terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Processo Judicial Tributário

Como não há leis específicas para a solução dos conflitos entre o fisco e o contribuinte, o processo judicial tributário regula-se pelo Código de Processo Civil, salvo no que diz respeito à execução fiscal e à cautelar fiscal.
O processo de conhecimento, em matéria tributária, é sempre de iniciativa do contribuinte, porque a decisão, no processo administrativo, é sempre do fisco, inexistindo, assim, razão para que este provoque o controle judicial da legalidade de tais decisões.
Estabelece a Constituição que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV). Tem-se, pois, no Direito brasileiro, a inafastabilidade do controle judicial. Qualquer lei que, direta ou indiretamente, exclua a apreciação do Poder Judiciário relativamente a qualquer lesão, ou ameaça a direito, será inconstitucional.
O objetivo genérico do processo judicial é a aplicação do Direito. Inobservada a norma por seus destinatários, ao Poder Judiciário cumpre aplicá-la, assegurando a estes a prevalência daquela.
O processo de conhecimento tem por fim a composição de um litígio. Instaura-se, portanto, diante de uma controvérsia sobre o direito material. Questiona-se a ocorrência de fatos, ou o significado destes, e o Juiz é chamado a dizer o Direito. Para tanto toma conhecimento dos fatos e do significado que lhes atribuem o autor e o réu. E a final o Juiz diz quem tem razão. Soluciona o litígio, interpretando e a final aplicando a norma cabível.
No processo de execução não ocorre a composição de litígio, porque este não existiu ou já foi composto em precedente processo de conhecimento.
No processo cautelar também não se coloca para o Juiz um conflito para ser resolvido. Pede-se uma providência para a preservação de um direito que está sendo ou vai ser questionado, mas poderá perecer se aquela providência não for adotada. Ou, então, para preservar uma situação de fato que permite a efetivação de uma das providências para fazer valer um direito.
Denomina-se execução fiscal a ação de que dispõe a Fazenda Pública para a cobrança de seus créditos, sejam tributários ou não, desde que inscritos como Dívida Ativa.
A matéria é regulada pela Lei n.º 6.830/80, que afastou a aplicação dos dispositivos do Código de Processo Civil concernentes ao processo de execução, em face dos quais restou revogado o Decreto n.º 960/38.
A certidão da inscrição de crédito da Fazenda Pública como Dívida Ativa é o título executivo extrajudicial de que necessita a exeqüente para a propositura da execução. Nesta, portanto, a exeqüente não pede ao Juiz que decida sobre o seu direito de crédito. Pede simplesmente sejam adotadas providências para tornar efetivo o seu crédito, isto é, providências para compelir o devedor a pagamento.
O objeto da execução fiscal, assim, não é a constituição nem a declaração do direito, mas a efetivação deste, que se presume, por força de lei, líquido e certo.
Tal presunção é relativa e pode, portanto, ser afastada por prova a cargo do executado.
Citado, o executado terá o prazo de cinco dias para pagar ou garantir o Juízo, mediante fiança bancária ou depósito, ou indicar bens à penhora. Findo aquele prazo será feita a penhora de qualquer bem do executado, exceto daqueles que a lei declara absolutamente impenhoráveis.
Poderá, então, o executado interpor embargos, processo através do qual exercitará o seu direito de defesa.
É de grande importância esclarecer que o Juiz, ao acolher os embargos, se o faz apenas em parte, não poderá fazer um lançamento tributário em substituição àquele feito pela autoridade competente, que considerou incorreto. Assim, não poderá determinar o prosseguimento da execução pela diferença que considere devida.
Admite-se, porém, nos casos em que a cobrança diga respeito a parcelas autônomas, como acontece, por exemplo, na cobrança de imposto de renda de diferentes exercícios financeiros, prossiga a execução pela parcela autônoma, considerada devida.
A cautelar fiscal tem por fim tornar indisponíveis os bens de contribuinte. Foi instituída pela Lei n.º 8.397/92, sendo cabível, nas hipóteses indicadas pela lei, antes da execução fiscal ou no curso desta.
Entre as várias hipóteses de cabimento da cautelar fiscal, elencadas pela lei, merece destaque e seria, aliás, suficiente, quando o contribuinte, notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento de crédito fiscal vencido, deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se garantida a instância em processo administrativo ou judicial.
A cautelar fiscal somente pode ser intentada contra sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, regularmente constituído em procedimento administrativo. Em tal situação, com o crédito regularmente constituído, pode a Fazenda Pública credora promover a execução fiscal e, assim, conseguir a penhora dos bens. O pedido de cautelar, portanto, é procedimento inútil, que nada acrescenta como garantia do Tesouro Público. A não ser que se pretenda o deferimento de medida cautelar sem que exista crédito devidamente constituído, o que seria absurdo.
Com o trânsito em julgado de sentença favorável ao contribuinte proferida em ação anulatória de lançamento tributário ou em ação declaratória, pode a Fazenda Pública promover ação rescisória se ocorrer uma das hipóteses de cabimento desta, para a desconstituição do julgado que lhe tenha sido desfavorável.
Tratando-se de rescisória de acórdão proferido em ação anulatória de lançamento tributário, quando julgada procedente tem-se restabelecido o lançamento – e, assim, o crédito por ele constituído, que deverá ser cobrado mediante ação de execução fiscal, desde que não consumada a prescrição.
Tratando-se de rescisória de acórdão proferido em ação declaratória, quando julgada procedente coloca-se a questão de saber se a Fazenda Pública havia feito, ou não, o lançamento tributário. Se não havia lançado e já decorreu o prazo de decadência, a rescisória teria sido inútil, pois já não será possível a constituição do crédito tributário. Se já havia a Fazenda Pública lançado e não promovera a cobrança por estar impedido de fazê-lo pelo julgado agora rescindido, poderá promover a execução fiscal.
Em nenhuma hipótese, porém, admite-se a execução do acórdão proferido na ação rescisória como forma de execução fiscal.
A ação anulatória de lançamento tributário recebeu essa denominação da doutrina em razão de ser objeto específico, que é o anulamento do procedimento administrativo de lançamento.
É possível, ainda, a propositura da ação contra a Fazenda Pública para anular um ato praticado no procedimento de lançamento, como, por exemplo, o indeferimento do pedido de diligências naquele procedimento, embora nesses casos também seja possível a impetração de mandado de segurança.
A ação declaratória é concernente ao processo de conhecimento e segue o procedimento ordinário. É, portanto, também uma ação ordinária. Distingue-se da ação anulatória em razão do pedido. Naquela, pede-se o anulamento do procedimento administrativo de constituição do crédito tributário. Nesta, pede-se apenas a declaração da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica.
Enquanto na ação anulatória de lançamento o Juiz afirma ou nega a relação jurídica apenas como fundamento da decisão, na ação declaratória a afirmação da existência ou da inexistência da relação jurídica constitui a própria decisão. Isto quer dizer que, na declaratória, a coisa julgada alcança o futuro, nas relações jurídicas continuativas.
Nos termos do artigo 164 do Código Tributário Nacional, a importância do crédito tributário pode ser consignada judicialmente nos casos de: a) recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória; b) subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fundamento legal; c) exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre o mesmo fato gerador.
A ação de repetição de indébito de procedimento ordinário e caracteriza-se por eu objeto específico. Nela o autor pede seja a Fazenda Pública condenada a restituir tributo pago indevidamente.
Nos termos do artigo 165 do Código Tributário Nacional, é cabível a ação de repetição nos casos de: a) cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido; b) erro na identificação do sujeito passivo; c) reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.
O artigo 166 do Código Tributário Nacional estabelece que a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-lo.
O direito de pleitear a restituição extingue-se em cinco anos, contados da data da extinção do crédito tributário, nos casos de pagamento indevido sem que tenha havido questionamento. Ou da data e que se tornar definitiva a decisão administrativa, ou passar em julgado a decisão judicial, que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória em face da qual o pagamento foi efetuado.
É relevante salientar que, em se tratando de lançamento por homologação, o pagamento não extingue desde logo o crédito tributário. Tal extinção fica a depender da homologação do lançamento, e só a partir daí é que começa o prazo extintivo do direito à repetição.
Por outro lado, se o pedido de restituição tiver como fundamento a inconstitucionalidade da lei que institui ou aumentou o tributo, o prazo extintivo do direito à repetição somente começa na data em que é publicada a decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal que declara a inconstitucionalidade.
Destacam-se, também, como ações que podem questionar matéria tributária: o mandado de segurança; a ação direta de inconstitucionalidade; a ação declaratória de constitucionalidade; a ação popular e ação civil pública.

Fonte: Curso de Direito Tributário. Hugo de Brito Machado.

Infrações e Sanções Administrativas

Infração administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade no exercício de função administrativa, ainda que não necessariamente nesta esfera.
Sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração.
Sendo muito variadas as relações de Direito Administrativo, também o são as modalidades de sanção. Assim, existem: a) advertência; b) sanções pecuniárias (multas); c) interdição de local ou estabelecimento; d) inabilitação temporária para certa atividade; e) extinção de relação jurídica entretida com o Poder Público; f) apreensão ou destruição de bens. A apreensão preliminar é medida acauteladora e não sanção.
O objetivo da composição das figuras infracionais e da correlata penalização é intimidar eventuais infratores, para que não pratiquem os comportamentos proibidos ou para induzir os administrados a atuarem na conformidade de regra que lhes demanda comportamento positivo.
Tanto podem ser sujeitos da infração administrativa e do dever de responder por elas pessoas físicas como pessoas jurídicas, sejam de Direito Privado, sejam de Direito Público. O menor também pode se incluir em tais situações.
Diferencia-se a figura do infrator e a do chamado responsável subsidiário. O infrator é o sujeito que pratica a infração e que, de regra, suportará a sanção por ela; ao passo que o responsável subsidiário é aquele que, por força da lei, responderá pela infração caso aquele que a cometeu não possa responder ou não responda por ela.
É corrente o uso da expressão “excludentes” para referir hipóteses em que se considerará inexistente a infração, ou não sancionável a conduta, conforme o caso. São encontráveis menções ao fato natureza (força maior); caso fortuito; estado de necessidade; legítima defesa; doença mental; fato de terceiro; coação irresistível; erro; obediência hierárquica; estrito cumprimento do dever legal; exercício regular de direito.
Infrações administrativas, para serem validamente instituídas e irrogadas a quem nelas incidiu, devem atender a determinados princípios básicos, alguns dos quais também se aplicam às sanções: a) princípio da legalidade; b) princípio da anterioridade; c) princípio da tipicidade; d) princípio da exigência de voluntariedade. Quanto às sanções e sua aplicação devem ser mencionados, ainda: proporcionalidade; devido processo legal e motivação.
O princípio da legalidade é basilar no Estado de Direito, significa subordinação da Administração à lei; e nisto cumpre importantíssima função de garantia dos administrados contra eventual uso desatado do Poder pelos que comandam o aparelho estatal.
Tanto infrações administrativas como suas correspondentes sanções têm que ser instituídas em lei – não em regulamento, instrução, portaria etc. Ressalvem-se, entretanto, as hipóteses retro referidas, atinentes à chamada supremacia especial, em que a Administração extrai seus poderes não diretamente da lei, mas de um vínculo específico travado com o particular – como, por exemplo, de uma concessão de telecomunicações ou do ato de admissão de alguém em uma biblioteca pública. Assim, com base neles é que o próprio órgão administrativo, respeitados os condicionamentos dantes expostos, configurará infrações e correlatas sanções.
Do mesmo modo, cumpre dizer que também não haverá desrespeito ao princípio da legalidade em matéria de infrações e sanções administrativas nas hipóteses em que o enunciado legal pressupõe a elaboração de normas inteiramente dependentes de conclusões firmadas sobre averiguação ou operacionalização técnica, que só poderiam mesmo ser efetuadas na esfera administrativa. É o que ocorre com as situações em que impossível, impraticável ou desarrazoado efetuar precisões rigorosas ao nível da lei, dado o influxo de rápidas mudanças advindas do progresso científico e tecnológico, assim como de condições objetivas existentes em dado tempo e espaço, cuja realidade impõe, em momentos distintos, níveis diversos no grau das exigências administrativas adequadas para cumprir o escopo da lei sem sacrificar os interesses também por ela confortados.
Quanto ao princípio da anterioridade, analogamente ao preceito penal do nullim crimen, nulla poena sine lege, também não há infração administrativa nem sanção administrativa sem prévia estatuição de uma e de outra.
Para atendimento ao princípio da tipicidade, a configuração das infrações administrativas, para ser válida, há de ser feita de maneira suficientemente clara, para não deixar dúvida alguma sobre a identidade do comportamento reprovável, a fim de que, de um lado, o administrativo possa estar perfeitamente ciente da conduta que terá de evitar ou que terá de praticar para livrar-se da incursão em penalizações e, de outro, para que dita incursão, quando ocorrente, seja objetivamente reconhecível.
O pressupostos inafastável das sanções implicadas nas infrações administrativas é o de que exista a possibilidade de os sujeitos saberem previamente qual a conduta que não devem adotar ou a que devem adotar para se porem seguramente a salvo de incursão na figura infracional; ou seja, cumpre que tenham ciência perfeita de como evitar o risco da sanção e, ao menos por força disto (se por outra razão na for), abster-se de incidir nos comportamentos profligados pelo Direito.
Cumpre que a lei noticie de maneira clara aos administrados a que consequências estarão sujeitos se descumprirem as normas pertinentes.
Também não poderá se considerar válida lei administrativa que preveja multa variável de um valor muito modesto para um extremamente alto, dependendo da gravidade da infração, porque isto significaria, na real verdade, a outorga de uma discricionariedade tão desatada, que a sanção seria determinável pelo administrador e não pela lei, incorrendo em manifesto vício de falta de razoabilidade.
De acordo com o princípio da exigência de voluntariedade para incursão na infração, é de meridiana evidência que descaberia qualificar alguém como incurso em infração quando inexista a possibilidade de prévia ciência e prévia eleição, in concreto, do comportamento que o livraria da incidência na infração e, pois, na sujeição às sanções para tal casos previstas. Note-se que aqui não se está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de praticar dada conduta.
Pode parecer que a exigência de voluntariedade contrapor-se-ia ao fato de que há certas sanção que são transmissíveis e que, obviamente, não se pode fazer tal predição (voluntariedade) em relação àquele a quem foi transmitida. Não há nisto contradição, pois o que está sendo afirmado não é que tenha de existir voluntariedade por parte de quem responde pela sanção, mas de quem pratica uma conduta qualificada como infração.
Pelo princípio da proporcionalidade, as sanções devem guardar uma relação de proporcionalidade com a gravidade da infração. No caso das sanções pecuniárias, a falta de razoabilidade pode conduzir ao caráter confiscatório da multa, o que é, de per si, juridicamente inadmissível.
O princípio do devido processo legal encontra ressonância no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, segundo o qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Registre-se que a previsão de depósito prévio do valor da multa para recorrer na via administrativa é obviamente incompatível com o texto constitucional e ofende a inteireza do princípio do devido processo legal, como vem decidindo o Supremo Tribunal Federal.
Anote-se que a exigência do devido processo legal se incompatibiliza inteiramente com a aplicação de sanções com base na chamada “verdade sabida”, que seria o conhecimento pessoal e direto da infração por parte de quem deva proceder à imposição da sanção, ou a notoriedade de determinado fato.
Pelo princípio da motivação a Administração é obrigada a expor os fundamentos em que está embasada para aplicar a sanção. Tem, portanto, que apontar não só o dispositivo normativo no qual se considera incurso o sujeito indigitado, mas também, obviamente, o comportamento comissivo ou omissivo, imputado e cuja ocorrência se subsume à figura infracional prevista na regra de Direito. Além disto, sempre que a norma haja previsto gradação nas sanções cabíveis, é imperativo que seja justificada a opção feita pela autoridade sancionadora. A omissão de qualquer destes requisitos causa a nulidade do apenamento.
Providências administrativas acautelatórias são medidas que a Administração muitas vezes necessita adotar de imediato para prevenir danos sérios ao interesse público ou à boa ordem administrativa e cuja finalidade não é – como a das sanções – intimidar eventuais infratores para que não incorram em conduta ou omissão indesejada, mas, diversamente, é a de paralisar comportamentos de efeitos danosos ou de abortar a possibilidade de que se desencadeiem.
Quase sempre tais providências precedem sanções administrativas, mas com elas não se confundem. As medidas acautelatórias só se converterão em sanções depois de oferecida a oportunidade de defesa para os presumidos infratores.
As sanções podem ser classificadas sob diferentes aspectos: a) sanções reais – são as pecuniárias (multas) e as que, por sua natureza, gravam coisas, possuindo natureza real (por exemplo, as de perda de bens, interdição de estabelecimento e outras); b) sanções pessoais – todas as demais, ou seja, as que atingem a pessoa do sujeito passivo (infrator ou responsável), nelas se incluindo, por exemplo, as de prisão, suspensão de atividades. O préstimo de tal classificação é apartar as sanções transmissíveis – ou seja, as que, não cumpridas pelo infrator, se transferem a terceiros, que são as da primeira tipologia – das intransmissíveis, vale dizer, as da segunda categoria.
Cumpre verificar se existe ou não, por parte de alguém diverso do infrator, e a ser qualificado como “responsável”, a possibilidade de lhe controlar a conduta ou, quando impossível tal controle, se este terceiro dispõe de meios para constranger o infrator a suportar a sanção pecuniária.
São, pois, fundamentalmente, duas as hipóteses em que se pode admitir a transmissibilidade das multas e, pois, o surgimento da figura do responsável.
Uma hipótese é aquela em que o sujeito a ser configurado como responsável dispõe de controle sobre o infrator, e precisamente por não havê-lo exercido de modo satisfatório é que foi possível a prática da infração. É o caso da responsabilidade do pai pelas multas de trânsito decorrentes da infração do filho menor.
Outra hipótese é aquela em que o sujeito qualificável como responsável dispõe de meios para constranger o infrator a se submeter ao pagamento da multa. É o caso daquele que, pretendendo adquirir um veículo, exige, para conclusão do negócio, que o vendedor salde as multas oriundas das infrações de trânsito ou que, por vida de abatimento no preço, lhe propicie a diferença suficiente para que ele próprio efetue tal pagamento.
Vê-se que em ambas situações a transmissibilidade da sanção não a desnatura, pois a ameaça, a intimidação, prevista na composição íntegra da figura infracional mantém constantemente sua presença e se, a despeito dela, a infração for praticada, ao ser desencadeada a sanção, ela continua operante para prevenir a reincidência e para cumprir a exemplaridade social, visto que, já agora, ou o responsável sofre a sanção, por não ter sido diligente, ou tem meios para constranger o devedor a suportá-la.
Nas situações figuradas, ou o responsável haverá tido, por incúria, participação no evento infracional – caso em que é perfeitamente razoável que arque com a sanção – ou, diversamente, como não praticou infração alguma e não teria como impedi-la, não serão onerado por sanção, desde que concorra para que o gravame se abata sobre o infrator, cumprindo-se, destarte, integralmente a finalidade repressiva e preventiva da sanção, bem como sua exemplaridade social.
É por este modo que se demonstra quais os casos em que a transmissibilidade de multas oriundas de sanção administrativa é admissível, já que neles isto não fere os fundamentos lógicos e jurídicos como infrações administrativas: almejar desestimular condutas indesejáveis e induzir condutas pretendidas.
As multas podem ser discernidas em: a) as que se limitam a cumprir a finalidade intimidadora; b) as que, além disto, visam ressarcir a Administração de algum prejuízo que a ação ou inação do administrado lhe causou – são as multas ressarcitórias, reparatórias ou compensatórias; c) as de caráter cominatório, que, visando a compelir o administrado a uma atuação positiva, se renovam automática e continuadamente até a satisfação da pretensão administrativa.
Tal como as demais sanções administrativas, as multas têm que atender ao princípio da proporcionalidade, sem o quê serão inválidas. Além disto, por muito grave que haja sido a infração, as multas não podem ser confiscatórias, isto é, de valor tão elevado que acabem por compor um verdadeiro confisco.
Registre-se, por último, que, uma vez identificada a ocorrência da infração administrativa, a autoridade não pode deixar de aplicar a sanção. Com efeito, há um dever de sancionar, e não uma possibilidade discricionária de praticar ou não tal ato. Ressalvem-se apenas as hipóteses em que deva operar o chamado princípio da insignificância.

Fonte: Curso de Direito Administrativo. Celso Antônio Bandeira de Mello.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Coação e Estado de Perigo

Coação
Entre os vícios que podem afetar o negócio jurídico, a coação é o que mais repugna à consciência humana, pois é dotado de violência. Nesse vício da vontade, mais vivamente mostram-se o egoísmo, a rudeza, a primitividade. Pretender alguém lograr um benefício pela força, pela ameaça, é aspecto reprovado por nossa consciência. Daí ser importante fixar o exato alcance do problema na teoria dos negócios jurídicos.
Clóvis Beviláqua define coação como “um estado de espírito, em que o agente, perdendo a energia moral e a espontaneidade do querer, realiza o ato, que lhe é exigido”.
No conceito de coação, é importante distinguir a coação absoluta (vis absoluta), que tolhe totalmente a vontade, da coação relativa (vis compulsiva), que é vício de vontade propriamente falando. Na coação absoluta, ao há vontade ou existe apenas vontade aparente. É a violência física que não dá escolha ao coacto. Na coação absoluta, não há vício de vontade, mas, existindo total ausência de vontade, o negócio jurídico reduz a caso de nulidade.
A coação relativa , em que, com maior ou menor amplitude, haverá certa escolha por parte do coacto. Nessa hipótese, a vítima da coação não fica reduzida à condição de puro autômato, uma vez que pode deixar de emitir a declaração pretendida, optando por resistir ao mal cominado. Daí por que a vis relativa torna o ato simplesmente anulável, como vício de vontade que é.
Portanto, na coação relativa, conserva o coacto a possibilidade de optar entre expor-se ao mal cominado e a conclusão do negócio que se lhe pretende extorquir. Nesse caso, a vontade do agente é tão-só cercada, restringida e não totalmente excluída. A coação, por outro lado, deve deixar margem de escolha ao agente.
Nesse contexto, enumeram-se os seguintes requisitos da coação: a) essencialidade; b) intenção de coagir; c) gravidade do mal cominado; d) injustiça ou ilicitude da cominação; f) dano atual ou iminente; g) justo receio de prejuízo, igual, pelo menos, ao decorrente do dano extorquido; h) tal prejuízo deve recair sobre pessoa ou bens do paciente, ou pessoas de sua família.
É preciso que a coação seja determinante ou essencial, ou melhor ainda, que seja a causa do negócio. Para que se configure, porém, a coação capaz de anular o negócio deve existir relação de causalidade entre a ameaça e a declaração. No tocante à prova, cumpre ao coacto fazê-la.
A intenção de coagir é elemento da própria noção do vício. Consiste no ânimo de extrair o consentimento para o negócio. Esse exame da intenção depende muito da prova. Normalmente, são as circunstâncias externas do negócio que denotam a coação.
No exame da gravidade do mal cominado importa a intensidade do mal, sua probabilidade de consumação. A vítima, perante a violência procedente de outro contraente ou de terceiro, deve escolher entre consentir e curvar-se à ameaça ou sofrer as conseqüências. A ameaça deve, por isso, revestir-se de certa gravidade.
O artigo 152 do Código Civil adotou o critério concreto para o exame, em cada caso, do vício: “no apreciar a coação, se terá em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela”.
A posição do legislador é de estrito respeito à vontade individual.
A doutrina não é unânime quanto ao requisito injustiça ou ilicitude da cominação. No tocante à injustiça, trata-se de favor de natureza ética, difícil de precisar. Quanto à ilicitude, porém, nossa lei civil estatui que não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito (artigo 153 do CC).
O artigo 151 do Código Civil prescreve que o dano deve ser iminente. Nesse sentido, o dano deve ser atual e inevitável sob o prisma da vítima.
O artigo 98 do Código Civil fala em temor fundado. Tem-se em vista também a pessoa do coacto. Não basta, porém, a mera suspeita da vítima para anular o negócio jurídico. Como para todos os requisitos, a prova deve ser segura. Não pode, contudo, o julgador ser rigoroso em seu exame a ponto de nulificar a intenção do legislador.
O parágrafo único do artigo 151 do Código Civil diz que “se disser respeito (a coação) a pessoa não pertencente à família do paciente, o Juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação”.
Quanto aos bens, devem ser eles próprios do ameaçado. Ao que tudo indica, o texto não autoriza a anulação do ato, se a ameaça for dirigida a bens que não do próprio coagido. Em todo caso, nessa hipótese é temerário fazer a afirmação peremptória, pois certamente casos concretos ocorrem em que a aplicação textual da lei pode conduzir a injustiças. Deve o julgador sempre levar em conta a existência ou não da espontaneidade na manifestação de vontade, analisando em conjunto todos os requisitos da coação.
O artigo 153 do Código Civil preceitua que “não será considerada coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial”.
Por temor reverencial entende-se o receio de desgostar o pai, a mãe ou outras pessoas, a quem se deve obediência e respeito.
No coação exercida por terceiros vicia o ato, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a quem aproveita, respondendo ambos coator e parte no negócio, solidariamente pela indenização. De acordo com o artigo 155 do Código Civil, o negócio subsistirá, no caso de coação de parte de terceiro, com o desconhecimento real ou implícito por parte do agente no negócio.
Se as circunstâncias da declaração de vontade do agente revestiam-se de veementes indícios de coação, que o beneficiado não podia ignorar, é anulável o negócio. Por outro lado, se a coação estava camuflada sem existir motivos para que o beneficiado a conhecesse, o negócio subsiste em homenagem a boa-fé. Aliás, a boa-fé objetiva é um dos pontos cardeais do Código Civil.

Estado de Perigo
O Código Civil destaca do estado de perigo no artigo 156: “configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”.
Uma vez anulado o negócio, só restaria ao agente recorrer à ação de enriquecimento sem causa para haver o pagamento. Contudo, ao estampar o conhecimento do estado de perigo por parte do beneficiado, entende o legislador que houve abuso da situação; o agente valeu-se do terror incutido a outra parte para realizar o negócio, tendo cessado a boa-fé. Nesse caso, o negócio não poderia subsistir. Nada impede, porém, e se harmoniza com o sistema, a solução de o Juiz manter a validade do negócio, atendendo às circunstâncias do caso, determinando que a prestação seja reduzida ou reconduzida a seu justo valor.
No estado de perigo, ao contrário do que ocorre com a coação, há uma parte que não é responsável pelo estado em que ficou ou se colocou a vítima. O perigo não foi causado pelo beneficiário, embora ele tome conhecimento da situação. Essa ciência do perigo é essencial para que ocorra o vício. Trata-se, como se nota, de um abuso da situação.
A situação, embora análoga, também se distancia da lesão, porque nesta o contratante, com base em razões econômicas ou por sua própria inexperiência, é levado contratar. Na lesão, não existe a situação emergencial, que é ínsita ao estado de perigo ou estado de necessidade.
O prazo decadencial, expressamente admitido pelo Código Civil, para anular o negócio jurídico eivado de estado de perigo é de quatro anos, contado do dia em que se realizou o negócio (artigo 178, inciso III do CC).

Fonte: Direito Civil – Parte Geral. Sílvio de Salvo Venosa
.

Tipo Penal Doloso e Tipo Penal Culposo

Tipo Doloso
Dolo é a vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador. Segundo Zaffaroni, “dolo é uma vontade determinada que, como qualquer vontade, pressupõe um conhecimento determinador”. Assim, pode-se perceber que o dolo é formado por um elemento intelectual e um elemento volitivo.
A consciência, ou seja, o momento intelectual do dolo, basicamente, diz respeito à situação fática em que se encontra o agente. O agente deve ter consciência, isto é, deve saber exatamente aquilo que faz, para que se lhe possa atribuir o resultado lesivo a título de dolo.
O erro de tipo pode ser escusável (invencível) ou inescusável (vencível), vale dizer, respectivamente, aquele em que qualquer um de nós poderia incorrer, ou, diversamente, aquele em que se o agente tivesse agido com diligências ordinárias, poderia ter sido evitado. O erro de tipo, em qualquer das suas formas (escusável ou inescusável), tem a finalidade de, sempre, eliminar o dolo do agente, por faltar-lhe a vontade e a consciência daquilo que estava realizando.
A consciência, no entanto, não quer dizer que o agente conheça o tipo penal ao qual se amolda sua conduta, pois que a exigência do conhecimento se cumpre quando o agente conhece a situação objetiva, ainda que não saiba que essa situação social objetiva se encontra prevista dentro de um tipo penal.
A vontade é elemento sem o qual se desnatura o crime doloso. Aquele que é coagido fisicamente a acabar com a vida de outra pessoa não atua com vontade de matá-la. Não há que se confundir desejo com vontade; o primeiro não passaria de uma atitude emotiva carente de toda eficácia na configuração do mundo exterior; a vontade, ao contrário, não constituiria o motor de uma atividade humana capaz de dominar os cursos causais. Daí que só esta última pode erigir-se em um dada relevante na imputação objetiva. Faltando um desses elementos - consciência ou vontade – descaracterizado estará o crime doloso.
A regra contida no parágrafo único do artigo 18 do Código Penal é a de que todo é crime doloso, somente havendo a possibilidade de punição pela prática de conduta culposa se a lei assim o previr expressamente. Em síntese, o dolo é a regra; a culpa, a exceção.
Segundo a teoria da vontade, dolo seria tão-somente a vontade livre e consciente de querer praticar a infração penal, isto é, de querer levar a efeito a conduta prevista no tipo penal incriminador.
Já a teoria do assentimento diz que atua com dolo aquele que, antevendo como possível o resultado lesivo com a prática de sua conduta, mesmo não o querendo de forma direta, não se importa com a sua ocorrência, assumindo o risco de vir a produzi-lo. Aqui o agente não quer o resultado diretamente, mas o entende como possível e o aceita.
Para a teoria da representação, fala-se em dolo toda vez que o agente tiver tão-somente a previsão do resultado como possível e, ainda assim, decidir pela continuidade de sua conduta. Para os adeptos dessa teoria, não se deve perquirir se o agente havia assumido o risco de produzir o resultado ou se, mesmo o prevendo como possível, acreditava sinceramente na sua não-ocorrência. Para a teoria da representação, não há distinção entre dolo eventual e culpa consciente, pois que a antevisão do resultado leva à responsabilização do agente a título de dolo.
Segundo a teoria da probabilidade, se o sujeito considerava provável a produção do resultado está-se diante do dolo eventual. Se considerava que a produção do resultado era meramente possível, se daria a imprudência consciente ou com representação. Na verdade, a teoria da probabilidade trabalha com dados estatísticos, ou seja, de acordo com determinado comportamento praticado pelo agente, estatisticamente, houvesse grande probabilidade de ocorrência do resultado, estaria diante do dolo eventual.
Pela redação do artigo 18, I do Código Penal, conclui-se que foram adotas as teorias do resultado e do assentimento. Para a nossa lei penal, portanto, age dolosamente aquele que, diretamente, quer a produção do resultado, bem como aquele que, mesmo não o desejando de forma direta, assume o risco de produzi-lo.
Diz-se direto o dolo quando o agente quer, efetivamente, cometer a conduta descrita no tipo, conforme preceitua a primeira parte do artigo 18, I do Código Penal. O agente, nesta espécie de dolo, pratica sua conduta dirigindo-a finalisticamente à produção do resultado por ele pretendido inicialmente.
Tomando-se por base das fases de realização da conduta, o dolo direto pode ser classificado em: a) dolo direto de primeiro grau; b) dolo direto de segundo grau. O dolo direto em relação ao fim proposto e aos meios escolhidos é classificado como de primeiro grau, e em relação aos efeitos colaterais, representados como necessários, é classificado como de segundo grau.
No dolo direito de segundo grau ou mediato, o resultado típico é uma consequência necessária dos meios eleitos, que devem ser abrangidos pela vontade como o fim mesmo. Daí porque também é reconhecido como dolo de consequências necessárias.
O dolo indireto, a seu turno, pode ser dividido em alternativo e eventual.
O dolo indireto alternativo apresenta-se quando o aspecto volitivo do agente se encontra direcionado de maneira alternativa, seja em relação ao resultado ou em relação à pessoa contra qual o crime é cometido. Quando a alternatividade do dolo disser respeito ao resultado, fala-se em alternatividade objetiva; quando a alternatividade se referir à pessoa contra qual o agente dirige sua vontade, a alternatividade será subjetiva. O conceito de dolo alternativo é um misto de dolo direto com dolo eventual.
Fala-se em dolo eventual quando o agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito. O dolo eventual significa que o autor considera seriamente como possível a realização do tipo legal e se conforme com ela. Uma parte da doutrina concluir que o dolo eventual não passa de uma espécie de culpa com representação, punida mais severamente.
Fala-se em dolo geral (dolus generallis) quando o autor acredita haver consumado o delito quando na realidade o resultado somente se produz por uma ação posterior, com a qual buscava encobrir o fato, ou, ainda, quando o agente, julgado ter obtido o resultado intencionado, pratica uma segunda ação com diverso propósito e só então é que efetivamente o dito resultado se produz.
Se o agente atuou com animus necandi (dolo de matar) ao efetuar os golpes na vítima, deverá responder por homicídio doloso, mesmo que o resultado morte advenha de outro modo que não aquele pretendido pelo agente (aberratio causae), quer dizer, o dolo acompanhará todos os seus atos até a produção do resultado, respondendo o agente, portanto, por um único homicídio doloso, independentemente da ocorrência do resultado aberrante.
Fazia-se, quando prevalecia a teoria natural da ação, a distinção entre dolo genérico e dolo específico. Dizia-se que o dolo genérico era aquele em que no tipo penal não havia indicativo algum do elemento subjetivo do agente, ou melhor dizendo, não havia indicação alguma da finalidade da conduta do agente. Dolo específico, a seu turno, era aquele em que no tipo penal podia ser identificado um especial fim de agir.
Contudo, uma vez adotada a teoria finalista da ação, pode-se dizer que e todo o tipo penal há uma finalidade que o difere do outro, embora não seja tão evidente quando o próprio artigo se preocupa em direcionar a conduta do agente, trazendo expressões dela indicativas. De acordo com a teoria finalista da ação, toda conduta é finalisticamente dirigida à produção de um resultado qualquer, não importando se a intenção do agente é mais ou menos evidenciada no tipo penal.
Para os adeptos da teoria causal (mais especificamente a teoria neoclássica ou psicológico-normativa), a culpabilidade é integrada pelos seguintes elementos: imputabilidade, dolo/culpa e exigibilidade de conduta diversa.
No dolo haveria um elemento de natureza normativa, qual seja, a consciência sobre a ilicitude do fato. Dependendo da teoria que se adote, essa consciência deverá ser real (teoria extremada do dolo) ou potencial (teoria limitada do dolo).
A teoria extremada do dolo situa-o na culpabilidade, um dolo normativo, o dolus malus, ou seja, vontade, previsão e mais conhecimento de que se realiza uma conduta proibida (consciência atual da ilicitude). A teoria limitada do dolo quer ser um aperfeiçoamento da anterior, pois desta não diverge a não ser em alguns pontos: substitui o conhecimento atual da ilicitude pelo conhecimento potencial; além disso, exige a consciência da ilicitude material, não puramente formal.
Assim, pelo fato de existir no dolo, juntamente com os elementos volitivos e cognitivos, considerados psicológicos, um elemento de natureza normativa (real ou potencial consciência da ilicitude do fato) é que esse dolo causalista é conhecido como dolo normativo.
Discute-se acerca da possibilidade de um dolo subseqüente (dolus subsequens), também conhecido como dolo consecutivo. Para exemplificar: se o agente tivesse produzido um resultado sem que, para tanto, houvesse qualquer conduta penalmente relevante, em face da inexistência do dolo ou culpa, ou, mesmo, diante de um fato inicialmente culposo, sendo que, após verificar a ocorrência do resultado, o agente teria se alegrado ou mesmo aceitado a sua produção.
O erro de tipo é fenômeno que determina a ausência de dolo quando, havendo uma tipicidade objetiva, falta ou é falso o conhecimento dos elementos requeridos no tipo objetivo. A conseqüência natural do erro de tipo é a de, sempre, afastar o dolo do agente, permitindo, contudo, a sua punição pela prática de um crime culposo, se houver previsão legal. Sempre que o agente incorrer em erro de tipo, seja ele escusável ou inescusável, o seu dolo restará afastado, pois que, em tais casos, não atua com vontade e consciência de praticar a infração penal.
A doutrina majoritária é no sentido de que, nas infrações de perigo, o agente deverá agir com dolo, pois que não existe a ressalva exigida ao reconhecimento do comportamento culposo.
Em posição divergente, afirma-se que, do ponto de vista técnico, os delitos de perigo apresentam características estruturais que os aproximam dos delitos imprudentes, ao menos até em certo grau de desenvolvimento, isto é: são condutas imprudentes que devem ser castigadas sem necessidade de que produza a catástrofe ou o dano. O penalista não pode esquecer que a declaração de tipicidade de certas condutas não é outra coisa que não a antecipação do que, em uma situação normal de produção do resultado, teria sido sempre um delito imprudente e não um delito doloso. Portanto, estaria fora de lugar falar em um dolo de perigo quando na verdade estaria configurada uma culpa com ou sem previsão.

Tipo culposo
De acordo com o artigo 18, II do Código Penal, diz-se culposo o crime quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
Mirabete conceitua o crime culposo como a conduta humana voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado.
Nota-se, portanto, que para a caracterização do delito culposo é preciso a conjugação de vários elementos, a saber: a) conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva; b) inobservância de um dever de cuidado objetivo (negligência, imprudência ou imperícia); c) resultado lesivo não querido, tampouco assumido pelo agente; d) nexo de causalidade entre a conduta que deixa de observar seu dever de cuidado e o resultado lesivo dela advindo; e) previsibilidade; f) tipicidade.
A conduta, nos delitos de natureza culposa, é ato humano voluntário dirigido, em geral, à realização de um fim lícito, mas que, por imprudência, negligência ou imperícia, isto é, por não ter o agente observado o seu dever de cuidado, dá causa a um resultado não querido, nem mesmo assumido, tipificado previamente na lei penal.
Na espécie culposa, a finalidade endereça-se a um resultado juridicamente irrelevante. A ação culposa caracteriza-se por uma deficiência na execução da direção final. E esta deficiência se deve ao fato de a orientação dos meios não corresponder àquela que deveria em realidade ser imprimida para evitar as lesões aos bens jurídicos.
Como segundo elemento necessário à caracterização do crime culposo tem-se a chamada inobservância de um dever objetivo de cuidado. O homem, em suas relações, não pode fazer tudo aquilo que bem entende, pois que, assim agindo, poderá causar lesões a terceiros. A vida em sociedade impõe determinadas regras de conduta que dever ser obedecidas por todos, sob pena de gerar o caos social.
Esse dever de cuidado objetivo, dirigido a todos, faz com que seja dada atenção a determinadas regras de comportamento, mesmo que não escritas ou expressas, a fim de que uma convivência harmoniosa em sociedade.
A infringência ao dever de cuidado objetivo pode ocorrer nas hipóteses de imprudência, negligência e imperícia. Para que se possa falar em delito culposo, é necessária a ocorrência de um resultado, como regra, naturalístico. Sem ele, o fato praticado pelo agente poderá até se amoldar a uma outra figura típica dolosa, mas nunca culposa.
Verifica-se duas exceções à exigência do resultado naturalístico para efeitos de caracterização do crime culposo, nos artigos 228 e 229 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevêem crimes de mera conduta.
Deve existir, ainda, um nexo de causalidade entre a conduta praticada e o resultado dela advindo, para que este último possa ser imputado ao agente.
É preciso, também, que o fato seja previsível pelo agente. Diz-se que no crime culposo o agente não prevê aquilo que lhe era previsível. Essa afirmativa presta-se tão-somente para os delitos em que houver a chamada culpa inconsciente ou culpa comum, uma vez que na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas, sinceramente, não acredita na sua ocorrência.
Se o fato escapar totalmente à previsibilidade do agente, o resultado não lhe poderá ser atribuído, mas assim ao caso fortuito ou à força maior.
A doutrina faz distinção entre previsibilidade objetiva e previsibilidade subjetiva. A primeira, seria aquela em que o agente, no caso concreto, deve ser substituído pelo chamado “homem médio, de prudência normal”. Se, uma vez levada a efeito essa substituição hipotética, o resultado ainda assim persistir, é sinal de que o fato havia escapado ao âmbito de previsibilidade do agente, porque dele não se exigia nada além da capacidade normal dos homens. Não é imposta ao agente uma previsibilidade extremamente larga que, de acordo com a imaginação do aplicador da lei, poderá ser imposta a todos os casos.
Na previsibilidade subjetiva não existe substituição hipotética; não há troca do agente pelo homem médio para saber se o fato escapava ou não à sua previsibilidade. Aqui, o que é levado em consideração são as condições particulares, pessoais do agente, quer dizer, consideram-se, na previsibilidade subjetiva, as limitações e experiências daquela pessoa cuja previsibilidade está se aferindo em um caso concreto.
A tipicidade também é um elemento indispensável à caracterização do delito culposo. Só se pode falar em crime culposo se houver previsão legal expressa para essa modalidade de infração. A regra contida no parágrafo único do artigo 18 do Código Penal é a de que todo crime seja doloso, somente se falando em delito culposo quando a lei penal expressamente fizer essa ressalva.
Merece ser ressaltado o fato de que a tipicidade material deverá ser analisada também nos delitos culposos, confrontando-se o dano causado pela conduta do agente com o resultado dela advindo, a fim de se concluir pela proteção ou não daquele bem, naquele caso concreto especificamente. Assim, são perfeitamente aplicáveis aos delitos culposos os conceitos do princípio da insignificância.
Para o Direito Penal, a negligência seria gênero, do qual são espécies a imprudência, a imperícia e a própria negligência.
Imprudente seria a conduta positiva praticada pelo agente que, por não observar o seu dever de cuidado, causasse o resultado lesivo que lhe era previsível. Consiste a imprudência na prática de um ato perigoso sem os cuidados que o caso requer. A imprudência é, portanto, uma fazer alguma coisa.
A negligência, ao contrário, é um deixar de fazer aquilo que a diligência normal impunha. Em muitos casos, a negligência e a imprudência se interligam e, juntas, são consideradas como as causadoras do resultado lesivo.
Fala-se em imperícia quando ocorre uma inaptidão, momentânea ou não, do agente para o exercício de arte, profissão ou ofício. Diz-se que a imperícia está ligada, basicamente, à atividade profissional do agente.
Os crimes culposos são considerados tipos abertos. Isto porque não existe uma definição típica completa e precisa para que se possa, como acontece em quase todos os delitos dolosos, adequar a conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei.
A previsibilidade é um dos elementos que integram o crime culposo. Quando o agente deixa de prever o resultado que lhe era previsível, fala-se em culpa inconsciente ou culpa comum. Culpa consciente é aquela em que o agente, embora prevendo o resultado, não deixa de praticar a conduta, acreditando, sinceramente, que este resultado não venha a ocorrer. O resultado, embora previsto, não é assumido ou aceito pelo agente, que confia na sua não-ocorrência.
No dolo eventual, embora o agente não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo. No dolo eventual o agente não quer diretamente produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer, pouco importa.
Merece ser frisado que o Código Penal não adotou a teoria da representação, mas, sim, a da vontade e a do assentimento. Exige-se, portanto, para a caracterização do dolo eventual, que o agente anteveja como possível o resultado e o aceita, não se importando realmente com a sua ocorrência.
Para Rogério Greco, embora em alguns raros casos seja possível cogitar de dolo eventual em crimes de trânsito, não é pela conjugação da embriaguez com a velocidade excessiva que se pode chegar a essa conclusão, mas, sim, considerando seu elemento anímico. Se mesmo antevendo como possível a ocorrência do resultado com ele não se importava, atua com dolo eventual; se, representando mentalmente, confiava sinceramente na sua não-ocorrência, atual com culpa consciente. E, se ao final do processo pelo qual o motorista estava sendo processado por um crime doloso (com dolo eventual) houver dúvida com relação a este elemento subjetivo, deverá a infração penal ser desclassificada para aquela de natureza culposa, pois que in dubio pro reo e não, para o citado autor, in dubio pro societate.
Fala-se em culpa imprópria nas hipóteses das chamadas descriminantes putativas em que o agente, em virtude de erro evitável pelas circunstâncias, dá causa dolosamente a um resultado, mas responde como se tivesse praticado um crime culposo.
Ocorre culpa imprópria (culpa por assimilação, por extensão ou por equiparação) quando o agente, embora tendo agido com dolo, nos casos de erro vencível, nas discriminantes putativas, responde por um crime culposo. Em tais hipóteses de culpa imprópria é que a doutrina vislumbra a possibilidade de tentativa em delitos culposos.
Há possibilidade de ocorrer a concorrência de culpas. O comportamento do agente/vítima será levando em consideração quando da análise das circunstâncias judiciais, previstas no artigo 59 do Código Penal, ou seja, será apreciado e valorado no mento em que o julgador for encontrar a pena-base para a infração penal cometida.
O comportamento da vítima, como concorrente para o resultado, deve ser considerado não só nos casos em que ela goze também do status de agente. Quer dizer que se um motorista, em virtude de sua inobservância ao dever objetivo de cuidado, atropelar um pedestre que, de forma também imprudente, tentava atravessar uma avenida, vindo somente este último a sofrer lesões, se o julgador chegar à conclusão de que o fato é típico, antijurídico e culpável, na oportunidade em que for encontrar a pena-base deverá levar em consideração o comportamento da vítima, que também concorreu, com sua conduta imprudente, para a produção do resultado lesivo por ela sofrido.
Não se pode falar em presunção de culpa no Direito Penal. Quando da análise do caso concreto, o Juiz deve verificar se a conduta levada a efeito pelo agente infringe seu dever de cuidado objetivo, bem como se era previsível o resultado ocorrido, para somente depois concluir ou não penal sua culpa.
Nos delitos culposos, ao contrário dos de natureza dolosa, o agente não quer produzir o resultado ilícito algum. Sua conduta geralmente é dirigida a um fim lícito mas que, por infringência a um dever de cuidado objetivo, o agente dá causa a um resultado previsível, mas não previsto por ele (culpa inconsciente) ou se previsto (culpa consciente), pelo menos não consentido.
Não se pode falar, portanto, em tentativa quando o agente não dá início aos atos de execução dirigidos à consumação de determinada infração penal por ele finalisticamente pretendida. O iter criminis é um instituto jurídico destinado aos crimes dolosos e não aos culposos. Não se cogita, não se prepara e não se executa um crime culposo, mas tão-somente um delito doloso.
Para da doutrina, contudo, aceita a possibilidade de tentativa nos crimes culposos, quando da ocorrência da chamada culpa imprópria (por assimilação, por extensão ou por equiparação), quando o agente, nos casos de erro evitável nas discriminantes putativas, atua com dolo, mas responde pelo resultado causado com as penas correspondentes ao delito culposo.

Fonte: Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rogério Grecco.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Considerações sobre o Processo Administrativo

Procedimento administrativo ou processo administrativo é a sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo.
Não há que se confundir o procedimento ou processo administrativo com os chamados “atos complexos”. Nestes, “vontades” provenientes de órgãos diferentes consorciam-se em um ato único. Para dizê-lo com rigor técnico: há manifestações provindas de órgãos distintos que se fundem em uma só expressão, em um só ato, porquanto as “vontades” não cumprem funções distintas, tipificadas por objetivos particulares de cada qual; ou seja: nenhuma delas possui, de per si, identidade funcional autônoma na composição do ato.
O ato complexo como uma declaração de vontade administrativa constituída pela fusão de algumas vontades dirigidas à realização de um único fim. Já, no procedimento, embora seus vários atos muitas vezes não tenham relevância autônoma absoluta, na medida em que cumprem funções preparatórias, autorizativas ou executivas, miram, entretanto, um fim distinto daquele ou das declarações principais de vontade e, à vista disso, devem ser delas ou dela distinguidas.
Em suma: no procedimento administrativo há vários atos, todos com finalidades específicas, distintas, sendo que ditas vontades estão articuladas em uma única finalidade, sem que caiba discernir outra que lhes fosse, como inerência, diversa da que reside no ato.
A importância do procedimento administrativo decorre do fato de ser um meio apto a controlar o iter de formação das decisões estatais, o que passa a ser um recurso extremamente necessário a partir da multiplicação e do aprofundamento das ingerências do Poder Público sobre a sociedade.
O procedimento administrativo atende a um duplo objetivo: a) resguarda os administrados; b) concorre para uma atuação administrativa mais clarividente.
Quanto ao primeiro objetivo, salienta-se que enseja ao administrado a possibilidade de que sua voz seja ouvida antes da decisão que irá afetá-lo.
De outro lado, o processo administrativo revela-se de grande utilidade para complementar a garantia de defesa jurisdicional, porquanto, em seu curso, aspectos de conveniência e oportunidade passíveis de serem levantados pelo interessado podem conduzir a Administração a comportamentos diversos dos que tomaria, em proveito do bom andamento da coisa pública e de quem os exibiu em seu interesse. Ora, tais aspectos não poderiam ser objeto de apreciação na via jurisdicional, que irá topar com o ato sem poder levar em conta senão a dimensão da legalidade.
No que tange ao segundo objetivo, o procedimento concorre para uma decisão mais bem informada, mais conseqüente, mais responsável, auxiliando, assim, a eleição da melhor solução para os interesses públicos em causa, pois a Administração não se faz de costas para os interessados, mas, pelo contrário, toma em conta aspectos relevantes por ele salientados e que, de outro modo, seriam, talvez, sequer, vislumbrados.
O procedimento administrativo não existe apenas nas situações contenciosas. Ele ocorre, praticamente, na produção de qualquer tipo de ato, desdobrando-se, então, pelo menos, na vida interna da Administração.
Fala-se em procedimentos interno, em contraste com os procedimentos externos de que participam os administrados.
Há procedimentos restritivos ou ablatórios, como o caso de cassações de licença ou de declaração de caducidade de um concessão de serviço público ou de rescisão de um contrato administrativo por inadimplência do contratado, cujo caráter sancionador aparecerá manifesto.
Opostamente, há procedimentos em vista de atos ampliativos, como o seriam, v. g., as concessões, licenças, permissões, autorizações, admissões e preparatórios de contratações ou alienações. Alguns deles podem ser procedimentos concorrenciais, como nas licitações ou concursos de provimento de cargo público ou para promoção.
Em relação aos procedimentos externos, a distinção realmente importante é a que os divide em ampliativos e restritivos, a qual deve servir como o grande divisor de águas em cujo interior se alocam ulteriores subdivisões.
Os procedimentos ampliativos podem ser subdivididos em função de diversos critérios. Assim, quanto ao sujeito que os suscita, ora serão de iniciativa do próprio interessado, como um pedido de permissão de uso de bem público, v. g., o de instalação de quiosques de bancas de jornais; ou de iniciativa da Administração, como uma licitação para aquisição de bens, obras ou serviços.
Quanto à existência ou não de caráter competitivo, serão: a) concorrenciais, como o concurso público para ingressar na Administração; b) simples ou não-concorrenciais, como um pedido de licença para edificar.
Os procedimentos restritivos podem ser subdivididos em: a) meramente restritivos ou ablativos, como as revogações em geral; b) sancionadores, que se preordenam à ampliação de uma sanção, como o chamado processo administrativo disciplinar contra servidor inculcado de presumível falta.
No procedimento administrativo podem ser distinguidas as seguintes fases: a) iniciativa ou propulsória; b) instrutória; c) dispositiva; d) controladora ou integrativa; e) de comunicação.
A fase propulsória ou de iniciativa corresponde ao impulso deflagrador do procedimento. Tanto pode vir do administrado, quanto ser produto de uma decisão ex officio da Administração.
Segue a fase instrutória, na qual Administração deve colher os elementos que servirão de subsídio para a decisão que tomará. Nesta fase deverá ser ouvido aquele que será alcançado pela medida, se foi o próprio Poder Público que desencadeou o procedimento ou se a audiência deste for necessária para acusações. É neste estágio que se fazem averiguações, perícias, exames, estudos técnicos, pareceres e que se colhem os dados e elementos para elucidar o que seja cabível a fim de chegar-se à fase subseqüente.
Na fase dispositiva a Administração resolve algo. Frequentemente, há, em seguida, uma fase controladora, que alguns denominam integrativa, concebida para que autoridades diversas das que participaram até então verifiquem se houve satisfatório transcurso das várias fases e se o decidido deve ser confirmado ou infirmado. Derradeiramente tem lugar a fase de comunicação, em que a providência conclusiva é transmitida pelos meios que o Direito houver estabelecido.
O processo administrativo rege-se pelos seguintes princípios: a) audiência do interessado; b) acessibilidade aos elementos do expediente; c) ampla instrução probatória; d) motivação; e) revisibilidade; f) representação e assessoramento; g) lealdade e boa-fé; h) verdade material; i) celeridade; j) oficialidade; l) gratuidade; m) informalismo.
Os princípios da oficialidade e da gratuidade não se aplicam obrigatoriamente nos procedimentos ampliativos de direito suscitados pelos interessados e o princípio do informalismo só não se aplica aos procedimentos concorrenciais.
O princípio da audiência do interessado implica um contraditório.
O princípio da acessibilidade aos elementos do expediente significa que à parte deve ser facultado o exame de toda a documentação constante dos autos.
O princípio da ampla instrução probatória significa não apenas o direito de oferecer e produzir provas, mas também o de, muitas vezes, fiscalizar a produção das provas da Administração, isto é, o de estar presente, se necessário, a fim de verificar se efetivamente se efetuaram com correção ou adequação técnica devidas.
O princípio da motivação, isto é, o da obrigatoriedade de que sejam explicitados tanto o fundamento normativo quanto o fundamento fático de decisão, enunciando-se, sempre que necessário, as razões técnicas, lógicas e jurídicas que servem de calço ao ato conclusivo, de modo a poder avaliar sua procedência jurídica e racional perante o caso concreto.
O princípio da revisibilidade consiste no direito de o administrado recorrer da decisão que lhe seja desfavorável. O Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito ao duplo grau de jurisdição e afastou a exigência de prévio depósito ou caução para interposição de recurso administrativo.
De acordo com o princípio da lealdade e boa-fé, a Administração, em todo o transcurso do procedimento, está adstrita a atingir de maneira lhana, sincera, ficando, evidentemente, interditos quaisquer comportamentos astuciosos, ardilosos, ou que, por vias transversas, concorram para entravar a exibição das razões ou direitos do administrado.
O princípio da verdade material consiste em que a Administração, ao invés de ficar restrita ao que as partes demonstrem no procedimento, deve buscar aquilo que é realmente verdadeiro, com prescindência do que os interessados hajam alegado e provado.
Por força do princípio da oficialidade a mobilização do procedimento administrativo, uma vez desencadeado pela Administração ou por instigação da parte, é encargo da própria Administração; vale dizer, cabe a ela, e não a um terceiro, a impulsão de ofício. Disto decorre (quanto à continuidade do procedimeto) de prazos preclusivos, porque a própria Administração tem de conduzir o procedimento até seu termo final É certo, todavia, que nos procedimentos de exclusivo interesse do administrado a Administração não tem o dever de prossegui-los por si própria e poderá encerrá-los prematuramente ante à inércia do postulante.
Pelo princípio da gratuidade entende-se que só é obrigatório nos procedimentos restritivos ou ablativos de direito. Não, porém, nos suscitados pelo interessado para buscar providência ampliativa de sua esfera jurídica.
O princípio do informalismo deve ser considerado a favor do administrado, significando que a Administração não poderá ater-se a rigorismos formais ao considerar as manifestações do administrado. Sem embargo, dito princípio não se aplica aos procedimentos concorrenciais, na medida em que sua utilização afetaria a garantia de igualdade dos concorrentes.
Os princípios da audiência do interessado, da acessibilidade aos elementos do expediente, da ampla instrução probatória, da motivação, da revisibilidade e do direito de ser representado e assistido têm, no caso dos procedimentos restritivos ou ablativos de direito, o mesmo fundamento, isto é, o artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, segundo o qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, co os meios e recursos a ela inerentes”.
Nos procedimentos não restritivos de direito, o princípio da audiência do interessado e da ampla instrução probatória irão assentar-se em um fundamento genérico implícito, decorrente do artigo 1º, inciso II da Constituição Federal, se acordo com o qual um dos fundamentos da República é a cidadania, e no parágrafo do mesmo artigo onde enfaticamente se proclama que todo poder emana no povo.
Contudo, o princípio da acessibilidade aos elementos do expediente encontra amparo mais direto nos artigos 5º, incisos XXXIII, XXXIV, “b” e 37 da Constituição Federal.
Dispõe o primeiro deles que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações do seu interesse particular ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja indispensável à segurança da sociedade e do Estado”.
De seu turno, o inciso XXXIV, “b”, do mesmo artigo 5º a todos assegura a “obtenção de certidões em repartições públicas, ara defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal”. Acresce que o inciso LXXII, consagrador do habeas data, confirma o direito de conhecer dados em poder da Administração respeitantes ao sujeito interessado.
O princípio da motivação encontra seu embasamento constitucional em todos estes perceptivos supracitados e, ainda, no artigo 93, incisos LX e X.
O princípio da revisibildade, além de ser considerado um princípio geral do Direito, embasa-se no direito de petição, previsto no artigo 5º, inciso XXXIV, “a”, a teor do qual todos têm assegurado “o direito de petição aos Poderes Públicos, em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.
O direito de ser representado e assessorado pode ser considerado inerente à pessoa: ademais, será indispensável quando menos inúmeras vezes, para a própria realização eficiente dos direitos assegurados pelos demais princípios do procedimento acolhidos constitucionalmente.
O princípio da lealdade e da boa-fé tem fundamento constitucional explícito e meridianamente claro. Consta do artigo 37, caput, que a Administração está submetida, entre os princípios, ao da moralidade.
O princípio da verdade material estriba-se na própria natureza da atividade administrativa. Assim, seu fundamento constitucional implícito radica-se na própria qualificação dos Poderes tripartidos. A previsão do artigo 37, caput, que submete a Administração ao princípio da legalidade, também concorre para a fundamentação do princípio da verdade material no procedimento, pois, se esta fosse postergada, seria impossível atender à autêntica legalidade na criação do interesse público.
O princípio da celeridade processual exige que a Administração atue expeditamente, pois deve proceder com presteza em todo o curso do processo, já que, de acordo com seu fundamento constitucional, residente no artigo 5º, LXXVIII, haverá de ter duração razoável, de maneira a assegurar-se a celeridade de sua tramitação.
O fundamento do princípio da oficialidade também se radica na própria natureza constitucional das funções da Administração; isto é, deflui da missão própria do Poder Executivo no sistema de tripartição dos poderes, que a Lei Magna contempla no artigo 2º.
O princípio da gratuidade nos procedimentos restritivos ou ablativos de direito, vale dizer, nos únicos em que é obrigatório, fundamenta-se no precitado artigo 5º, LV.
O princípio do informalismo, tal como os outros princípios já referidos, encontra embasamento implícito no artigo 5º, II e § 2º da Constituição.
A obrigatoriedade da adoção do procedimento administrativo formalizado ocorre sempre que um interessado provocar manifestação administrativa. Esta é uma simples conseqüência da previsão constitucional do direito de petição.
Deve haver formalização também quando a providência administrativa a ser tomada, tendo efeitos imediatos sobre o administrado, envolver privação da liberdade dou de bens. Estando em causa auto restritivo ou ablativo de direitos integrados no patrimônio do sujeito, é obrigatória a prévia instauração de procedimento administrativo externo, ressalvadas as exceções constiucionais.
Há processo administrativo quando a providência a ser tomada disser respeito a matéria que envolva ou implique imposição de sanções e quando a Constituição diretamente o exigir.
A Lei n.º 9.784/99 regula o processo administrativo no âmbito da Administração direta e indireta Federal, aplicando-se também aos órgãos do Legislativo e do Judiciário quando no exercício da função administrativa.
Nos termos da lei a competência se exerce pelos órgãos a que foi atribuída como própria, sendo irrenunciável, admitindo-se, contudo, tanto a delegação parcial dela como a possibilidade de avocação nos casos legalmente admitidos. Não podem ser objeto de delegação: a) a edição de atos de caráter normativo; b) a decisão de recursos administrativo; c) as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.
A lei enuncia no artigo 2º um conjunto de princípios a serem obedecidos pela Administração: legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, interesse público, eficiência, segurança jurídica, ampla defesa e contraditório.
No que tange à motivação, a lei do processo administrativo esclarece suas características aos indicar que deverá ser explícita, clara e congruente (podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato).
No respeitante ao princípio da proporcionalidade, se impõe adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
Garante-se o direito de defesa contra aplicação de sanções, cabendo acrescentar que tal defesa deve ser prévia, quer por força do princípio do devido processo legal, quer pelo da presunção de inocência, conforme se depreende da Constituição.
Assegura-se o direito de ter ciência da tramitação dos processo administrativos em que o administrado tenha condição de interessado, tendo vista dos autos e obtendo cópias de documentos nele contidos e conhecer as decisões proferidas.
A lei confere ao administrado o direito de ser intimado dos atos do processo que lhe resultem em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades ou em atos de outra natureza, de seu interesse ou quando for necessária a prestação de informações ou apresentação de provas, mencionando-se data, prazo, forma e condições de atendimento, assim como no que concerne a diligências ordenadas. A intimação poderá ser feita por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado, ou por ciência no processo, e observará, obrigatoriamente, a antecedência mínima de três dias úteis em relação a data de comparecimento.
Anote-se a garantia legal de os interessados terem vista do processo e obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou direito à privacidade, à honra e à imagem.
É garantido aos interessados os direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos em que possa resultar sanções e nas situações de litígio.
O administrado tem direito de, na fase instrutória e antes da tomada de decisão, juntar documentos e pareceres, requere diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria do processo.
Os atos do processo não dependem de forma determinada senão quando a lei assim o exigir, e devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a data, local e assinatura da autoridade responsável.
Vale referir que, se a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, mediante despacho motivado, o órgão competente poderá abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros, se não houver prejuízo para a parte interessada, sendo procedida divulgação da consulta pelos meios oficiais.
A juízo da Administração, antes da decisão, diante da relevância da questão poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo, assim como poderão os órgãos e entidades administrativas estabelecer outros meios de participação dos administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas.
A comunicação da decisão será feita por intimação do interessado, que pode ser feita por ciência no processo ou ocorrerá por outro meio que assegure a certeza a ciência, efetuando-se publicação oficial no caso de interessados indeterminados ou com domicílio indefinido.
Da decisão cabe recurso, por razões de mérito ou de legitimidade, o qual independe de caução, salvo disposição legal em contrário, e não tem efeito suspensivo, a menos que a lei o preveja, mas a autoridade recorrida ou imediatamente superior poderá de ofício ou a requerimento do interessado, dar-lhe tal efeito quando haja justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação.
Além dos recursos, quando em pauta processo administrativo de que resulte sanções, cabe, ainda, o instituto da revisão, que poderá ocorrer a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, se surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada, inadmitindo-se agravamento da sanção nos processo de revisão.
Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior, sendo cabível sua prorrogação até o dobro, mediante comprovada justificação.
As intimações, em geral, e especificamente e prova ou diligência ordenada, serão feitas com antecedência mínima de três dias úteis.
O prazo para o interessado interpor recurso administrativo, que deverá ser dirigido à autoridade que proferiu a decisão contestada, salvo disposição legal e específica diversa, é de dez dias, contados a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida. Interposto o recurso, a autoridade competente deverá intimar os demais interessados no prazo de cinco dias úteis, para que apresentem suas alegações.
O direto da Administração de anular atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos administrados decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé, e no caso de efeitos patrimoniais contínuos o prazo de decadência será contado da percepção do primeiro pagamento. Como a lei não estabelece prazo para a hipótese de comprova má-fé, há de se entender que será o da regra geral prevista no artigo 205 do Código Civil, isto é, dez anos.
A lei do processo administrativo estabelece, no artigo 53, que a Administração pode revogar seus atos inconvenientes ou inoportunos, respeitados os direitos adquiridos, e consagra o princípio de que a anulação dos atos inválidos é obrigatória, pois aí mesmo dispõe que a Administração deve anular seus atos inválidos. O artigo 55 dispõe que os atos cujos defeitos sejam sanáveis, não havendo lesão ao interesse público nem prejuízos a terceiros, poderão ser convalidados pela própria Administração.

Fonte: Curso de Direito Administrativo. Celso Antônio Bandeira de Mello.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Elementos do Estado

São tradicionalmente três os elementos do Estado: povo, território e poder político.
Deve-se a Jellinek a formulação do conceito de Estado como um povo fixado num território para, mediante poder próprio, exercer o poder político, surgindo daí o acolhimento da tese dos três elementos do Estado.
São materiais os elementos território e povo, e formal, o poder político.
Deve-se aceitar a tese dos três elementos, por ser a única que possibilita delimitar o Estado em relação a outras organizações sociais, às quais falta pelo menos um daqueles elementos que compõem o conceito e a realidade do Estado como fenômeno histórico e institucional.
O elemento humano constitutivo do Estado, que consiste numa comunidade de pessoas, é o povo. O grupo humano ou a coletividade de pessoas obtém undidade, coesão e identidade com a formação do Estado, mediante vínculos étnicos, geográficos, religiosos, lingüísticos ou simplesmente políticos. O povo é, assim, o sujeito e o destinatário do poder que se institucionaliza. Ele só existe dentro da organização política. Uma vez eliminado o Estado, desaparece o povo como tal.
O conceito de povo não se confunde com o de população, que envolve um conceito econômico-demográfico, apenas. É o conjunto de residentes (nacionais e estrangeiros) no território do Estado.
O termo povo identifica-se com o conjunto de indivíduos que estão sujeitos à ordem jurídica do Estado, tendo um vínculo permanente com o poder político e não simplesmente transitório, o que ocorre com a população, motivo por que opta-se por identificar o povo como elemento pessoal constitutivo do Estado.
Do ponto de vista da participação no processo do poder, povo se distingue de sociedade civil. Enquanto povo denota o conjunto daqueles cidadãos dotados do poder de sufrágio, a sociedade civil é o mesmo povo pelo qual, porém, o poder de cada cidadão é ponderado pelo dinheiro, conhecimento e capacidade de organização que ele detém.
Outra distinção a ser feita, quanto ao termo povo, é entre nacionalidade e cidadania.
Nacionais são os indivíduos que se vinculam juridicamente a determinado Estado. Cidadãos são nacionais que participam do poder político, votando, sendo votado e fiscalizando os atos dos detentores do poder. Nacionais são todos os indivíduos que se sujeitam permanentemente às leis do Estado e ao seu poder político.
São modos de aquisição da nacionalidade o ius soli e o ius sanguinis. O primeiro refere-se ao lugar do nascimento e o segundo à descendência (nacionalidade dos pais).
Cidadão não é só aquele que possui direitos políticos, mas o que possui, também, direitos individuais, sociais e econômicos.
Maior dificuldade apresenta a distinção entre povo e nação, pois frequentemente são identificados. A nação é uma realidade socioantropológico-cultural, distinta do Estado, refere-se mais a uma comunidade do que à sociedade. Ninguém se considera nacional porque quer, mais por pertencer à uma comunidade (nação), que comporta um estilo de vida, atitudes mentais de que resultam certos modos de pensar e de querer.
A nação é uma sociedade natural de homens em que a unidade de origem, raça, costumes, língua e comunidade de vida criaram uma consciência social. São, portanto, elementos da nação: a) elemento natural: raça, língua e território; b) elemento cultural: costumes, tradições, religião e leis; c) elemento psicológico: sentimentos nacionais.
O princípio de uma nação se encontra no espiritual, no domínio da cultura e nas relações intersubjetivas.
A nação, por lhe faltar poder, organização formal e específica (é acéfala), não pode revestir-se de forma política e organizada, sendo equivocado dizer que Estado é a nação organizada, pois a nação não pode ser suporte de estrutura jurídica ou política.
O território é a base material, geográfica do Estado, sobre a qual ele exerce a sua soberania, e que compreende o solo, ilhas que lhe pertencem, rios, lagos, mares interiores, águas adjacentes, golfos, baías, portos e a faixa do mar exterior que lhe banha a costa e constitui suas águas territoriais, além do espaço aéreo correspondente ao próprio território.
Para os que sustentam que o Estado surgiu com o Renascimento, a territorialidade constitui, ao lado da soberania, seu traço peculiar, quando então o esfacelamento e a desintegração, verificadas no período medieval, ganharam unidade política e delimitação territorial, onde o poder soberano passou a agir. A tese mais aceita é a que considera o território como elemento constitutivo do Estado.
Um dos princípios que evidenciam a relevância jurídico-político do território é o da territorialidade das leis, ou seja, as normas da ordem jurídica de um Estado só podem ser aplicadas no território desse mesmo Estado. Pode ocorrer, todavia, que o direito de certo Estado seja aplicável aos seus nacionais, mesmo fora do território do Estado, e, de outro lado, não seja aplicável aos estrangeiros ou apátridas, ainda que se encontrem no território do Estado onde vigora as normas jurídicas. Nesses casos, fala-se em princípio da pessoalidade.
Exceção ao princípio da territorialidade das leis consiste no privilégio de extraterritorialidade, mediante o qual os chefes de Estado e seus agentes diplomáticos de um Estado, em território estrangeiro, é concedida a faculdade de aplicar a lei do pais que representam; fala-se então em imunidade perante o ordenamento jurídico local.
O privilégio da extraterritorialidade se estende ainda aos bens (navios, aeronaves, embaixadas, etc.) do domínio do Estado diverso daquele que em estão situados. Esclareça-se que o privilégio da extraterritorialidade não induz à idéia de prolongamento do território do Estado, mas apenas ficção do Direito Internacional Público, geradora da imunidade perante o ordenamento jurídico local.
As relações jurídicas entre o Estado e seu território têm merecido dos autores vastas explicações, que resultaram na formação de numerosas teorias:
- teoria do território-sujeito: também conhecida como teoria da qualidade, segundo a qual o território é elemento essencial do Estado, ou seja, seu elemento subjetivo. Faz parte do Estado na qualidade de sujeito;
- teoria do território-objeto: o território é um objeto sobre o qual recai o poder do Estado;
- teoria do território-limite: o território é o espaço de validade da ordem jurídica do Estado (Kelsen).
O território pode ser real ou ficto. São elementos do território real: solo; subsolo; águas internas (rios, lagos), litorâneas (mar territorial), limítrofes (em que se considera que o território do Estado vai até metade da superfície líquida); espaço aéreo; plataforma continental. Considera-se como elementos do território ficto: embaixadas e legações diplomáticas; navios e aviões (mercantes e militares).
Observa-se, a propósito, que os navios militares em qualquer parte em que se encontrem são considerados parte integrante do Estado sob cuja bandeira transitem, o mesmo ocorrendo em relação aos navios e aviões de uso comercial. Entretanto, importante notar que, para fins de aplicação da lei brasileira em matéria penal, enquanto aeronaves militares ou belonaves são consideras sempre parte integrante do território do Estado, os navios e aviões de uso comercial e civil, em navegação ou sobrevôo, somente se submeterão à jurisdição brasileira caso os crimes não sejam julgados pelas normas do outro Estado em cujo território venham a ocorrer.
A Lei n.º 8.617/93 estabelecem em 12 milhas marítimas de largura o mar territorial brasileiro, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.
Mas, além de fixar a extensão do mar territorial brasileiro em 12 milhas, a Lei n.º 8.617/93 previa a existência de uma zona econômica exclusiva, compreendendo uma faixa que se estende das 12 às 200 milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial. Esclarece ainda a mencionada lei que, nessa zona econômica exclusiva, o Brasil tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais vivos ou não, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins econômicos. Também, nessa zona econômica, o Brasil tem o direito de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marinho, bem como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas. Ressalva, todavia, a lei em destaque o direito de todos os Estados de gozo, na zona econômica exclusiva, das liberdades de navegação e sobrevôo, bem como de outros usos do mar internacionalmente lícitos, relacionados com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de navios e aeronaves.
A plataforma continental do Brasil, segundo o disposto no artigo 11 da Lei n.º 8.617/93, compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas da linha de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da plataforma continental não atinja essa distância. Já o limite exterior da plataforma continental será fixado de conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 76 da Convenção das Nações Unidades sobre do Direito do Mar.
Tem-se entendido que a plataforma continental pertence ao território do Estado ribeirinho. No Brasil, a plataforma continental integra os bens da União (artigo 20, inciso V da Constituição Federal), que sobre ela exerce soberania, para efeitos de exploração e aproveitamento de seus recursos naturais.
Questiona-se sobre a possibilidade ou não de o Estado se apropriar de novos territórios, o que pode ocorrer de modo originário e por modo derivado. O primeiro permite ao Estado adquirir território que na pertencia a nenhum outro e o modo derivado é o que possibilita ao Estado a aquisição de território que pertencia a outro Estado.
Tem-se como juridicamente possível a anexação, quando efetivada no âmbito de um acordo. Inadmissível pela Carta das Nações Unidas a incorporação de outro território ao território nacional vencedor, por ato unilateral, o que caracteriza a anexação.
O poder político é o que integra e harmoniza todos os grupos sociais, possibilitando a convivência entre os membros dos grupos sociais, mediante um conjunto de regras que compõe o direito comum a todos eles.
Além do poder político e do poder social, há outros poderes de natureza fática e que se fundamentam numa lógica de persuasão, não num fenômeno de coação material: a) o poder religioso; b) o poder comunicacional; c) o poder econômico; d) o poder militar, não pela força que detém, mas enquanto instituição social que força uma elite de pessoas e é capaz de orientar as opiniões; e) o poder cultural; f) o poder desportivo; g) o poder científico.
Examinando o conceito de poder político formulado por Francis J. Sorauf, para quem suas características são a universalidade, qualidade final de sua força e legitimidade, explica-se que, pela universalidade, esse poder se estende a todos os grupos menores que se acham no âmbito de determinada sociedade política; a qualidade final da força é o monopólio, em grau supremo, de coação organizada. A essas características acrescente-se a legitimidade, pela qual o poder conta com a aceitação por parte dos membros da sociedade.
Distingue-se, deste modo, o poder político de qualquer outro poder: a) quantitativamente pelo seu âmbito espacial e pessoal; b) qualitativamente por ser irresistível e dominante; c) por sua finalidade, já que objetiva a realização da ordem social.
O poder admite três níveis de sanção, a que correspondem três níveis de poder: a) o poder-influência, que é sancionado pelo desagrado; b) o poder-autoridade, que é sancionado pela reprovação; c) o poder-comando, que é sancionado pela pena.
O poder político é uno e indivisível quanto a sua titularidade: a divisão só se faz quanto ao exercício do poder, quanto às formas básicas de atividade estatal.
Já o exercício do poder político incumbe a órgãos estatais que atuarão como os meios de que é dotado o povo para influir nas decisões do Estado (legislativa, administrativa e jurisdicional) e que exercitarão as suas competências básicas.
A noção de soberania não se confunde com a de Estado nem é essencial a seu conceito, apesar de parte da doutrina situá-la como o quarto elemento do Estado.
Poder político e soberania não são a mesma coisa. A soberania é uma forma do poder político, correspondendo a sua plenitude: é um poder político supremo e independente. Se uma coletividade tem liberdade plena de escolher a sua Constituição e poder orientar-se no sentido que bem lhe parecer, elaborando as leis que julgue convenientes, essa coletividade forma um Estado soberano. Mas nem sempre os Estados são soberanos. Há casos em que a coletividade tem autoridade própria para exercer o poder político, constituindo um Estado e, todavia, esse exercício do poder político está condicionado por um poder diferente e superior: é o que se passa com os Estados federados e com os Estados protegidos.
É a soberania, pois, uma qualidade, a mais elevada, do poder estatal, e não o próprio poder do Estado, significando, no plano interno, supremacia ou superioridade do Estado sobre as demais organizações e, no plano externo, independência do Estado em relação aos demais Estados.
Relativamente às fontes e à titularidade da soberania, enumera-se as seguintes teorias: a) teorias teocráticas, as quais predominaram na Idade Média e que consideram que o poder soberano vem de Deus e se concentra na pessoa sagrada do monarca (teorias do direito divino sobrenatural e providencial), sendo o monarca o titular da soberania; b) teorias democráticas, que consideram o povo como origem de toda a soberania (soberania popular), ou a nação (soberania nacional), por influência da Revolução Francesa, como seu titular. Mencione-se, ainda, no elenco das teorias democráticas, aquela que atribui a titularidade da soberania ao Estado, formulada na segunda metade do século XIX, na Alemanha, em razão do reconhecimento da personalidade jurídica ao Estado e à consideração de que, sendo a soberania um direito, seu titular só pode ser uma pessoa jurídica, atributo que falta ao povo. Note-se, contudo, que essa teoria acarretou uma exacerbação do nacionalismo, com o surgimento dos Estados totalitários do pós-guerra e por ela não se concede limitação alguma ao poder do Estado, que se revela ilimitado e absoluto.
Quanto às características da soberania, fala-se em ser ela una, indivisível, inalienável e imprescritível.
A soberania é uma pela circunstância de que não há, no mesmo Estado, mais de uma soberania.
A soberania é indivisível porque, além das razões que justificam a sua unidade, o poder soberano não se divide. Tal não impede, entretanto, que haja uma repartição de competências, segundo a clássica divisão do poder em Legislativo, Executivo e Judiciário. O poder soberano é uno e indivisível: o que se divide são suas tarefas.
A soberania é inalienável pelo fato de que não se transfere a outrem. O corpo social que a detém desapareceria em caso de alienação.
Tem-se a soberania por imprescritível porque inexiste prazo certo para sua duração, já que o poder soberano é vocacionado para existir permanentemente.
Do ponto de vista de sua capacidade internacional, os Estados classificam-se em:
- Estados soberanos: os que têm plena capacidade de exercício de direitos de participação na vida internacional, o ius tractuum, o direito de celebrar tratados; o ius legationis, o direito de receber e enviar representantes diplomáticos; o ius belli, o direito de fazer guerra, notando-se que este último direito tem sido aceito como legítima defesa, em virtude da proibição pela Carta das Nações Unidas;
- Estados semi-soberanos: os que têm limitações quanto ao exercício dos três direitos mencionados. São Estados semi-soberanos: a) Estados protegidos, em que a titularidade de direitos internacionais é exercida por meio de outros Estados (protetores), a cuja supremacia territorial se encontram sujeitos; b) Estados vassalos, aqueles que, embora dotados da plenitude dos direitos internacionais, só podem exercer alguns deles sobre autorização prévia do Estado soberano do qual recebe o tributo de vassalagem; c) Estados exíguos, aqueles que, pela exiguidade de seu território e de seu povo, não possuem capacidade plena internacional e se encontram numa situação especial aos Estados limítrofes. Não preenchem, ainda, os requisitos mínimos para participarem de organizações internacionais; d) Estados confederados, os que, por participarem de uma confederação, ficam com sua soberania limitada, embora esta limitação não signifique a perda de sua personalidade jurídica internacional. Mas sob a ótica constitucionalista, são soberanos os Estados confederados; e) Estados neutralizados, os que, para alguns internacionalistas, são Estados semi-soberanos, pois seu Estatuto de Direito Internacional traz a proibição de participarem em qualquer conflito armado, salvo o direito de legítima defesa individual, bem como em alianças militares;
- Estados não soberanos: os que não possuem personalidade jurídica internacional. São os Estados-Membros das Uniões Reais e os Estados federados de um Estado Federal.
Relativamente à personalidade jurídica dos Estados, há três posições teóricas, que podem ser assim resumidas: a) teoria que somente reconhece como pessoa o homem e nega ao Estado a personalidade jurídica; b) teoria que só admite para o Estado a personalidade jurídica, mas lhe nega o substrato de pessoa moral; c) teoria que reconhece o Estado como pessoa moral e jurídica; d) teoria que personifica também a nação (variante francesa) e define o Estado como a nação juridicamente organizada.
Quanto à teoria negatória da personalidade jurídica do Estado, sustenta-se que a única pessoa existente para o mundo jurídico é o homem. Os grupos sociais, a coletividade e as instituições não se consideram uma pessoa diferente da soma dos membros que a compõem.
Segundo as teorias que aceitam o Estado como personalidade jurídica, mas negam que preexista à jurídica um substrato social dotado de realidade, não há uma personalidade anterior à jurídica relativamente ao Estado, que constitui apenas uma abstração. A pluralidade de indivíduos adquire unidade em decorrência da personalidade dada pelo Direito. O Estado é um ser exclusivamente do mundo do Direito e não se confunde com os membros que o compõem.
Há duas vertentes desta teoria: a) teoria da ficção, formulada por Savigny, para quem o conceito de personalidade jurídica do Estado se aplica apenas por ficção legal, criação do legislador, e um produto do Direito Positivo, que atribui ao Estado direitos que não podem ser titularizados por pessoas físicas; b) teoria do interesse, que, adotando a definição de Ihering, no sentido de que o direito subjetivo e um interesse juridicamente protegido, sustenta que a pessoa jurídica passa a existir quando se tutela o interesse de um grupo de indivíduos. Desse modo, o Estado é pessoa jurídica porque há um centro de interesse coletivo, um centro de interesses comum a todos; c) teoria normativa, formulada por Kelsen, para quem o Estado é pessoa porque é o centro de imputação de determinados atos. O Estado é a personificação da ordem jurídica total. Toda pessoa jurídica é a expressão unitária de um conjunto de normas. Quanto esse complexo de normas passa a ser a totalidade de uma ordem jurídica, a pessoa jurídica à qual se imputa essa ordem é o Estado.
O terceiro grupo de teorias é aquele que sustenta a ocorrência de uma personalidade do Estado anterior e preexistente à jurídica. Esta personalidade não é produto do direito, mas realidade social. O Estado detém personalidade, não apenas jurídica, mais ainda decorrente de seu substrato social, em torno do qual se agrupam os indivíduos, formando uma superior unidade.
São vertentes desta teoria: a) as teorias organicistas, que identificam entre os coletivos uma pessoa comparável ao homem, um organismo real que deve ser reconhecido pelo Direito; b) a teoria da instituição, desenvolvida por Hauriou, segundo a qual há uma personalidade anterior à jurídica, mas que não é uma realidade substancial e sim fenômeno sociológico, que se verifica apenas nos grupos organizados de forma duradoura, para a realização de uma idéia de obra. Ocorre, nesse caso, o fenômeno da comunhão entre os homens, que da sustentação à instituição. A personalidade jurídica, criação do Direito, reveste aquela realidade social prévia e infrajurídica da pessoa, de modo a permitir-lhe uma atuação no mundo jurídico, e facilitar-lhe a atividade externa no tráfico jurídico.
A aceitação da personalidade jurídica do Estado conduz a seu desdobramento e personalidade de direito público e personalidade de direito privado. Refere-se a primeira a atos do poder político, em que o Estado exerce império sobre os particulares, caso em que pratica os chamados atos de império. Já a personalidade de direito privado tem como referencial os chamados atos de gestão, em que o Estado se posiciona no mesmo nível dos particulares, sujeitando-se às regras de Direito Privado.
Para a teoria do Estado-nação, a personalidade reside essencialmente na nação, ou seja, o Estado é a personificação jurídica da nação. Já para a teoria do Estado-órgão, o Estado se revela como uma pessoa em si mesma, que manifesta sua vontade pelos órgãos compreendidos em seu ser real, integrantes do todo de que fazem parte.




Fonte: Direito Constitucional. Kildare Gonçalves Carvalho.

Princípios do Processo Civil

A teoria dos direitos fundamentais é considerada por muitos constitucionalistas a principal contribuição do constitucionalismo do pós Segunda Guerra Mundial. A processualística, desde muito cedo, apercebeu-se da importância de estudar-se o processo à luz da Constituição.
Fala-se, então, do estudo do processo à luz dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais têm dupla dimensão: a) subjetiva: de um lado, são direitos subjetivos que atribuem posições jurídicas de vantagem a seus titulares; b) objetiva: traduzem valores básicos consagrados na ordem jurídica, que devem presidir a interpretação de todo o ordenamento jurídico, por todos os atores jurídicos.
Encarados os princípios constitucionais como garantidores de verdadeiros diretos fundamentais processuais, e tendo em vista a dimensão objetiva, tiram-se as seguintes conseqüências: a) o magistrado deve interpretar esses direitos como interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a dar-lhes o máximo de eficácia; b) o magistrado poderá afastar, aplicado o princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental; c) o magistrado deve levar em consideração, na realização de um direito fundamental, eventuais restrições a este impostas pelo respeito a outros direitos fundamentais.
- direito fundamental a um processo devido (devido processo legal)
Trata-se do postulado fundamental do processo. Segundo Nelson Nery Jr., trata-se do princípio base, sobre o qual todos os outros se sustentam. É a norma-mãe. Origina-se da expressão inglesa due process of Law.
Aplica-se o princípio genericamente a tudo que disser respeito à vida, ao patrimônio e à liberdade. Inclusive na formação de leis. Processo é palavra gênero que engloba: legislativo, judicial, administrativo e negocial. Atualmente, é pacifica a aplicação do processo legal nas relações jurídicas particulares.
O devido processo legal aplica-se, também, às relações jurídicas privadas. Na verdade, qualquer direito fundamental, e o devido processo legal é um deles, aplica-se ao âmbito das relações jurídicas privadas.
A respeito da eficácia horizontal dos direitos fundamentais existem, basicamente, três teorias que tentam explicar o assunto: a) teoria do state action, que nega a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, por entender que o único sujeito passivo daqueles direitos seria o Estado; b) a teoria da eficácia indireta e medita dos direitos fundamentais na esfera privada, pela qual a Constituição não investe os particulares em direitos subjetivos privados, mas tão-somente serve de baliza para o legislador infraconstitucional, que deve tomar como parâmetro os valores constitucionais na elaboração das leis de direito privado; c) teoria da eficácia direta e mediata dos direitos fundamentais na esfera privada, pela qual aqueles direitos têm plena aplicação nas relações privadas, podendo ser invocados diretamente, independentemente de qualquer mediação do legislador infraconstitucional, privilegiando-se, com isso, a atuação do magistrado em cada caso concreto.
A atual Constituição brasileira, pela moldura axiológica em que encontra estampada (de índole eminentemente intervencionista e social) admite ampla vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nela erigidos, de modo que não o Estado como toda a sociedade podem ser sujeitos passivos desses direitos. Essa extensão da eficácia direta dos direitos fundamentais às relações privadas, naturalmente, vem carregada de especificidades inerentes ao direito privado. Assim, por exemplo, a sua aplicação no caso concreto há de ser, sempre, ponderada com o princípio da autonomia da vontade.
Fincadas essas premissas, pode-se então, concluir que o princípio do devido processo legal – direito fundamental previsto na Constituição brasileira – aplica-se, sim, ao âmbito privado, seja na fase pré-contratual, seja na fase executiva.
As decisões jurídicas hão de ser substancialmente devidas. Não basta a sua regularidade formal; é necessário que uma decisão seja substancialmente razoável e correta. Daí, fala-se em devido processo legal substantivo, aplicável a todos os tipos de processo, também. É desta garantia que surgem os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, aqui tratados como manifestação do mesmo fenômeno.
O devido processo legal, na sua dimensão substancial, tem correspondência no chamado princípio da proporcionalidade, disseminado na Europa Continental.
Fenômeno que não raramente acontece na hermenêutica constitucional é o da constatação da tensão entre direitos fundamentais e/ou princípios constitucionais. Enquanto a desarmonia entre normas infraconstitucionais ser resolve pelas técnicas hermenêuticas mais singelas, o conflito de normas constitucionais, em razão de sua magnitude, requer do intérprete/aplicador um cuidado redobrado. Isto porque todas as normas constitucionais hão de gerar efeitos, presumindo-se todas em estado de perfeita harmonia, aptas a ser interpretadas e aplicadas do modo mais pleno e eficaz.
Duas são as formas de harmonização deste conflito de normas constitucionais, oriundas de duas fontes produtoras: a) regra criada pela vida da legislação ordinária; b) regra criada pela via judicial direta, no julgamento de casos específicos no conflito.
A primeira pode ocorrer sempre que forem previsíveis os fenômenos de tensão e de conflito, sempre que for possível intuí-los, à vista do que geralmente ocorre.
Quanto a construção de regra pela via judicial direta, ela se tornará necessária em duas hipóteses: ou quando inexistir regra legislada, ou quando esta se mostrar insuficiente ou inadequada à solução do conflito concretizado, que não raro se apresente com características diferentes das que foram imaginadas pelo legislador. Em qualquer caso, considerada a inexistência de hierarquia, no plano normativo, entre direitos fundamentais e/ou princípios constitucionais conflitantes, a solução do impasse há de ser estabelecida mediante a devida ponderação dos bens e valores concretamente tensionado, de modo a que se identifique uma relação específica de prevalência entre eles.
Há que se ressaltar, também, o princípio da unidade da Constituição, segundo o qual nenhuma norma constitucional pode ser interpretada em contradição com outra do mesmo quilate. A somatória destes fatores leva à necessidade de chegar-se à concordância prática destas normas.
Surge, assim, o denominado princípio da proporcionalidade em sentido estrito. O princípio em tela, portanto, começa a ser uma exigência cognitiva, de elaboração racional do direito, o que explica a circunstância de ele figurar entre os cânones metodológicos da chamada interpretação constitucional, aquela a que deve recorrer quando o emprego da hermenêutica jurídica tradicional não oferece um resultado constitucionalmente satisfatório.
O magistrado, para resolver o conflito, haverá de avaliar qual das normas constitucionais, no caso concreto, deve prevalecer – como não se pode resolver a tensão pelo princípio da hierarquia das normas, pois advindas da mesma fonte, o Juiz pondera os interesses em jogo, limitando a aplicação de um dos conflitantes em detrimento da do outro, de modo a delimitar seu alcance.
O critério da proporcionalidade é tópico, volve-se para a justiça do caso concreto ou particular, se apresenta consideravelmente com a equidade e é eficaz instrumento de apoio às decisões judiciais que, após submeterem o caso ás reflexões prós e contras, a fim de averiguar se na relação entre meios e fins não houve excesso, concretizam assim a necessidade do ato decisório de correção.
Trata-se de princípio que torna possível a justiça do caso concreto, flexibilizando a rigidez das disposições normativas abstratas.
Cabe à dogmática jurídica, contudo, balizar a atividade jurisdicional da ponderação, par que esta não redunde em subjetivismos e arbitrariedades. É tarefa da dogmática criar critérios, os mais objetivos, para resolver o problema da decidibilidade dos conflitos, de modo que é correto dizer-se que não é qualquer interpretação que vale, mas apenas aquelas que resultam de uma argumentação conforme os padrões dogmáticos. A ponderação de interesses não se trata de sentimento jurídico; trata-se de técnica de dogmática que não se pode produzir unilateralmente, pelo magistrado, devendo seguir certo padrões e métodos para que possa ser comprovada e controlada. A aplicação indiscriminada e desarrazoada deste multicitado princípio poderia levar ao grave problema do equilíbrio entre o Legislativo e o Judiciário.
E é por isso que se visualizam elementos, conteúdos parciais dos subprincípios hermenêuticos para a efetivação da ponderação dos interesses: a) princípio da menor restrição possível; b) princípio da salvaguarda do núcleo essencial; c) princípio da necessidade. A este rol acrescente-se o subprincípio da pertinência.
O subprincípio da necessidade afirma que a regra de solução somente será legítima quando for real o conflito, ou seja, quando efetivamente não for possível estabelecer um modo de convivência simultânea das normas em desarmonia.
O princípio da pertinência ou aptidão, segundo o qual se deve averiguar se a medida empregada representa o meio certo para levar a cabo um fim almejado; há que se adequar o meio ao fim que se busca alcançar e esta perquirição é uma das etapas fundamentais na aplicação do princípio da proporcionalidade.
Consiste, pois, o princípio da proporcionalidade na adaptação das decisões jurídicas às circunstâncias de cada caso.
O devido processo legal em sentido formal é, basicamente, o direito a ser processado e a processar de acordo com normas previamente estabelecidas para tanto, normas estas cujo processo de produção também deve respeitar aquele princípio.
- direito fundamental à efetividade (tutela executiva) ou máxima da maior coincidência possível
O devido processo legal é um processo efetivo, processo que realize o direito material vindicado. O Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, prescreve o direito a um processo com duração razoável, donde se retira o princípio constitucional da efetividade.
A efetividade do processo significa a sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade.
Também pode ser designado de princípio da máxima coincidência possível. Trata-se a velha máxima chiovendiana, segundo a qual o processo deve dar a quem tenha razão o exato bem da vida a que ele teria direito, se não precisasse valer do processo jurisdicional. O processo jurisdicional deve primar, na medida do possível, pela obtenção deste resultado (tutela jurisdicional) coincidente com o direito material.
- direito fundamental a um processo sem dilações indevidas
A Convenção Americana de Direito Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, no artigo 8, 1, prevê: “toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um Juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
A Emenda Constitucional 45 incluiu o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A mesma emenda constitucional acrescentou a alínea “e” ao inciso II do artigo 93 da Constituição Federal, estabelecendo que “não será promovido o Juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão”,
- direito fundamental à igualdade
Os litigantes devem receber tratamento processual idêntico; devem estar em combate com as mesmas armas, de modo que possam lutar em pé de igualdade. Chama-se a isso de paridade de armas; o procedimento deve proporcionar às partes as mesmas armas para a luta.
O processo não pode ensejar apenas o contraditório formal, mas, sim, o material. O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestação do princípio do contraditório.
Neste sentido substancial, o princípio da igualdade confunde-se com o devido processo legal substancial.
- direito fundamental à participação em contraditório
O processo é um processo de composição de conflito – pacificação social – que se realiza sob o manto do contraditório. O contraditório é inerente ao processo. Trata-se de princípio que pode ser decomposto em duas garantias: participação (audiência; comunicação, ciência) e possibilidade de influência na decisão. Aplica-se o princípio do contraditório, derivado que é do princípio do processo legal, nos âmbito jurisdicional, administrativo e negocial.
Não adianta permitir que a parte, simplesmente, participe do processo; que ela seja ouvida. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado.
Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar na decisão do magistrado – e isso é poder de influência, poder de interferir na decisão do magistrado, interferir com argumentos, interferir com idéias, com fatos novos, com argumentos jurídicos novos; se ela não puder fazer isso, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se implementa, pura e simplesmente, com a ouvida, com a participação; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão.
Mais condizente com a moderna visão do princípio do contraditório está o artigo 599, inciso II do Código de Processo Civil, que diz que o Juiz pode, em qualquer momento do processo, advertir ao devedor que o seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da Justiça.
Falar em processo democrático é falar em processo equilibrado e dialógico. Um processo em que as partes possam controlar-se, os sujeitos processuais tenham poderes e formas de controle previamente estabelecidos. Não adianta atribuir poder, se não houver mecanismos de controle desse poder.
Então, em síntese: a) diálogo e equilíbrio, palavras-chave para a visão do processo moderno e democrático; b) distinção de poder agir de ofício e poder agir sem ouvir as partes.
Não há violação da garantia do contraditório na concessão, justificada pelo perigo, de providências jurisdicionais antes da ouvida da outra parte (inaudita altera parte). O contraditório, neste caso, é postecipado para o momento posterior à concessão da providência de urgência.
- direito fundamental à amplitude da defesa
Embora correlatos e previstos no mesmo dispositivo constitucional (artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal), contraditório e ampla defesa distinguem-se. São figuras conexas, sendo que a ampla defesa qualifica o contraditório. Não há contraditório sem defesa. Igualmente é lícito dizer que não há defesa sem contraditório. O contraditório é instrumento de atuação do direito de defesa, ou seja, esta se realiza através do contraditório.
Convém lembrar, ainda, que a ampla defesa é direito fundamental a ambas as partes, consistindo no conjunto de meios adequados para o exercício do adequado contraditório. Trata-se do aspecto substancial do contraditório.
- princípios da adequação e da adaptabilidade do procedimento
O princípio da adequação pode ser visualizado, de acordo com a doutrina, em dois momentos: a) o pré-jurídico, legislativo, como informador da produção legislativa do procedimento em abstrato; b) o processual, permitindo ao Juiz, no caso concreto, adaptar o procedimento de modo a melhor afeiçoá-lo às particularidades da causa.
Inicialmente, a própria construção do procedimento deve ser feito tendo-se em vista a natureza e as idiossincrasias do objeto do processo a que servirá; o legislador deve atentar para estas circunstâncias, pois um procedimento inadequado ao direito material pode importar verdadeira negação da tutela jurisdicional. O princípio da adequação não se refere apenas ao procedimento. A tutela jurisdicional há de ser adequada; o procedimento é apenas uma forma de se encarar este fenômeno.
O princípio da inafastabilidade garante uma tutela adequada à realidade de direito material, ou seja, garante o procedimento, a espécie de cognição, a natureza do provimento e os meios executórios adequados às peculiaridades da situação de direito material. Do princípio da inafastabilidade, é possível retirar-se o princípio da adequação da tutela jurisdicional. Também possível retirá-lo do direito fundamental a um processo devido: o processo devido é processo adequado.
O cidadão, para obter aquilo que realmente tem direito de obter, precisa de uma série de medidas estabelecidas pelo legislador, dentre as quais avulta a criação de um procedimento adequado às particularidades de seu direito. As medidas hão de estar previstas expressamente pois a previsibilidade e a anterioridade do procedimento é que conferem à decisão judicial os penhores da legalidade e legitimidade, sendo dele requisitos inafastáveis. A importância deste princípio na criação legislativa é, pois, fundamental.
A adequação teleológica do procedimento faz-se de acordo com as diversas funções a que visa. Há adequação teleológica também quando o procedimento é adaptado aos valores preponderantes de cada caso. Assim, por exemplo, o procedimento dos Juizados Especiais é adequado aos valores celeridade e efetividade, que presidiram a sua criação.
Três são, basicamente, os critérios objetivos de que se vale o legislador para adequar a tutela jurisdicional pelo procedimento: um, a natureza do direito material, cuja importância e relevância impõem uma modalidade de tutela mais efetiva; o segundo, a forma como se apresenta o direito no processo; o terceiro, a situação processual da urgência. São exemplos do primeiro critério os procedimentos das “possessórias”, dos alimentos, da busca e apreensão em alienação fiduciária e o da liminar em ação civil pública etc. Do segundo critério são exemplos o mandado de segurança, a ação monitória e a tutela antecipada genérica do artigo 273 do Código de Processo Civil. São exemplos de tutela de urgência os procedimentos especiais de alimentos e mandado de segurança preventivo.
A indisponibilidade do direito é fato levando em consideração para a diferenciação procedimental. As repercussões dessa gradação nos vários tipos de processos explicam as soluções várias e específicas para problemas como o impulso processual, a extensa dos poderes do Juiz e dos direitos e deveres processuais das partes, os efeitos da aquiescência, a natureza da preclusão e da coisa julgada, a distinção quanto aos vícios do ato processual, a disponibilidade das provas, a substituição e a sucessão do processo, e tantos outros.
Quando a diferenciação do procedimento ocorre pela apresentação processual do direito, temos a proteção daquilo que foi muito bem denominado de tutela da evidência ou tutela do direito evidente: tutela-se energicamente o direito da razão da evidência (aparência) com que se mostra nos autos. Não releva, a princípio, a natureza do direito material posto em litígio. Privilegia-se, sem dúvida, a comprovação do direito alegado.
No que diz respeito ao princípio da adaptabilidade, nada impede, antes aconselha, que se possa previamente conferir ao magistrado, como diretor do processo, poderes para conformar o procedimento às peculiaridades do caso concreto, tudo como meio de mais bem tutelar o direito material. Também se de deve permitir ao magistrado que corrija o procedimento que se reveste inconstitucional, por ferir um direito fundamental processual, como o contraditório (se um procedimento não previr o contraditório, deve o magistrado determiná-lo, até mesmo ex officio, como forma de efetivação desse direito fundamental). Eis que aparece o princípio da adaptabilidade.
Criam-se técnicas que permitem ao magistrado adaptar o procedimento, já iniciado o processo. Podem ser citados, como exemplos a possibilidade de inversão da regra do ônus da prova, em causas de consumo.
Procede-se à adequação do processo ao seu objeto tanto no plano pré-jurídico, legislativo, abstrato, com a construção de procedimentos compatíveis com o direito material, como no plano do caso concreto, processual, permitindo-se ao magistrado, alterar o procedimento conforme as exigências da causa ou para efetivar direitos fundamentais que estejam sob risco de lesão.
- princípio dispositivo/inquisitivo
Quando o legislador atribui às partes as principais tarefas relacionadas à condução e instrução do processo, diz-se que se está respeitando o princípio do dispositivo; tanto mais poderes forem atribuídos ao magistrado, mais condizente com o princípio inquisitivo o processo será. A dicotomia princípio inquisitivo-princípio dispositivo está intimamente relacionada à atribuição de poderes do Juiz: sempre que o legislador atribuir um poder ao magistrado, independentemente da vontade das partes, vê-se manifestação da inquisitoriedade; sempre que se deixe ao alvedrio dos litigantes a opção, aparece a dispositividade.
É preferível que a denominação princípio dispositivo seja reservada tão-somente aos reflexos que a relação do direito material disponível possa produzir no processo. E tais reflexos referem-se apenas à própria relação jurídico-substancial. Assim, tratando-se de direito disponível, as partes têm ampla liberdade para dele dispor, através de atos processuais (renúncia, desistência, reconhecimento do pedido). Trata-se de um princípio relativo à relação material, não à processual.
- princípio da instrumentalidade
O processo não é um fim em si mesmo, mas uma técnica desenvolvida para a tutela do direito material. O processo é realidade formal – conjunto de formas preestabelecidas. Sucede que a forma só deve prevalecer se o fim para o qual ela foi desenvolvida não lograr ter sido atingido. A separação entre direito e processo – desejo dos autonomistas – não pode implicar um processo neutro em relação ao direito material que está sob tutela. A visão instrumentalista do processo estabelece a ponte entre o direito processual e o direito material.
Quando se fala em instrumentalidade do processo, não se quer minimizar o papel do processo na construção do direito, visto que é absolutamente indispensável, porquanto o método de controle do exercício do poder. Trata-se, em verdade, de dar-lhe a sua exata função, que é a de co-protagonista. Forçar o operador jurídico a perceber que as regras processuais hão de ser interpretadas e aplicadas de acordo com sua função, que é a de emprestar efetividade às regras do direito material.
O processo serve ao direito material, mas para que lhe sirva é necessário que seja servido por ele. Trata-se da chamada teoria circular dos planos processual e material.
Ao processo cabe à realização dos projetos de direito material, em uma relação de complementaridade que se assemelha àquela que se estabelece entre o engenheiro e o arquiteto. O direito material sonha, projeta; ao direito processual cabe a concretização tão perfeita quanto possível desses sonhos.
A instrumentalidade do processo pauta-se na premissa de que o direito material coloca-se como valor que deve presidir a criação, a interpretação e aplicação das regras processuais.
- princípio da cooperação
O princípio da cooperação orienta o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais a de um mero fiscal de regras.
Essa participação não se resumiria à ampliação dos seus poderes instrutórios ou de efetivação das decisões judiciais (artigos 131 e 461, § 5º do CPC). O magistrado deveria adotar uma postura de diálogo com as partes e com os demais sujeitos do processo: esclarecendo suas dúvidas, pedindo esclarecimentos quando estiver com dúvidas e, ainda, dando as orientações necessárias quando for o caso.
Não pode o magistrado decidir com base em questão de fato ou de direito, ainda que possa ser conhecida ex officio, sem que sobre elas sejam as partes intimadas a manifestar-se. Deve o Juiz consultar as partes sobre esta questão não alvitrada no processo, e por isso não posta em contraditório, antes de decidir. Eis o dever de consultar. Trata-se de influenciar na solução da controvérsia.
Tem o magistrado, ainda, o dever de apontar as deficiências das postulações das partes, para que possam ser supridas. Trata-se do chamado dever de prevenção.
- direito fundamental à publicidade
Os atos processuais podem ser públicos. Trata-se de direito fundamental que visa permitir o controle da opinião pública sobre os serviços a Justiça, máxime sobre o poder de que foi investido o Juiz.
A Constituição Federal estabelece possibilidade restrição (mas não eliminação) à publicidade, “a lei poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (artigo 5º, LX da CF). O Código de Processo Civil também segue esta linha: a) em que o exigir o interesse público; b) que dizem respeito ao casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores (artigo 155, parágrafo único do CPC).
Há uma íntima relação dos princípios da publicidade e da motivação das decisões judiciais, na medida em que a publicidade torna efetiva a participação no controle das decisões judiciais; trata-se de verdadeiro instrumento de eficácia da garantia da motivação das decisões judiciais.


Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior.