quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Desapropriação II


- retrocessão e direito de preferência
Efetivada uma desapropriação, o Poder Público deve aplicar o bem, por tal modo adquirido, à finalidade pública que suscitou o desencadeamento de sua força expropriatória. Não o fazendo, terá ocorrido o que se denomina “tredestinação”, ou seja, a destinação desconforme com o inicialmente previsto, que pode ser lícita (quando, persistindo o interesse público, o expropriante dispensa ao bem desapropriado destino diverso do que planejara no início) ou ilícita (quando o Poder Público transfere a terceiro o bem desapropriado ou pratica desvio de finalidade, permitindo que alguém se beneficie de sua utilização).
Retrocessão é um direito real do ex-proprietário de reaver o bem expropriado, mas não preposto a finalidade pública.
O Decreto-lei n.º 3365/41 dispõe em seu artigo 35 que os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação julgada procedente, será resolvida em perdas e danos. Em face disso, parte da doutrina assinala o caráter de direito pessoal – ensejador, pois, de perdas e danos se desconhecido o direito de preferência. Outros autores defendem a natureza real do direito em apreço, isto é, o de readquirir o bem e, para tanto, elencam como fundamento o disposto no artigo 5º, inciso XXIV da Constituição Federal, o qual configura o direito de propriedade como um direito básico, que só deve ceder à demissão compulsória para a realização de uma finalidade pública.
Celso Antonio Bandeira de Mello ressalta que, reconhecer ao ex-proprietário o direito de recuperar o bem expropriado e não afetado ao destino público não significa que não lhe deva ser oferecido o bem, como resulta da conjugação dos artigos 519 e 513 do Código Civil, ou ainda, libera o Poder Público do pagamento de perdas e danos (artigo 518 do CC). O autor defende que, se houver violação do direito de preferência, o expropriado tanto poderá se valer das perdas e danos, quanto, ao invés disso, optar pela ação de retrocessão, não podendo, no entanto, cumular as pretensões.
Assim, o direito de preferência do expropriado é o que lhe seja oferecido pelo expropriante o bem desapropriado e não aplicado à finalidade pública, para que possa readquiri-lo pelo mesmo valor por que foi indenizado na desapropriação. Uma vez oferecido o bem, o expropriado dispõe do prazo de três dias, no caso de móveis, e sessenta dias, no caso de imóveis, contados a partir da data em que o Poder Público lhe houver feito a notificação, para aceita-la ou não.
Se o bem desapropriado para uma específica finalidade for utilizado para outro fim público, não há vício algum que enseje ao particular a ação de retrocessão, considerando-se que, no caso, não teria havido obrigação do Poder Público de lhe oferecer o bem para reaquisição. Além disso, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que não cabe pedido de retrocessão quando a obra pública foi executada em sua parte substancial.
Ressalte-se a contradição do § 3º do artigo 5º do Decreto-lei n.º 3365/41, segundo o qual, quando se tratar de imóvel desapropriado para implantação de parcelamento popular e destinado às classes de menor renda, não se dará outra utilização ao bem. Entretanto, a norma dispõe que não haverá retrocessão.
A obrigação de oferecer o bem em preferência nasce a partir do momento em que se possa depreender que o expropriante desistiu de destinar o bem a finalidade pública. Alguns autores entendem que tal desistência se caracteriza ao cabo de cinco anos sem que haja preposição do bem a finalidade pública, adotando-se tal prazo por analogia ao da caducidade da declaração de utilidade pública. Outra corrente (majoritária) considera que tal desistência deve ser analisada caso a caso e deduzida de indícios ou fatos concretos.
O preço a ser pago pelo expropriado, a fim de readquirir o bem que lhe seja oferecido em preferência, é o preço atual da coisa, conforme o artigo 519 do Código Civil.
A obrigação do expropriante de oferecer o bem em preferência nasce no momento em que este desiste de aplica-lo à finalidade pública. A determinação exata deste momento há que se verificada in concreto.
O valor das perdas e danos que o ex-proprietário tem direito em caso de violação do direito de preferência, segundo leciona Celso Antonio Bandeira de Mello, consiste na diferença entre o valor pelo qual seria readquirido o bem se este lhe houver sido ofertado e o valor atual dele, além dos lucros cessantes. Todavia, o autor reconhece que o pagamento dos lucros cessantes é rechaçado pela jurisprudência, que só os admite se provados cabalmente sua existência.
Embora não seja entendimento uníssono, o direito de preferência do expropriado é transmissível e tal assertiva fundamenta-se no fato de que este direito integra o patrimônio jurídico do ex-proprietário por força de lei e como tal não pode ser negada sua transmissibilidade (precedentes do STF).
Há que se registrar que o direito de preferência inexiste no caso de o bem ser aplicado a finalidade de interesse público, mas posteriormente foi desafetado e eventualmente alienado. Não se pode exigir a eterna vinculação do bem ao destino público.
Não há nada no texto constitucional ou no artigo 519 do Código Civil que leve ao entendimento de que, efetuada uma desapropriação, o bem adquirido tenha que estar vinculado ad perpetuam a uma finalidade pública, pois o dever administrativo é o de solver as questões em dado tempo e lugar, segundo as necessidades e conveniências presentes. Se o faz adequadamente, cumpre a ordem jurídica, e não está, com isto, a lesar o direito ou as expectativas de quem quer que seja.
Ressalte-se que é impossível cogitar da ação de retrocessão relativa a bens revendidos pelo Poder Público no caso de desapropriação para fins urbanísticos, uma vez que aí não há transgressão alguma de finalidade pública em vista da qual foi realizada. Idem, por igual razão, na revenda de bens adquiridos por desapropriação por zona efetuada para colher o sobrevalor resultante de obra pública.
- requisição
Além de desapropriação, também a requisição e a servidão administrativa retratam hipóteses de sacrifício de direito.
Requisição é o ato pelo qual o Estado, em proveito de um interesse público, constitui alguém, de modo unilateral e auto-executório, na obrigação de prestar-lhe um serviço ou ceder-lhe transitoriamente o uso de alguma coisa in natura, obrigando-se a indenizar os prejuízos que tal medida acarretar ao obrigado.
A requisição funda-se no artigo 5º, inciso XXV da Constituição Federal e a competência para legislar sobre ele assiste apenas à União, conforme o artigo 22, inciso III da Carta Magna.
Requisição e desapropriação diferem nos seguintes pontos:
a) a requisição se refere a bens e serviços. A desapropriação apenas a bens;
b) a requisição preordena-se tão somente ao uso da propriedade, ao passo que a desapropriação é volvida à aquisição dela;
c) a requisição decorre de necessidades transitórias. A desapropriação é suscitada por necessidades permanentes da coletividade;
d) a requisição é auto-executória. A desapropriação, para se efetivar, depende de acordo ou, na falta deste, de procedimento judicial;
e) a requisição supõe, em geral, na necessidade pública premente. A desapropriação supõe necessidade corrente, usual;
f) a requisição pode ser indenizada a posteriori e nem sempre é obrigatória. A desapropriação é sempre indenizável previamente (exceto nas hipóteses dos artigos 182, § 4º, inciso III e artigo 184 da Constituição Federal).
- servidão administrativa
Servidão administrativa é o direito real que assujeita um bem a suportar uma utilidade pública, por força da qual ficam afetados parcialmente os poderes do proprietário quanto ao seu uso ou gozo. É, pois, o gravame que onera um dado imóvel subjugando-o ao dever de suportar uma convivência pública, de tal sorte que a utilidade residente no bem pode ser fruída singularmente pela coletividade ou pela Administração.
As servidões administrativas não se confundem com as limitações administrativas à propriedade.
Do ponto de vista teórico, é profunda a distinção entre umas e outras. Enquanto, por meio das limitações, o uso da propriedade ou da liberdade é condicionado pela Administração par que se mantenha dentro da esfera correspondente ao desfecho legal do direito, na servidão há um verdadeiro sacrifício, conquanto parcial, do direito. A compostura do direito, legalmente definida, vem a sofrer uma compressão em nome do interesse público a ser extraído do bem sujeito à servidão.
As limitações administrativas à propriedade alcançam toda uma categoria abstrata de bens, ou, pelo menos, todos os que se encontrem em uma situação ou condição abstratamente determinada, enquanto nas servidões administrativas atingem-se bens concreta e especificamente determinados.
Nas servidões administrativas há um ônus real, de tal modo que o bem gravado fica em um estado de especial sujeição à utilidade pública, proporcionando um desfrute direto, parcial, do próprio bem (singularmente fruível pela Administração ou pela coletividade em geral).
Nas servidões administrativas há um pati, isto é, uma obrigação de suportar, enquanto nas limitações administrativas há um non facere, isto é, uma obrigação de não fazer.
Toda vez que uma propriedade sofre restrições em decorrência de ato concreto da Administração, ou seja, uma injunção decorrente do chamado jus imperii, estamos diante de uma servidão.
As limitações administrativas não obrigam o Poder Público a indenizar o proprietário dos bens afetados, enquanto nas servidões administrativas, em geral, devem ser indenizadas, o que ocorrerá sempre que impliquem real declínio da expressão econômica do bem ou subtraiam de seu titular uma utilidade que fruia (o prejuízo deve ser demonstrado).
Se a propriedade não é afetada diretamente pela disposição abstrata da lei, mas em consequência de uma injunção especificada Administração, que individualize o bem ou os bens a serem gravados, está-se diante de uma servidão ou tombamento. Não haveria em tais hipóteses que se falar em simples limitação administrativa. Em face disso, caberá indenização sempre que da injunção cogitada resultar um prejuízo para o proprietário do bem alcançado.
Quando a propriedade é afetada diretamente pela lei, pode ou não configurar-se servidão. Haverá esta, e não mera limitação administrativa, se o gravame implicar uma sujeição especial daquele bem ao interesse coletivo. Entende-se como sujeição especial aquela em que a utilidade social a ser obtida for singularmente fruível pelos membros da coletividade ou pela própria Administração através de seus órgãos, agentes, prepostos etc., consistindo o gravame em dever de suportar e não simplesmente imposição de non facere.
Se a propriedade é atingida por um ato específico, imposto pela Administração, embora calcada em lei, a hipótese é de servidão ou de tombamento, porque as limitações administrativas à propriedade são sempre genéricas.
Se a propriedade é afetada por uma disposição genérica e abstrata, pode ou não ser o caso de servidão. Será limitação, e não servidão, se impuser apenas um dever de abstenção: um non facere. Será servidão se impuser um pati: obrigação de suportar.
- tombamento
O tombamento é a intervenção administrativa na propriedade pela qual o Poder Público sujeita determinados bens à sua perene conservação para preservação dos valores culturais ou paisagísticos nele encarnados.
A teor do artigo 24, inciso VII da Constituição Federal, a competência para legislar sobre tombamento é concorrente de União, Estados e Distrito Federal, cabendo aos Municípios suplementá-los, com base no artigo 30, inciso II. Também é da alçada de todos estes sujeitos a prática dos atos administrativos que o concretizem, a teor do artigo 23, inciso III da Carta Magna, de acordo com o qual é competência de tais pessoas proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais e os sítios arqueológicos.
Em decorrência do tombamento os poderes inerentes ao titular do bem afetado ficam parcialmente elididos, uma vez que poderá usar e gozar do bem, nas não alterá-lo, para não desfigurar o valor que se quer nele resguardar, além de ficar constituído no dever de mantê-lo em boa conservação, o que terá de fazer a expensas próprias, salvo se não tiver recursos para tanto, caso em que, a teor do artigo 19 do Decreto-lei n.º 25/37, solicitará ao Poder Público o custeio das despesas. Tudo isto se o Poder Público não entender conveniente despojar, de vez, o dominus da senhoria sobre a coisa, desapropriando-a e adquirindo-a para si, sem, todavia, desfazer a sujeição do bem à utilidade pública que comandou sua desapropriação.
São traços distintivos do tombamento em relação à servidão:
a) a servidão é um direito real sobre coisa alheia ao passo que o tombamento também pode afetar um bem próprio e ser satisfeito mesmo quanto o bem de terceiro é expropriado, sem que com isto se extingam os gravames inerentes ao tombamento, não vigorando o princípio de que nemini res sua servit;
b) a servidão não impõe ao titular do bem tombado o dever de agir, pois não se lhe exige um facere, mas tão-só um pati, ao passo que o tombamento constitui o titular do bem tombado no dever de conservá-lo em bom estado, no que se incluem todas as realizações de reformas para tanto necessárias;
c) as servidões oneram só bens imóveis e o tombamento tanto pode se referir a bens imóveis, quanto a bens móveis (quadros, estatuetas, jóias e outros objetos de interesse cultural).
Como regra, o tombamento exige uma indenização ao particular cujo bem seja afetado.

Fonte: Curso de Direito Administrativo. Celso Antônio Bandeira de Mello.