terça-feira, 5 de abril de 2011

Formas de Estado

Por forma de Estado entende-se a maneira pela qual o Estado organiza o povo e o território e estrutura o seu poder relativamente a outros poderes de igual natureza, que a ele ficarão coordenados ou subordinados.
A posição recíproca em que se encontram os elementos do Estado (povo, território e poder) caracteriza a forma de Estado.
Consoante se atenda à ocorrência de um único poder político ou a uma pluralidade de poderes políticos, unidade ou pluralidade de ordenamentos jurídico originários (Constituições), no âmbito territorial do Estado, os Estados se classificam em Estados simples ou unitários e Estados compostos ou complexos.
Advirta-se, contudo, que, ao mencionar-se a existência, nos Estados compostos, de uma pluralidade de poderes políticos, não se pretende com isso negar a indivisibilidade do poder quanto ao seu titular; ao contrário, deve-se entender que, nos Estados compostos, o que existe é uma divisão de competências e não do poder político, que permanece uno em relação ao seu titular. Assim, o que existe é tão-somente uma divisão de objeto, das tarefas, dos trabalhos e assuntos pertinentes à ação do Estado.
O Estado unitário compreende o Estado unitário centralizado e o Estado unitário descentralizado.
O Estado unitário centralizado caracteriza-se pela simplicidade de sua estrutura: nele há uma só ordem jurídica, política e administrativa.
O Estado unitário manifesta-se no Estado Regional. Para se estabelecer o perfil deste tipo de Estado (que se aproxima do Federal), é preciso distinguir desconcentração, descentralização administrativa e descentralização política.
Há desconcentração quando se transferem para diversos órgãos, dentro de uma mesma pessoa jurídica, competências decisórias e de serviços, mantendo tais órgãos relações hierárquicas e de subordinação.
A descentralização administrativa verifica-se quando há transferência de atividade administrativa ou, simplesmente, do exercício para outra pessoa, isto é, desloca-se do Estado que a desempenharia através de sua Administração Central, para outra pessoa, normalmente pessoa jurídica. Assim, a descentralização administrativa implica a criação, por lei, de novas pessoas jurídicas, para além do Estado, às quais são conferidas competências administrativas.
A descentralização política ocorre quando se confere uma pluralidade de pessoas jurídicas de base territorial competências não só administrativas, mas também políticas (Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, no Direito Constitucional brasileiro).
O Estado Regional, como Estado unitário descentralizado, foi estruturado, pela primeira vez, na Constituição espanhola de 1931.
No Estado Regional ocorre uma descentralização, que pode ser administrativa como ainda política. Têm-se, assim, regiões que se aproximam dos Estados-Membros de uma federação, quando, por exemplo, dispõem da faculdade de auto-organização. Nesse caso, contudo, as regiões não se confundem com os Estados-Membros, pois não dispõem do poder constituinte decorrente, já que o estatuto regional tem de ser aprovado pelo órgão central.
Estado Regional é um Estado unitário, que dispõe de uma só Constituição, elaborada por uma instância em que não participam as regiões enquanto tais, e em que se verifica uma descentralização política em regiões autônomas, nos termos da Constituição e de Estatutos orgânicos regionais, outorgados ou aprovados pelos órgãos legislativos centrais.
As diferenças entre o Estado Federal e o Estado Regional, relacionadas com a faculdade de autoconstituição e de participação na formação da vontade do Estado, são:
- no Estado Federal, cada Estado federado elabora livremente a sua Constituição; no Estado Regional, as regiões autônomas elaboram o seu estatuto político-administrativo, mas este tem de ser aprovado pelos órgãos centrais do poder político;
- no Estado Federal, os Estado federados participam, através de representantes seus, na elaboração e revisão da Constituição Federal; no Estado Regional, não está prevista nenhuma participação específica das regiões autônomas, através de representantes seus, na elaboração ou revisão da Constituição do Estado;
- no Estado Federal, existe uma segunda Câmara Parlamentar, cuja composição é definida em função dos Estados federados; no Estado Regional, não existe qualquer segunda Câmara Parlamentar de representação das regiões autônomas ou cuja composição seja definida em função delas.
O Estado autonômico, que embora se assemelhe ao Estado Regional, no que concerne ao grau de descentralização de competências administrativas e legislativas ordinárias, com ele não se confunde. O Estado autonômico leva a discussão por autonomia a um espaço democrático, evitando a exacerbação de ânimos em debate extraconstitucional. A maneira de constituição do Estado autonômico é diferente do Estado Regional e pode ser assim enumerada (com exemplo espanhol):
I) A iniciativa de estabelecimento das regiões autônomas parte de baixo para cima, sendo que as províncias devem unir-se, formando uma região e, através de uma assembléia, elaborar o estatuto de autonomia;
II) O estatuto de autonomia pode ou não incorporar todas as competências destinadas às regiões pela Constituição, o que significa que as competências que não forem assumidas pela região as serão pelo Estado nacional;
III) Uma vez elaborado o estatuto, este deve ser aprovado pelas Cortes Gerais, transformando-o em lei especial, que não pode ser mais modificada pelo próprio parlamento através de lei ordinária, voltando para ser aplicado nos limites do território da região autonômica;
IV) De cinco em cinco anos, estes estatutos podem ser revistos, seguindo-se o mesmo procedimento, sendo que, nesse período, a região pode reduzir suas competências ou ampliá-las, admitindo a Constituição que a região possa inclusive reivindicar competências que na Constituição estejam destinadas ao Estado nacional;
V) A todo momento, o parlamento realiza o controle da autonomia das regiões, aprovando ou não as modificações nos estatutos.
Como modalidades de Estado composto, serão examinadas a União Real e o Estado Federal. Já a União Pessoal e a Confederação de Estados serão caracterizadas como associações de Estados, porquanto empregada a expressão “associação de Estados” tão-só para designar fenômenos que, por serem menos intensos, não levam ao aparecimento do um novo Estado, abrangendo, nesta ótica, as organizações internacionais e outros tipos de relações bilaterais entre os Estados.
A União Real surge quando dois ou mais Estados, sem perderem a sua autonomia, adotam uma Constituição comum, permanecendo um ou mais órgãos também comuns, ao lado de outros órgãos particulares de cada um. Há formação de uma única pessoa jurídica de direito internacional. O Chefe de Estado é, normalmente, o órgão comum.
A União Pessoal, que é considerada uma associação de Estados, ocorre quando, acidentalmente, em virtude de leis de sucessão, a mesma pessoa vem a ser Chefe de Estado de dois ou mais Estados. Cada Estado mantém sua autonomia interna e internacional.
Fala-se, ainda, em União Incorporada como sendo a que resulta da fusão de dois ou mais Estados independentes para formar um novo Estado, conservando aquele apenas virtualmente a designação de Estado ou reinos. Os Estados incorporados desaparecem na constituição do novo Estado, guardando a antiga designação apenas na linguagem protocolar. Mencione-se a Grã-Bretanha como uma monarquia formada pela incorporação dos reinos da Inglaterra, Escócia e Irlanda.
A Confederação de Estados constitui uma associação de Estados soberanos que se unem para determinados fins (defesa e paz externos). Embora tenha a Confederação personalidade jurídica internacional, os Estados confederados não perdem o seu poder soberano interno e externo, pelo menos em tudo que não seja abrangido pelo tratado constitutivo da Confederação.
A Confederação é instituída por tratado; admite, em regra, o direito de secessão; os órgãos confederativos deliberam, por maioria, podendo ela, à unanimidade, ser exigida para assuntos mais importantes, bem como o direito de nulificação, pelo qual cada Estado pode opor-se às decisões do órgão central.
O Estado Federal, como Estado composto, envolve técnica de descentralização do poder que se organiza com base territorial em competências que se repartem entre órgãos centrais e locais, criando-se, assim, vários centros de decisão política e uma pluralidade de ordenamentos jurídicos originários. O poder central soberano é exercido pela União, enquanto os poderes locais autônomos cabem aos Estados federados.
Para explicar a natureza do Estado Federal, existe a teoria da soberania dividida ou da dupla soberania, que surgiu nos Estado Unidos, através do Federalista, sob a influência de Tocqueville. Para essa teoria, a soberania, no Estado Federal, se acha dividida entre a Federação e os Estados-Membros e se baseia no conceito de Estado Federal como forma híbrida, ou seja, amálgama do Estado Unitário com a Confederação.
A teoria dos direitos dos Estados-Membros, também conhecida como teoria da nulificação, de que foram seus formuladores Calhoun e Seydel, postula que os Estados, reunindo-se e celebrando um tratado, não podem cria um Estado que lhe seja superior, o que significa não haver Estado Federal: todos os Estados são Confederações de Estados e não há realidade jurídica relativamente ao Estado Federal. O radicalismo dessa teoria implica em que os Estados podem retomar a qualquer tempo a soberania que parcialmente concederam, invadindo ainda as decisões que se afiguram violadoras da Constituição. Não há, entre o Estado Federal e os Estados-Membros, superposição, mas apenas justaposição. Se a soberania pertence aos Estados-Membros, as leis federais obrigariam somente após a sua ratificação por eles.
A teoria do Estado unitário qualificado preleciona que os Estados-Membros teriam renunciado à sua soberania em favor do Estado Federal, o qual não se diferencia, portanto, do Estado Unitário, mas é um Estado Unitário qualificado, por participarem os Estados-Membros da formação da vontade nacional.
A teoria dos Estados-Membros não soberanos diz que a idéia de soberania, para conceber o Estado, é dispensável, mas os Estados desfrutam, por direito próprio, de autonomia. Há, por isso mesmo, duas ordens jurídicas que se superpõem na estrutura do Estado Federal: a central, e as demais, autônomas. Firma-se, portanto, com essas teorias, o conceito de autonomia inerente aos Estados Federados.
A essência da teoria da soberania da Constituição, segundo Kelsen, está em que nem o Estado Federado nem os Estados-Membros são soberanos. A soberania reside na ordem conjunta que se subordinam o poder central e os Estados-Membros. O Estado Federal se configura, desse modo, em três planos: o da Constituição, o da ordem jurídica federal e o da ordem jurídica federada. E a competência reside exclusivamente na ordem constitucional.
Autonomia e participação dos Estados federados na formação da vontade nacional são os princípios que informam a estrutura federal.
Por autonomia entende-se a capacidade de que é dotado cada Estado federado para estabelecer regras básicas de organização política, dentro, naturalmente, de princípios emanados da Constituição Federal.
É o poder de uma coletividade para organizar, sem intervenção estranha, o seu governo e fixar regras jurídicas dentro de vínculo pré-traçado pelo órgão soberano.
A autonomia é revelação da capacidade dos Estados-Membros para expedir as normas que organizam, preenchem e desenvolvem o seu ordenamento jurídico.
A participação dos Estados federados na formação da vontade nacional se manifesta usualmente através de representantes próprios (Senadores) na elaboração e revisão da Constituição Federal e leis nacionais.
O Estado Federal baseia-se numa estrutura de sobreposição. Assim, cada cidadão fica sujeito simultaneamente a duas Constituições – a federal e a do Estado federado a que pertence o destinatário dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, nos planos federal e estadual.
A Constituição Federal estabelece ainda uma repartição de competências, ou seja, prevê as relações entre a federação e os Estados federados. As competências podem ser exclusivas de cada ente federativo ou concorrentes.
Os entes que compõem a estrutura federal são dotados de rendas próprias, a fim de que possam cumprir os encargos decorrentes de suas competências, sem o que ficaria irremediavelmente comprometida sua autonomia.
Não há direito de secessão na federação.
No Estado Federal há cláusulas constitucionais que estabelecem instrumentos e mecanismos de garantia ou de defesa da federação.
Fala-se, ainda, na estrutura federal, de um sistema judiciarista, pela existência de um Tribunal superior (no Brasil, o Supremo Tribunal Federal), no papel de guardião da Constituição Federal, cuja primazia é fator da garantia federal.



Fonte: Direito Constitucional. Kildare Gonçalves Carvalho.