quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Breves Considerações sobre o Controle Difuso de Constitucionalidade

O controle de constitucionalidade difuso tem sua origem nos Estados Unidos – sendo, por esse motivo, conhecido como sistema americano de controle – e baseia-se no reconhecimento da inconstitucionalidade de um ato normativo por qualquer componente do Poder Judiciário, Juiz ou Tribunal, em face de um caso concreto submetido a sua apreciação. O órgão do Poder Judiciário, declarando a inconstitucionalidade de norma concernente ao objeto da lide, deixa de aplicá-la ao caso concreto.

No controle difuso, quando o autor da ação procura a tutela do Poder Judiciário, sua preocupação inicial não é com a inconstitucionalidade da lei em si. Seu objetivo é a tutela de um determinado direito concreto que esteja sofrendo lesão ou ameaça de lesão por alguém (a outra parte da ação). A constitucionalidade só é apreciada porque esse direito pretendido envolve a apreciação de uma lei, a qual é inquinada de inconstitucional pela parte que pretende vê-la afastada.

Pela mesma razão, o controle difuso também é denominado: incidental, incider tantaum, por via de exceção, por via de defesa, concreto ou indireto. Exatamente por surgir no curso de um processo comum, o controle de constitucionalidade difuso pode ser exercido por qualquer órgão do Poder Judiciário.

Como o controle de constitucionalidade incidental dá-se no curso de uma ação submetida à apreciação do Poder Judiciário, todos os intervenientes no procedimento poderão provocar o órgão jurisdicional para que declare a inconstitucionalidade da norma no caso concreto.

Ademais, o Juiz ou Tribunal, de ofício, independentemente de provocação, poderá declarar a inconstitucionalidade da lei, afastando a sua aplicação ao caso concreto, já que esses têm por poder-dever a defesa da Constituição.

Muito se discutiu a respeito de ser, ou não, a ação civil pública instrumento idôneo para a realização do controle de constitucionalidade das leis. Isso porque, como a decisão proferida nessa ação coletiva é dotada de eficácia geral (erga omnes), parte da doutrina entende que o exercício do controle de constitucionalidade no seu bojo implicaria flagrante usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, já que essa eficácia geral é própria da jurisdição concentrada exercida pela Corte Maior.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a ação civil pública pode ser utilizada como instrumento de controle de constitucionalidade, desde que com feição de controle incidental, isto é, desde que tenha como pedido principal certa e concreta pretensão e, apenas como fundamento desse pedido, seja suscitada a inconstitucionalidade da lei em que se funda o ato cuja anulação é pleiteada.

O que não se admite é o uso da ação civil pública como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, isto é, tendo por objeto principal a declaração de inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo do Poder Público.

No primeiro grau, o Juiz singular é competente para examinar a questão constitucional suscitada no caso concreto a ele submetido. Se o magistrado entender que a lei desrespeita a Constituição, deverá proclamar a sua inconstitucionalidade, não a aplicando ao caso concreto em questão.

Em relação à atuação dos Tribunais, a Constituição Federal contém regra específica para a declaração de inconstitucionalidade, conhecida como “reserva de plenário”, expressamente consagrada em seu artigo 97. Esta regra implica a exigência de procedimento especial para a declaração de inconstitucionalidade por qualquer Tribunal do País na sua esfera de competência. No âmbito de um Tribunal, a declaração de inconstitucionalidade deverá observar, obrigatoriamente, sob pena de nulidade da decisão, a reserva de plenário. Não havendo órgão especial, a declaração de inconstitucionalidade somente poderá ser proferida por deliberação do plenário.

Os órgãos fracionários e monocráticos dos Tribunais estão impedidos de declarar a inconstitucionalidade das leis. Sempre que acatada uma argüição de inconstitucionalidade pelo órgão fracionário, o incidente deverá ser submetido ao Plenário ou ao órgão especial para que este decida sobre a questão constitucional por maioria absoluta de seus membros. Decidida a questão constitucional, os autos são devolvidos a órgão fracionário para que este julgue o caso concreto e lavre o respectivo acórdão.

Não respeitada a exigência do artigo 97 da Constituição Federal, será ilegítima, absolutamente nula, a decisão do colegiado, seja no exercício do controle incidental, seja na efetivação do controle abstrato.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, a razão se ser da reserva de plenário está na necessidade de evitar que órgãos fracionários apreciem, pela primeira vez, a pecha de inconstitucionalidade atribuída a certo ato normativo. Desse modo, por razões de economia e celeridade processuais, existindo declaração anterior de inconstitucionalidade promanada do órgão especial ou do plenário do Tribunal ou mesmo do Supremo Tribunal Federal, não há necessidade, nos casos futuros, de observância da reserva de plenário, podendo os órgãos fracionários aplicar diretamente o precedente às novas lides, declarando, eles próprios, a inconstitucionalidade das leis.

Também não se submete à reserva de plenário a aferição da recepção ou revogação do direito pré-constitucional, editado sob a égide de Constituições pretéritas. Isso porque o Supremo Tribunal Federal entende que a incompatibilidade desse direito pré-constitucional com texto constitucional superveniente é resolvida pela revogação, não havendo que se falar em inconstitucionalidade.

Ressalvadas as estritas hipóteses de cabimento do recurso ordinário (artigo 102, inciso II da CF), o recurso extraordinário é o meio idôneo para a parte interessada, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, levar ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal controvérsia constitucional concreta suscitada nos Juízos inferiores.

Estabelece a Constituição Federal (artigo 102, inciso III) que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo da Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal; c) julgar válida lei ou ato normativo de governo local contestado em face da Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Com a Emenda Constitucional 45, passou-se a exigir que recorrente demonstre repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Supremo Tribunal Federal examine a admissão do recurso extraordinário. A demonstração de repercussão geral passou a ser pressuposto para admissibilidade do recurso extraordinário.

Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que o requisito constitucional da repercussão geral aplica-se a todos os recursos extraordinários, inclusive às causas criminais.

Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os limites subjetivos da causa. Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

A existência de repercussão geral deverá ser demonstrada, em preliminar do recuso extraordinário, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal. O Plenário, em decisão irrecorrível, firmada por dois terços de seus membros, não conhecerá do recurso quando a questão constitucional nele versada não caracterizar repercussão geral.

Se a Turma decidir pela existência de repercussão geral por, no mínimo quatro votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

Negada a existência da repercussão geral (pelo Plenário), a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão de tese.

Qualquer que seja o órgão prolator, a decisão no controle de constitucionalidade incidental só alcança as partes do processo (eficácia inter partes), não dispõe de efeito vinculante e, em regra, produz efeitos retroativos (ex tunc). A pronúncia de inconstitucionalidade não retira a lei do ordenamento jurídico. Em relação a terceiros, não participantes da lide, a lei continuará a ser aplicada, integralmente, ainda que supostamente esses terceiros se encontrem em situação jurídica semelhante à das pessoas que foram parte na ação em que foi declarada a inconstitucionalidade.

Embora a regra seja a pronúncia da inconstitucionalidade no controle concreto ter eficácia retroativa (ex tunc), poderá o Supremo Tribunal Federal, por dois terços de seus membros, em situações excepcionais, tendo em vista razões de segurança jurídica ou relevante interesse social, outorgar efeitos meramente prospectivos (ex nunc) à sua decisão, ou mesmo fixar um outro momento para o início da eficácia de sua decisão.

A decisão no controle concreto não dispõe de força vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, ainda quando proferida pelo Supremo Tribunal Federal, neste caso, há possibilidade de ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade, seja mediante a suspensão da execução da lei por ato do Senado, seja por meio de aprovação de uma súmula vinculante.

Para evitar que outros interessados tenham de recorrer ao Judiciário, para obter a mesma decisão, atribui-se ao Senado a faculdade de suspender o ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, conferindo eficácia geral (erga omnes) à decisão dessa Corte.

Declarada definitivamente a inconstitucionalidade da lei pela Excelsa Corte, no âmbito do controle difuso, a decisão é comunicada ao Senado para que este, entendendo conveniente, suspenda a execução da lei, nos termos do artigo 52, inciso X da Constituição Federal.

Nesse caso, o Senado está atuando no âmbito do controle de constitucionalidade, simplesmente estendendo a todas as pessoas decisões de eficácia inter partes proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Como os efeitos dessas decisões retroativos, é razoável propugnar que também o seja o ato do Senado.

O Senado não está obrigado a suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, podendo julgar a oportunidade e conveniência de praticar tal ato. A espécie normativa utilizada para a execução da medida é a resolução. Não é possível a restrição ou ampliação da extensão do julgado prolatado pela Corte Maior, sob pena de invalidade do ato.

A competência do Senado para a suspensão da execução de leis ou atos normativos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal se restringe às decisões proferidas no controle incidental.

No intuito de combater a multiplicação de processos de conteúdos idênticos, a Emenda Constitucional 45 criou a súmula vinculante, nos termos do artigo 103-A da Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal poderá aprovar, rever ou cancelar súmula vinculante por iniciativa própria (de ofício) ou por iniciativa de qualquer dos legitimados na Constituição e na lei.

Nesse passo, a Lei n.º 11.417/2006 estabeleceu os legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal para a edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante, a saber: Presidente da República; Mesa do Senado; Mesa da Câmara dos Deputados; Procurador-Geral da República; Conselho Federal da OAB; Defensor Público-Geral da União; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; Governador de Estado ou do Distrito Federal; Tribunais Superiores, Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho, Tribunais Regionais Eleitorais, Tribunais Militares. O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestará previamente à edição. O relator poderá, em decisão irrecorrível, admitir a manifestação de terceiros.

Além desses legitimados, o município poderá propor, incidentalmente, no curso do processo que seja parte, a edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo.

A proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se discuta a mesma questão.

A súmula, enunciando posição firmada em reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, deverá versar sobre a controvérsia constitucional atual entre órgãos judiciários e entre estes e a Administração que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

Somente matéria que não tenha sido decidida no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade poderá ser tratada em súmula vinculante.

A aprovação, revisão ou cancelamento de súmula vinculante exige decisão de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal em sessão plenária.

A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de dois terços dos seus Ministros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de determinado momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público.

Se for praticado ato ou proferida decisão que contrarie os termos da súmula, poderá a parte prejudicada intentar Reclamação diretamente perante o Supremo Tribunal Federal. Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após o esgotamento das vias administrativas.

Ao julgar procedente a Reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida.

Se a Reclamação estiver sendo ajuizada contra uma decisão administrativa que o autor entenda haver violado enunciado da súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, acolhendo a Reclamação, dará ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal.

É possível conferir efeito vinculante às sumulas do Supremo Tribunal Federal que já estavam em vigor na data de publicação da Emenda Constitucional 45. Para isso, porém, é necessário que a súmula seja confirmada por decisão de dois terços dos Ministros e publicada na imprensa oficial

Fonte: Controle de Constitucionalidade. Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Despesas e Receitas Públicas

O conceito de despesa pública acatado pela quase totalidade dos doutrinadores é aquele fornecido por Aliomar Baleeiro, segundo o qual a despesa pública pode significar duas coisas: “em primeiro lugar, designa o conjunto dos dispêndios do Estado ou de outra pessoa de Direito Público, para o funcionamento dos serviços públicos”. Pode, também, significar “a aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou do agente público competente, dento de uma autorização legislativa, para execução de fim a cargo do governo”.

No primeiro sentido, a despesa pública e parte do orçamento, representando, portanto, a distribuição e emprego das receitas para cumprimento das diversas atribuições da Administração. No segundo sentido, é a utilização, pelo agente público competente, de recursos financeiros previstos na dotação orçamentária para atendimento de determinada obrigação a cargo da Administração, mediante a observância da técnica da Ciência da Administração, o que envolve prévio empenho da verba respectiva.

O importante é ressaltar que a despesa pública há de corresponder, invariavelmente, a um dispêndio relacionado com uma finalidade de interesse público.

O volume das despesas públicas, em última análise, resulta sempre de uma decisão política, porque a formulação do elenco das necessidades de uma sociedade, a serem feitas pelo serviço público, é matéria que se insere no âmbito da atuação do poder político. A este cabe a formulação da Política Governamental, na qual está prevista a realização dos objetivos nacionais imediatos, objetivos esses eleitos em conformidade com as idéias políticas, religiosas, sociais, filosóficas do momento, a fim de que o plano de ação governamental tenha legitimidade perante a sociedade.

No setor público, primeiramente, elegem-se as prioridades da ação governamental para depois se estudar os meios de obtenção de recursos financeiros necessários ao atingimento das metas politicamente estabelecidas. As despesas públicas, vinculadas a essas metas estabelecidas, são aprovadas pelo Parlamento, passando a integrar o orçamento anual, cuja execução se dá com observância de normas constitucionais e legais pertinentes. Por isso, o exame das despesas consignadas (dotações orçamentárias) permitirá identificar o programa de governo e, por conseguinte, possibilitará revelar, com clareza, em proveito de que grupos sociais e regiões, ou para solução de que problemas e necessidades funcionará o aparelhamento estatal.

As despesas ordinárias são as que constituem, normalmente, a rotina dos serviços públicos que são renovados anualmente, isto é, a cada orçamento. As extraordinárias seriam aquelas destinadas a atender a serviços de caráter esporádico, oriundos de conjunturas excepcionais e que, por isso mesmo, não se renovam todos os anos.

Há autores que classificam as despesas em produtivas, reprodutivas e improdutivas. As primeiras limitam-se a criar a atuação estatal (atividade policial, atividade jurisdicional). As segundas são as que representam aumento da capacidade produtora do país (construção de escolas, estradas, etc.). Já as improdutivas corresponderiam às despesas inúteis.

Outra classificação é a que leva em conta a competência constitucional de cada entidade política: federal, estadual e municipal. Tal critério, entre nós, é falho, pois existem matérias de competência comum das três esferas políticas, como também aquelas de competência concorrente, além do fato de, na prática, imperar a sobreposição de serviços públicos.

Existe, ainda, a chamada classificação econômica. Dentro dessa classificação, temos a despesa-compra e a despesa-transferência. A primeira é aquela realizada para compra de produtos e serviços. A segunda é aquela que não corresponde à aplicação governamental direta, limitando-se a criar rendimentos para os indivíduos sem qualquer contraprestação destes (juros da dívida pública, pensões, subvenções sem encargos).

Finalmente, existe o critério legal de classificação. A Lei n.º 4.320/64 classifica das despesas em correntes e de capital. As despesas correntes abrangem as de custeio, que correspondem às dotações orçamentárias para manutenção dos serviços anteriormente criados, inclusive as destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis e as transferências correntes, que correspondem às dotações para despesas sem contraprestação direta em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções destinadas a atender a manifestação de outras entidades de direito privado. As despesas de capital abrangem: os investimentos, que correspondem entre outros, às dotações para planejamento e execução de obras; as inversões financeiras, que são conforme às dotações para aquisição de imóveis, constituição ou aumento de capital de entidades ou empresas que visem a objetivos comerciais ou financeiros, e transferência de capital, que são correlatas às dotações para investimentos ou inversões financeiras que outras pessoas de direito público ou privado devam realizar, independentemente de contraprestação em bens ou serviços, como as dotações para amortização da dívida.

Em face do texto constitucional, nenhuma despesa pode ser realizada sem previsão orçamentária. A abertura de crédito suplementar ou especial depende de autorização legislativa e indicação dos recursos correspondentes. O inciso VI do artigo 167 da Constituição Federal veda a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa.

Sendo a despesa faces da mesma moeda, integrando o orçamento ao lado da receita, deve manter posição de equilíbrio em relação a esta última. Ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento constitui ato de improbidade administrativa.

Os procedimentos legais estão previstos na Lei n.º 4.320/64. Estados e Municípios podem elaborar as leis de execução orçamentária, desde que respeitem as normas gerais contidas na citada lei federal, que tem natureza de lei complementar do ponto de vista material.

A primeira providência para efetuar uma despesa é seu prévio empenho, que significa que o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente de implemento de condição. O empenho, por si só, não cria obrigação de pagar, podendo ser cancelado ou anulado unilateralmente. O empenho limita-se a diminuir do determinado item orçamentário a quantia necessária ao pagamento do débito, o que permitirá à unidade orçamentária (agrupamento de serviços com dotações próprias) o acompanhamento constante da execução orçamentária, não só evitando anulações por falta de verba, como também possibilitando o reforço oportuno de determinada dotação, antes do vencimento da dívida. Materializa-se pela emissão da “nota de empenho”.

A segunda etapa da realização de uma despesa é sua liquidação, que consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. Da mesma forma que o empenho, a liquidação nada cria, limitando-se a tornar líquida e certa a obrigação preexistente.

A terceira etapa é a ordem de pagamento, que outra coisa não é senão o despacho da autoridade competente determinando o pagamento da despesa. Finalmente, temos a etapa do pagamento que, uma vez efetivado em decorrência de regular liquidação da despesa e por ordem da autoridade competente, extingue a obrigação de pagar.

Esgotados os recursos orçamentários, não está o Executivo obrigado a solicitar abertura de crédito adicional suplementar para atendimento dos precatórios. Nessas hipóteses, cabe à Administração demonstrar perante o órgão judiciário competente a impossibilidade de cumprir a decisão judicial. De fato, se a entidade devedora não tem como indicar os recursos correspondentes para a abertura de crédito adicional, não pode ela ser compelida a fazer o impossível. Nenhuma lei pode exigir mais do que o permitido pelo ordenamento jurídico, da mesma forma que nenhuma ordem judicial pode conduzir a um beco sem saída – Teoria da Impossibilidade Material.

Os créditos extraordinários destinam-se a atender despesas imprevisíveis e urgentes, como em caso de guerra, comoção interna ou calamidade pública, nos termos do artigo 41, inciso III da Lei n.º 4.320/64. Não se pode confundir relevância e urgência, requisitos de edição da medida provisória, com os pressupostos constitucionais para abertura do crédito extraordinário, que além da urgência e relevância, reclama a imprevisibilidade do evento causador da despesa.

Receitas Públicas

Receita pública é o ingresso de dinheiro aos cofres do Estado para o atendimento de suas finalidades. Mantendo, de um lado, o processo de obtenção de lucros pela venda de deus bens e serviços, de outro lado, o Estado acentuou a sua força coercitiva para retirar dos particulares uma parcela de suas riquezas, expressa em dinheiro, sem qualquer contraprestação. O dinheiro obtido por esse último processo denomina-se tributo.

Para Alberto Deodato, receita pública é o capital arrecadado, coercitivamente, do povo, tomando por empréstimo ou produzido pela renda dos seus bens ou pela sua atividade, que o Estado dispõe para fazer face às despesas públicas.

O importante é deixar claro que o conceito de receita pública não se confunde com o de entrada. Todo ingresso aos cofres públicos caracteriza uma entrada. Contudo, nem todo ingresso corresponde a uma receita pública. Realmente, existem ingressos que representam meras “entradas de caixa”, como cauções, fianças, depósitos recolhidos ao Tesouro, empréstimos contraídos pelo poder público, que são representativos de entradas provisórias que deve ser, oportunamente, devolvidas.

Assim, de acordo com Aliomar Baleeiro, receita pública é a entrada que, integrando-se ao patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo.

Receitas públicas extraordinárias são aquelas auferidas em caráter excepcional e temporário, em função de determinada conjuntura. Entre nós, a União pode lançar mão do empréstimo compulsório.

As receitas ordinárias são aquelas que ingressam com regularidade, por meio do normal desenvolvimento da atividade financeira do Estado. Constituem fonte regular e permanente de recursos financeiros necessários ao atendimento das despesas públicas.

Quanto à origem, a receita pode ser classificada em originária e derivada. A primeira é aquela que advém da exploração, pelo Estado, da atividade econômica. A segunda é caracterizada pelo constrangimento legal para sua arrecadação, são os tributos, as penas pecuniárias e as reparações de guerra.

Jèze baseou sua classificação na divisão dos serviços públicos em quatro grupos: a) os serviços administrativos de interesse geral, que provocam despesa, mas não produzem quaisquer receitas, correspondem aos impostos; b) serviços administrativos de interesse geral, mas que aproveitam mais a alguns, havendo tributação especial, dizem respeito às taxas; c) serviços industriais e comerciais de fim financeiros em regime de livre concorrência referem-se aos preços; d) explorações comerciais ou industriais destinadas à obtenção do maior proveito fiscal possível em regime de monopólio correspondem ao tipo híbrido, preço-imposto.

Seligman, por sua vez, classificou as receitas segundo a vantagem auferida pelo Poder Público: a) preços quase-privados: vantagem particular como consideração exclusiva ao lado do interesse público acidental; b) preços públicos: vantagem particular menor, mas preponderante, ao lado de interesse público de alguma importância; c) taxas: vantagem particular mensurável associada a interesse público ainda mais importante; d) contribuições especiais: alguma vantagem particular consorciada com interesse público preponderante; e) impostos: interesse público em consideração exclusiva e vantagem particular apenas acidental.

O artigo 11 da Lei n.º 4.320/64 classifica a receita por categorias econômicas em: receitas correntes e receitas de capital. Por força do princípio da unidade de tesouraria, previsto no artigo 56 da citada lei, todo ingresso de dinheiro deve ser centralizado no tesouro público e contabilizado ou como receita corrente ou como receita de capital.

Pode-se dizer, em sua generalidade, que as receitas correntes abarcam as despesas correntes do poder impositivo do Estado (tributos em geral), bem como aquelas decorrentes da exploração de seu patrimônio e as resultantes de exploração de atividades econômicas (comércio, indústria, agropecuária e serviços).

As receitas de capital, por sua vez, compreendem: as provenientes de realização dos recursos financeiros oriundos da constituição de dívidas; as oriundas de conversão em espécie, de bens e direitos; os recursos recebidos de outras pessoas de direito público ou privado destinados a atender a despesas de capital e, ainda, o superávit do orçamento corrente.

Receitas originárias são aquelas que resultam da atuação do Estado, sob o regime de direito privado, na exploração de atividade econômica. Sua característica fundamental é a percepção pelo Estado absolutamente despido do caráter coercitivo próprio, porque atua sob regime de direito privado, como uma empresa na busca do lucro.

As receitas originárias advém da exploração do patrimônio mobiliário, imobiliário e das receitas industriais e comerciais. Portanto, quanto às fontes, classificam-se em patrimoniais e industriais.

A taxa, como espécie tributária que é, tem sua cobrança inteiramente submetida ao regime de direito público, mais precisamente ao regime tributário. É uma obrigação ex lege, só pode ser exigida dos particulares em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.

Preço público é sinônimo de tarifa ou simplesmente preço que nada mais é do que a contraprestação paga pelos serviços pedidos ao Estado ou pelos bens por ele vendidos e que constitui sua receita originária. Verifica-se, pois, que para haver preço é necessário um contrato, que é o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito.

Marco Aurélio Greco propõe um critério distintivo, fundado no regime jurídico de atuação estatal. Segundo esse critério, o pressuposto da exigibilidade da taxa é a atuação estatal consistente na execução de serviço público, enquanto o pressuposto do preço é a atuação estatal voltada para a satisfação do interesse público secundário, que de rigor jurídico não configura serviço público.

A atuação estatal no tocante às atividades essenciais e indelegáveis do Estado, só pode ser desenvolvida pelo regime de direito público. No caso, teremos serviço público do ponto material e formal, e, por conseguinte, taxa.

Na hipótese de atuação estatal referente às atividades não essenciais do Estado, inexistindo lei de entidade política competente, que torne obrigatória a estrutura de utilização do serviço, o legislador pode dar ao pagamento a estrutura de taxa ou de tarifa; no segundo caso, não haverá serviço público, desenvolvendo o poder público sua atividade como um particular, hipótese em que pode transferir a execução desse serviço a concessionário, que passará a cobrar diretamente do usuário do serviço a respectiva tarifa. Em havendo obrigatoriedade de utilização de determinado serviço, significa que aquele serviço, por decisão política, foi encampado como de interesse público, impondo-se a observância do regime público, dando origem à taxa.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º, conceitua o tributo como sendo “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Portanto, toda prestação pecuniária obrigatória que não seja a multa, resultante de lei, e que é cobrada com observância do princípio da legalidade, configura tributo, a mais importante receita do Estado. Integram, também, o quadro de receitas derivadas, as multas e penalidade pecuniárias aplicadas por autoridades administrativas ou judiciais.

Já se tornou tradição entre nós a Constituição, após outorgar competência tributária privativa para cada uma das entidades políticas, prever o mecanismo de participação de uma entidade no produto de arrecadação de impostos de outra entidade. Esse critério visa, antes de mais nada, assegurar recursos financeiros suficientes e adequados às entidades regionais (Estados) e locais (Municípios) para o desempenho de suas atribuições constitucionais.

A Constituição Federal, sob a denominação “Repartição de Receitas Tributárias”, estabeleceu três modalidades diferentes de participação dos Estados, Distrito Federal e Municípios na receita tributária da União e dos Estados: a) participação direta dos Estados, Distrito Federal e Municípios no produto de arrecadação de imposto de competência impositiva da União; b) participação no produto de impostos de receita partilhada; c) participação em fundos.

A primeira modalidade está prevista nos artigos 157 inciso I e 158, inciso I da Carta Magna. As parcelas do imposto sobre a renda retidas na fonte, a qualquer título, por essas entidades e autarquias ou fundações lhes pertence, incorporando-se, desde logo, às respectivas receitas correntes.

A segunda modalidade consiste na participação do produto de impostos de receita partilhada (artigos 157, inciso II, 158, incisos II, III, IV e 159, inciso III da Constituição Federal). O imposto, ao ser criado, já pertence a mais de uma pessoa política, nos exatos limites constitucionais fixados. Nunca pertence integralmente ao titular da competência impositiva que institui, fiscaliza e arrecada o imposto, devendo devolver o quantum respectivo às entidades participantes, porque a elas pertence por expressa determinação constitucional.

A terceira modalidade corresponde à percepção, pelas entidades políticas beneficiadas, de determinadas importâncias dos fundos formamos por quarenta e sete por cento dos produtos de arrecadação do imposto sobre a renda e do imposto sobre produtos industrializados, consoante previsão do artigo 159 da Constituição Federal. Ao creditar aos Estados, Distrito Federal e Municípios as parcelas dos respectivos Fundos de Participação a União compensa dos valores repassados o produto da arrecadação feita nos termos do artigo 157, inciso I e artigo 158, inciso I da Carta Maior. Nenhuma entidade política poderá ser beneficiada com parcela superior a vinte por cento do produto de arrecadação do IPI, bem como os Estados devem repassar aos Municípios vinte e cinco por cento do receberam a esse título por meio dos mesmos critérios previstos no parágrafo único do artigo 158 da Constituição Federal.

A multa administrativa, também, compõe o quadro de receitas públicas. É sanção pecuniária aplicada pela Administração aos administrados em geral, em casos de infração ou inobservância da ordem legal, aí compreendidas as disposições regulamentares e de organização dos serviços e bens públicos. Como todo ato punitivo, depende de prévia cominação em lei ou contrato, cabendo sua imposição, exclusivamente, à autoridade competente.

A chamada compensação financeira, pela primeira vez, veio prevista na Constituição Federal que, em seu artigo 20, § 1º, prescreve: “é assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração do petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”.

A compensação financeira pela utilização de recursos hídricos, para fins de geração de energia elétrica, é de 6% sobre o valor da energia produzida, a ser paga pelos concessionários de serviço de energia elétrica aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, em cujos territórios se localizarem as instalações destinadas à produção de energia elétrica, ou que tenham áreas invadidas por águas do respectivo reservatório.

A compensação financeira pela exploração dos recursos minerais, para fins de aproveitamento econômico, devida pelos detentores de direitos minerários, é de até 3% sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de uma transformação industrial.

A Petrobrás e suas subsidiárias são obrigadas a pagar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios compensação financeira correspondente a 5% sobre o valor do óleo bruto, do xisto betuminoso e do gás natural extraído dos seus respectivos territórios, onde se fixar a lavra do petróleo ou se localizarem instalações marítimas ou terrestres de embarque ou desembarque de óleo bruto ou gás natural. O mesmo percentual é devido nas hipóteses de explorações feitas na plataforma continental ou nos lagos, rios, ilhas fluviais e lacustres pertencentes àquelas entidades políticas.

Importante ressaltar que o artigo 8º da Lei n.º 7.990/89 veda aos beneficiários das compensações financeiras a aplicação dos respectivos recursos no pagamento de dívidas e no quadro permanente de pessoal. Não se trata de vinculação de recursos, mas de restrição de sua forma de utilização. O artigo 9º estabelece a obrigatoriedade de os Estados transferirem aos Municípios 25% da parcela da compensação financeira a que fazem jus.

Não se pode conceber a compensação financeira como um tributo se ele envolve, necessariamente, contraprestação de bens pertencentes à União (recursos hídricos ou minerais), pois entre ela e os concessionários não há uma relação de poder a legitimar a imposição tributária.

Assim, não basta a prestação pecuniária compulsória, que não constitua sanção de ato ilícito, para classificar determinado ingresso de dinheiro como tributo. E mais, é preciso que estejam presentes todos os elementos ou aspectos do fato gerador. No caso, em relação aos diversos órgãos da União, despidos de personalidade jurídica, destinatários dessa compensação financeira, sequer poderia existir o sujeito ativo do tributo.

A compensação financeira classifica-se como receita corrente, surge como sucedâneo da participação do resultado da exploração de recursos naturais. Pode-se acrescentar que essa receita, em relação às entidades políticas não titulares de recursos naturais, tem uma natureza contraprestacional.

Dentro do quadro geral de receita pública traçado pela Lei n.º 4.320/64, a compensação financeira é incluída na categoria de receitas correntes, classificando-se como receita patrimonial em relação aos órgãos da União. Assim é possível, por meio do critério da exclusão, classificar a compensação financeira recebida pelos entes federados na categoria “outras receitas correntes”.

Fonte: Direito Financeiro e Tributário. Kiyoshi Harada.

Representação – Sucessão – Substituição - Litisconsórcio

Regra geral, denominam-se partes os chamados sujeitos parciais do processo – autor (aquele que formula pedido em Juízo relativo à pretensão que se diz titular) e réu.

O artigo 1º do Código Civil prevê que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Isso quer dizer que todo ser humano é dotado de personalidade jurídica e pode ser titular de relação jurídica como credor ou devedor de determinada obrigação.

Nesse plano se situa a capacidade de ser parte. É a chamada capacidade de direito.

Para que se esteja diante da capacidade processual (capacidade de estar em Juízo, formulando pedido ou oferecendo defesa), todavia, não basta a capacidade de direito, isto é, não basta que a parte seja capaz de ter direitos e assumir obrigações. É preciso que, além dessa capacidade, exista também a capacidade de fato, ou capacidade de exercício, que se consubstancia na aptidão para a prática dos atos decorrentes da capacidade de direito. Têm capacidade de fato, ou de exercício, aqueles que podem, por si mesmos, praticar os atos da vida civil.

São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, de acordo com o artigo 3º do Código Civil, necessitando, portanto, da integração da capacidade, os menores de dezesseis anos, aqueles que, em razão de enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para prática desses atos, e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir a sua vontade.

A incapacidade relativa, prevista no artigo 4º do Código Civil, atinge os maiores dezesseis e menores de dezoito anos; os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; e os pródigos.

A capacidade é pressuposto processual de validade. Isto significa que, se ausente, deve impedir o Juiz de julgar o mérito. Sendo proferida sentença de mérito, apesar de umas das partes não ser capaz, está-se diante de sentença rescindível, com base nos artigos 485, inciso V e 267, inciso IV, ambos do Código de Processo Civil.

A legitimidade é condição da ação e não pressuposto processual. Pode-se falar em duas espécies de legitimidade: ad causam, ou, para a causa; e a legitimidade processual ou ad processum.

A legitimidade ad causam decorre de uma simetria que deve haver entre os titulares da relação jurídica de direito material subjacente à demanda e da relação jurídica de direito processual.

A expressão representação tem dois sentidos. Pode significar um meio através do qual se integra a capacidade processual (para agir ou para estar em Juízo) de quem não a tem, como, por exemplo, o menor impúbere autor de uma ação; ou pode dizer respeito a uma necessidade gerada pelas circunstâncias, o que ocorre quando se dá a representação da pessoa jurídica. Neste último caso, apesar de haver representação, não se pode falar em integração da capacidade.

Somente quando se tratar de pessoa física é que ocorre a integração da capacidade e tem lugar se verificada da ausência absoluta de capacidade. A complementação da capacidade, quando se está diante de um relativamente incapaz, se dá através do instituto da assistência. Neste caso, assistente e assistido agem em conjunto.

Sucessão e Substituição Processual

Há substituição processual quando a lei autoriza a dissociação da legitimatio ad causam e legitimatio ad processum. É o que ocorre com o artigo 42, caput do Código de Processo Civil: aquele que permanece no processo tem legitimidade procesusal, sendo que aquele a quem o bem foi vendido tem tanto uma quanto outra. Isto porque o bem em torno do qual se discute, objeto material do processo, ou pertence a “A” ou a “C”, mas a “B”, de modo algum: este só fica legitimamente no processo em função do princípio da perpetuaio legitimationis, que gerou a regra constante do artigo 42, caput.

Prossegue a lei estabelecendo que o adquirente ou cessionário não pode ingressar em Juízo “substituindo” o alienante, sem que com isso consinta a parte contrária. O cedente ou alienante, se permanecer no processo, é que estará substituindo o alienante ou cessionário. Se este passar a ocupar o pólo passivo da demanda, com o consentimento do autor, aí sim é que haverá sucessão e exceção ao princípio da perpetuatio legitimationis.

Para que possa haver aplicação do artigo 42 do Código de Processo Civil, é necessário que haja coisa ou direito litigioso, só incidindo tal dispositivo, portanto, depois da citação.

Dois requisitos existem para que tenha lugar a sucessão inter vivos: o primeiro deles, é a admissibilidade da lei, conforme se diz no artigo 41 do Código de Processo Civil, e o segundo é a vontade da parte contrária, como estabelece o artigo 42, § do mesmo estatuto.

Todavia, para que haja sucessão mortis causa, a vontade da parte contrária é irrelevante e esta pode se dar sucessivamente em dois momentos. Primeiro pelo espólio e depois pelos sucessores, observado o disposto no artigo 265 do Código de Processo Civil.

Os artigos 44 e 45 do Código de Ritos tratam da possibilidade de haver sucessão dos procuradores das partes. Há determinação expressa no sentido de que a parte, no mesmo ato em que revogue o mandato outorgado para seu procurador, constitua outro para sucedê-lo, representando-a.

Existe também a possibilidade de que o próprio advogado renuncie, remanescendo, todavia, responsável pelo processo durante os dez dias subseqüentes à renúncia, desde que necessário para evitar prejuízo à parte.

Litisconsórcio

Ocorre quando duas ou mais pessoas se encontram no mesmo pólo do processo, como autores, como réus, ou como autores e réus. Pode ocorrer de diversas formas:

- quanto à cumulação de sujeitos do processo: diz-se que se está diante de situação de litisconsórcio a que se chama de litisconsórcio ativo quando há vários autores que propõem ação contra um único e mesmo réu. Por outro lado, está-se diante de hipótese de litisconsórcio passivo quando ocorre que um só autor propõe ação contra vários réus. Trata-se, por fim, de litisconsórcio misto quando diversos autores propõem ação contra vários réus.

- quanto ao tempo de sua formação: o litisconsórcio pode ser inicial ou ulterior. Trata-se de litisconsórcio inicial quando sua formação se dá logo na propositura da ação. Do contrário, se sua formação ocorre posteriormente em um outro momento processual que não o da propositura da ação, mas mediante qualquer das formas de intervenção de terceiros. Será ulterior o litisconsórcio quando necessário posteriormente formado. A possibilidade de formação de litisconsórcio ulterior configura-se em exceção ao princípio da perpetuatio legitimationis e só pode ter lugar se se tratar de litisconsórcio necessário. O litisconsorte tardio, em sem tratando de litisconsórcio facultativo, será assistente.

- quanto à sua obrigatoriedade: o litisconsórcio pode ser facultativo ou necessário, conforme se possa admiti-lo, sem que, no entanto, exista necessidade de sua formação ou quando a higidez da sentença dependa necessariamente da presença dos litisconsortes, sob pena de vício grave.

- quanto ao alcance e seus efeitos: o litisconsórcio pode ser unitário ou simples. Trata-se de litisconsórcio unitário quando a sentença a ser proferida pelo Juiz deva ser idêntica para todos os que estejam no mesmo pólo do processo. É, ao contrário, simples o litisconsórcio quando seja indiferente a circunstância do resultado não ser o mesmo para todos os litisconsortes.

Dispõe o artigo 46 do Código de Processo Civil que duas ou mais pessoas podem litigar no mesmo processo, em conjunto, no pólo ativo ou passivo, se houver comunhão de direitos ou obrigações em relação à lide. É o caso de solidariedade entre credores ou devedores. Podem também litigar em conjunto aqueles cujos direitos ou obrigações decorrerem de idêntico fundamento de fato ou de direito e os titulares de ações conexas, sem razão do objeto ou da causa de pedir. Finalmente, podem também formar litisconsórcio aqueles cujas ações tenham fundamento comum (ainda que apenas parcialmente), seja de fato ou de direito.

O litisconsórcio necessário consiste na cumulação de sujeitos da relação processual (no pólo ativo, passivou ou ambos) sempre que a lide deva, necessariamente, ser decidida da mesma forma, no plano do direito material, para todos os litisconsortes, ou seja, sempre que o litisconsórcio for unitário (salvo disposição legal em sentido contrário). O litisconsórcio necessário decorre da natureza da relação jurídica de direito material (que gera a unitariedade), ou de disposição legal expressa.

A necessidade de formação do litisconsórcio depende de disposição legal e a unitariedade provém da natureza da relação jurídica de direito material a respeito de que se vá decidir no processo.

É possível que o litisconsórcio necessário não seja unitário, mas simples, isto é, embora sua formação seja obrigatória, o resultado não precisa ser o mesmo para todos aqueles que se encontram em idêntico pólo da relação processual. Exemplo dessa hipótese é a ação de usucapião, pois o resultado não será o mesmo para aquele em cujo nome esteja transcrito o imóvel e para os confinantes.

A parte final do artigo 47 do Código de Processo Civil dispõe no sentido de que, em se tratando de hipótese de que o litisconsórcio deva necessariamente se formar, a ausência de qualquer dos litisconsortes implicará falta de eficácia da sentença que, a rigor, deveria decidir uniformemente ou não, conforme se tratasse de caso de litisconsórcio necessário unitário ou simples.

No caso de sentença proferida em processo que se deveria ter formado com a presença de litisconsortes, e não o tenha sido, está-se diante de sentença juridicamente inexistente, porque proferida em processo que igualmente inexistiu (juridicamente), na medida em que faltou pressuposto processual de existência (a citação de todos que deveriam ter sido citados), não se tendo triangularizado a relação processual.

A conseqüência prática de se adotar uma ou outra dessas posições está em que, se considerar essa sentença nula, esta terá transitado em julgado, sendo rescindível durante o prazo (decadencial) de dois anos. Se for adotada a teoria da inexistência jurídica, não haverá necessidade de ação rescisória, pois a sentença não terá aptidão para transitar em julgado.

O artigo 48 do Código de Processo Civil dispõe no sentido de que, em regra, “os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão ou beneficiarão os outros”.

Essa regra se aplica aos casos de litisconsórcio facultativo simples e necessário simples, não cabendo aplicá-la no litisconsórcio unitário , pois, devendo a sentença ser uniforme para todos, a inércia de qualquer dos litisconsortes não prejudicará nenhum deles, nem mesmo o inerte, que se aproveitará da atividade de outro litisconsorte.

Não há aproveitamento de atos entre os litisconsortes se se tratar de disposição de direito (reconhecimento do pedido, por exemplo), que é a atitude que só se reflete na esfera jurídica daquele que dispõe de seu direito.

Em relação aos prazos processuais, há disposição expressa no sentido de que, sendo diferentes os advogados de cada litisconsorte, deverão ser contados em dobro os prazos para contestar, recorrer e, de modo geral, emitir manifestações no curso do procedimento (artigo 191 do CPC).

O parágrafo único do artigo 46 do Código de Processo Civil contém disposição que permite ao Juiz limitar o número de litisconsortes, caso se trate de litisconsórcio facultativo, quando o excessivo número de litigantes puder comprometer a rápida solução da lide ou dificultar o exercício do direito de defesa. Nessas hipóteses, o Juiz pode limitar o número de litisconsortes ativos ou passivos a um total que considere razoável, de acordo com o caso concreto. Assim não fosse, estaria frustrado um dos objetivos do instituto, que é a obtenção da economia processual.

Fonte: Curso Avançado de Processo Civil. Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Fundamentos da Exigibilidade e Dispensa da Licitação

Celso Antônio Bandeira de Melo ensina que, por força do princípio da isonomia, não pode a Administração desenvolver qualquer espécie de favoritismo ou desvalia em proveito ou detrimento de alguém, principalmente no que se refere à licitação, ressaltando seu duplo propósito de obter uma situação vantajosa para a Administração e de oferecer iguais oportunidades de contratação a todos os eventuais fornecedores ou prestadores de serviço.

O fato é que o princípio da isonomia, por ser elementar ao direito administrativo e estar erigido à categoria de princípio constitucional, acabou transformando o próprio instituto da licitação em um princípio para a Administração.

O princípio da isonomia, por si só, é independentemente de qualquer norma, obriga a Administração a valer-se do procedimento da licitação e, ao estabelecer essa obrigatoriedade, erige a própria licitação em princípio, pois mesmo na ausência de normas específicas está a Administração obrigada a utilizar-se dos procedimentos licitatórios.

O princípio da licitação impõe à Administração a necessidade de recorrer a procedimentos técnicos-jurídicos que assegurem, ao mesmo tempo, contratações vantajosas para o Poder Público e igualdade de condições para todos os contratantes, independentemente de quaisquer normas positivas. O procedimento poderá estar ou não especificado pelas normas, mas a falta destas não significa que o princípio seja dispensável. Não havendo norma legal, a licitação se desenvolverá de acordo com o edital.

A Emenda Constitucional n.º 19, conhecida como Emenda da Reforma Administrativa, trouxe profundas modificações à Administração brasileira. O propósito fundamental dessa reforma era a substituição do antigo modelo burocrático, caracterizado pelo controle rigoroso dos procedimentos, pelo novo modelo gerencial, no qual são abrandados os controles de procedimentos e incrementados os controles de resultados.

Em termos práticos, deve-se caracterizar que quando uma formalidade burocrática for empecilho à realização do interesse público, o formalismo deve ceder diante da eficiência.

Isso significa que é preciso superar concepções puramente burocráticas ou meramente formalísticas, dando-se maior ênfase ao exame da legitimidade e da razoabilidade, em benefício da eficiência. Não basta ao administrador demonstrar que agiu bem, em estrita conformidade com a lei: sem divorciar a legalidade, cabe a ele evidenciar que caminhou no sentido da obtenção dos melhores resultados.

Em matéria de procedimento administrativo licitatório, será sempre necessário conciliar os princípios sobre ele incidentes, o que certamente vai exigir um esforço maior por parte dos intérpretes e aplicadores da lei.

É certo que, pela rigidez formal que deve ter, a Administração não pode ser dotada da mesma facilidade de negociação de que dispõem as empresas privadas. Não se concluam, porém, açodadamente, que em decorrência da licitação, a Administração possa ser irrecusavelmente obrigada a fazer um contrato extremamente gravoso.

Também não se conclua que aumentar a capacidade de negociação repercuta de maneira diretamente proporcional na obtenção de vantagens. Maior liberdade significa maior risco, pois administrar é atividade de quem não é dono. Se quando houver possibilidade de negociação, deverá, também, necessariamente, haver um incremento e um aprimoramento dos meios de controle, para assegurar o atingimento do conjunto de finalidades almejadas pela licitação.

São três os princípios essenciais ou fundamentais que decorrem da própria razão de ser da licitação: oposição ou concorrência, publicidade e igualdade. O primeiro princípio significa que a escolha deve ser feita com base em uma comparação objetiva entre as diversas ofertas, constituindo-se exceção as hipóteses de apresentação de uma única proposta. O princípio da publicidade significa que o chamamento dos interessados deve ser público, ostensivo, efetuado mediante adequada publicação. O princípio da igualdade significa a necessidade de adoção de um tratamento isonômico entre os licitantes; para isso, todos os ofertantes devem encontra-se na mesma situação, contando com as mesmas facilidades e fazendo suas ofertas sobre bases idênticas.

Vale ressaltar que os elementos essenciais a qualquer modalidade de licitação e que, por isso mesmo, devem ser considerados como princípios fundamentais desse procedimento são três: igualdade, publicidade e estrita observância das condições estabelecidas no edital.

O artigo 24 da Lei n.º 8.666/93, que cuida da dispensa de licitação, foi alterado várias vezes para a inclusão de novas hipóteses de dispensa, mas sempre de maneira assistemática, imprecisa, confusa, causando mais dúvidas do que certezas.

Em regra, todos os contratos celebrados pela Administração devem ser precedidos de licitação, porque o Poder Público não pode privilegiar ou prejudicar quem quer que seja, mas deve oferecer iguais oportunidades a todos de contratar com ele. Essa é a regra geral.

É um princípio fundamental da hermenêutica que as exceções devem ser tratadas de maneira restrita. Quando houver alguma dúvida quanto à exigibilidade ou dispensa de licitação, é preciso não esquecer que a regra geral é a exigibilidade e que a exceção é a dispensa. Os casos de inexigibilidade são aqueles que, logicamente, não existe possibilidade de licitação. Os casos de dispensa são aqueles em que, havendo possibilidade de licitação, uma circunstância relevante deve autorizar a discriminação.

Necessário se faz, porém, deixar uma coisa bastante clara: não é dado ao legislador, arbitrariamente, criar hipótese de dispensa de licitação, por ser ela uma exigência constitucional. Se o elemento tomado em consideração para que seja feita a dispensa não for pertinente, não for razoável ou compatível com o princípio da igualdade, a lei será inconstitucional.

É evidente que afirmar a exigibilidade como regra geral não significa afirmar exigibilidade absoluta, mesmo porque, em certos casos, a licitação poderia ser até material ou juridicamente impossível. Cretella Júnior, desde longa data, já se referia a circunstâncias imprevistas ou a casos de interesse nacional que seriam motivos suficientes para a dispensa de licitação, dada a morosidade do procedimento ou inconveniência da publicidade, que poderia até ser nefasta em certas situações.

José Afonso da Silva fez uma primeira sistematização ao identificar os casos expressos e casos implícitos. Na primeira categoria estariam todas as hipóteses previstas na legislação de maneira expressa. Na segunda estariam as “hipóteses não claramente contempladas, que também dispensam licitação – como é o caso da aquisição de materiais e equipamentos de segurança pública”. Argumenta que, se a licitação é dispensável em casos de grave perturbação da ordem, implicitamente é dispensável para preveni-los. Segundo ele, “também ocorre implicitamente a dispensa de licitação naquelas hipóteses e que a atividade em relação à qual se vai realizar a despesa imponha sigilo”.

A dispensa de licitação é balizada por três princípios: impossibilidade material, impossibilidade jurídica e conveniência administrativa.

O princípio da impossibilidade material significa que a licitação seria dispensada nos casos em que sua realização fosse materialmente impossível, em virtude da singularidade do objeto, a qual decorre não só da natureza íntima, mas também da individualidade em razão de fatores externos, inclusive a determinação da marca. Nessa categoria estariam, por exemplo, a dispensa para aquisição de obras de arte e objetos históricos, a aquisição de bens de fornecedores exclusivos. Incluem-se nessa categoria a hipótese de dispensa de licitação deserta, isto é, quando nenhum fornecedor se interessa em ingressar em uma contenda para conseguir o objeto de um contrato desejado pela Administração, muito embora possa se reconhecer que nesse caso nada impede que seja reiterado o chamamento público a eventuais interessados.

Não é todo serviço técnico especializado que enseja a pura e simples dispensa de licitação. Existem serviços que, não obstante que requeiram acentuada habilitação técnica, podem ser realizados por uma pluralidade de profissionais ou empresas especializadas, indistintamente. A dispensa de licitação somente pode ocorrer quando um serviço técnico se tornar singular, ou seja, quando o fator determinante da contratação for seu executante, isto é, quando não for indiferente ou irrelevante a pessoa, o grupo de pessoas ou a empresa executante.

A singularidade do serviço foi enfocada por Celso Antônio Bandeira de Mello da seguinte forma: “De modo geral são singulares todas as produções intelectuais, realizadas isolada ou conjuntamente – por equipe – sempre que o trabalho a ser produzido se defina como marca pessoal (ou coletiva) expressa em características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade administrativa a ser suprida.

A dispensa depende da somatória das peculiaridades do objeto e do executante. É preciso demonstrar a necessidade de se contratar um profissional, notoriamente especializado. Ou seja, além de um executor especializado, é preciso haver real necessidade dessa especialização e comprovação efetiva da capacitação especial do contratado.

Essa singularidade resultante das características pessoas do executante é que torna inviável a comparação ou a competição, tornando inexigível a licitação, conforme dispõe a legislação vigente.

O trabalho pode ser considerado singular quando depender das características do executante. Haverá singularidade quando diferentes executantes notoriamente especializados produzirem diferentes trabalhos. Não haverá singularidade quando diferentes executantes puderem realizar a mesma coisa, produzir o mesmo resultado.

Diante disso, não se pode invocar a notória especialização para contratação de um serviço usual, corriqueiro, comum, que efetivamente não exija habilitação especial.

Os textos legais brasileiros, nos casos de serviço técnico especializado, exigem apenas que o executante seja pessoa ou firma de notória especialização. Essa notoriedade oferece considerável dificuldade interpretativa e não dispensa a comprovação da efetiva capacitação especial, em face de cada específico contrato a ser celebrado. Notoriedade, em última análise, para fins de dispensa de licitação, é a fama consagradora do profissional em seu campo de especialidade.

Não de deve confundir notoriedade com popularidade. Não é necessário que o contratado seja tido como reconhecidamente capaz pelo povo, pela massa, pelo conjunto de cidadãos, pela coletividade. Basta que isso aconteça âmbito daquelas pessoas que operam na área correspondente ao objeto do contrato.

Quanto aos serviços técnicos a serem contratados, alguns podem ser executados indistintamente por uma pluralidade de profissionais ou empresas altamente qualificadas ou notoriamente especializadas, cuja seleção deve ser feita mediante concurso. Somente cabe a dispensa quando não for possível realizar qualquer modalidade de licitação, quando o resultado do trabalho for singular, incomparável, por decorrer de características ou habilitações peculiares do autor.

A contratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização está sujeita, em princípio, à licitação, a qual há de ser dispensada apenas nos casos que apresentem singularidades tais que impossibilitem uma comparação, sendo inadmissível uma desobrigação genérica.

O princípio da impossibilidade jurídica seria aplicável quando o confronto dos interesses em jogo pudesse resultar em ofensa aos princípios fundamentais do regime jurídico administrativo: supremacia do interesse público sobre o privado e indisponibilidade dos interesses públicos. Nessas hipóteses a licitação seria simplesmente dispensável. Nessa categoria estaria, por exemplo, a dispensa de licitação em caso de guerra, segurança nacional, calamidade pública, emergência e manutenção da ordem pública.

Toda alegação de urgência deve ser devidamente motivada e instrumentada com a comprovação dos fatos ensejadores, para que possa haver efetivo controle administrativo ou judicial.

Caberia, ainda, incluir-se aqui, na rubrica impossibiliade jurídica, a ausência de licitação nos contratos entre pessoas jurídicas de direito público e, por extensão, com os concessionários de serviços públicos ou entidades sujeitas ao controle do Poder Público. Ocorre que as pessoas de direito público escapam à regra do tratamento isonômico porque são juridicamente desiguais, por sua própria natureza (enquanto as pessoas civis nascem juridicamente iguais, as pessoas públicas se diferenciam já no ato de sua criação, nos termos dos atos que as houverem instituído).

Em relação aos contratos interadministrativos, pode-se concluir que não se trata de mera dispensa (licitação possível, mas legalmente não exigida) e sim de inexigibilidade (licitação impossível, por inviabilidade de competição). Órgãos e entidades públicas não concorrem entre si. Quando o Poder Público cria uma entidade para servir como instrumento de sua atuação, é como se fosse o próprio Estado “contratando” consigo mesmo, ainda que se trate de relação entre entidades de diferentes pessoas jurídicas de capacidade política.

O princípio da conveniência administrativa é o mais débil de todos, e pode tornar dispensável a licitação com fundamento na presunção de legitimidade dos atos da Administração. Abrangeria, por exemplo, a dispensa de licitação para contratações de pequeno vulto, e a complementação ou padronização dos equipamentos.

Cumpre assinalar, finalmente, que o princípio da licitação é também aplicável às sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações governamentais, pois tais entidades são afetadas pelo regime jurídico administrativo, participando, ao mesmo tempo, de algumas prerrogativas e sujeições que afetam a Administração centralizada. Ressalte-se, todavia, que, quanto aos chamados serviços industriais do Estado, é de sua essência prestar serviços ou produzir bens para serem alienados em regime de direito privado.

A Constituição Federal afirma a obrigatoriedade de observância das normas gerais de licitação apenas para as administrações diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, destacando que as empresas públicas e sociedades de economia mista deveriam, no tocante a suas licitações, observar do disposto em seu artigo 173, § 1º, inciso III.

Esse dispositivo se refere apenas às empresas estatais exploradoras de atividades econômicas, estabelecendo, efetivamente, uma indiscutível distinção exclusivamente quanto a esta específica modalidade de empresas estatais. Portanto, as empresas estatais prestadoras de serviços públicos continuam devendo fiel observância das normas gerais de licitações estabelecidas pela lei federal.

Porém, o § 1º do artigo 173 da Constituição Federal consigna que uma futura lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias de bens ou de prestação de serviços, dispondo, dentre outras coisas, sobre a licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações destas entidades, que deverão observar apenas os princípios da Administração.

Diante disso, entende parte da doutrina que, enquanto não for editado o estatuto das empresas estatais exploradoras de atividade econômica, as quais devem observar, nesse ínterim, as normas da Lei n.º 8.666/93.

Todavia, a falta do estatuto mencionado no § 1º do artigo 173 da Constituição Federal não impede que a legislação ordinária específica estabeleça um regramento diferenciado, simplificado, para as licitações levadas a efeito pelas empresas estatais exploradoras de atividades econômicas, desde que sejam observados os princípios da Administração.

Em sua, observando os princípios e as normas legais sobre a matéria, as empresas estatais exploradoras de atividades econômicas podem ter regulamentos simplificados. É certo que, observadas as modalidades legalmente estabelecidas, podem criar, para cada modalidade, procedimentos de licitações adequados à flexibilidade, à operatividade e à eficiência que se espera de tais entidades da administração indireta. Mas é certo, também, que os procedimentos por ela adotados (mesmo com a dispensa da observância das normas aplicáveis aos órgãos públicos) devem obedecer aos princípios da licitação, para que sejam válidos.


Fonte: Aspectos Jurídicos da Licitação. Adilson Abreu Dallari.