sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Os Sujeitos do Processo Penal


No processo penal condenatório, o autor da ação (como regra, o Ministério Público) não exerce direito em face do Estado, mas tão-somente o dever que resulta do fato, previsto em lei, de ser ele o legitimado para a persecução penal. Por isso, da mesma maneira que o Estado deve jurisdição a quem não está autorizado por lei a resolver o conflito de outra maneira, ele deve também a persecução penal em Juízo a quem teve retirada a sua iniciativa e legitimação para fazê-lo, ou seja, a vítima.
Uma vez instaurada a relação processual penal, estabelecidos o contraditório e a ampla defesa, o Ministério Público é inteiramente livre para a reapreciação dos fatos, seja sobre o aspecto de direito, seja sobre a questão fática, não se podendo identificar em tal atuação tratar-se de exercício de direito de punir, mas unicamente do exercício do dever da ação penal, diante do convencimento firmado a partir do conjunto probatório colhido na fase investigatória. Não é por outra razão que se fala em princípio da obrigatoriedade da ação penal pública: presentes os elementos de convicção da existência do fato criminoso, o Estado, via Ministério Público, deve à comunidade e à vítima a instauração da persecução penal.
Eugênio Pacelli de Oliveira diz que o termo direito de punir é utilizado para satisfazer as exigências de uma teoria processual fundada no conceito de relação jurídica, segundo a qual o Estado-Juiz seria devedor de uma atuação jurisdicional, sempre que a tanto provocado. Só assim se explicaria a posição do direito de punir, assim mesmo reduzido à noção de convocação da atuação da jurisdição.
O Ministério Público é parte na ação penal a partir do momento em que se estabelece uma situação jurídica processual completa, com o recebimento da denúncia. Aliás, desde o oferecimento da peça acusatória ele está agindo como parte, praticando ato de postulação. A parti daí, ele passa a ocupar a posição processual de parte, na medida em que a ele será facultada a apresentação de arrazoados, a produção de provas, a interposição de recurso e, enfim, o desenvolvimento de toda e qualquer atividade reservar a quem pode provocar a jurisdição.
A doutrina costuma a se referir, então, à parte formal, ou seja, à posição processual de parte, independentemente do conteúdo de direito material a ser objeto dos requerimentos e alegações do Ministério Público.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Desapropriação II


- retrocessão e direito de preferência
Efetivada uma desapropriação, o Poder Público deve aplicar o bem, por tal modo adquirido, à finalidade pública que suscitou o desencadeamento de sua força expropriatória. Não o fazendo, terá ocorrido o que se denomina “tredestinação”, ou seja, a destinação desconforme com o inicialmente previsto, que pode ser lícita (quando, persistindo o interesse público, o expropriante dispensa ao bem desapropriado destino diverso do que planejara no início) ou ilícita (quando o Poder Público transfere a terceiro o bem desapropriado ou pratica desvio de finalidade, permitindo que alguém se beneficie de sua utilização).
Retrocessão é um direito real do ex-proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto a finalidade pública.
O Decreto-lei n.º 3365/41 dispõe em seu artigo 35 que os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação julgada procedente, será resolvida em perdas e danos. Em face disso, parte da doutrina assinala o caráter de direito pessoal – ensejador, pois, de perdas e danos se desconhecido o direito de preferência. Outros autores defendem a natureza real do direito em apreço, isto é, o de readquirir o bem e, para tanto, elencam como fundamento o disposto no artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal, o qual configura o direito de propriedade como um direito básico, que só deve ceder à demissão compulsória para a realização de uma finalidade pública.
Celso Antonio Bandeira de Mello ressalta que, reconhecer ao ex-proprietário o direito de recuperar o bem expropriado e não afetado ao destino público não significa que não lhe deva ser oferecido o bem, como resulta da conjugação dos artigos 519 e 513 do Código Civil, ou ainda, libera o Poder Público do pagamento de perdas e danos (artigo 518 do CC). O autor defende que, se houver violação do direito de preferência, o expropriado tanto poderá se valer das perdas e danos, quanto, ao invés disso, optar pela ação de retrocessão, não podendo, no entanto, cumular as pretensões.
Assim, o direito de preferência do expropriado é o que lhe seja oferecido pelo expropriante o bem desapropriado e não aplicado à finalidade pública, para que possa readquiri-lo pelo mesmo valor por que foi indenizado na desapropriação. Uma vez oferecido o bem, o expropriado dispõe do prazo de três dias, no caso de móveis, e sessenta dias, no caso de imóveis, contados a partir da data em que o Poder Público lhe houver feito a notificação, para aceita-la ou não.

Desapropriação I


À luz do direito positivo brasileiro, desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundando em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirido para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certo imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização será feita em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado o seu valor real.
Há, pois, dois tipos desapropriação no direito brasileiro. Em um deles a indenização é prévia, justa e em dinheiro. O outro é o que se efetua através de pagamento em títulos especiais da dívida pública resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, ocorrendo em duas hipóteses:
a) na desapropriação efetuada em nome da política urbana, logo, de competência apenas do Município. Incide apenas sobre imóveis sitos em área para a qual haja lei municipal específica autorizando exigir dos proprietários, nos termos do Estatuto da Cidade, que lhes promovam adequada utilização. Se persistirem em não fazê-lo, é cabível a desapropriação por títulos. Entretanto, só terá lugar depois de adotadas, infrutiferamente e nesta ordem, as seguintes medidas: i) imposição do parcelamento do solo ou edificação compulsória; ii) tributação to imposto territorial ou predial progressivo no tempo. Os títulos da dívida pública para pagá-la devem ter sua emissão previamente aprovada pelo Senado Federal e o prazo de resgate para o expropriado será de dez anos, assegurados o valor real da indenização e os juros legais;
b) na desapropriação realizável para fins de reforma agrária, nos termos dos artigos 184 e 185 da Constituição Federal. Só a União é competente para realizá-la e incidirá sobre imóveis que não estejam cumprindo sua função social.
Pela previsão do artigo 185 da Constituição Federal não são suscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária as pequenas e médias propriedades rurais e a propriedade produtiva.
São desapropriáveis para fins de reforma agrária mediante pagamento em títulos apenas os latifúndios improdutivos e, mesmo que não configurem latifúndios, as propriedades improdutivas, quando seu proprietário possuir mais de uma. As benfeitorias úteis e necessárias, entretanto, serão pagas em dinheiro.
A Lei n.º 8629/93 regulamenta os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária. Estatui-se o que há de ser entendido como “propriedade produtiva”, noção, esta, dependente tanto o grau de aproveitamento da terra – igual ou superior a uma relação porcentual de 80% entre a área efetivamente utilizável e a área aproveitável total – quanto da eficiência em sua exploração, que terá de ser de 100%.
A indenização devida ao expropriado, a teor do artigo 184 da Constituição Federal, terá de ser justa e prévia. Entende-se como justa, segundo caracterização feita no artigo 12 da Lei n.º 8629/93, aquela que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis. O pagamento será feito mediante títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão, com ressalva das benfeitorias necessárias e úteis, que serão indenizadas em dinheiro.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Invalidade do Casamento

A lei civil impõe obstáculos à separação e ao divórcio e, ao tratar da invalidade do casamento (arts. 1548 a 1564 do CC), cria um sistema especial, com normas específicas dentro de um regime fechado.
A doutrina afirma, de forma uníssona, que, fora das hipóteses elencadas na lei, não há vício que possa desconstituir o casamento. Partindo do pressuposto de que a lei deve esgotar as hipóteses de nulidade do matrimônio, leva à consagração o entendimento de que, em matéria de casamento, inexiste nulidade sem texto: não há exceção à regra. Caio Mário da Silva Pereira é categórico ao afirmar que o regime das nulidades dos atos e negócios jurídicos não tem aplicação em matéria de casamento.
A partir do divórcio, raras são as ações que buscam desconstituir o casamento. Agora, não só a anulação, mas também o divórcio, dissolvem a sociedade conjugal (art. 1571, § 2º do CC).
Contudo, há diferenças entre divórcio e desconstituição do casamento pela nulidade. Mas, de forma freqüente, proposta a anulação de casamento, acaba o Juiz transoformando a ação e decretando o divórcio. A anulação do casamento produz efeito retroativo e o dissolve desde sua celebração (art. 1563 do CC). O divórcio produz efeitos a contar do trânsito em julgado da sentença que o decreta. Somente o casamento putativo, com referência ao cônjuge de boa-fé, tem vigência igual à do divórcio: produz efeito até a data da sentença anulatória (art. 1561 do CC), ou melhor, até o trânsito em julgado da sentença que anula o casamento.
Ao falar em invalidade do casamento, cabe lembrar que o princípio da aparência é preservado em se tratando de direito matrimonial, emprestando-se relevância jurídica a posse do estado de casado: convivência ostensiva na condição de casados. Dita situação de fato não só serve exclusivamente como prova de casamento, mas também como elemento saneador de algum defeito ocorrido quando da sua celebração. Assim, não se anula o casamento quando há posse do estado de casado, que sana qualquer vício existente.
A dúvida sobre a celebração do casamento também leva à presunção de sua ocorrência pelo princípio in dubio pro matrimoni.
Tendo em vista que a lei não elenca algumas hipóteses de nulidade, o magistrado ficava desprovido de elementos para anular casamento portador de defeito insanável em razão da dispositivo expresso para fundamentar a ação anulatória. A fim de superar tal dificuldade, passou-se a considerar a ausência de elemento essencial do casamento como fator suficiente para decretar sua inexistência.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A Razoabilidade na Dogmática Jurídica Contemporânea

A noção de razoabilidade tem desempenhado, historicamente e com importância crescente ao longo das últimas décadas, papel extremamente relevante no setor da argumentação jurídica.
A razoabilidade funciona como standards para avaliação e crítica das possibilidades de decisão na interpretação da práxis judicial e possui conteúdo variável; por ser um valor de conceito indeterminado, gera controvérsias quando aplicada a casos concretos. De fato, na medida em que depende de uma avaliação subjetiva, não é possível estabelecer uma diretriz geral para todo e qualquer caso e, por isso, há que se avaliar cada situação de per si.
Tendo em vista que é um conceito valorativo, é imperioso estabelecer critérios para justificar juízos formulados em nome da razoabilidade, sob pena de transformá-la em conceito vazio, um verdadeiro sofisma.
Na maioria das Constituições, o fundamento da razoabilidade não está expresso, no entanto, existe corrente que a associa com a cláusula do Due Process of Law, dando-lhe, uma faceta substantiva. Há defensores de uma concepção da razoabilidade sob o fundamento jusnaturalista e outros a identificam com a cláusula de proibição do excesso – teoria do détourrnement du pouvir  do Direito Administrativo.
Para Robert Alexy, todos os atos institucionais de produção de direito são eivados de uma pretensão de correção presente quando o Juiz decide uma questão jurídica que envolve dois aspectos: a) pronunciamento judicial corretamente substanciado à luz do direito positivo; b) a decisão justa e razoável.
Quando se diz que a razoabilidade faz parte da pretensão de correção, significa afirmar que ela está implícita em todos os contextos de produção e aplicação do direito.
A razoabilidade, enquanto conceito valorativo, assume o papel de parâmetro para avaliar e criticar decisões judiciais particulares e, em última análise, funciona como critério para decidir uma questão de forma correta.
Há doutrinadores que retiram da razoabilidade a característica de princípio, haja vista sustentarem ser esta expressão reservada a um significado mais restrito que remete a um estado de coisas tido como ideal. Os autores argumentam que a razoabilidade está mais próxima de um standard, uma diretiva ou um postulado normativo-aplicativo, v. g., uma metanorma ou norma metodológica que estrutura a aplicação de princípios e regras do ordenamento jurídico.
Chaïm Perelman considera razoável é aquilo que deve ser visto como correto em determinado momento e, em face do conteúdo variável do postulado não haverá solução única, ou seja, a pluralidade de situações implicará em diversos resultados. A razoabilidade, no entanto, estabeleceria o limite para a tolerância que, se ultrapassado, tornaria as decisões ilegítimas.

Impostos Federais II

- imposto sobre produtos industrializados (IPI)
Embora utilizado como instrumento de função extrafiscal, sendo, por força de dispositivo constitucional, um imposto seletivo em razão da essencialidade do produto (artigo 153, § 2º, inciso IV da CF), o imposto sobre produtos industrializados tem papel de maior relevância no orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Pretendeu-se que o IPI funcionasse como tributo de função extrafiscal proibitiva, tributando pesadamente os denominados artigos de luxo, ou supérfluos, como perfumes, por exemplo, e também aqueles de consumo desaconselhável, como as bebidas e os cigarros. Todavia, parece que essa função “proibitiva” jamais produziu os efeitos desejados. Ninguém deixou de beber ou de fumar porque a bebida ou o fumo custasse mais caro, em razão da incidência exacerbada do imposto.
O conceito de produto industrializado independe da lei. É um conceito pré-jurídico. Mesmo assim, para evitar ou minimizar conflitos, a lei complementar pode e deve estabelecer os seus contornos. Assim é que o Código Tributário Nacional estabeleceu que, para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou aperfeiçoe para o consumo. Delimitou também o seu âmbito constitucional quanto ao aspecto temporal.
A Lei n.º 4502/64 definiu as hipóteses de incidência do imposto de consumo, estabelecendo que constitui seu fato gerador: a) quanto aos produtos de procedência estrangeira, o respectivo desembaraço aduaneiro; b) quanto aos de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento produtor. Quando a industrialização se der no próprio local de consumo ou de utilização do produto, fora do estabelecimento produtor, o fato gerador considerar-se-á ocorrido no momento em que ficar concluída a operação industrial. O imposto é devido sejam quais forem as finalidades a que se destine o produto ou o título jurídico a que se faça a importação ou de que decorra a saída do estabelecimento produtor.
Registre-se que a legislação do IPI amplia o conceito de produto industrializado, nele incluindo operações como o simples acondicionamento, ou embalagem, que na verdade não lhe modificam a natureza, nem a finalidade, nem o aperfeiçoam para o consumo. Tal ampliação viola o artigo 56, parágrafo único do Código Tributário Nacional.
As alíquotas do IPI são as mais diversas, precisamente me face de ser esse imposto um tributo seletivo. Assim, a legislação específica adotou uma tabela de classificação dos produtos, denominada TIPI, onde estão previstas diversas alíquotas, desde zero até 365,63%. A maioria das alíquotas, porém, situa-se abaixo de 20%.
Embora o efeito prático da redução de uma alíquota a zero seja o mesmo da isenção, as duas figuras não se confundem. São juridicamente bem distintas. Alíquota zero, aliás, não passa de simples eufemismo. Simples forma de burlar a lei. Alíquota é expressão matemática que indica o número de vezes que a parte está contida no todo, logo, jamais pode ser zero.
A base de cálculo do IPI é diferente, dependendo da hipótese de incidência. Assim, no caso de mercadoria importada, a base de cálculo do IPI é a mesma do imposto de importação, acrescida deste, das taxas exigidas para entrada do produto no País e ainda dos encargos cambiais efetivamente pagos pelo importador ou dele exigíveis; em se tratando de produtos industrializados nacionais, a base de cálculo do IPI é o valor da operação de que decorrer a saída destes do estabelecimento do contribuinte, ou, não tendo valor a operação, ou sendo omissos os documentos respectivos, a base de cálculo será o preço corrente da mercadoria ou de sua similar no mercado atacadista na praça do contribuinte; em se tratando de produto leiloado, o preço da respectiva arrematação.