer tanto em Juízo singular como em Tribunal. Pode, ainda, ser total ou parcial.
O indeferimento pode ser uma decisão interlocutória, uma decisão monocrática de membro de Tribunal, um acórdão e, também, uma sentença, só se configurando como tal se se tratar de indeferimento total da petição inicial feito por Juízo singular.
Havendo apelação da sentença que indefere a petição inicial (com ou sem exame do mérito), poderá o Juiz, no prazo de 48 horas, rever sua decisão e modificá-la, em juízo de retratação. Desnecessária a citação do réu para acompanhar a apelação. A garantia do contraditório não ficará arranhada, porque nada do que ficara julgado nessa fase processual será vinculativo ao demandado. Poderá, contudo, o réu ingressar no feito, dando-se por citado e oferecendo as contrarrazões da apelação.
São hipóteses de indeferimento:
- inépcia (inaptidão): gira em torno de defeitos vinculativos à causa de pedir e ao pedido; são defeitos que não apenas dificultam, mas impedem o julgamento do mérito. O parágrafo único do artigo 295 do Código de Processo Civil traz as hipóteses de inépcia: ausência de pedido ou de causa de pedir; quando da narração dos fatos não decorrer logicamente o pedido ou quando o pedido for juridicamente impossível; cumulação de pedidos incompatíveis entre si;
- carência de ação: quando há ausência de qualquer condição da ação. Após a contestação, o acolhimento da alegação de carência de ação não implicará indeferimento da petição inicial, mas extinção do processo com base no inciso VI do artigo 267 do Código de Processo Civil;
- verificação da prescrição ou decadência;
- erro de procedimento: a petição inicial somente não será indeferida se puder ser adaptada ao tipo de procedimento legal;
- outras hipóteses: a petição inicial será indeferida quando não atendidas as prescrições dos artigos 39, parágrafo único e 284, ambos do Código de Processo Civil (artigo 295, VI do CPC). Esses artigos determinam a correção de determinados vícios da petição inicial: a) o artigo 39 determina que se indique, na petição inicial, o endereço em que receberá as intimações, sob pena de indeferimento da petição inicial, se não for suprida a omissão no prazo de 48 horas; o artigo 284 é regra geral que autoriza o magistrado a determinar a emenda da petição inicial, para correção de vícios sanáveis, no prazo de 10 dias, também sob pena de indeferimento.
O pedido é o núcleo da petição inicial, a providência que se pede ao Poder Judiciário, a pretensão material deduzida em Juízo (e que, portanto, vira pretensão processual), a conseqüência jurídica (eficácia) que se pretende ver implementada através da atividade jurisdicional.
O pedido baliza a prestação jurisdicional, que não poderá ser extra, ultra, infra ou citra petita, conforme prescreve o princípio da congruência. Serve o pedido também como elemento de identificação da demanda, para fins de verificação da ocorrência de conexão, litispendência ou coisa julgada. O pedido é, finalmente, o parâmetro para identificação do valor da causa.
Pedido imediato seria a providência jurisdicional que se pretende: a condenação, a expedição de ordem, a constituição de nova situação jurídica, a tomada de providências executivas, a declaração, etc. O pedido mediato é o bem da vida, o resultado prático, que o demandante espera conseguir com a tomada daquela providência. Essa distinção tem algum relevo.
O pedido imediato será sempre determinado; já o mediato pode ser relativamente indeterminado (pedido genérico – artigo 286 e incisos do CPC).
Em relação ao pedido mediato, aplica-se o princípio da congruência, que, de resto, decorre da garantia constitucional do contraditório; o magistrado não pode alterar o bem da vida pretendido pelo demandante. Essa é a regra.
No que diz respeito ao pedido imediato – providência jurisdicional – deve ser temperada a exigência, por força do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor e 461 do Código de Processo Civil, que autorizam o magistrado a tomar providências de ofício, de modo a alcançar com mais facilidade e eficiência o resultado prático almejado.
Pedido certo é pedido expresso. Pedido determinado é aquele delimitado e relação à quantidade e à qualidade.
Há cumulação de pedidos quando se formulam vários pedidos, pretendendo-se o acolhimento simultâneo de todos eles. O traço comum das ações cumuladas consiste na aptidão para cada ação de se incluir como objeto de uma relação processual independente.
Ocorre cumulação simples quando as pretensões não têm entre si relação de procedência lógica (pedido prejudicial ou preliminar), podendo ser analisadas uma independentemente da outra. Não há necessidade de exame prévio de um dos pedidos, que são autônomos: podem ser acolhidos total ou parcialmente, ou rejeitados, sem que se perquira o resultado do julgamento do outro.
Dá-se cumulação sucessiva quando os exames dos pedidos guardam entre si um vínculo de precedência lógica: o acolhimento de um pedido pressupõe o acolhimento do anterior. Essa dependência lógica pode ocorrer de duas formas: a) o primeiro pedido é prejudicial ao segundo: o não acolhimento do primeiro pedido implicará a rejeição (e, portanto, julgamento) do segundo; b) o primeiro pedido é preliminar ao segundo: o não-acolhimento do primeiro implicará a impossibilidade de exame do segundo (que não será julgado). O acolhimento do primeiro pedido, em qualquer caso, não implica necessariamente o acolhimento do segundo pedido.
Cogita-se também da chamada cumulação imprópria de pedidos. Cuida-se da formulação de vários pedidos ao mesmo tempo, de modo que apenas um deles seja atendido: chama-se, por isso, de cumulação imprópria o fenômeno, exatamente porque tem o autor ciência de que apenas um dos pedidos formulados poderá ser satisfeito.
Na cumulação eventual, também chamada de pedidos subsidiários, pedidos sucessivos ou cumulação subsidiária. Trata-se da aplicação do princípio da eventualidade, segundo o qual a formulação das pretensões e exceções deve ser feita no momento específico da postulação. O autor estabelece uma hierarquia/preferência entre os pedidos formulados: o segundo será analisado se o primeiro for rejeitado ou não puder ser examinado (falta de um pressuposto de exame do mérito); o terceiro só será atendido se o segundo e o primeiro não puderem sê-lo etc. O magistrado está condicionado à ordem de apresentação dos pedidos, não podendo passar ao exame do posterior se não examinar e rejeitar o anterior. Nem mesmo se houver reconhecimento pelo réu da procedência do pedido subsidiário.
A cumulação de pedidos incompatíveis entre si é caso de inépcia da petição inicial.
Acolhido o pedido principal, estará o magistrado dispensado de examinar o pedido subsidiário, que não ficará acobertado pela coisa julgada, exatamente por não ter sido examinado.
Poderá o autor recorrer da parte da decisão que rejeitar o pedido principal, mesmo que logre êxito no pedido subsidiário. Se a sentença reconhece a procedência do pedido principal, o Tribunal não poderá, no julgamento da apelação do réu, dando a ela provimento, adentrar no exame do pedido subsidiário, porquanto somente o capítulo da decisão relacionado com o pedido principal é que foi devolvido pelo órgão ad quem.
A sucumbência total do autor, quando formula pedido sucessivo, só existirá se todos os seus pedidos forem rejeitados. Acolhido o pedido subsidiário, não haveria porque falar-se em sucumbência parcial: cabe relembrar que, em demanda formulada com cumulação eventual, não é possível o acolhimento de mais de um pedido. Acolhido totalmente um dos pedidos, o autor é vencedor exclusivo. Outra solução para o caso de acolhimento do pedido subsidiário, em razão da rejeição do pedido principal, é entender que houve pequena sucumbência do autor.
A cumulação imprópria sucessiva diferencia-se a eventual porque neste o autor demonstra preferência em relação da um dos pedidos. O valor da causa será o do pedido que tiver maior valor.
Acolhido um dos pedidos alternativos, não terá o autor interesse para recurso com o objetivo do acolhimento do outro. Aplicam-se, por analogia, à demanda recursal, as técnicas de postulação inicial, como a cumulação de pedidos e os pedidos subsidiários.
A cumulação de pedidos por ser inicial, quando veiculada no ato que originalmente contém a demanda (petição inicial da demanda ou reconvencional) ou ulterior, quando a parte agrega novo pedido à sua demanda após a postulação inicial, já no curso do processo. É cumulação ulterior o aditamento permitido da petição inicial. Outro exemplo de cumulação ulterior é o ajuizamento pelo autor de ação declaratória incidental, mesmo aquela que objetiva o reconhecimento da falsidade de documento.
Fala-se em cumulação homogênea quando os pedidos forem formulados pela mesma parte, e cumulação heterogênea ou contrastante, quando os pedidos forem formulados por partes distintas, como é o caso da cumulação pela reconvenção ou denunciação da lide promovida pelo réu. Nesta linha, cumpre advertir, não se aplica à cumulação heterogênea o requisito da compatibilidade dos pedidos.
São requisitos para cumulação:
- competência: somente será possível a cumulação se o Juiz tiver competência absoluta para conhecer de todos os pedidos formulados. Não deve o magistrado indeferir totalmente a petição inicial, se ocorrer cumulação de pedido que fuja sua competência; deve admitir o processamento do pedido que lhe é pertinente, rejeitando o prosseguimento daquele estranho à sua parcela de jurisdição. Se a cumulação envolver pedido para cujo processamento o Juízo não tenha competência relativa, o desmembramento da petição inicial dependerá da propositura da exceção de incompetência do réu. No entanto, se entre os pedidos houver conexão, é possível a cumulação, mesmo que o Juízo seja relativamente incompetente para processar/julgar um deles, em razão do efeito modificativo da competência que decorre da conexão. Não poderá o réu opor-se a tal cumulação;
- compatibilidade de pedidos: se for possível a cumulação de pedidos incompatíveis, deve o demandante valer-se da técnica da cumulação imprópria (eventual ou alternativa), que dispensa a compatibilidade dos pedidos, exatamente porque se espera o acolhimento de apenas um deles;
- identidade do procedimento ou conversibilidade no rito ordinário.
Salvo os casos em que se admite pedido implícito, incumbe ao autor formular na petição inicial todos os pedidos que puder contra o réu. Poderá o autor, contudo, aditar a petição inicial antes da citação, desde que arque com as custas do aditamento. Note-se que há um descompasso, injustificado, com a norma que permite a alteração do pedido, que pode ser feita depois da citação, com o consentimento do réu.
São hipóteses de redução do pedido: a) desistência parcial; b) renúncia parcial ao direito postulado; c) transição parcial na pendência do processo; d) convenção de arbitragem relativa a parte do objeto do litígio, na pendência do processo; e) interposição, pelo autor, de recurso parcial contra a sentença de mérito desfavorável.
É direito processual de o autor promover a alteração (substituição) dos elementos objetivos da demanda (pedido e causa de pedir) antes da citação do réu. Após a citação, o autor somente poderá fazê-lo com consentimento do demandado, ainda que revel, que terá novo prazo de resposta, pois a demanda terá sido alterada. Trata-se de verdade negócio jurídico processual. A negativa do réu deve ser expressa, pois o silêncio, após a intimação da proposta de mudança, poderá ser interpretado como concordância tácita, operando-se a preclusão. Há entendimento segundo o qual a mudança objetiva ex officio pelo magistrado deve ser impugnada, sob pena de operar-se a preclusão.
Após o saneamento, é vedada qualquer alteração objetiva promovida pelo autor, mesmo com o consentimento do réu. Em razão disso, não se pode alterar objetivamente o processo na fase recursal, até mesmo para que não haja supressão de instância. A única alteração objetiva do processo possível após o saneamento é a que ocorre em razão da oposição interventiva (artigo 59 do CPC), que, além de promovida por terceiro, deverá ser feita até o início da audiência de instrução e julgamento. Observadas estas regras, é possível a alteração do objeto imediato ou mediato do pedido. Eventuais correções de erros materiais da demanda podem ser feitas a qualquer tempo.
A regra do artigo 475-N, inciso III do Código de Processo Civil, segundo a qual é possível a inclusão, na conciliação judicial, de objeto estranho ao processo, enfraqueceu a preclusão determinada neste artigo, pois é inegável que, agora, é possível a inclusão consensual de novo pedido/causa de pedir – antes ou após a citação, pouco importa o momento (artigo 125, IV do CPC) – ainda que apenas para ser objeto de um acordo judicial.
Pedido implícito e aquele que, embora não explicitado na demanda, compõe o objeto do processo (mérito) por força de lei; mesmo que a parte não peça, deve o magistrado examiná-lo e decidi-lo. É temperamento da regra de que o pedido deve ser certo (expresso) e que sua interpretação deve ser restritiva (artigo 293 do CPC). São exemplos de pedidos implícitos: juros legais; ressarcimento das despesas processuais e honorários advocatícios; correção monetária; pedido relativo a obrigações periódicas, pois o autor está desobrigado a pedir as prestações vincendas: o magistrado deve incluir, na decisão, as prestações vincendas e não pagas. Importa frisar que os juros convencionais ou compensatórios não prescindem do pedido expresso do autor, não constituindo pedido implícito.
Permite a lei, em alguns casos, a formulação de pedido genérico. Determinado quanto ao gênero, o pedido pode ser genérico em relação à quantidade. No tocante ao an debeatur será determinado; em relação ao quantum debeatur, será indeterminado.
Admite-se o pedido genérico nas ações universais, se não puder o autor individuar na petição os bens demandados. É aceito também nas ações indenizatórias em razão de ato ou fato ilícito, quando não for possível determinar, de modo definitivo as conseqüências danosas (muito embora o autor não precise quantificar o dano, deverá especificar o prejuízo sofrido).
O autor deve quantificar o valor da indenização na petição inicial, pois o pedido nestas demandas deve ser certo e determinado, delimitando o autor quanto pretende receber como ressarcimento pelos prejuízos morais que sofreu. A função do magistrado é julgar se o montante requerido pelo autor é ou não devido; não lhe cabe, sem uma provocação do demandante, dizer quanto deve ser o montante. Ademais, se o autor pedir que o magistrado determine o valor da indenização, não poderá recorrer da decisão, pois o pedido teria sido acolhido integralmente, não havendo como se cogitar de interesse recursal.
Somente é possível a iliquidez do pedido, nestas hipóteses, se o ato causador do dano puder repercutir, ainda, no futuro, gerando outros danos; aplicar-se-ia então o inciso II do artigo 286 do Código de Processo Civil. Fora desta hipótese, incabível a formulação de pedido ilíquido.
Permite-se, ainda, pedido genérico quando a condenação depender de ato a ser praticado pelo réu, como na hipótese da ação de prestação de contas cumulada com o pagamento de saldo devedor.
Pedido alternativo é aquele que reclama prestações disjuntivas. Trata-se do tipo de pedido classificado a partir de dada relação de direito substancial, que permite a satisfação do direito por prestações autônomas e excludentes. O pedido será alternativo quando veicular pretensão oriunda de obrigação alternativa, facultativa ou com faculdade de substituição.
Não se trata de cumulação de pedidos (nem da chamada cumulação alternativa): somente um pedido é feito, a forma de satisfação desse pedido é que é disjuntiva.
Se a escolha couber ao autor, não haverá pedido alternativo: será fixo, pois o autor ao formulá-lo fez a sua escolha. Poderá o autor reservar-se para escolher na fase de execução (mesmo em se tratando de obrigação de fazer, não fazer ou dar, cujo cumprimento da respectiva sentença dispensa processo autônomo de execução), formulando pedido alternativo.
Se o réu for revel, tendo o autor formulado pedido fixo, quando a escolha caberia ao demandado entende-se que a revelia não descaracteriza a natureza da obrigação. Ela conduz à admissibilidade dos fatos, não à constituição de fatos jurídicos novos, nem à descaracterização do fato jurídico título da demanda. Consequentemente, ao revel deve o Juiz condenar, deferindo-lhe o direito de escolha, se o autor formulou pedido fixo quando deveria tê-lo posto como alternativo.
O artigo 287 do Código de Processo Civil permite que o autor peça ao magistrado que comine multa ao réu para o caso de descumprimento de decisão, provisória ou definitiva, que lhe imponha um fazer, um não-fazer ou um dar coisa distinta de dinheiro.
A tutela jurisdicional das obrigações de fazer, não fazer e a de entregar coisa não mais efetiva por sentença condenatória, que pressupõe processo de execução posterior. Atualmente, é absolutamente atécnico falar-se, por exemplo, de “sentença condenatória de obrigação de fazer”, ou “de não fazer”, ou “de entregar coisa” (distinta de dinheiro), pois tais obrigações são efetivadas ou por provimentos mandamentais ou por provimentos executivos.
Todo direito a uma prestação pode ser tutelado por técnicas de cognição com força executiva: mandamental, que pressupõe colaboração do sujeito passivo, após coerção indireta do Estado-Juiz, e executiva em sentido lato, que dispensa o auxílio do obrigado, valendo-se o Poder Judiciário de medidas de coerção direta.
Havendo ou não pedido de cominação, estará o Juiz autorizado a determinar a pena pecuniária, seja o caso de obrigação de fazer ou não fazer, fungível ou não.
Cuida o artigo 291 do Código de Processo Civil da hipótese em que um dos credores da obrigação indivisível pleiteia em Juízo a sua satisfação. Regula-se a demanda que envolve relação jurídica creditícia em que há pluralidade de credores em torno de objeto indivisível, e somente um ou alguns deles vai a Juízo pedir a efetivação desta obrigação. Esse artigo é o dispositivo processual que regulamenta as disposições de direito material relacionadas com a cobrança judicial de créditos de obrigação indivisível.
Quando há pluralidade de credores de obrigação indivisível, poderá cada um deles exigir a dívida inteira. A pluralidade de credores de obrigação indivisível obriga tratamento igual ao da solidariedade ativa. O direito material, assim, legitima um dos credores a pleitear toda a dívida por inteiro.
Se apenas um dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outros assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que cabia no total. Aquele credor que não participou do processo, para levantar o seu quinhão, deverá arcar, proporcionalmente, com as despesas processuais de cobrança do crédito (inclusive honorários advocatícios).

Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Jurisdição e Competência no Processo Penal III

Modificação de Competência e Perpetuatio Jurisdictionis
A possibilidade de modificação de competência – na verdade, de jurisdição – é medida excepcional prevista expressamente na Constituição, consoante o disposto no artigo 109, § 5º. Nele se prevê o incidente de deslocamento da competência estadual para a federal, tendo por legitimado o Procurador-Geral da República, e a ser resolvido pelo Superior Tribunal de Justiça, em hipótese de grave violação a direitos humanos e quando previsto em tratado internacional subscrito pelo Brasil.
Como regra, a ação penal instaurada perante um Juízo territorialmente competente deverá ali ter o seu completo desenvolvimento, quando não for excepcionada a sua incompetência, seja ex officio, seja por qualquer uma das partes por meio do incidente conhecido por exceção de incompetência.
A perpetuatio jurisdictionis atende aos interesses da reta aplicação da lei penal, impedindo o quanto possível, as alterações de competência, com o objetivo do máximo aproveitamento dos atos processuais praticados, em benefício de um persecução penal mais ágil e livre de obstáculos protelatórios.
É importante ressaltar, então, que o Direito Processual brasileiro passou a contemplar a identidade física, determinando a Lei n.º 11.709/2008 que o Juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.
As exceções à regra da perpetuatio devem vir expressamente previstas em lei, até para se evitar a instituição de Juízos de exceção, designados especificamente para apreciação de determinados processos, sem a observância da exigência da impessoalidade e imparcialidade da jurisdição. Devem também atender a critérios racionais de adequação da tutela jurisdicional, sobretudo àqueles inseridos no amplo contexto do devido processo legal.
Em caso de infrações conexas ou continentes, ainda que o Juiz altere a definição do tipo penal a ser julgado naquele processo, e do que resultaria, em tese, a modificação da competência, por exigência da nova aplicação das regras previstas no artigo 78 do Código de Processo Penal (eleição do foro prevalente em caso de conexão ou continência), permanece ele competente para o julgamento de todas as infrações ali reunidas, perpetuando-se ou prorrogando-se a sua jurisdição.
Outra hipótese em que se poderá falar na exigência ou não da perpetuatio diz respeito à criação de novas varas e/ou Juízos Criminais por meio de normas locais de organização judiciária.
Diante da ausência de regra expressa, argumenta-se acerca da possibilidade de aplicação subsidiária da regra do artigo 87 do Código de Processo Civil, no qual se prevê que a competência deve ser fixada no momento em que a ação é proposta. Com a interiorização da Justiça Federal, isto é, com a criação de novas varas nas inúmeras seções judiciárias federais espalhadas pelo país, o caso poderá trazer significativas conseqüências.
Cabe distinguir a alteração, por criação de Juízo, de competência territorial por matéria da alteração da competência material, isto é, constitucional. A primeira, territorial por matéria, está no alcance das leis de organização judiciária, a quem ou de quem se espera exatamente uma melhor distribuição operacional da jurisdição. Já a competência material diz respeito à fixação de competência por jurisdição, em razão da matéria reservada a cada uma delas: à Justiça Federal, a matéria de direito no âmbito federal; à Justiça Eleitoral, a matéria de Direito Eleitoral; à Justiça Militar, a matéria de Direito Militar, e assim por diante.
Não há qualquer inconveniente a priori – ou, mais ainda, qualquer ilegalidade – na alteração excepcional da regra da perpetuatio jurisdictionis, sobretudo quando se tratar de criação de varas especializadas em determinadas matérias, no âmbito do mesmo Juiz natural, desde que respeitado, agora, o princípio da identidade física do Juiz, com modificação, então, da ordem legal anterior. Em tais hipóteses não se poderá cogitar da aplicação analógica do artigo 87 do Código de Processo Civil, porquanto ali também se ressalva a possibilidade de modificação de competência (territorial) em decorrência da alteração de competência em razão da matéria.
São perfeitamente possíveis as alterações de competência territorial de processos já em curso, salvo quando encerrada a instrução criminal, e desde que fundadas em criações de novas varas especializadas por matéria e/ou de novas varas que possam se configurar, nos termos da lei processual penal, como lugar da infração penal (caso típico da interiorização da Justiça). Tal não será, porém, o caso de simples aumento de varas criminais entre aquelas já existentes no mesmo foro ou comarca, quando, então, nada justificará a divisão quantitativa dos processos em curso. Nesses casos, a qualidade da prestação (ou tutela) jurisdicional estará melhor assegurada com a afirmação da perpetuatio jurisdictionis, dirigindo-se a distribuição dos novos processos ao novo e recém-criado Juízo, até atingir-se o necessário equilíbrio quantitativo.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC n.º 83.181/RJ, afirmou a incidência da regra da perpetuatio jurisdictionis, reconhecendo a permanência da competência territorial de uma vara criminal de Magé/RJ, mesmo após a instalação de uma vara regional no local do crime (Piabetá/RJ).
Quando o Juiz não concordar com a classificação feita na denúncia ou queixa poderá corrigir a inicial (emendatio libelli, artigo 383 do CPP), fazendo a adequação que lhe parecer mais correta, independentemente de qualquer providência, uma vez que a parte (o réu, no caso) defende-se do fato imputado e não de sua classificação. Se houver, com a desclassificação, modificação de competência, deve o Juiz encaminhar os autos ao Juiz competente.
Semelhante providência é prevista, porém, para a fase decisória do procedimento, por ocasião da prolação da sentença. A jurisprudência de nossos Tribunais, geralmente, não aceita a desclassificação em outra oportunidade, que não a fase decisória. O raciocínio parece ser no sentido de se tratar de manifestação direta sobre o mérito do caso penal; daí porque somente deveria ser realizada após a superação da fase instrutória.
Para fins de desclassificação, o Juízo que se faz acerca da adequação de um fato, enquanto fenômeno da realidade concreta, ao tipo penal correspondente na lei, ou seja ao direito, é de pura abstração, tendo em vista que se realiza sobre a imputação feita na denúncia, e não sobre a sua efetiva e real ocorrência, matéria a ser resolvida após a instrução criminal.
A desclassificação própria é aquela da qual resulte modificação da competência. Em tese, sempre será possível a modificação da competência pela simples correção ou adequação do fato narrado ao tipo penal classificado na denúncia.
Hipoteticamente, poderia ocorrer também – e aí a probabilidade é maior – a modificação de competência como resultado da simples correção do tipo classificado na inicial ao fato nela narrado, nas comarcas em que existam varas criminais especializadas. Tais questões não são tratadas como casos de desclassificação, preferindo a doutrina reconhecer tratar-se de simples declinação de competência.
Diz o artigo 74, § 3º do Código de Processo Penal que, nos crimes cuja competência tenha sido inicialmente atribuída ao Tribunal do Júri, quando o Juiz da pronúncia – que vem a ser o ato decisório por meio do qual o Juiz (sumariante, compentente para a chamada acusação e instrução preliminar) reconhece e admite a existência de um crime da competência do Tribunal do Júri e, assim, dá início ao respectivo procedimento – desclassificar a infração para outra atribuída à competência do Juiz singular, ele deverá remeter o processo ao Juiz competente. O artigo 409 do Código de Processo Penal limita-se a afirmar que os autos serão remetidos ao Juiz competente, ficando à disposição dele o acusado preso.
Quando, porém, a desclassificação foi feita pelo próprio Tribunal do Júri, a seu Presidente, caberá proferir a sentença, na forma do artigo 492, § 1º do Código de Processo Penal, se da desclassificação não resultar modificação da competência de jurisdição – Juiz natural – como ocorrerá, por exemplo, na desclassificação para crime militar. Contudo, na hipótese de desclassificação da qual resulte crime da competência dos Juizados Especiais Criminais, também caberá ao Juiz-Presidente adotar as providências previstas na Lei n.º 9.099/95 (transação penal etc.).
Tanto a Lei 11.313/2006 ressalva, expressamente, a possibilidade de reunião de processos de competência dos Juizados em outros Juízos, nas hipóteses de conexão e continência, quanto a nova Lei do Júri (Lei n.º 11.689/2008) afirma a competência daquele Tribunal (do Júri) ou do Juiz-Presidente (na hipótese de desclassificação) para a aplicação da Lei n.º 9.099/95.
Tratando-se de conexão ou continência entre processos, a regra é a reunião deles em um único Juízo, para fins de unidade do processo e de julgamento. Uma vez reunidos, com a adoção das regras previstas no artigo 78 do Código de Processo Penal pode ocorrer que o Juiz ou Tribunal, no processo de sua competência própria, da qual resultou o seu foro prevalecente, venha a proferir sentença absolutória, ou pode ocorrer que desclassifique a infração para outro que não se inclua na sua competência.
Se a decisão é absolutória, nenhuma dúvida. Como se trata de julgamento de mérito, ele prossegue normalmente no julgamento dos demais processos. Sendo desclassificatória a decisão, neste caso, a única razão pela qual os processos teriam sido ali reunidos, a classificação feita originariamente, não seria mais a mesma. A solução do artigo 81 do Código de Processo Penal, determinando a permanência do Juiz ou Tribunal para o julgamento de todos os processos (o desclassificado e os demais), está correta nesse sentido. Tratando-se de vários processos, revela-se absolutamente necessário o imediato aproveitamento da instrução criminal já realizada, de modo a obviar o respectivo julgamento, evitando-se maiores procrastinações e a possibilidade da renovação do incidente, que certamente ocorreria com a eleição de um novo foro prevalecente.
O caput do artigo 81 do Código de Processo Penal não mais pode ser aplicado ao Tribunal do Júri, por força da norma expressa no artigo 492, § 1º. Havendo desclassificação pelo Júri, cabe ao seu Juiz-Presidente julgar todos os crimes ali reunidos, incluindo aquele objeto da desclassificação, caso em que, seja a hipótese de um único processo, seja de vários, reunidos por conexão e/ou continência, e que não sejam dolosos contra a vida, o julgamento competirá ao Juiz-Presidente. O Tribunal do Júri julgará crimes não dolosos contra a vida apenas na hipótese de conexão com crime doloso contra a vida e desde que não tenha havido desclassificação deste último. Se forem dois ou mais crimes dolosos contra a vida, eventualmente conexos, a desclassificação em um deles não afastará a competência do Tribunal do Júri, tendo em vista remanescer, ainda, a competência para crimes dolosos contra a vida. Assim, em tema de desclassificação, o artigo 81, caput, somente terá aplicação no Juízo singular e nos Tribunais, não se estendendo ao Tribunal do Júri. Havendo desclassificação, impronúncia ou absolvição sumária que afaste a competência do Tribunal do Júri, no processo prevalecente, o Juiz (sumariante, o da pronúncia) remeterá os processos ao Juiz competente.
A doutrina processual penal costuma a se referir a várias classificações das espécies de conexão, aludindo a conexão intersubjetiva (artigo 76, inciso I do CPP), à conexão material ou teleológica (artigo 76, inciso II) e, por fim, à conexão instrumental ou probatória (artigo 76, III).
A intersubjetiva teria esse nome, como é intuitivo, pelo fato de cuidar de conexão entre sujeitos, ou seja, de hipótese de pluralidade de sujeitos. A material ou teleológica em razão da finalidade ou motivação da prática de crime, tendo em vista a existência de outro anterior; aqui, pode ou não, haver pluralidade de sujeitos. A probatória, por fim, trataria da influência da prova de um crime na apuração de outro; também nessa hipótese não é exigida a pluralidade de sujeitos.
A conexão dita intersubjetiva afigura-se inadequada, ainda que não se recuse a presença de várias pessoas e cada uma de suas hipóteses. O problema é que a conexão não ocorre entre sujeitos, mas, sim, entre as diversas circunstâncias, umas objetivas e outras subjetivas, que reúnem tais pessoas. A conexão intersubjetiva subdivide-se em outras três, a saber: intersubjetiva por simultaneidade, por concurso e por reciprocidade.
Na primeira parte do artigo 76, inciso I do Código de Processo Penal (quando duas ou mais infrações houverem sido praticadas ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas) o que efetivamente revele o ponto de contato, a ligação entre elas é a circunstância objetiva de tempo e lugar. Daí se falar em conexão intersubjetiva por simultaneidade.
Na segunda parte do artigo 76, inciso I (ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar), o que realmente há de ser realçado, para que se identifique a conexão, é o elemento subjetivo inerente a todas as ações, de modo a permitir a atribuição de responsabilidade penal a todos os agentes para todos os crimes, pela concreta participação de cada um deles, ainda que, pela divisão do trabalho, a respectiva presença não tenha sido física. Aqui o dado essencial é o concurso de agentes na prática de várias infrações. Trata-se, de fato, de conexão intersubjetiva por concurso.
A última modalidade de conexão do artigo 76, inciso I (ou por várias pessoas, umas contra as outras) parece identificar como ponto de afinidade entre os fatos também a motivação de seu cometimento. O exemplo dos delitos praticados, ao longo do tempo, entre membros de grupos, bandos ou famílias adversárias, em que se possa constatar a existência de causa e conseqüência entre eles. É o que a doutrina chama de conexão intersubjetiva por reciprocidade.
Denomina-se teleológica aquela espécie de conexão em que o autor de determinado crime, pratica outra infração, com a finalidade de garantir a impunidade, a ocultação ou a vantagem em relação a qualquer delas.
A conexão se dará quando a prova de uma infração penal houver de influir nas demais (artigo 76, inciso III do CPP). Por isso, a conexão probatória.
A única característica em todas as modalidades de conexão é a existência de pluralidade de condutas.
Não há continência processual penal, nenhuma relação de continente para conteúdo e tampouco de afinidade de partes, remanescendo apenas, o paradigma do processo civil, a identidade de causa de pedir. É o que ocorre na hipótese do artigo 77, inciso I do Código de Processo Penal que dispõe haver continência quando duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração.
Também configuram continência o concurso formal de crimes, a aberractio ictus, a aberractio criminis. Em todas estas situações, haverá unidade de conduta, embora em algumas delas possa ocorrer concurso de crimes, em razão do resultado lesivo a mais de um bem jurídico.
A principal conseqüência, praticamente comum a todas as modalidades de conexão e continência, diz respeito à grande utilidade probatória que a reunião de processos conexos ou continentes permite. Isso no plano da utilidade estritamente processual.
Na conexão por concurso, quando somente o julgamento conjunto de todas as infrações é que permitirá a demonstração da participação completa individualizada de todos os réus em todos os fatos delituosos, e não apenas naquele em que determinado acusado praticara atos típicos de execução. Aqui, o proveito situa-se no âmbito do direito material, no campo da punibilidade.
Na hipótese do artigo 77, inciso I, a reunião dos processos para unificação do julgamento é absolutamente indispensável, como meio de impedir a divergência judicial sobre um único e mesmo fato criminoso, funcionando, então, como estratégia de controle da efetividade e eficácia da jurisdição penal. Nesse passo, o expediente da unidade de processo e julgamento assume dimensão não só jurisdicional, mas até de política criminal.
A reunião de processos conexos ou continentes determina, assim, a unidade de processos, para o fim de instrução simultânea, e a unidade de julgamento, para o mais completo aproveitamento dos atos processuais realizados em um e outro.
Mas, que se esclareça desde logo: trata-se de questão ligada à competência territorial, sendo, por isso, relativa, ou seja, sujeita à preclusão temporal, tanto para os interessados diretos (partes) quanto para os órgãos de jurisdição envolvidos. Existe um limite temporal para a reunião dos processos, qual seja, a fase da prolação da sentença.
Estando em curso dois ou mais processos conexos ou continentes perante Juízos distintos, excepcionem as partes a incompetência daqueles Juízes cuja jurisdição não irá prevalecer, após a aplicação das regras contidas no artigo 78 do Código de Processo Penal.
Ainda que preclusa para as partes tal possibilidade, nada impede (o artigo 82 do CPP impõe) que o Juiz que estiver atuando na jurisdição prevalecente, isto é, aquela na qual se reunirão os processos conexos ou continentes, dê conhecimento do fato, avocando a si, junto aos demais, a competência para o julgamento simultâneo dos delitos.
Se houver a concorrência ou concurso entre processos (conexos ou continentes) da competência do Tribunal do Júri e outro ou outros órgãos da jurisdição comum, prevalecerá a competência do Júri.
No concurso entre jurisdições da mesma categoria, prevalecerá, sucessivamente, a competência do Juízo do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave; do Juízo do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as respectivas penas forem iguais; pela prevenção nos demais casos.
No concurso entre jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação.
No concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá a última.
Em sede de continência, quando um mesmo fato é praticado por mais de uma pessoa, sobretudo, prevalece a preocupação com a unidade e a coerência das decisões judiciárias.
No concurso entre a competência da Justiça Federal e a Justiça Estadual, prevalecerá a primeira, em razão de sua expressa previsão constitucional, sendo a segunda meramente residual (Súmula n.º 122 do STJ).
Ainda que conexos ou continentes, não haverá reunião de processos entre crimes da competência da Justiça Militar e de qualquer outra jurisdição.
No concurso entre a jurisdição de Tribunais, em razão da prerrogativa de função, prevalecerá aquela Corte de maior hierarquia na organização do Poder Judiciário.
Se houver concurso, por conexão ou continência, entre a competência do Tribunal do Júri e a da Justiça Eleitoral, entende-se que a solução mais adequada será a separação dos processos, diante das características inteiramente distintas da constituição do Tribunal popular e mesmo da natureza dos crimes a ele submetidos.
Haverá separação obrigatória no concurso entre a jurisdição penal e a do Juizado da Criança e do Adolescente. Também é caso de separação obrigatória de processos a hipótese de crime militar e crime comum.
As demais hipóteses de separação obrigatória contemplam a situação em que um dos acusados é acometido por doença mental após a prática do crime, além da hipótese do artigo 469 do Código de Processo Penal (recusa de jurado por parte co co-réu). No caso de vislumbrar outros autores ou partícipes não incluídos na acusação, o Juiz remeterá os autos, por quinze dias, ao Ministério Público. Havendo nova denúncia, a separação dos processos será facultativa, devendo-se evitar, sempre que possível, a perda dos atos judiciais já praticados. Será facultativa a separação dos processos quando o Juiz reputar conveniente por quaisquer razões que possam tumultuar ou inviabilizar a marcha processual.
Tem-se a prorrogação de competência quando o órgão jurisdicional originariamente incompetente para o julgamento de determinado processo adquire a competência em virtude da aplicação de quaisquer das regras processuais que impõem a reunião de processos.
O exemplo mais eloqüente da prorrogação de competência é aquele previsto no artigo 81 do Código de Processo Penal, quando o Juiz ou Tribunal, após desclassificar a infração que determinara o seu foro prevalente para outra que não seria de sua competência, continua competente para o julgamento dos processos, ainda que não o fosse originariamente.


Fonte: Curso de Processo Penal. Eugênio Pacelli de Oliveira.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Forma e Prova dos Negócios Jurídicos

Forma é o conjunto de solenidades que se devem observar para que a declaração da vontade tenha eficácia jurídica.
O artigo 104 do Código Civil, ao tratar dos requisitos essenciais do ato jurídico, fala da “forma prescrita ou não defesa em lei”. O artigo 166, inciso IV diz que é nulo o negócio jurídico quando não se revestir da forma prescrita em lei. O inciso V do mesmo artigo inquina também de nulidade o negócio quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para sua validade. O artigo 107 dispõe que a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Na verdade, a lei não comina nenhuma outra sanção, a não ser a própria nulidade do ato.
A regra é, portanto, a forma livre. Quando determinado ato requer certa forma, a lei assim disporá.
Como exemplo, se as partes participam de escritura pública nula porque lavrada em desacordo com os princípios legais, mas se o ato puder valer como documento particular, atingirá o efeito procurado pelas partes. Trata-se de medida conservatória que a doutrina denomina conversão substancial do negócio jurídico. Aproveita-se do negócio nulo o que for possível para ser tido como válido.
Não se confunde, por outro lado, forma como prova dos atos jurídicos. A forma é vista sob o aspecto estático; é aquele envoltório que reveste a manifestação de vontade. A prova é vista sob o aspecto dinâmico; serve para demonstrar a existência do ato.
O artigo 108 do Código Civil estabelece que: “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínio vigente no país”.
Dizem-se formais ou solenes os atos que requerem determinada forma. São solenes, por excelência, por exemplo, o casamento e o testamento. A solenidade é um plus, na verdade, que expande e qualifica a própria forma exigida. A preterição dessa solenidade que integra a forma inquina o ato. A preterição de suas formas ou solenidades faz com que o ato não valha.
As partes podem também, se desejarem, fixar uma forma para suas avenças, mesmo quando a lei não a determine. É a forma prescrita por convenção das partes; elas podem não só contratar a respeito de determinada forma, mas também especificar livremente seus requisitos, indicado se desejam a forma escrita, a forma pública, o registro do documento etc. O que não podem fazer é impor ou ajustar forma diversa da exigida pela lei. Pode ocorrer, no entanto, que as partes tenham praticado o ato por forma não prescrita em lei, forma facultativa, mas que apresente algum vício. Nesse caso, o ato deve prevalecer, por força de regra de conversão formal dos atos jurídicos, bem como por força do artigo 152 do Código Civil.
Há situações em que o formalismo assume novo aspecto, quando a lei (ou mesmo a vontade das partes) impõe a necessidade da divulgação de um negócio para conhecimento de terceiros, isto é, para aqueles que não tomaram parte no negócio. Essa publicidade é conhecida pelo sistema de registros públicos.
Escritura pública, exigida pela lei para certos negócios, é ato em que as artes comparecem perante oficial público, na presença de testemunhas, para fazer declaração de vontade. Uma vez assinado o ato pelo oficial público, pela parte ou partes declarantes e pelas testemunhas, o oficial encerrará o instrumento, dando fé pública, daquele ato ocorrido. Presume-se que o conteúdo desse ato seja verdadeiro, até prova em contrário.
Se algum dos comparecentes não for conhecido do tabelião, nem puder identificar-se por documentos, deverão participar do ato pelo menos duas testemunhas que o conheçam e atestem sua identidade.
Instrumento particular é o escrito feito e assinado ou somente assinado pela parte ou partes, e subscrito por duas testemunhas. Tais documentos só operam em relação a terceiros quando estiverem devidamente registrados. Pela regra geral, contudo, esse registro é facultativo.
A prova do instrumento particular pode suprir-se pelas outras de caráter legal. Sempre haverá de se examinar se esse suprimento probatório não é vedado pelo ordenamento.
As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários. Quem assina o documento terá o ônus de provar, se tiver interesse, que as declarações ali constantes são verdadeiras. A presunção que decorre de um documento firmado é relativa, portanto.
Prova é o meio de que o interessado se vale para demonstrar legalmente a existência do negócio jurídico.
A prova deve ser admissível, pertinente e concludente. A prova admissível é aquela que o ordenamento não proíbe, tendo valor jurídico para a situação que se quer provar. Desse modo, se a lei exige para determinado negócio a forma escrita, não se provará de outro modo, ou seja, a prova testemunhal não terá valor para demonstrar sua evidência. A prova pertinente significa que deve dizer respeito à situação enfocada, deve relacionar-se com a questão discutida. Deve ser concludente, porque não pode ser dirigida à conclusão de outros fatos que não aqueles em discussão, caso contrário a atitude do Juiz, que é o condutor da prova, será inócua.
É princípio fundamental em campo probatório que quem alegar um fato deve prová-lo: ei incumbit probatio qui dict non qui negat (a prova incumbe a quem afirma e não a quem nega).
O Juiz fica adstrito, para julgar, ao alegado e provado. Não pode decidir fora do que conste do processo. Julga pelas provas que lhe são apresentadas, mas pode examiná-las e sopesá-las de acordo com sua livre convicção, para extrair deles a verdade legal, uma vez que a verdade absoluta é apenas um ideal dentro do processo.
Os fatos incontroversos não merecem prova. No entanto, ainda que sejam incontroversos, não ficará o julgador adstrito a aceitá-los, porque o contrário poderá resultar do bojo probatório.
É costume mencionar que os fatos negativos não podem ser provados. A questão deve ser entendida com reserva, porque as negativas, por vezes, correspondem a uma afirmativa.
O Juiz é o condutor do processo. Embora a prova seja produzida pelas partes, deve o julgador velar pela rápida solução do litígio, indeferindo as provas inúteis e protelatórias. Por outro lado, tudo o que for alegado deve ser provado.
A prova dos atos não formais, aqueles cuja forma pode ser livremente escolhida pelas partes, faz-se por intermédio dos meios admitidos em Direito.
Nãos termos do artigo 212 do Código Civil, são meios de prova: confissão, documento, testemunha, presunção e perícia.
- confissão
O artigo 348 do Código de Processo Civil estatui o que o legislador entende por confissão: “há confissão quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial”. O objetivo da confissão deve ser um fato, porque só os fatos estão sujeitos à prova. A confissão não é admissível quanto a direitos indisponíveis. Somente pode confessar quem pode dispor do direito discutido.
A confissão é sempre da parte, embora se admita por mandato, desde que existam poderes especiais para tal. Se a confissão é feita por um representante, somente é eficaz nos limites que pode vincular o representado.
Não tem efeito absoluto a confissão em matéria de anulação de casamento, por exemplo, quando seu valor será apenas relativo, na livre apreciação da prova feita pelo Juiz.
Quem confessa não pode ser terceira pessoa, estranha à lide, ao litígio, pois ela atuaria como testemunha e não como confitente.
Como se trata de ato de disposição, a confissão requer agente capaz.
A confissão judicial é aquela ocorrida durante o curso do processo e em seu bojo; a extrajudicial configura-se no reconhecimento do seu fato litigioso fora do processo.
A confissão pode ser expressa, quando emana da deliberação precípua do confitente por forma verbal ou escrita; ou presumida, porque não expressa e apenas admitida por presunção (pode ser chamada também confissão tácita, porque decorrente do silêncio, ou ficta, porque criada por ficção jurídica). O fundamento e as formas de confissão presumida pertencem a princípios de ordem processual.
A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável. Cindir-se-á, todavia, quando o confitente lhe deduzir fatos atuais, suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou reconvenção.
O artigo 214 do Código Civil enfatiza que a confissão é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação. A anulação ou declaração de ineficácia da confissão pode ser pleiteada em processo autônomo ou no curso do processo onde ocorreu, dependendo da oportunidade e conveniência. A lei não se refere ao dolo: a confissão decorrente de dolo pode gerar, em princípio, indenização à vítima, mas confissão será válida. Se o erro integrar o dolo, permite-se que sob esse fundamento seja invalidada a confissão.
- atos processados em Juízo
São aqueles atos praticados no bojo de um processo ou objeto do processo judicial, inclusive a coisa julgada.
Cumpre mencionar como ato processado em Juízo a chamada prova emprestada, isto é, a prova produzida em outro processo que não aquele dos litigantes. Em geral, só admite validade a essa prova se produzida entre as mesmas partes, pois a parte que não participou do processo não pode agir sobre ela, isto é, interferir positivamente em sua produção. De qualquer forma, sendo outro o Juiz a receber a prova emprestada, seu valor será menor e servirá tão-somente de subsídio à convicção do julgador.
- documentos públicos ou particulares
É comum a referência a instrumento e documento como sinônimos, mas a lei faz distinção. Documento é gênero, enquanto instrumento é espécie. O documento denota a idéia de qualquer papel útil para provar ato jurídico. Instrumento é veículo criador de um ato ou negócio. Pode-se dizer que o instrumento é criado com a intenção precípua de fazer prova, enquanto documento genericamente falando, faz prova, mas não é criado especificamente para tal. O instrumento é prova pré-constituída; o documento é prova meramente causal.
Assim, os documentos públicos ou particulares, documentos em geral, são escritos que, não tendo surgido como prova pré-constituída, apresentam elementos de prova.
Em sentido amplo, o termo documento não abrange apenas a forma escrita, mas também toda e qualquer representação material destinada a reproduzir duradouramente um pensamento.
Os instrumentos podem ser públicos ou particulares. Os instrumentos públicos são os escritos lavrados por oficial público no seu mister.
Os documentos públicos provam materialmente os negócios que exigem tal forma. Quando a lei não requer registro, são oponíveis contra terceiros. Transcrito o documento perante o oficial público, tem fé pública, de onde decorre a autenticidade do ato quanto às formalidades exigidas. Havendo presunção de autenticidade, pode ela ser contraditada por prova cabal.
Quando o instrumento público não for exigido pela lei para determinado ato, ou quando as partes não convencionarem em contrário, vale o instrumento particular para a prova dos negócios de qualquer valor. Para valer com relação a terceiros, é necessário que o instrumento particular seja objeto de inscrição no Registro Público. O escrito particular, porém, não é da substância do negócio jurídico algum e, por isso, pode sua prova ser suprida por outra admissível.
O artigo 226 do Código Civil afirma que os livros e as fichas dos empresários e sociedades provam contra as pessoas que pertencem em seu favor, quando, escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por outros subsídios.
A prova não supre a ausência do título de crédito, ou do original, nos casos em que a lei ou as circunstâncias condicionarem o exercício do direito à sua exibição.
- prova testemunhal
Prova testemunhal é a que resulta do depoimento oral de pessoas que viram, ouviram ou souberam dos fatos relacionados com a causa.
Testemunha é, portanto, a pessoa, estranha ao processo, que afirma em Juízo a existência ou inexistência de fatos em discussão, relevantes para a causa.
As testemunhas podem ser judiciárias, pessoas naturais, estranhas à relação processual, de declaram em Juízo fatos relevantes para a causa, e instrumentárias, quando se manifestam sobre o conteúdo de instrumento que subscrevem, devendo ser duas nas escrituras públicas e cinco nas formas ordinárias de testamento. As judiciárias, segundo o artigo 407, parágrafo único do Código de Processo Civil, não podem exceder a dez para cada uma das partes, mas quando qualquer das partes oferecer mais de três testemunhas para a prova de cada fato, o Juiz poderá dispensar as restantes.
Os incapazes são os que não podem depor em razão de deficiência orgânica ou desenvolvimento mental incompleto. Os impedidos de depor como testemunhas são aqueles que possuem um relacionamento objetivo com a causa. Os suspeitos são aqueles que guardam uma razão subjetiva que os proíbe de depor.
Sendo estritamente necessário, o Juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso e o Juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer. Trata-se de depoimento colhido como meras declarações. O artigo 415 do Código de Processo Civil determina que a testemunha se compromisse a dizer a verdade, sendo advertida pelo Juiz sobre o crime de falso testemunho.
De acordo como estatuto processual civil, também os impedidos por parentesco podem, excepcionalmente, ser admitidos como testemunhas, em ações de estado, tais como investigação de paternidade, separação judicial etc.
Como regra geral, a testemunha não pode recusar-se a depor, salvo exceções expostas na lei. A testemunha funciona como auxiliar da Justiça.
A testemunha instrumentária participa como integrante e um negócio jurídico. Sua função é estar presente ao desenvolvimento, formação ou encerramento de negócios jurídicos. Sob determinadas circunstâncias, nem mesmo é necessário que as testemunhas instrumentárias estejam presentes no momento da feitura do ato.
O sujeito da relação jurídica processual não pode ser testemunha. Pode, porém, ser ouvido no processo por iniciativa da parte contrária ou do próprio Juiz: trata-se do depoimento pessoal, outro meio de prova admitido.
- presunções e indícios
Presunção é a conclusão que se extrai de fato conhecido para provar-se a existência de outro desconhecido. As presunções classificam-se em legais (juris) e comuns (hominis). As presunções legais dividem-se em presunções iuris et e iure (absolutas) e presunções iuris tantum (relativas).
Presunção iuris et de iure é aquela que não admite prova em contrário; a própria lei admite como prova absoluta, tendo-a como verdade indiscutível. A lei presume fato, sem admitir que se prove em contrário.
A presunção iuris tantum admite prova em contrário, daí porque também se denomina condicional.
A presunção relativa faz reverter o ônus da prova. Normalmente, esse ônus pertence ao autor da ação, que alega um direito. Se a lei, porém, presume um fato, o ônus da prova transfere-se para o réu, que tem que provar em contrário ao que foi estabelecido na presunção.
As presunções comuns (hominis) são decorrência do que habitualmente acontece na realidade que nos rodeia. Fundam-se naquilo que ordinariamente acontece e se impõem pela conseqüência do raciocínio e da lógica. Tal raciocínio auxilia o Juiz na formação de sua convicção. A presunção simples ou hominis só pode ser aceita pelo Juiz quando não contrariada pelo restante da prova produzida no processo.
Muitos entendem que existe sinonímia entre indício e presunção. Embora o seu valor como prova seja equivalente, existe diferença. O indício é o ponto de partida de onde, por inferência, chega-se a estabelecer uma presunção. O indício, portanto, deve ser entendido como causa ou meio de se chegar a uma presunção, que é o resultado.
Para se distinguir, na prática, quando se está perante uma presunção absoluta ou presunção relativa, é preciso ter em mira o seguinte: as presunções relativas formam a regra, as absolutas são exceção; são presunções relativas aquelas cuja lei declara admitir prova em contrário, colocando no próprio texto: “salvo prova em contrário”, ou outra equivalente.
- perícia, inspeção judicial
Quando o deslinde de uma causa depende de conhecimento técnico, o magistrado se valerá de um perito que o auxiliará na questão fática.
Exame é apreciação de alguma coisa para o esclarecimento do Juízo. Vistoria é operação semelhante, porém atinente à inspeção ocular. Normalmente, a perícia englobará tanto o exame como a vistoria.
Arbitramento é forma de perícia tendente a fixar um valor ou estimação em dinheiro de uma obrigação.
O perito é auxiliar da Justiça. Uma vez nomeado, não poderá recusar-se ao mister, sem justo motivo.
O Juiz não ficará, em hipótese alguma, adstrito a conclusão do perito em sua decisão. Pode o magistrado determinar nova perícia, como pode também formar sua convicção para julgar, não adotando a conclusão de qualquer delas.
A perícia é prova indireta: pressupõe sempre a figura do perito. Quando o exame é feito pelo próprio Juiz, a prova denomina-se inspeção judicial. A perícia deve ser encarada como sucedâneo da inspeção judicial; deve ser utilizada quando ao Juiz faltam os conhecimentos técnicos necessários ou quando não pode ou não é oportuno fazer a inspeção. A perícia pode ser feita extrajudicialmente; então, se apresentada em processo, terá o valor relativo que o Juiz houver por bem conceder.
Quando a perícia tiver for finalidade fixar fatos em que com o tempo podem modificar-se ou desaparecer, denomina-se vistoria ad perpetuam rei memoriam, conceito que integra a noção de produção antecipada de provas. Tem por finalidade fixar indelevelmente uma situação, um fato transeunte, e serve de prova para o futuro.
A prova pericial deve ser vista pelo prisma da necessidade. Os fatos ordinários, de conhecimento comum, não necessitam de perícia.
A recusa à perícia médica ordenada pelo Juiz poderá suprir a prova que se pretenda obter com o exame. A questão relaciona-se primordialmente, mas não exclusivamente, com as investigações de paternidade. Embora de forma peremptória, pois a lei usa a terminologia “o Juiz poderá” suprir a prova, quem se recusa a permitir o exame de DNA, por exemplo, poderá ter contra si a presunção indigitada.


Fonte: Direito Civil – Parte Geral. Sílvio de Salvo Venosa.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Controle da Administração Pública

Administração Pública, direta, indireta ou fundacional, assujeita-se a controles internos e externos. Interno é o controle exercido por órgãos da própria Administração, isto é, integrantes do aparelho do Poder Executivo. Externo é o efetuado por órgãos alheios à Administração.
Cumpre consignar que qualquer pessoa pode suscitar o controle da Administração para que seja sancionado o agente que haja incidido em abuso de autoridade. Tal possibilidade está contemplada na Lei n.º 4.898/65, que regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, nos casos de abuso de autoridade. Para fazê-lo, o interessado procederá mediante petição dirigida à autoridade superior que tiver competência para aplicar, à autoridade civil ou militar culpada, a respectiva sanção e/ou ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra a autoridade culpada.
De transcendente importância é a Lei n.º 8.429/92, a qual arrola uma cópia de comportamentos qualificados como de improbidade administrativa, cuja prática assujeita o agente, de fora parte sanções penais, civis ou administrativas, contempladas na legislação competente, uma série de conseqüências gravosas, previstas em seu artigo 12, tais de: ressarcimento integral do dano, se houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos; multa civil e proibição, por tempo determinado, de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoal jurídica da qual seja sócio majoritário.
A lei classificou tais atos de improbidade administrativa em três categorias: a) atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito; b) atos de improbidade que causam prejuízo ao erário; c) atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública.
Para efeitos da Lei n.º 8.429/92, considera-se agente público, na conformidade com seu artigo 2º, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades arroladas em seu artigo 1º.
Consoante do próprio texto constitucional (artigo 74), a Administração – de resto, tal como os Poderes Legislativo e Judiciário – deverá manter um sistema integrado de controle interno com a finalidade de avaliar o cumprimento das metas prevista no plano plurianual, a execução dos programas e do orçamento; de comprovar a legalidade e avaliar resultados quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial; de exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União, e de apoiar o controle externo.
Na conformidade com o Decreto-lei n.º 200/67 (artigo 25), o controle será abrangente dos aspectos administrativo, orçamentário, patrimonial e financeiro, tendo por principais objetivos assegurar, em cada Ministério, a observância da legislação e dos programas do Governo, coordenar as atividades dos órgãos e harmonizá-las com os demais Ministérios, avaliar a atuação dos órgãos supervisionados, fiscalizar a aplicação dos recursos públicos e sua economicidade.
O controle externo compreende o controle parlamentar direto, o controle exercido pelo Tribunal de Contas (órgão auxiliar do Legislativo nessa matéria) e o controle jurisdicional.
De acordo com o inciso X do artigo 49 da Constituição Federal, entre os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional incluem-se os de fiscalizar e controlar, diretamente ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da Administração indireta. Este dispositivo está regulamentado pela Lei n.º 7.295/84.
Nos termos do inciso V do artigo 49 da Constituição Federal, ao Congresso Nacional compete sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.
Consoante prescreve o artigo 50 da Constituição Federal, a Câmara dos Deputados e o Senado, ou qualquer de suas Comissões, poderão convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando em crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada. De fora parte estas informações pessoais, outras, por escrito, podem ser exigidas pela Mesa da Câmara ou do Senado, e seu tempestivo desatendimento ou a prestação de informação falsa acarretarão a mesma sanção.
Uma vez Constituídas as Comissões Parlamentares de Inquérito – criadas pela Câmara ou pelo Senado, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo – estas terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, e suas conclusões, se for o caso, serão encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
Sobremais, há numerosos casos especificamente previstos na Constituição em que o Poder Legislativo interfere, necessariamente, para controlar a atividade administrativa.
Conforme consta dos incisos III a IX do artigo 52 da Constituição Federal, alguns poderes controladores são privativos do Senado.
É, ainda, da alçada do Congresso Nacional, de acordo com o inciso IX do artigo 49 da Constituição Federal, julgar, anualmente, as contras prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo. Se ditas contas não forem apresentadas dentro de 60 dias após a abertura da sessão legislativa, a Câmara dos Deputados proceder-lhes-á à tomada.
Cumpre assinalar que, segundo consta dos artigos 85 e 86 da Constituição, se ao Presidente da República for irrogada a prática de crime de responsabilidade, denunciada por qualquer cidadão, autoridade ou parlamentar, e a Câmara dos Deputados, por dois terços de seus membros, acolher tal acusação, o Senado julgá-lo-á, suspendendo, imediatamente de suas funções tão logo instaure o processo. Se condená-lo, destituí-lo-á do cargo, procedendo ao denominado impeachment.
Dispõe o artigo 70 da Constituição Federal que ao Congresso Nacional compete fiscalizar o controle externo da Administração direta e indireta, exercendo fiscalização contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e operacional, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncias de receitas, para o quê contará com o auxílio do Tribunal de Contas da União.
A Corte de Contas órgão cujo poder de administração própria é análogo ao dos Tribunais, é integrado por nove membros, denominados Ministros. São requisitos para investidura nestes cargos ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade, idoneidade moral e reputação ilibada, dispor de notórios conhecimentos de administração pública e contar com mais de dez anos de exercício de função ou efetiva atividade profissional exigente da espécie de conhecimentos referidos. Aos titulares destes cargos são conferidas ou irrogadas as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça. Portanto, gozam de vitaliciedade.
Um terço de seus membros é nomeado pelo Presidente da República, sob aprovação do Senado, dentre os nomes constantes de lista tríplice composta pelo próprio Tribunal e integrada por auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, escolhidos na conformidade de critérios de antiguidade e merecimento; os dois terços restantes são designados pelo Congresso Nacional.
Ao Tribunal de Contas assiste apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas anuais do Presidente da República, dentro em 60 dias de seu recebimento, para encaminhá-las ao julgamento do Congresso Nacional.
Desde a Lei Complementar n.º 64/90, a conseqüência da rejeição, pelo Congresso, das contas do Chefe do Poder Executivo é a inelegibilidade deste para as eleições que se realizarem nos cinco anos seguintes à decisão. O questionamento judicial da rejeição, entretanto, suspende, enquanto pendente, a conseqüência aludida.
Nos termos do artigo 71, inciso II da Constituição Federal, compete ao Tribunal de Contas julgar as contas dos administradores (da Administração direta, indireta e fundacional) e dos demais responsáveis por dinheiros e valores públicos, bem como daqueles que derem causa a extravio, perda ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos admissão de pessoal nas entidades referidas, ressalvadas apenas as nomeações para cargo em comissão, bem como as concessões de aposentadoria, reforma e pensões, salvo melhorias posteriores que não afetem o fundamento legal do ato concessivo; realizar por iniciativa própria, ou da Câmara, do Senado, de Comissão Técnica ou de Inquérito destas, inspeções e auditorias nas unidades administrativas de quaisquer dos Poderes e nas entidades da Administração direta, indireta ou fundacional; fiscalizar as contas nacionais das empresa supranacionais cujo capital da União, direta ou indiretamente, participe, nos termos do tratado constitutivo; prestar ao Congresso Nacional, a qualquer de suas Casas ou Comissões, as informações sobre fiscalizações, inspeções e auditorias realizadas; aplicar, em caso de ilegalidade de despesas ou contas, as sanções previstas em lei, sendo que suas decisões de imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.
Cabe ao Tribunal de Contas assinalar prazo para que seja sanada ilegalidade que se verifique no comportamento dos órgãos controlados e, caso não atendido tempestivamente, sustar o ato impugnado, comunicando tal decisão à Câmara e ao Senado. Se de contrato se tratar, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso, o qual, de imediato, solicitará ao Executivo as medidas cabíveis. Caso um ou outro, dentro de noventa dias, não tome as providências previstas, o próprio Tribunal deliberará a respeito.
Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades ao Tribunal de Contas.
Sendo certo que a legalidade não foi concebida para compor o organograma da Administração ou para exibir uma aparência de modernidade das instituições jurídico-administrativas de um país, mas, precisamente, para resguardar as pessoas contra os malefícios que lhes adviriam se inexistissem limitações à Administração, cumpre sacar pelo menos a mais óbvia das conclusões – qual seja: a de reconhecer proteção jurisdicional a quem seja agravado por ação ou omissão ilegal do Poder Público sempre que isto ocorra.
Dessarte, é imperioso reconhecer que existe direito à proteção judicial toda vez que a ruptura da legalidade cause ao administrado um agravo pessoal do qual estaria livre se fosse mantida íntegra a ordem jurídica, ou lhe seja subtraída uma vantagem a que acederia ou a que se propõe nos termos da lei a aceder e que pessoalmente desfrutaria ou faria jus a disputá-la se não houvesse ruptura da legalidade, nada importando que a ilegalidade argüida alcance a um ou a um conjunto de indivíduos afetados, por se encontrarem na mesma situação objetiva e abstrata.
Dentre as medidas judiciais intentáveis para correção da conduta administrativa, afora as comuns ao Direito Privado, como as defesa ou reintegração de posse ou as ações ordinárias de indenização e as cautelares em geral, existem algumas específicas para enfrentar atos ou omissões de autoridade pública. São elas: o habeas corpus, o mandado de segurança – individual ou coletivo –, o habeas data, o mandado de injunção, a ação popular, a ação civil pública e a ação direta de inconstitucionalidade, por ação ou omissão.
A ação popular contemplada no inciso LXXIII do artigo 5º da Constituição Federal é o instrumento deferido a qualquer cidadão para anular atos lesivos ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, ou à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Está regulada na Lei n.º 4.717/65.
A ação popular é, talvez, a única providência judicial realmente temida pelos administradores, porquanto, nos termos do artigo 11 da referida lei, se a ação for julgada procedente, vindo a ser decretada a invalidade do ato impugnado, a sentença condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele.
A ação civil pública – a que alude o artigo 129, inciso III da Constituição Federal, reportado à competência do Ministério Público para promovê-la – é um instrumento utilizável, cautelarmente, para evitar danos ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, turístico ou paisagístico, ou, então, para promover a responsabilidade de quem haja causado lesão a estes mesmos bens.
Pode ser proposta não apenas pelo Ministério Público, mas também, consoante estabelece a Lei n.º 7.347/85, pela União, pelos Estados, pelo Municípios, por autarquias e sociedades de economia mista, empresas públicas, fundações, bem como pelas associações constituídas há pelo menos um ano e que tenha entre suas finalidades institucionais a de proteger os interesses jurídicos referidos. A estes legitimados a Lei n.º 11.448/2007 acresceu a Defensoria Pública.


Fonte: Curso de Direito Administrativo. Celso Antônio Bandeira de Mello.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Pressupostos Processuais

Pressupostos processuais são todos os elementos de existência, os requisitos de validade e as condições de eficácia do procedimento, aspecto formal do processo, que é ato complexo de formação sucessiva. Há pressupostos do procedimento principal, do procedimento incidental e do procedimento recursal.
Os sujeitos principais da relação jurídica processual são as partes (autor e réu) e o Estado-Juiz. Para que a relação jurídica processual exista basta que alguém postule perante um órgão que esteja investido de jurisdição: a existência de um autor (sujeito que pratique o ato inaugural, que tenha personalidade judiciária) e de um órgão investido de jurisdição completa o elemento subjetivo do processo. A relação jurídica processual existe sem réu; para ele, porém, só terá eficácia, somente poderá produzir alguma conseqüência jurídica, se for validamente citado.
Os elementos de uma relação jurídica são o fato jurídico e o objeto. O fato jurídico que instaura a relação jurídica processual é o ato inaugural (ato postulatório que introduz o objeto litigioso do processo) de alguém com personalidade judiciária perante o órgão investido de jurisdição, conforme prevê o artigo 263 do Código de Processo Civil. O objeto litigioso é a prestação jurisdicional solicitada por esse ato, normalmente designado de demanda. Preenchidos esses elementos, a relação jurídica processual existe.
É possível que, embora exista relação jurídica processual, a um determinado ato processual falte um pressuposto de existência jurídica, como ocorre com a sentença proferida por não-Juiz ou que não possua decisão. Nesses casos, a relação jurídica processual existe, mas a ato (sentença) é que não preencheu os elementos mínimos do seu suporte fático, o que impede sua existência jurídica. Pode-se falar, portanto, em pressupostos de existência de cada um dos atos jurídicos processuais que compõem o procedimento, independentemente da existência da relação jurídica processual.
Não se pode discutir a validade da relação jurídica processual: relação jurídica é efeito do fato jurídico, ou existe ou não existe; apenas os atos jurídicos podem ser inválidos, pode-se, no entanto, questionar a validade do procedimento, aspecto extrínseco do processo, que é um ato jurídico do processo de formação sucessiva.
Surgem, então os requisitos de validade do processo. Como todo ato jurídico, o procedimento também tem os seus requisitos de validade: a forma do ato deve ser respeitada bem como os sujeitos (Juiz e partes) hão de ser capazes. O desatendimento dos requisitos de validade de um ato jurídico processual isolado não inviabiliza, a princípio, todo o procedimento; pode dar azo apenas à decretação de nulidade do ato jurídico processual defeituoso.
O ato jurídico inicial pode ser válido e, ainda assim, ser decretada a inadmissibilidade do procedimento. É que a validade de um ato complexo pode ser investigada durante toda a execução deste ato, que é composto de vários atos. Mas somente comprometerão o procedimento, e por isso podem ser considerados requisitos processuais, os fatos que digam respeito à demanda originária: relacionados ao autor, ao Juízo ou ao objeto litigioso.
Se não compromete a apreciação do mérito do procedimento principal, não pode ser considerado requisito de validade do processo: ou será requisito de validade do ato processual isoladamente considerado, ou será requisito de admissibilidade de um procedimento incidental ou recursal.
Os pressupostos processuais podem ser:
- pressupostos de existência: subjetivos (Juiz – órgão investido de jurisdição; parte – capacidade de ser parte) e objetivos (existência de demanda);
- pressupostos de validade: subjetivos (Juiz – competência e imparcialidade; partes – capacidade processual e capacidade postulatória) e objetivos (intrínseco – respeito ao formalismo processual; extrínsecos/negativos – perempção; litispendência, coisa julgada, convenção de arbitragem etc.)
A capacidade de ser parte é a personalidade judiciária: aptidão para, em tese, ser sujeito da relação jurídica processual (processo) ou assumir uma situação jurídica processual (autor, réu, assistente, excipiente, excepto etc.).
A investidura na função jurisdicional é pressuposto de existência da relação jurídica processual e dos atos jurídicos processuais do Juiz (decisões, despachos, colheita de provas etc.).
O terceiro pressuposto processual é a existência de demanda, que nesse caso deve ser compreendida como continente (ato de pedir) e não como conteúdo (aquilo que se pede). O ato de pedir é necessário para a instauração da relação jurídica processual – é o seu fato jurídico. Se o ato inicial não trouxer pedido, o caso é de extinção do processo por inadmissibilidade do procedimento, em razão de defeito do ato inicial.
A capacidade processual é a aptidão para praticar atos processuais independentemente de assistência e representação, pessoalmente, ou por pessoas indicadas pela lei, tais como síndico, administrador de condomínio, inventariante, etc. A capacidade processual ou de estar em Juízo diz respeito à prática e a recepção eficazes de atos processuais, a começar pela petição e a citação, isto é, ao pedir e ao ser citado.
Deve-se lembrar que as pessoas jurídicas devem ser “presentadas” em Juízo; não se trata de representação, razão pela qual é grave equívoco a afirmação de que as pessoas jurídicas seriam processualmente incapazes. Os casos do artigo 12 do Código de Processo Civil indicam tanto hipóteses de representação (incisos III, IV e V) como de presentação (incisos I, III, VI e VIII).
A representação do espólio é feita pelo inventariante, salvo se for dativo, quanto todos os herdeiros e sucessores do falecido serão autores ou réus nas ações em que o espólio for parte. A ressalva merece uma explicação: nos casos de inventariante dativo, qualquer herdeiro pode representar o espólio no pólo ativo e todos os herdeiros devem ser citados nas demandas propostas contra o espólio (a representação é conjunta). Qualquer herdeiro poderá, em nome próprio, propor demanda para defender o condomínio que existe sobre a herança. Sucede que, se a parte é o espólio e o inventariante é dativo, qualquer herdeiro pode ser seu representante.
Consoante o disposto no § 3º do artigo 12 do Código de Processo Civil, o gerente da filial ou agência presume-se autorizado, pela pessoa jurídica estrangeira, a receber citação inicial para o processo de conhecimento, de execução, cautelar e especial. Os parágrafos do artigo 215 do Código de Processo Civil cuidam da situação em que se presume a representação: a) do mandatário, do administrador, feitor ou gerente em relação ao réu ausente, quando a ação se originar de atos por eles praticados; b) do administrador do imóvel encarregado de receber os aluguéis, quando o locador se ausentar do Brasil sem cientificar o locatário de que deixou, na localidade em que se situa o imóvel, procurador com poderes para receber citação. Cita-se o curador designado, com nomeação restrita à causa, quando o réu sofrer de algum distúrbio ou estiver impossibilitado de receber citação.
Os entes despersonalizados que são admitidos como parte, mas que não constam do rol do artigo 12 serão representados ou presentados em Juízo por aquela pessoa que exerça as funções de administração, gerência, direção, liderança, conforme se constate no caso concreto.
A capacidade processual é requisito de validade dos atos processuais e a sua falta é sempre sanável, na forma do artigo 13 do Código de Processo Civil.
O último pressuposto processual relacionado às partes: a capacidade postulatória ou postulacional (ius postulandi).
Alguns atos processuais, além de capacidade processual, exigem do sujeito uma capacidade técnica, sem qual não é possível a sua realização válida. É como se a capacidade, requisito indispensável à prática dos atos jurídicos, fosse bipartida: a) capacidade processual; b) capacidade técnica. A essa capacidade técnica dá-se o nome de capacidade postulatória. Frise-se: há atos processuais que não exigem a capacidade técnica (por exemplo, o ato de testemunhar e o ato de indicar bens à penhora); a capacidade postulatória somente é exigida para a prática de alguns atos processuais, os postulatórios (pelos quais se solicita do Estado-Juiz alguma providência).
A falta de capacidade postulatória do autor implica extinção do processo, se não for sanada; a do réu, o prosseguimento do processo à sua revelia; a do terceiro, a sua exclusão da causa. Mais uma vez, somente a capacidade postulatória do autor pode ser vista como requisito de admissibilidade do procedimento.
O parágrafo único do artigo 37 do Código de Processo Civil afirma que a não-ratificação dos atos praticados por advogado sem procuração importará havê-los por inexistentes. A partir do texto legal, seria possível defender que a capacidade postulatória é pressuposto processual de existência. O Superior Tribunal de Justiça acolheu a terminologia do Enunciado n.º 115 da sua Súmula: “na instância especial é inexistente o recurso interposto por advogado sem procuração nos autos”.
A situação não é de inexistência, mas, sim, de ineficácia do processo ou do ato em relação àquele que supostamente seria a parte, mas que não outorgou instrumento de representação. A falta de poderes não determina a nulidade, nem existência. Trata-se de ato cuja eficácia em relação ao suposto representado submete-se a uma condição legal resolutiva: a ratificação. Não há falta de capacidade postulatória, pois o ato foi praticado por um advogado, que a tem; o vício é na representação, que não restou comprovada. É aplicação direta do quanto disposto no artigo 662 do Código Civil.
A competência do órgão jurisdicional é requisito de validade do procedimento que o magistrado porventura vier a conduzir e, por conseqüência, da decisão que vier a prolatar.
A imparcialidade é requisito processual de validade, portanto, o ato do Juiz parcial é ato que pode ser invalidado. Há dois graus de imparcialidade: o impedimento e a suspeição. A parcialidade é vício que não gera a extinção do processo: verificado o impedimento/suspeição do magistrado, os autos do processo devem ser remetidos ao seu substituto legal. Os atos decisórios praticados devem ser invalidados.
Os requisitos intrínsecos de validade podem ser reunidos sob a seguinte rubrica: respeito ao formalismo processual.
Considera-se formalismo processual a totalidade formal do processo, compreendendo não só a forma, ou as formalidades, mas especialmente a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenação de sua atividade, ordenação do procedimento e organização do processo, com vistas a que sejam atingidas as suas finalidades primordiais.
Podem ser citadas algumas funções do formalismo processual: a) indicar as fronteiras para o começo e o fim do processo; b) circunscrever o material processual que poderá ser formado; c) estabelecer dentro de quais limites devem cooperar e agir as pessoas atuantes no processo para o seu desenvolvimento; d) emprestar previsibilidade ao procedimento; e) disciplinar o poder do Juiz, atuando como garantia da liberdade contra arbítrio dos órgãos que exercem o poder do Estado; f) controle dos eventuais excesso de uma parte em face da outra, atuando por conseguinte como poderoso fator de igualação (pelo menos formal) dos contendores entre si, seja no plano normativo, impondo uma distribuição equilibrada dos poderes das partes, seja no plano de fato, impondo a paridade de armas, garantindo o exercício bilateral dos direitos; g) formação e valorização do material fático de importância para a decisão da causa, h) determinar como, quando e quais os julgados podem adquirir a imutabilidade característica da coisa julgada.
A nulidade somente poderá ser decretada após a investigação da existência de efetivo prejuízo e desde que obedecidas, ainda, com rigor, as diversas regras que compõem o sistema de nulidades do Código de Processo Civil, cujo objetivo principal é exatamente o de evitar a decretação das nulidades. Relacionar os requisitos de validades com o sistema de nulidades da lei é absolutamente fundamental para que se faça a correta interpretação dos dispositivos legais.
Os requisitos extrínsecos também são conhecidos como requisitos negativos, pois são fatos que não podem ocorrer para que o procedimento se instaure validamente. São fatos estranhos à relação processual, que, uma vez existentes, impedem a formação válida do processo (procedimento).
A princípio, são vícios insanáveis. Por isso, o reconhecimento da existência de algum desses fatos inexoravelmente levará à extinção do processo – salvo se disser respeito a apenas parcela da demanda (litispendência parcial, por exemplo), hipótese em que haverá inadmissibilidade parcial da causa, sem a extinção do processo, que prosseguirá em relação à parcela restante. São exemplos: litispendência, coisa julgada, perempção e convenção de arbitragem. Também é pressuposto processual negativo, específico para as demandas em que se pretende o reconhecimento de domínio (ações petitórias), a pendência de processo possessório em que se discuta esse domínio.
Não tem o cônjuge para, sem autorização do outro, praticar os atos arrolados no artigo 1.647 do Código Civil. O inciso II deste dispositivo restringe a capacidade processual das pessoas casadas nas demandas reais imobiliárias: a participação de ambos os cônjuges, nessas hipóteses, é exigida. Essa restrição da capacidade processual visa proteger o patrimônio imobiliário familiar.
Conforme ressalvado no caput do artigo 1.647 do Código Civil, não se aplica a exigência de participação do consorte quando o casamento se der em regime de separação absoluta de bens.
Também se dispensa o consentimento do consorte nos casos de casamento sob o regime da participação final nos aquestos, com cláusula no pacto antenupcial em que se permita a alienação/oneração de bem imóvel sem a autorização do outro cônjuge.
O cônjuge somente pode demandar em Juízo sobre um direito real imobiliário se o outro lhe der autorização nesse sentido.
Não é o caso de litisconsórcio ativo necessário, figura, aliás, que não existe – ninguém pode ser obrigado a demandar em Juízo somente se outrem também assim o desejar. Trata-se de norma que tem dado o objetivo de integrar a capacidade processual ativa do cônjuge demandante. Dado o consentimento inequívoco, somente o cônjuge que ingressa com a ação é parte ativa; o que outorgou o consentimento não é parte na causa. Nada impede, porém, a formação de litisconsórcio ativo, que é facultativo.
Quando a causa versar sobre direito real imobiliário, na coisa própria ou em coisa alheia, ambos os cônjuges devem ser citados. Aqui, diversamente, trata-se de hipótese de litisconsórcio passivo necessário.
Nas ações possessórias a participação do cônjuge se restringe às situações de composse e às causas que disserem respeito a ato por ambos praticado.
Quando obrigatória a intimação do cônjuge, aquele que não foi ouvido poderá: a) ingressar no processo e pedir a anulação dos atos até então praticados; b) ajuizar ação rescisória, se a demanda tiver sido ajuizada pelo outro cônjuge sem o seu consentimento e já houver trânsito em julgado; c) ajuizar ação de nulidade transrescisória ou ação rescisória, se não tiver sido citado em ação real possessória imobiliária proposta contra o seu cônjuge.
O § 2º do artigo 655 do Código de Processo Civil impõe a intimação do cônjuge do devedor, quando houver penhora de bem imóvel. Esta exigência impõe a formação de um litisconsórcio ulterior necessário no processo de execução e sua falta é vício que pode ser argüido a qualquer tempo e grau de jurisdição. A intimação, nesses casos, justificava-se na regra de direito material que condicionava a alienação do imóvel ao consentimento do outro cônjuge (exceto no regime de separação absoluta ou da participação final nos aquestos, havendo pacto antenupcial neste sentido).
Importa destacar que a lei não prevê forma para o consentimento do cônjuge.
No caso de união estável, se notória, a participação do companheiro deve ser exigida, impondo-se a sua intimação. Se, embora não sendo notória, for alegada nos autos, convém também que se providencie a integração do ato com a intimação do companheiro faltante. Se não houver notoriedade nem menção nos autos, após o trânsito em julgado caberá ao companheiro preterido apenas a pretensão regressiva contra o seu companheiro, não sendo possível cogitar de qualquer caso de rescindibilidade da sentença. A solução, porém, não pode ser alcançada em juízo abstrato (em tese); cabe ao magistrado, à luz do caso concreto, diante das suas particularidades, valendo-se da técnica da proporcionalidade, encontrar a solução adequada.
Somente o cônjuge preterido tem legitimidade para pleitear a invalidação do ato praticado sem o seu consentimento. Não pode o magistrado invalidar a demanda sem que o cônjuge preterido o provoque – e isso mesmo se o réu apontar a falta de comprovação do consentimento.
Contudo, em razão do poder geral de cautela, deve o magistrado, de ofício ou a requerimento, determinar ao autor que traga a comprovação do consentimento; se não a trouxer, deve o magistrado, observando o seu dever de valer a igualdade processual, determinar a intimação do cônjuge preterido, que poderá: a) se calar, dando consentimento para o prosseguimento; b) expressamente aprovar os atos já praticados, dando o consentimento para o prosseguimento do processo; c) negar o consentimento, quando então poderá o magistrado não admitir o procedimento, invalidando a demanda por incapacidade processual. O Juiz poderá suprir o consentimento de um dos cônjuges, se houver recusa sem justo motivo ou quando for impossível ao cônjuge concedê-la.
Os incisos II e III do § 1º do artigo 10 do Código de Processo Civil impõem o litisconsórcio necessário passivo entre os cônjuges, quando demandados por dívidas solidárias.
O inciso II impõe o litisconsórcio quando se tratar de demanda resultante de fatos que digam respeito a ambos o cônjuges ou de atos praticados por eles. São hipóteses de causas de responsabilidade civil. O artigo 945 do Código Civil prevê a responsabilidade solidária de todos os co-autores da ofensa. Há solidariedade passiva por força de lei (artigo 265 do CC), mas o fato de os co-autores serem casados entre si redefine o regime jurídico processual dessa obrigação solidária, retirando do credor o benefício do artigo 274 do Código Civil, impondo o litisconsórcio necessário.
Ao mesmo tempo em que submete o cônjuge à necessidade de consentimento prévio do outro, para a prática de certos atos, a legislação cuidou de especificar alguns atos que podem ser praticados sem a vênia conjugal. Trata-se de atos relacionados à administração da economia familiar.
A incapacidade processual deve ser suprida em algumas situações (artigo 9º do CPC) pela designação de um representante processual ad hoc denominado curador especial.
Nos casos em que houver réu revel citado fictamente (por edital ou citação com hora certa), réu preso, parte incapaz cujos interesses se choquem com os do representante ou que não o tenha, deve o Juiz nomear, até mesmo ex officio, um curador especial para proteger e resguardar seus interesses.
Nomeia-se o curados especial para a parte incapaz (incapacidade absoluta ou relativa): quer porque não possui representante, que porque está em litígio com ele. A nomeação de um curador especial não supre a incapacidade material; o representante é designado para o suprimento da incapacidade processual. Convém advertir que a nomeação do curador especial, nessas causas, não dispensa a intervenção do Ministério Público como fiscal da lei, fundada no inciso I do artigo 82 do Código de Processo Civil.
O curador pode vir a representar em Juízo sujeito capaz materialmente, mas incapaz processualmente. Trata-se de incapacidade puramente processual. O que justifica a curatela especial é a ausência física do réu, seja porque revel aos citação ficta, seja porque está preso; reputa-se que, em ambas as situações, se encontra o demandando em posição de fragilidade para defender-se em Juízo.
O curador especial é representante judicial e não material, pois sua atuação se restringe aos limites do processo: encaixa-se a figura da representação.
Essa representação processual do curador à lide visa regularizar a relação jurídica processual: a) integrando a capacidade processual de incapaz que não tenha representante ou cujos interesses estejam em choque com os do representante; b) garantindo a paridade de armas e equilibrando o contraditório, quando atua a defesa do demandado, nas hipóteses do inciso II do artigo 9º do Código de Processo Civil, que são incapazes processuais.
A curatela especial é sempre temporária: no máximo, durará até o trânsito em julgado da decisão final. Contudo, é possível que, ao longo da litispendência, não seja mais necessária a integração da capacidade, em razão de fato superveniente que torne a parte capaz: cessação da incapacidade, nomeação do representante legal, aparecimento do réu revel, libertação do réu preso etc.
O curador especial não é parte no processo. Suas funções são basicamente defensivas. Não se lhe permita a propositura de reconvenção ou ação declaratória incidental, que não possuem função defensiva. Nem mesmo a denunciação da lide nos casos de evicção é permitida, quando então não haverá para o réu qualquer comprometimento ao seu direito de regresso. Tendo em vista que o chamamento ao processo não é exercício do direito de ação, mas simples convocação para a formação de litisconsórcio passivo, pode o curador especial promovê-lo.
O curador especial está autorizado a, tendo em vista o disposto no parágrafo único do artigo 302 do Código de Processo Civil, formular defesa genérica: não tem o ônus da impugnação especificada dos fatos trazidos no instrumento de demanda exatamente por não ter, a princípio, contato com a parte. Não está autorizado, porém, a dispor do direito material discutido: transigir, renunciar ou reconhecer a procedência do pedido.
Não pode o autor desistir da demanda sem que o consinta o curador especial, mesmo nos casos de revelia decorrente de citação por edital ou com hora certa: a defesa apresentada pelo curador faz o réu presente em Juízo, razão pela qual é imprescindível o consentimento do curador especial à proposta de revogação da demanda feita pelo autor.
Nos termos do parágrafo único do artigo 9º do Código de Processo Civil, nas comarcas onde houver representante judicial de incapazes ou de ausentes a este competirá a função de curador especial, exceto se existir defensoria pública instalada.


Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior.