domingo, 16 de janeiro de 2011

Princípios do Processo Civil

A teoria dos direitos fundamentais é considerada por muitos constitucionalistas a principal contribuição do constitucionalismo do pós Segunda Guerra Mundial. A processualística, desde muito cedo, apercebeu-se da importância de estudar-se o processo à luz da Constituição.
Fala-se, então, do estudo do processo à luz dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais têm dupla dimensão: a) subjetiva: de um lado, são direitos subjetivos que atribuem posições jurídicas de vantagem a seus titulares; b) objetiva: traduzem valores básicos consagrados na ordem jurídica, que devem presidir a interpretação de todo o ordenamento jurídico, por todos os atores jurídicos.
Encarados os princípios constitucionais como garantidores de verdadeiros diretos fundamentais processuais, e tendo em vista a dimensão objetiva, tiram-se as seguintes conseqüências: a) o magistrado deve interpretar esses direitos como interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a dar-lhes o máximo de eficácia; b) o magistrado poderá afastar, aplicado o princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental; c) o magistrado deve levar em consideração, na realização de um direito fundamental, eventuais restrições a este impostas pelo respeito a outros direitos fundamentais.
- direito fundamental a um processo devido (devido processo legal)
Trata-se do postulado fundamental do processo. Segundo Nelson Nery Jr., trata-se do princípio base, sobre o qual todos os outros se sustentam. É a norma-mãe. Origina-se da expressão inglesa due process of Law.
Aplica-se o princípio genericamente a tudo que disser respeito à vida, ao patrimônio e à liberdade. Inclusive na formação de leis. Processo é palavra gênero que engloba: legislativo, judicial, administrativo e negocial. Atualmente, é pacifica a aplicação do processo legal nas relações jurídicas particulares.
O devido processo legal aplica-se, também, às relações jurídicas privadas. Na verdade, qualquer direito fundamental, e o devido processo legal é um deles, aplica-se ao âmbito das relações jurídicas privadas.
A respeito da eficácia horizontal dos direitos fundamentais existem, basicamente, três teorias que tentam explicar o assunto: a) teoria do state action, que nega a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, por entender que o único sujeito passivo daqueles direitos seria o Estado; b) a teoria da eficácia indireta e medita dos direitos fundamentais na esfera privada, pela qual a Constituição não investe os particulares em direitos subjetivos privados, mas tão-somente serve de baliza para o legislador infraconstitucional, que deve tomar como parâmetro os valores constitucionais na elaboração das leis de direito privado; c) teoria da eficácia direta e mediata dos direitos fundamentais na esfera privada, pela qual aqueles direitos têm plena aplicação nas relações privadas, podendo ser invocados diretamente, independentemente de qualquer mediação do legislador infraconstitucional, privilegiando-se, com isso, a atuação do magistrado em cada caso concreto.
A atual Constituição brasileira, pela moldura axiológica em que encontra estampada (de índole eminentemente intervencionista e social) admite ampla vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nela erigidos, de modo que não o Estado como toda a sociedade podem ser sujeitos passivos desses direitos. Essa extensão da eficácia direta dos direitos fundamentais às relações privadas, naturalmente, vem carregada de especificidades inerentes ao direito privado. Assim, por exemplo, a sua aplicação no caso concreto há de ser, sempre, ponderada com o princípio da autonomia da vontade.
Fincadas essas premissas, pode-se então, concluir que o princípio do devido processo legal – direito fundamental previsto na Constituição brasileira – aplica-se, sim, ao âmbito privado, seja na fase pré-contratual, seja na fase executiva.
As decisões jurídicas hão de ser substancialmente devidas. Não basta a sua regularidade formal; é necessário que uma decisão seja substancialmente razoável e correta. Daí, fala-se em devido processo legal substantivo, aplicável a todos os tipos de processo, também. É desta garantia que surgem os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, aqui tratados como manifestação do mesmo fenômeno.
O devido processo legal, na sua dimensão substancial, tem correspondência no chamado princípio da proporcionalidade, disseminado na Europa Continental.
Fenômeno que não raramente acontece na hermenêutica constitucional é o da constatação da tensão entre direitos fundamentais e/ou princípios constitucionais. Enquanto a desarmonia entre normas infraconstitucionais ser resolve pelas técnicas hermenêuticas mais singelas, o conflito de normas constitucionais, em razão de sua magnitude, requer do intérprete/aplicador um cuidado redobrado. Isto porque todas as normas constitucionais hão de gerar efeitos, presumindo-se todas em estado de perfeita harmonia, aptas a ser interpretadas e aplicadas do modo mais pleno e eficaz.
Duas são as formas de harmonização deste conflito de normas constitucionais, oriundas de duas fontes produtoras: a) regra criada pela vida da legislação ordinária; b) regra criada pela via judicial direta, no julgamento de casos específicos no conflito.
A primeira pode ocorrer sempre que forem previsíveis os fenômenos de tensão e de conflito, sempre que for possível intuí-los, à vista do que geralmente ocorre.
Quanto a construção de regra pela via judicial direta, ela se tornará necessária em duas hipóteses: ou quando inexistir regra legislada, ou quando esta se mostrar insuficiente ou inadequada à solução do conflito concretizado, que não raro se apresente com características diferentes das que foram imaginadas pelo legislador. Em qualquer caso, considerada a inexistência de hierarquia, no plano normativo, entre direitos fundamentais e/ou princípios constitucionais conflitantes, a solução do impasse há de ser estabelecida mediante a devida ponderação dos bens e valores concretamente tensionado, de modo a que se identifique uma relação específica de prevalência entre eles.
Há que se ressaltar, também, o princípio da unidade da Constituição, segundo o qual nenhuma norma constitucional pode ser interpretada em contradição com outra do mesmo quilate. A somatória destes fatores leva à necessidade de chegar-se à concordância prática destas normas.
Surge, assim, o denominado princípio da proporcionalidade em sentido estrito. O princípio em tela, portanto, começa a ser uma exigência cognitiva, de elaboração racional do direito, o que explica a circunstância de ele figurar entre os cânones metodológicos da chamada interpretação constitucional, aquela a que deve recorrer quando o emprego da hermenêutica jurídica tradicional não oferece um resultado constitucionalmente satisfatório.
O magistrado, para resolver o conflito, haverá de avaliar qual das normas constitucionais, no caso concreto, deve prevalecer – como não se pode resolver a tensão pelo princípio da hierarquia das normas, pois advindas da mesma fonte, o Juiz pondera os interesses em jogo, limitando a aplicação de um dos conflitantes em detrimento da do outro, de modo a delimitar seu alcance.
O critério da proporcionalidade é tópico, volve-se para a justiça do caso concreto ou particular, se apresenta consideravelmente com a equidade e é eficaz instrumento de apoio às decisões judiciais que, após submeterem o caso ás reflexões prós e contras, a fim de averiguar se na relação entre meios e fins não houve excesso, concretizam assim a necessidade do ato decisório de correção.
Trata-se de princípio que torna possível a justiça do caso concreto, flexibilizando a rigidez das disposições normativas abstratas.
Cabe à dogmática jurídica, contudo, balizar a atividade jurisdicional da ponderação, par que esta não redunde em subjetivismos e arbitrariedades. É tarefa da dogmática criar critérios, os mais objetivos, para resolver o problema da decidibilidade dos conflitos, de modo que é correto dizer-se que não é qualquer interpretação que vale, mas apenas aquelas que resultam de uma argumentação conforme os padrões dogmáticos. A ponderação de interesses não se trata de sentimento jurídico; trata-se de técnica de dogmática que não se pode produzir unilateralmente, pelo magistrado, devendo seguir certo padrões e métodos para que possa ser comprovada e controlada. A aplicação indiscriminada e desarrazoada deste multicitado princípio poderia levar ao grave problema do equilíbrio entre o Legislativo e o Judiciário.
E é por isso que se visualizam elementos, conteúdos parciais dos subprincípios hermenêuticos para a efetivação da ponderação dos interesses: a) princípio da menor restrição possível; b) princípio da salvaguarda do núcleo essencial; c) princípio da necessidade. A este rol acrescente-se o subprincípio da pertinência.
O subprincípio da necessidade afirma que a regra de solução somente será legítima quando for real o conflito, ou seja, quando efetivamente não for possível estabelecer um modo de convivência simultânea das normas em desarmonia.
O princípio da pertinência ou aptidão, segundo o qual se deve averiguar se a medida empregada representa o meio certo para levar a cabo um fim almejado; há que se adequar o meio ao fim que se busca alcançar e esta perquirição é uma das etapas fundamentais na aplicação do princípio da proporcionalidade.
Consiste, pois, o princípio da proporcionalidade na adaptação das decisões jurídicas às circunstâncias de cada caso.
O devido processo legal em sentido formal é, basicamente, o direito a ser processado e a processar de acordo com normas previamente estabelecidas para tanto, normas estas cujo processo de produção também deve respeitar aquele princípio.
- direito fundamental à efetividade (tutela executiva) ou máxima da maior coincidência possível
O devido processo legal é um processo efetivo, processo que realize o direito material vindicado. O Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, prescreve o direito a um processo com duração razoável, donde se retira o princípio constitucional da efetividade.
A efetividade do processo significa a sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade.
Também pode ser designado de princípio da máxima coincidência possível. Trata-se a velha máxima chiovendiana, segundo a qual o processo deve dar a quem tenha razão o exato bem da vida a que ele teria direito, se não precisasse valer do processo jurisdicional. O processo jurisdicional deve primar, na medida do possível, pela obtenção deste resultado (tutela jurisdicional) coincidente com o direito material.
- direito fundamental a um processo sem dilações indevidas
A Convenção Americana de Direito Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, no artigo 8, 1, prevê: “toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um Juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
A Emenda Constitucional 45 incluiu o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A mesma emenda constitucional acrescentou a alínea “e” ao inciso II do artigo 93 da Constituição Federal, estabelecendo que “não será promovido o Juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão”,
- direito fundamental à igualdade
Os litigantes devem receber tratamento processual idêntico; devem estar em combate com as mesmas armas, de modo que possam lutar em pé de igualdade. Chama-se a isso de paridade de armas; o procedimento deve proporcionar às partes as mesmas armas para a luta.
O processo não pode ensejar apenas o contraditório formal, mas, sim, o material. O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestação do princípio do contraditório.
Neste sentido substancial, o princípio da igualdade confunde-se com o devido processo legal substancial.
- direito fundamental à participação em contraditório
O processo é um processo de composição de conflito – pacificação social – que se realiza sob o manto do contraditório. O contraditório é inerente ao processo. Trata-se de princípio que pode ser decomposto em duas garantias: participação (audiência; comunicação, ciência) e possibilidade de influência na decisão. Aplica-se o princípio do contraditório, derivado que é do princípio do processo legal, nos âmbito jurisdicional, administrativo e negocial.
Não adianta permitir que a parte, simplesmente, participe do processo; que ela seja ouvida. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado.
Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar na decisão do magistrado – e isso é poder de influência, poder de interferir na decisão do magistrado, interferir com argumentos, interferir com idéias, com fatos novos, com argumentos jurídicos novos; se ela não puder fazer isso, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se implementa, pura e simplesmente, com a ouvida, com a participação; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão.
Mais condizente com a moderna visão do princípio do contraditório está o artigo 599, inciso II do Código de Processo Civil, que diz que o Juiz pode, em qualquer momento do processo, advertir ao devedor que o seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da Justiça.
Falar em processo democrático é falar em processo equilibrado e dialógico. Um processo em que as partes possam controlar-se, os sujeitos processuais tenham poderes e formas de controle previamente estabelecidos. Não adianta atribuir poder, se não houver mecanismos de controle desse poder.
Então, em síntese: a) diálogo e equilíbrio, palavras-chave para a visão do processo moderno e democrático; b) distinção de poder agir de ofício e poder agir sem ouvir as partes.
Não há violação da garantia do contraditório na concessão, justificada pelo perigo, de providências jurisdicionais antes da ouvida da outra parte (inaudita altera parte). O contraditório, neste caso, é postecipado para o momento posterior à concessão da providência de urgência.
- direito fundamental à amplitude da defesa
Embora correlatos e previstos no mesmo dispositivo constitucional (artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal), contraditório e ampla defesa distinguem-se. São figuras conexas, sendo que a ampla defesa qualifica o contraditório. Não há contraditório sem defesa. Igualmente é lícito dizer que não há defesa sem contraditório. O contraditório é instrumento de atuação do direito de defesa, ou seja, esta se realiza através do contraditório.
Convém lembrar, ainda, que a ampla defesa é direito fundamental a ambas as partes, consistindo no conjunto de meios adequados para o exercício do adequado contraditório. Trata-se do aspecto substancial do contraditório.
- princípios da adequação e da adaptabilidade do procedimento
O princípio da adequação pode ser visualizado, de acordo com a doutrina, em dois momentos: a) o pré-jurídico, legislativo, como informador da produção legislativa do procedimento em abstrato; b) o processual, permitindo ao Juiz, no caso concreto, adaptar o procedimento de modo a melhor afeiçoá-lo às particularidades da causa.
Inicialmente, a própria construção do procedimento deve ser feito tendo-se em vista a natureza e as idiossincrasias do objeto do processo a que servirá; o legislador deve atentar para estas circunstâncias, pois um procedimento inadequado ao direito material pode importar verdadeira negação da tutela jurisdicional. O princípio da adequação não se refere apenas ao procedimento. A tutela jurisdicional há de ser adequada; o procedimento é apenas uma forma de se encarar este fenômeno.
O princípio da inafastabilidade garante uma tutela adequada à realidade de direito material, ou seja, garante o procedimento, a espécie de cognição, a natureza do provimento e os meios executórios adequados às peculiaridades da situação de direito material. Do princípio da inafastabilidade, é possível retirar-se o princípio da adequação da tutela jurisdicional. Também possível retirá-lo do direito fundamental a um processo devido: o processo devido é processo adequado.
O cidadão, para obter aquilo que realmente tem direito de obter, precisa de uma série de medidas estabelecidas pelo legislador, dentre as quais avulta a criação de um procedimento adequado às particularidades de seu direito. As medidas hão de estar previstas expressamente pois a previsibilidade e a anterioridade do procedimento é que conferem à decisão judicial os penhores da legalidade e legitimidade, sendo dele requisitos inafastáveis. A importância deste princípio na criação legislativa é, pois, fundamental.
A adequação teleológica do procedimento faz-se de acordo com as diversas funções a que visa. Há adequação teleológica também quando o procedimento é adaptado aos valores preponderantes de cada caso. Assim, por exemplo, o procedimento dos Juizados Especiais é adequado aos valores celeridade e efetividade, que presidiram a sua criação.
Três são, basicamente, os critérios objetivos de que se vale o legislador para adequar a tutela jurisdicional pelo procedimento: um, a natureza do direito material, cuja importância e relevância impõem uma modalidade de tutela mais efetiva; o segundo, a forma como se apresenta o direito no processo; o terceiro, a situação processual da urgência. São exemplos do primeiro critério os procedimentos das “possessórias”, dos alimentos, da busca e apreensão em alienação fiduciária e o da liminar em ação civil pública etc. Do segundo critério são exemplos o mandado de segurança, a ação monitória e a tutela antecipada genérica do artigo 273 do Código de Processo Civil. São exemplos de tutela de urgência os procedimentos especiais de alimentos e mandado de segurança preventivo.
A indisponibilidade do direito é fato levando em consideração para a diferenciação procedimental. As repercussões dessa gradação nos vários tipos de processos explicam as soluções várias e específicas para problemas como o impulso processual, a extensa dos poderes do Juiz e dos direitos e deveres processuais das partes, os efeitos da aquiescência, a natureza da preclusão e da coisa julgada, a distinção quanto aos vícios do ato processual, a disponibilidade das provas, a substituição e a sucessão do processo, e tantos outros.
Quando a diferenciação do procedimento ocorre pela apresentação processual do direito, temos a proteção daquilo que foi muito bem denominado de tutela da evidência ou tutela do direito evidente: tutela-se energicamente o direito da razão da evidência (aparência) com que se mostra nos autos. Não releva, a princípio, a natureza do direito material posto em litígio. Privilegia-se, sem dúvida, a comprovação do direito alegado.
No que diz respeito ao princípio da adaptabilidade, nada impede, antes aconselha, que se possa previamente conferir ao magistrado, como diretor do processo, poderes para conformar o procedimento às peculiaridades do caso concreto, tudo como meio de mais bem tutelar o direito material. Também se de deve permitir ao magistrado que corrija o procedimento que se reveste inconstitucional, por ferir um direito fundamental processual, como o contraditório (se um procedimento não previr o contraditório, deve o magistrado determiná-lo, até mesmo ex officio, como forma de efetivação desse direito fundamental). Eis que aparece o princípio da adaptabilidade.
Criam-se técnicas que permitem ao magistrado adaptar o procedimento, já iniciado o processo. Podem ser citados, como exemplos a possibilidade de inversão da regra do ônus da prova, em causas de consumo.
Procede-se à adequação do processo ao seu objeto tanto no plano pré-jurídico, legislativo, abstrato, com a construção de procedimentos compatíveis com o direito material, como no plano do caso concreto, processual, permitindo-se ao magistrado, alterar o procedimento conforme as exigências da causa ou para efetivar direitos fundamentais que estejam sob risco de lesão.
- princípio dispositivo/inquisitivo
Quando o legislador atribui às partes as principais tarefas relacionadas à condução e instrução do processo, diz-se que se está respeitando o princípio do dispositivo; tanto mais poderes forem atribuídos ao magistrado, mais condizente com o princípio inquisitivo o processo será. A dicotomia princípio inquisitivo-princípio dispositivo está intimamente relacionada à atribuição de poderes do Juiz: sempre que o legislador atribuir um poder ao magistrado, independentemente da vontade das partes, vê-se manifestação da inquisitoriedade; sempre que se deixe ao alvedrio dos litigantes a opção, aparece a dispositividade.
É preferível que a denominação princípio dispositivo seja reservada tão-somente aos reflexos que a relação do direito material disponível possa produzir no processo. E tais reflexos referem-se apenas à própria relação jurídico-substancial. Assim, tratando-se de direito disponível, as partes têm ampla liberdade para dele dispor, através de atos processuais (renúncia, desistência, reconhecimento do pedido). Trata-se de um princípio relativo à relação material, não à processual.
- princípio da instrumentalidade
O processo não é um fim em si mesmo, mas uma técnica desenvolvida para a tutela do direito material. O processo é realidade formal – conjunto de formas preestabelecidas. Sucede que a forma só deve prevalecer se o fim para o qual ela foi desenvolvida não lograr ter sido atingido. A separação entre direito e processo – desejo dos autonomistas – não pode implicar um processo neutro em relação ao direito material que está sob tutela. A visão instrumentalista do processo estabelece a ponte entre o direito processual e o direito material.
Quando se fala em instrumentalidade do processo, não se quer minimizar o papel do processo na construção do direito, visto que é absolutamente indispensável, porquanto o método de controle do exercício do poder. Trata-se, em verdade, de dar-lhe a sua exata função, que é a de co-protagonista. Forçar o operador jurídico a perceber que as regras processuais hão de ser interpretadas e aplicadas de acordo com sua função, que é a de emprestar efetividade às regras do direito material.
O processo serve ao direito material, mas para que lhe sirva é necessário que seja servido por ele. Trata-se da chamada teoria circular dos planos processual e material.
Ao processo cabe à realização dos projetos de direito material, em uma relação de complementaridade que se assemelha àquela que se estabelece entre o engenheiro e o arquiteto. O direito material sonha, projeta; ao direito processual cabe a concretização tão perfeita quanto possível desses sonhos.
A instrumentalidade do processo pauta-se na premissa de que o direito material coloca-se como valor que deve presidir a criação, a interpretação e aplicação das regras processuais.
- princípio da cooperação
O princípio da cooperação orienta o magistrado a tomar uma posição de agente-colaborador do processo, de participante ativo do contraditório e não mais a de um mero fiscal de regras.
Essa participação não se resumiria à ampliação dos seus poderes instrutórios ou de efetivação das decisões judiciais (artigos 131 e 461, § 5º do CPC). O magistrado deveria adotar uma postura de diálogo com as partes e com os demais sujeitos do processo: esclarecendo suas dúvidas, pedindo esclarecimentos quando estiver com dúvidas e, ainda, dando as orientações necessárias quando for o caso.
Não pode o magistrado decidir com base em questão de fato ou de direito, ainda que possa ser conhecida ex officio, sem que sobre elas sejam as partes intimadas a manifestar-se. Deve o Juiz consultar as partes sobre esta questão não alvitrada no processo, e por isso não posta em contraditório, antes de decidir. Eis o dever de consultar. Trata-se de influenciar na solução da controvérsia.
Tem o magistrado, ainda, o dever de apontar as deficiências das postulações das partes, para que possam ser supridas. Trata-se do chamado dever de prevenção.
- direito fundamental à publicidade
Os atos processuais podem ser públicos. Trata-se de direito fundamental que visa permitir o controle da opinião pública sobre os serviços a Justiça, máxime sobre o poder de que foi investido o Juiz.
A Constituição Federal estabelece possibilidade restrição (mas não eliminação) à publicidade, “a lei poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (artigo 5º, LX da CF). O Código de Processo Civil também segue esta linha: a) em que o exigir o interesse público; b) que dizem respeito ao casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores (artigo 155, parágrafo único do CPC).
Há uma íntima relação dos princípios da publicidade e da motivação das decisões judiciais, na medida em que a publicidade torna efetiva a participação no controle das decisões judiciais; trata-se de verdadeiro instrumento de eficácia da garantia da motivação das decisões judiciais.


Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior.