quinta-feira, 14 de julho de 2011

Forma e Prova dos Negócios Jurídicos

Forma é o conjunto de solenidades que se devem observar para que a declaração da vontade tenha eficácia jurídica.
O artigo 104 do Código Civil, ao tratar dos requisitos essenciais do ato jurídico, fala da “forma prescrita ou não defesa em lei”. O artigo 166, inciso IV diz que é nulo o negócio jurídico quando não se revestir da forma prescrita em lei. O inciso V do mesmo artigo inquina também de nulidade o negócio quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para sua validade. O artigo 107 dispõe que a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir. Na verdade, a lei não comina nenhuma outra sanção, a não ser a própria nulidade do ato.
A regra é, portanto, a forma livre. Quando determinado ato requer certa forma, a lei assim disporá.
Como exemplo, se as partes participam de escritura pública nula porque lavrada em desacordo com os princípios legais, mas se o ato puder valer como documento particular, atingirá o efeito procurado pelas partes. Trata-se de medida conservatória que a doutrina denomina conversão substancial do negócio jurídico. Aproveita-se do negócio nulo o que for possível para ser tido como válido.
Não se confunde, por outro lado, forma como prova dos atos jurídicos. A forma é vista sob o aspecto estático; é aquele envoltório que reveste a manifestação de vontade. A prova é vista sob o aspecto dinâmico; serve para demonstrar a existência do ato.
O artigo 108 do Código Civil estabelece que: “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínio vigente no país”.
Dizem-se formais ou solenes os atos que requerem determinada forma. São solenes, por excelência, por exemplo, o casamento e o testamento. A solenidade é um plus, na verdade, que expande e qualifica a própria forma exigida. A preterição dessa solenidade que integra a forma inquina o ato. A preterição de suas formas ou solenidades faz com que o ato não valha.
As partes podem também, se desejarem, fixar uma forma para suas avenças, mesmo quando a lei não a determine. É a forma prescrita por convenção das partes; elas podem não só contratar a respeito de determinada forma, mas também especificar livremente seus requisitos, indicado se desejam a forma escrita, a forma pública, o registro do documento etc. O que não podem fazer é impor ou ajustar forma diversa da exigida pela lei. Pode ocorrer, no entanto, que as partes tenham praticado o ato por forma não prescrita em lei, forma facultativa, mas que apresente algum vício. Nesse caso, o ato deve prevalecer, por força de regra de conversão formal dos atos jurídicos, bem como por força do artigo 152 do Código Civil.
Há situações em que o formalismo assume novo aspecto, quando a lei (ou mesmo a vontade das partes) impõe a necessidade da divulgação de um negócio para conhecimento de terceiros, isto é, para aqueles que não tomaram parte no negócio. Essa publicidade é conhecida pelo sistema de registros públicos.
Escritura pública, exigida pela lei para certos negócios, é ato em que as artes comparecem perante oficial público, na presença de testemunhas, para fazer declaração de vontade. Uma vez assinado o ato pelo oficial público, pela parte ou partes declarantes e pelas testemunhas, o oficial encerrará o instrumento, dando fé pública, daquele ato ocorrido. Presume-se que o conteúdo desse ato seja verdadeiro, até prova em contrário.
Se algum dos comparecentes não for conhecido do tabelião, nem puder identificar-se por documentos, deverão participar do ato pelo menos duas testemunhas que o conheçam e atestem sua identidade.
Instrumento particular é o escrito feito e assinado ou somente assinado pela parte ou partes, e subscrito por duas testemunhas. Tais documentos só operam em relação a terceiros quando estiverem devidamente registrados. Pela regra geral, contudo, esse registro é facultativo.
A prova do instrumento particular pode suprir-se pelas outras de caráter legal. Sempre haverá de se examinar se esse suprimento probatório não é vedado pelo ordenamento.
As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários. Quem assina o documento terá o ônus de provar, se tiver interesse, que as declarações ali constantes são verdadeiras. A presunção que decorre de um documento firmado é relativa, portanto.
Prova é o meio de que o interessado se vale para demonstrar legalmente a existência do negócio jurídico.
A prova deve ser admissível, pertinente e concludente. A prova admissível é aquela que o ordenamento não proíbe, tendo valor jurídico para a situação que se quer provar. Desse modo, se a lei exige para determinado negócio a forma escrita, não se provará de outro modo, ou seja, a prova testemunhal não terá valor para demonstrar sua evidência. A prova pertinente significa que deve dizer respeito à situação enfocada, deve relacionar-se com a questão discutida. Deve ser concludente, porque não pode ser dirigida à conclusão de outros fatos que não aqueles em discussão, caso contrário a atitude do Juiz, que é o condutor da prova, será inócua.
É princípio fundamental em campo probatório que quem alegar um fato deve prová-lo: ei incumbit probatio qui dict non qui negat (a prova incumbe a quem afirma e não a quem nega).
O Juiz fica adstrito, para julgar, ao alegado e provado. Não pode decidir fora do que conste do processo. Julga pelas provas que lhe são apresentadas, mas pode examiná-las e sopesá-las de acordo com sua livre convicção, para extrair deles a verdade legal, uma vez que a verdade absoluta é apenas um ideal dentro do processo.
Os fatos incontroversos não merecem prova. No entanto, ainda que sejam incontroversos, não ficará o julgador adstrito a aceitá-los, porque o contrário poderá resultar do bojo probatório.
É costume mencionar que os fatos negativos não podem ser provados. A questão deve ser entendida com reserva, porque as negativas, por vezes, correspondem a uma afirmativa.
O Juiz é o condutor do processo. Embora a prova seja produzida pelas partes, deve o julgador velar pela rápida solução do litígio, indeferindo as provas inúteis e protelatórias. Por outro lado, tudo o que for alegado deve ser provado.
A prova dos atos não formais, aqueles cuja forma pode ser livremente escolhida pelas partes, faz-se por intermédio dos meios admitidos em Direito.
Nãos termos do artigo 212 do Código Civil, são meios de prova: confissão, documento, testemunha, presunção e perícia.
- confissão
O artigo 348 do Código de Processo Civil estatui o que o legislador entende por confissão: “há confissão quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial”. O objetivo da confissão deve ser um fato, porque só os fatos estão sujeitos à prova. A confissão não é admissível quanto a direitos indisponíveis. Somente pode confessar quem pode dispor do direito discutido.
A confissão é sempre da parte, embora se admita por mandato, desde que existam poderes especiais para tal. Se a confissão é feita por um representante, somente é eficaz nos limites que pode vincular o representado.
Não tem efeito absoluto a confissão em matéria de anulação de casamento, por exemplo, quando seu valor será apenas relativo, na livre apreciação da prova feita pelo Juiz.
Quem confessa não pode ser terceira pessoa, estranha à lide, ao litígio, pois ela atuaria como testemunha e não como confitente.
Como se trata de ato de disposição, a confissão requer agente capaz.
A confissão judicial é aquela ocorrida durante o curso do processo e em seu bojo; a extrajudicial configura-se no reconhecimento do seu fato litigioso fora do processo.
A confissão pode ser expressa, quando emana da deliberação precípua do confitente por forma verbal ou escrita; ou presumida, porque não expressa e apenas admitida por presunção (pode ser chamada também confissão tácita, porque decorrente do silêncio, ou ficta, porque criada por ficção jurídica). O fundamento e as formas de confissão presumida pertencem a princípios de ordem processual.
A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável. Cindir-se-á, todavia, quando o confitente lhe deduzir fatos atuais, suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou reconvenção.
O artigo 214 do Código Civil enfatiza que a confissão é irrevogável, mas pode ser anulada se decorreu de erro de fato ou de coação. A anulação ou declaração de ineficácia da confissão pode ser pleiteada em processo autônomo ou no curso do processo onde ocorreu, dependendo da oportunidade e conveniência. A lei não se refere ao dolo: a confissão decorrente de dolo pode gerar, em princípio, indenização à vítima, mas confissão será válida. Se o erro integrar o dolo, permite-se que sob esse fundamento seja invalidada a confissão.
- atos processados em Juízo
São aqueles atos praticados no bojo de um processo ou objeto do processo judicial, inclusive a coisa julgada.
Cumpre mencionar como ato processado em Juízo a chamada prova emprestada, isto é, a prova produzida em outro processo que não aquele dos litigantes. Em geral, só admite validade a essa prova se produzida entre as mesmas partes, pois a parte que não participou do processo não pode agir sobre ela, isto é, interferir positivamente em sua produção. De qualquer forma, sendo outro o Juiz a receber a prova emprestada, seu valor será menor e servirá tão-somente de subsídio à convicção do julgador.
- documentos públicos ou particulares
É comum a referência a instrumento e documento como sinônimos, mas a lei faz distinção. Documento é gênero, enquanto instrumento é espécie. O documento denota a idéia de qualquer papel útil para provar ato jurídico. Instrumento é veículo criador de um ato ou negócio. Pode-se dizer que o instrumento é criado com a intenção precípua de fazer prova, enquanto documento genericamente falando, faz prova, mas não é criado especificamente para tal. O instrumento é prova pré-constituída; o documento é prova meramente causal.
Assim, os documentos públicos ou particulares, documentos em geral, são escritos que, não tendo surgido como prova pré-constituída, apresentam elementos de prova.
Em sentido amplo, o termo documento não abrange apenas a forma escrita, mas também toda e qualquer representação material destinada a reproduzir duradouramente um pensamento.
Os instrumentos podem ser públicos ou particulares. Os instrumentos públicos são os escritos lavrados por oficial público no seu mister.
Os documentos públicos provam materialmente os negócios que exigem tal forma. Quando a lei não requer registro, são oponíveis contra terceiros. Transcrito o documento perante o oficial público, tem fé pública, de onde decorre a autenticidade do ato quanto às formalidades exigidas. Havendo presunção de autenticidade, pode ela ser contraditada por prova cabal.
Quando o instrumento público não for exigido pela lei para determinado ato, ou quando as partes não convencionarem em contrário, vale o instrumento particular para a prova dos negócios de qualquer valor. Para valer com relação a terceiros, é necessário que o instrumento particular seja objeto de inscrição no Registro Público. O escrito particular, porém, não é da substância do negócio jurídico algum e, por isso, pode sua prova ser suprida por outra admissível.
O artigo 226 do Código Civil afirma que os livros e as fichas dos empresários e sociedades provam contra as pessoas que pertencem em seu favor, quando, escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, forem confirmados por outros subsídios.
A prova não supre a ausência do título de crédito, ou do original, nos casos em que a lei ou as circunstâncias condicionarem o exercício do direito à sua exibição.
- prova testemunhal
Prova testemunhal é a que resulta do depoimento oral de pessoas que viram, ouviram ou souberam dos fatos relacionados com a causa.
Testemunha é, portanto, a pessoa, estranha ao processo, que afirma em Juízo a existência ou inexistência de fatos em discussão, relevantes para a causa.
As testemunhas podem ser judiciárias, pessoas naturais, estranhas à relação processual, de declaram em Juízo fatos relevantes para a causa, e instrumentárias, quando se manifestam sobre o conteúdo de instrumento que subscrevem, devendo ser duas nas escrituras públicas e cinco nas formas ordinárias de testamento. As judiciárias, segundo o artigo 407, parágrafo único do Código de Processo Civil, não podem exceder a dez para cada uma das partes, mas quando qualquer das partes oferecer mais de três testemunhas para a prova de cada fato, o Juiz poderá dispensar as restantes.
Os incapazes são os que não podem depor em razão de deficiência orgânica ou desenvolvimento mental incompleto. Os impedidos de depor como testemunhas são aqueles que possuem um relacionamento objetivo com a causa. Os suspeitos são aqueles que guardam uma razão subjetiva que os proíbe de depor.
Sendo estritamente necessário, o Juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso e o Juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer. Trata-se de depoimento colhido como meras declarações. O artigo 415 do Código de Processo Civil determina que a testemunha se compromisse a dizer a verdade, sendo advertida pelo Juiz sobre o crime de falso testemunho.
De acordo como estatuto processual civil, também os impedidos por parentesco podem, excepcionalmente, ser admitidos como testemunhas, em ações de estado, tais como investigação de paternidade, separação judicial etc.
Como regra geral, a testemunha não pode recusar-se a depor, salvo exceções expostas na lei. A testemunha funciona como auxiliar da Justiça.
A testemunha instrumentária participa como integrante e um negócio jurídico. Sua função é estar presente ao desenvolvimento, formação ou encerramento de negócios jurídicos. Sob determinadas circunstâncias, nem mesmo é necessário que as testemunhas instrumentárias estejam presentes no momento da feitura do ato.
O sujeito da relação jurídica processual não pode ser testemunha. Pode, porém, ser ouvido no processo por iniciativa da parte contrária ou do próprio Juiz: trata-se do depoimento pessoal, outro meio de prova admitido.
- presunções e indícios
Presunção é a conclusão que se extrai de fato conhecido para provar-se a existência de outro desconhecido. As presunções classificam-se em legais (juris) e comuns (hominis). As presunções legais dividem-se em presunções iuris et e iure (absolutas) e presunções iuris tantum (relativas).
Presunção iuris et de iure é aquela que não admite prova em contrário; a própria lei admite como prova absoluta, tendo-a como verdade indiscutível. A lei presume fato, sem admitir que se prove em contrário.
A presunção iuris tantum admite prova em contrário, daí porque também se denomina condicional.
A presunção relativa faz reverter o ônus da prova. Normalmente, esse ônus pertence ao autor da ação, que alega um direito. Se a lei, porém, presume um fato, o ônus da prova transfere-se para o réu, que tem que provar em contrário ao que foi estabelecido na presunção.
As presunções comuns (hominis) são decorrência do que habitualmente acontece na realidade que nos rodeia. Fundam-se naquilo que ordinariamente acontece e se impõem pela conseqüência do raciocínio e da lógica. Tal raciocínio auxilia o Juiz na formação de sua convicção. A presunção simples ou hominis só pode ser aceita pelo Juiz quando não contrariada pelo restante da prova produzida no processo.
Muitos entendem que existe sinonímia entre indício e presunção. Embora o seu valor como prova seja equivalente, existe diferença. O indício é o ponto de partida de onde, por inferência, chega-se a estabelecer uma presunção. O indício, portanto, deve ser entendido como causa ou meio de se chegar a uma presunção, que é o resultado.
Para se distinguir, na prática, quando se está perante uma presunção absoluta ou presunção relativa, é preciso ter em mira o seguinte: as presunções relativas formam a regra, as absolutas são exceção; são presunções relativas aquelas cuja lei declara admitir prova em contrário, colocando no próprio texto: “salvo prova em contrário”, ou outra equivalente.
- perícia, inspeção judicial
Quando o deslinde de uma causa depende de conhecimento técnico, o magistrado se valerá de um perito que o auxiliará na questão fática.
Exame é apreciação de alguma coisa para o esclarecimento do Juízo. Vistoria é operação semelhante, porém atinente à inspeção ocular. Normalmente, a perícia englobará tanto o exame como a vistoria.
Arbitramento é forma de perícia tendente a fixar um valor ou estimação em dinheiro de uma obrigação.
O perito é auxiliar da Justiça. Uma vez nomeado, não poderá recusar-se ao mister, sem justo motivo.
O Juiz não ficará, em hipótese alguma, adstrito a conclusão do perito em sua decisão. Pode o magistrado determinar nova perícia, como pode também formar sua convicção para julgar, não adotando a conclusão de qualquer delas.
A perícia é prova indireta: pressupõe sempre a figura do perito. Quando o exame é feito pelo próprio Juiz, a prova denomina-se inspeção judicial. A perícia deve ser encarada como sucedâneo da inspeção judicial; deve ser utilizada quando ao Juiz faltam os conhecimentos técnicos necessários ou quando não pode ou não é oportuno fazer a inspeção. A perícia pode ser feita extrajudicialmente; então, se apresentada em processo, terá o valor relativo que o Juiz houver por bem conceder.
Quando a perícia tiver for finalidade fixar fatos em que com o tempo podem modificar-se ou desaparecer, denomina-se vistoria ad perpetuam rei memoriam, conceito que integra a noção de produção antecipada de provas. Tem por finalidade fixar indelevelmente uma situação, um fato transeunte, e serve de prova para o futuro.
A prova pericial deve ser vista pelo prisma da necessidade. Os fatos ordinários, de conhecimento comum, não necessitam de perícia.
A recusa à perícia médica ordenada pelo Juiz poderá suprir a prova que se pretenda obter com o exame. A questão relaciona-se primordialmente, mas não exclusivamente, com as investigações de paternidade. Embora de forma peremptória, pois a lei usa a terminologia “o Juiz poderá” suprir a prova, quem se recusa a permitir o exame de DNA, por exemplo, poderá ter contra si a presunção indigitada.


Fonte: Direito Civil – Parte Geral. Sílvio de Salvo Venosa.