quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Invalidade do Casamento

A lei civil impõe obstáculos à separação e ao divórcio e, ao tratar da invalidade do casamento (arts. 1548 a 1564 do CC), cria um sistema especial, com normas específicas dentro de um regime fechado.
A doutrina afirma, de forma uníssona, que, fora das hipóteses elencadas na lei, não há vício que possa desconstituir o casamento. Partindo do pressuposto de que a lei deve esgotar as hipóteses de nulidade do matrimônio, leva à consagração o entendimento de que, em matéria de casamento, inexiste nulidade sem texto: não há exceção à regra. Caio Mário da Silva Pereira é categórico ao afirmar que o regime das nulidades dos atos e negócios jurídicos não tem aplicação em matéria de casamento.
A partir do divórcio, raras são as ações que buscam desconstituir o casamento. Agora, não só a anulação, mas também o divórcio, dissolvem a sociedade conjugal (art. 1571, § 2º do CC).
Contudo, há diferenças entre divórcio e desconstituição do casamento pela nulidade. Mas, de forma freqüente, proposta a anulação de casamento, acaba o Juiz transoformando a ação e decretando o divórcio. A anulação do casamento produz efeito retroativo e o dissolve desde sua celebração (art. 1563 do CC). O divórcio produz efeitos a contar do trânsito em julgado da sentença que o decreta. Somente o casamento putativo, com referência ao cônjuge de boa-fé, tem vigência igual à do divórcio: produz efeito até a data da sentença anulatória (art. 1561 do CC), ou melhor, até o trânsito em julgado da sentença que anula o casamento.
Ao falar em invalidade do casamento, cabe lembrar que o princípio da aparência é preservado em se tratando de direito matrimonial, emprestando-se relevância jurídica a posse do estado de casado: convivência ostensiva na condição de casados. Dita situação de fato não só serve exclusivamente como prova de casamento, mas também como elemento saneador de algum defeito ocorrido quando da sua celebração. Assim, não se anula o casamento quando há posse do estado de casado, que sana qualquer vício existente.
A dúvida sobre a celebração do casamento também leva à presunção de sua ocorrência pelo princípio in dubio pro matrimoni.
Tendo em vista que a lei não elenca algumas hipóteses de nulidade, o magistrado ficava desprovido de elementos para anular casamento portador de defeito insanável em razão da dispositivo expresso para fundamentar a ação anulatória. A fim de superar tal dificuldade, passou-se a considerar a ausência de elemento essencial do casamento como fator suficiente para decretar sua inexistência.
Em geral, são identificados três pressupostos para a existência do casamento: i) celebração perante a autoridade competente investida de poderes para tal; ii) consentimento manifestado na forma da lei pelos noivos; iii) diferença de sexo entre os nubentes.
Quanto ao último pressuposto, impõe destacar que a Constituição ou o Código Civil não determinam a diversidade de sexo como elemento essencial do casamento. Maria Berenice Dias sustenta que pode ser admitido como válido, ao menos, o casamento de transexual. Alega que, independentemente da redesignação dos órgãos genitais e obtida na Justiça a alteração do nome e a retificação da identidade do sexo, tais pessoas não estão impedidas de casar.
O casamento é celebrado por pessoa a quem as leis estaduais de organização judiciária atribuem competência. A denominação presidente do ato (art. 1535 do CC) difere entre os Estados, mas a Constituição Federal (art. 98, inciso II) defere competência ao Juiz de Paz. Como há possibilidade de o casamento religioso produzir efeitos civis (art. 1515 do CC), a autoridade competente será o ministro da religião dos nubentes. Também a autoridade consular tem competência para celebrar casamento de brasileiros no estrangeiro (art. 1544 do CC). Em se tratando de casamento nuncupativo (quando se encontra um dos contrantes em iminente risco de vida, art. 1540 do CC), o casamento é realizado por qualquer pessoa.
O ato de celebração representa o elemento formal do casamento, emprestando-lhe efeito constitutivo. Mesmo que a autoridade não detenha competência, não se pode deixar de reconhecer que ocorreu o casamento, ainda que se tenha que chamá-lo putativo ou de boa-fé. Passa o casal, após aparente solenidade, a ostentar a condição de marido e mulher, ou seja, a desfrutar da posse de estado de casado. De outro lado, também o princípio da presunção do casamento permite contornar a invalidade do ato de celebração por ilegitimidade do celebrante, não se podendo falar em inexistência do casamento. A despeito do posicionamento da doutrina, o legislador (art. 1550, inciso VI do CC)  considera anulável o matrimônio realizado por autoridade incompetente.
Quando o nubente queda-se inerte, deixando de, imediatamente, buscar a desconstituição do casamento, não há como questionar a existência do ato. Descabe falar em casamento inexistente. A falta de manifestação de vontade configura, no máximo, vício de vontade, sob a forma de coação, o que permite sua anulação (art. 1559 do CC) e não o reconhecimento da inexistência. Para buscar a anulação existem prazos (art. 1560 do CC), e é desarrazoado que, mantendo-se silente o cônjuge por mais de quatro anos, venha este alegar inexistência do casamento por ausência de manifestação de vontade.
Como o casamento foi celebrado, ainda que de forma aparente, é mister a proclamação de sua inexistência e, se os nubentes não buscarem a desconstituição, difícil é sustentar que o cônjuge sobrevivente não faria jus sequer aos direitos sucessórios, quando o casamento se manteve durante toda uma vida e só se dissolveu com a morte de um do par.
Maria Berenice Dias considera a idéia de casamento inexistente inconveniente e inútil e que pode ser substituída com vantagens pela noção de nulidade.
São distintos o plano de validade e o de eficácia do casamento. A validade depende da conjugação de dois requisitos: a manifestação de vontade de estabelecer o vínculo conjugal e a declaração do celebrante de que estão casados. Por sua vez, a eficácia do casamento depende da implementação do requisito próprio do registro público, que é exclusivamente civil. A diferença entre casamento nulo e anulável diz respeito à natureza do vício que o macula: vício sanável gera nulidade relativa; vício insanável leva à nulidade absoluta. No entanto, em ambas as hipóteses, o casamento existe, foi celebrado e produziu efeitos jurídicos. Tanto o casamento nulo, como o anulável, para serem desconstituídos, dependem da chancela judicial. Não sendo proposta a competente ação, ambos continuam existindo e produzindo efeitos jurídicos.
Quando realizado com infração a impedimentos de ordem pública, o casamento deve ser desconstituído. Há interesse social na dissolução do casamento nulo. O matrimônio anulável decorre de afronta a norma que protege interesse individual, pode ser desconstituído, a depender do interesse da parte, não se preocupando o Estado com a sua dissolução.
A decretação de anulabilidade ou declaração de nulidade depende da maior ou menor gravidade do impedimento violado. Vícios intensos, que infringem vedação ou princípios ordenadores da sociedade, como a proibição do incesto e da bigamia, são vícios insanáveis. O casamento deve ser anulado, seja quando for.
A referida distinção tem um único resultado de prática e diz com a imprescritibilidade da ação para declarar a nulidade absoluta do casamento. A nulidade não se convalida, e a ação pode ser proposta a qualquer tempo. Em se tratando de casamento anulável, ainda que a lei fale em prescrição, a pretensão anulatória está sujeita a prazo decadencial, só podendo a ação ser proposta dentro de determinados e distintos lapsos de tempo (art. 1560 do CC).
Declarado nulo ou desconstituído o casamento anulável, a sentença tem efeito retroativo à data de sua celebração (ex tunc). O casamento desaparece do âmbito jurídico. Em qualquer das duas espécies de demanda, declarado putativo o casamento, sua desconstituição só ocorre a partir do trânsito em julgado da sentença, ou seja, produz efeitos somente para o futuro (ex nunc).
Embora eivado de vícios, o casamento nulo existe, bem ao contrário do que ocorrem com os atos ou negócios nulos, que, por falta de elemento essencial, não podem ter eficácia jurídica. Isso não acontece com o casamento nulo, que, mesmo sem ser putativo, acarreta efeitos. Assim, ainda que nulo e com a decretação de nulidade com efeito retroativo à data da celebração, o casamento produz efeitos até ser desconstituído. Com relação ao cônjuge que estava de boa-fé e à prole, o casamento gera efeitos até o trânsito em julgado da sentença que o anula (art. 1561 do CC).
Duas ordens de vícios podem afetar a higidez do casamento: ausência de capacidade; desrespeito aos impedimentos legais. A incapacidade para consentir ou manifestar de modo inequívoco o consentimento torna o casamento anulável. Somente a incapacidade por problema de ordem mental ou psíquica gera a nulidade do matrimônio. A incapacidade civil, decorrente da idade, enseja tão-só a anulabilidade do casamento.
A validade do matrimônio está condicionada também à inexistência de impedimentos. Diz que a lei quem não pode casar (art. 1521 do CC). As vedações estão ligadas à proibição do incesto e da bigamia, princípios norteadores da vida em sociedade. Para quem contraria a proibição legal, o casamento é nulo (art. 1548, inciso II do CC). A desobediência a uma das proibições legais afeta a higidez do casamento, torna-o nulo, podendo, ou melhor, devendo ser desconstituído. A infringrência a esses princípios tem repercussões inclusive na esfera criminal.
Não podem casar: a) os ascendentes com os descendentes; b) parentes afins em linha reta: sogro e nora, por exemplo, mesmo depois de dissolvido o casamento, pois o parentesco por afinidade em linha reta não de desfaz; c) irmãos, não importando se sejam unilaterais ou bilaterais; d) parentes colaterais até o terceiro grau. Quanto os primos, por serem parentes de quarto grau, não há impedimento para o casamento.
Com referência à adoção, ainda que não se admita qualquer designação discriminatória, sujeita-se a dupla ordem de impedimentos para o casamento. Há o impedimento decorrente do vínculo biológico e o decorrente do vínculo da adoção. Assim, o adotado está impedido de casar em face do parentesco consangüíneo e do parentesco civil decorrente da adoção (art. 1521, inciso III do CC).
O cônjuge sobrevivente não pode casar com que foi condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o consorte.
Quando o casamento é celebrado ferindo apenas interesse de pessoas que o Estado quer proteger por considerá-las hipossuficientes, a reação do ordenamento jurídico é mais moderada. Como não há ameaça à ordem pública, dispõem as partes da possibilidade de intentar ação anulatória, pois ao legislador é indiferente a sobrevivência do casamento. A lei não quer o matrimônio e, se foi contraído, autoriza a dissolução. O silêncio das partes permite que um ato jurídico defeituoso convalesça, o que equivale a uma ratificação tácita ou presumida.
Somente é anulável: a) o casamento de menores de 16 anos (admite-se duas exceções: para impedimento de imposição de pena criminal e em caso de gravidez); b) o casamento contraído por menores relativamente capazes, neste caso é necessária autorização dos pais ou responsáveis. Anulado o matrimônio, a incapacidade do noivo menor é restabelecida e desaparece o efeito emancipatório.
É anulável o casamento realizado por vício de vontade, porém, as hipóteses são restritas à coação ou erro quanto à pessoa do cônjuge, as quais podem dizer respeito: i) à honra ou boa fama; ii) defeito físico irremediável ou moléstia grave transmissível pelo contágio ou herança, capaz de por em risco a saúde do cônjuge ou filhos; iii) prática de crime anterior ao casamento; iv) doença mental grave.
Para que o erro essencial seja reconhecido é necessária a presença de três requisitos: a) que a circunstância ignorada por um dos cônjuges preexista ao casamento; b) que a descoberta da verdade seja subseqüente ao casamento; c) torne intolerável a vida em comum.
A coação, para viciar a declaração de vontade, deve ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens.
Há corrente doutrinária segundo a qual a ameaça normal de um direito e o temor reverencial, que não configuram coação para anular um negócio jurídico, não são causas para anular o casamento.
A coabitação contorna a anulação do casamento, ainda que tenha um ou ambos os noivos sido coagidos a casa, pois a vida em comum valida o casamento (art. 1559 do CC).
Vale registrar que é desarrazoado dizer que a alegação de ameaça dê ensejo à anulação do casamento até quatro meses depois de sua celebração, pois o prazo é de decadência da ação de anulação sob o fundamento da coação.
Considera-se, ainda, anulável o casamento contraído por incapaz de consentir ou manifestar inequivocamente sua vontade (art. 1550, inciso IV do CC).
A lei autoriza casamento por procuração, mediante instrumento público com poderes especiais (art. 1542 do CC). Em caso de revogação do mandado, se o ato não chegar antes da celebração do casamento (que acaba se realizando sem que se tenha conhecimento da desistência), tal pode ensejar a anulação do casamento. No entanto, se revogada a procuração, seguir-se a convivência do casal, ou seja, se passaram ambos a ostentar a posse do estado de casados, descabe a anulação.
Ainda que a doutrina traga como exemplo de casamento inexistente a falta de competência do celebrante, o casamento é apenas anulável, gerando somente a possibilidade de ser buscada sua desconstituição no prazo de dois anos. No entanto, se o matrimônio foi celebrado por quem publicamente exercia as funções de Juiz de casamentos e tiver sido registrado, a nulidade convalida.
Anulado o casamento dos pais, os filhos são sempre preservados. Com relação a eles, o casamento produz todos os efeitos. Independentemente de ser reconhecido o casamento putativo ou não, a filiação materna e paterna é “legítima”.
A lei mostra-se indulgente em matéria de nulidade de casamento, atribuindo efeitos ao ato anulável e mesmo ao ato nulo. Prestigia o legislador a boa-fé dos noivos e preserva os efeitos do matrimônio. É isso que se chama casamento putativo: aquele que se acredita verdadeiro, legal e certo, porém não o é. Assim, mesmo que o casamento venha a ser anulado, mantém sua eficácia da data de sua celebração até ser desconstituído. A boa-fé, até prova em contrário, sempre se presume e significa ausência de culpa da causa anulatória. Os efeitos do casamento só não beneficiam o contraente de má-fé.
Reconhecendo o Juiz a boa-fé dos cônjuges ou de um deles, declara, com relação a um ou a ambos, que o casamento é putativo. Essa declaração é necessária, pois altera o marco temporal dos efeitos da anulação. Anulado o casamento, os efeitos retroagem à data da celebração (ex tunc). No entanto, reconhecida a boa-fé, os efeitos da desconstituição do casamento só vigoram a partir da sentença.
O casamento putativo é uma das hipóteses em que, por expressa previsão legal, um ato jurídico produz efeitos por tempo diferenciado. Havendo boa-fé somente de um dos nubentes, com relação a ele o casamento terá duração e eficácia por um período de tempo: da data da celebração até o trânsito em julgado da sentença anulatória. Com relação ao cônjuge de má-fé, a sentença dispõe de efeito retroativo à data do casamento. Nesse caso ocorre um fenômeno: durante um período de tempo, o cônjuge de boa-fé foi casado e o outro, o que agiu de má-fé, não.
O cônjuge culpado perde as “vantagens” havidas do inocente. A doutrina traz alguns exemplos: a depender do regime de bens do casamento, não perde o cônjuge de boa-fé sua meação e é herdeiro do outro; ao inocente persiste o direito a alimentos. Quanto ao uso do somente, o cônjuge de boa-fé, mesmo sem a concordância do consorte, pode continuar usando o nome que adotou.
Dissolvido o casamento, perde a eficácia o pacto antenupcial que eventualmente tenha sido celebrado e as questões patrimoniais volvem ao status quo ante. A sentença faz desaparecer retroativamente o regime de bens, contudo, o nubente que agiu de má-fé deve cumprir as obrigações assumidas no pacto antenupcial. A doação de um dos cônjuges ao outro é válida, se este estava do boa-fé, e o casamento com relação a ele é declarado putativo.
Desde a consagração constitucional da união estável como entidade familiar, a teoria das nulidades do casamento perdeu interesse prático. Ainda que seja desconstituído o matrimônio, com efeito retroativo, persistindo nesse ínterim a convivência dos cônjuges, não há como deixar de reconhecer, durante esse período, a presença de uma união estável, bastando para isso estarem presentes os requisitos legais (art. 1723 do CC).
As nulidades absolutas dos negócios jurídicos podem ser alegadas em qualquer demanda, a qualquer tempo, por qualquer interessado ou pelo Ministério Público, quando participa do processo. Também podem ser reconhecidas pelo Juiz ex officio. Em se tratando de invalidade de casamento, devem ser observadas as regras do direito de família, assim, a desconstituição do casamento somente pode ser proclamada via ação judicial, e não pode ser decretada ex officio pelo magistrado. É indispensável a participação do Ministério Público, pois se trata de ação de estado, ao dizer com a condição familiar dos nubentes. Tanto a ação de nulidade como a de anulação podem ser promovidas por quem expressamente a lei legitima. A sentença que anula o casamento tem eficácia erga omnes e deve ser levada a registro.
A sentença que anula o casamento tem eficácia declaratória e a ação é imprescritível, já a proferida em caso de matrimônio anulável, é constitutiva e a ação deve observar os prazos decadenciais estabelecidos pela lei.
Tanto a ação declaratória de casamento nulo como a ação de anulação de casamento anulável, tem como primeiros legitimados ativos os cônjuges. Outras pessoas, no entanto, têm legitimidade ad causam para propor a ação. O rol de legitimados depende da demanda. O Ministério Público dispõe, por expressa permissão legal, de legitimidade para a ação declaratória de nulidade de casamento, pois diz com nulidade absoluta, em que há interesse de ordem pública para sua desconstituição. Quando se trata de nulidade relativa, ainda que a lei não decline de modo expresso, o Ministério Público tem legitimidade para propor a ação, como custos legis.
Além dos cônjuges e do Ministério Público, a lei confere legitimidade a qualquer interessado para propor a ação com vista a buscar declaração de nulidade absoluta do casamento.
A legitimidade para a ação anulatória de casamento anulável varia conforme a natureza do vício. O prazo da ação de desconstituição intentada pelo próprio adolescente começa a fluir da data que deixa de ser incapaz.
Ressalte-se que, com o casamento, cessa a incapacidade, não mais dispondo os genitores da qualidade de representantes do filho. Porém, eles podem buscar a anulação como ascendentes do cônjuge menor, no prazo de 180 dias a contar da data das núpcias. O cônjuge, mesmo menor, pode propor ação de anulação do seu casamento no mesmo prazo de 180 dias, mas a contar da data que completa 16 anos. Ultrapassados esses prazos, convalida-se o casamento.
A legitimidade do Ministério Público para propor ação de anulação de casamento limita-se às hipóteses de menoridade de um dos noivos e persiste até quando ele atingir 16 anos. Depois disso, falece interesse de ordem pública para buscar a anulação. Nas ações em que outras são as causas de nulidade, não dispõe o agente ministerial de legitimidade para a ação, pois o vício diz mais com o interesse do próprio casal.
Nas ações anulatórias promovidas pelo Ministério Público ou por terceiros, ainda que um dos cônjuges não se oponha à dissolução do casamento, no pólo passivo da demanda necessariamente devem figurar o marido e a mulher, formando-se um litisconsórcio passivo unitário necessário. Ambos se sujeitarão aos efeitos da sentença, pois voltarão a ser solteiros.
Como ordinariamente ocorre no processo civil, é do autor o ônus de provar o alegado, contudo, por se tratar de ação de estado, a confissão tem pouca valia e não se verificam os efeitos da revelia. Pode o réu ingressar com reconvenção, propondo, por exemplo, ação de divórcio.
Mesmo estando o casamento dissolvido pela morte ou pelo divórcio, ainda, é possível vislumbrar interesse na propositura de ação visando a anulação, pois, nas citadas hipóteses, o matrimônio é dissolvido a partir da ocorrência dos fatos, ou seja, possuem efeitos futuros (ex nunc), mantendo-se eficaz no período de vigência o casamento. Já anulação, conforme dito, possui efeitos ex tunc, isto é, retroage à data de sua celebração.
Em caso de cônjuge incapaz, seus herdeiros necessários podem pedir a anulação do casamento, dentro de 180 dias, a partir da data do óbito.
Solvido o casamento em decorrência de sua anulação, os efeitos da sentença são iguais. Não importa se a dissolução ocorreu por sentença declaratória de nulidade ou resultou de ação de casamento anulável. Com o trânsito em julgado da sentença, a conseqüência é a mesma: o casamento está dissolvido desde a data de sua celebração. Em qualquer caso, a sentença possui efeito retroativo e o vínculo matrimonial resta desconstituído como se nunca tivesse existido.
Reconhecido o casamento como putativo, também não distingue a lei a natureza da ação ao apontar os efeitos da sentença. Com relação ao cônjuge de boa-fé, que não contribuiu para a nulidade ou anulação do matrimônio, a desconstituição tem efeito para o futuro, ex nunc, a contar da data do trânsito em julgado da sentença.
Tramitando a ação de anulação de casamento, o decreto do divórcio não subtrai o objeto da ação desconstitutiva, pois as demandas têm efeitos diversos. O divórcio tem efeitos ex nunc e a anulação, ex tunc. Em qualquer das hipóteses, são preservados os interesses de terceiros de boa-fé que realizaram algum negócio com o casal.
Enquanto não anulado o casamento, persistem todos os deveres e direitos dele decorrentes. Assim, também o dever de mútua assistência, que se transforma em obrigação alimentar, quando cessada a vida em comum. Basta haver necessidade de um e possibilidade do outro. Enquanto vigorar o casamento, anulável ou nulo, e mesmo durante o processo de desconstituição do vínculo, independentemente de indagação em torno da boa ou má-fé de qualquer dos cônjuges, persistirá o dever de assistência recíproca.
É possível cumular a ação de nulidade ou anulação com a ação de alimentos, os quais também podem ser pedidos pelo réu na via reconvencional. Reconhecida a presença do binômio necessidade-possibilidade, podem ser deferidos alimentos provisórios. Caso seja declarado o casamento putativo, poderão ser deferidos alimentos definitivos em favor do cônjuge necessitado que agiu de boa-fé.
Havendo filhos, indispensável que na ação desconstitutiva de casamento fique definida a guarda, a visitação e os alimentos. Adquiridos bens durante a vigência do casamento, ainda que venha a ser anulado, impositiva a partilha do patrimônio. A desconstituição do vínculo matrimonial não pode ensejar o enriquecimento injustificado de um dos cônjuges em detrimento do outro.
Fonte: Manual do Direito das Famílias. Maria Berenice Dias.