quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Tipo Penal

Na definição de Zaffaroni, “o tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função da individualização de condutas humanas penalmente relevantes”.
Tipicidade quer dizer a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, a um tipo penal incriminador.
A tipicidade conglobante surge quando comprovado, no caso concreto, que a conduta praticada pelo agente é considerada antinormativa, ou seja, contrária à norma penal, e não imposta ou fomentada por ela, bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material).
Na lição de Zaffaroni e Pierangeli, não é possível que no ordenamento jurídico, que se entende como perfeito, uma norma proíba aquilo que outra imponha ou fomente.
Antinomia significa o encontro de duas proposições incompatíveis, que não podem ser ambas verdadeiras, e, com referência a um sistema de normas, o encontro de duas normas que não podem ser ambas aplicadas, a eliminação do inconveniente não poderá consistir em outra coisa senão na eliminação de uma das duas normas.
Com o conceito de antinormatividade esvazia-se um pouco as causas de exclusão da ilicitude nos casos especificamente de estrito cumprimento do dever legal, visto que nessa hipótese não há mera permissão para que o carrasco cause a morte de condenado, mas sim uma imposição feita pela lei.
Assim, pelo critério da tipicidade material é que se afere a importância do bem específico que merece ou não ser protegido pelo Direito Penal.
Para que se possa falar em tipicidade penal é preciso haver a fusão da tipicidade formal ou legal com a tipicidade conglobante (que é formada pela antinormatividade e pela tipicidade material). Só assim o fato poderá ser considerado penalmente típico.
A adequação típica de subordinação imediata ou direta ocorrerá quando houver perfeita adequação entre a conduta do agente e o tipo penal incriminador.
A adequação típica de subordinação mediata ou indireta pode acontecer ainda que, embora o agente atue com vontade de praticar a conduta proibida por determinado tipo incriminador, seu comportamento não consiga se adequar diretamente a essa figura típica. É o caso, por exemplo, da tentativa de homicídio.
Para que se possa falar em tipicidade em casos como o da tentativa de homicídio é preciso valer-se das chamadas normas de extensão, que têm por finalidade ampliar o tipo penal, a fim de nele abranger hipóteses não previstas expressamente pelo legislador. Tal raciocínio é fundamental para a preservação do conceito de tipicidade.
A Lei de Contravenções penais, v. g., preconiza, em seu artigo 4º, que não é punível a tentativa de contravenção.
Como conseqüência da adoção do conceito de ser o tipo a ratio essendi da antijuridicidade, surgiu a chamada teoria dos elementos negativos do tipo. Para essa teoria, em síntese, toda vez que não for ilícita a conduta do agente não haverá o próprio fato típico. É que, para ela, estando a antijuridicidade fazendo parte do tipo penal, se a conduta do agente for lícita, em virtude da existência de uma causa de justificação, o fato deixará de ser típico.
Para a teoria dos elementos negativos o tipo deve abarcar não só as circunstâncias típicas do delito, senão todas aquelas que afetem a antijuridicidade. Os pressupostos das causas de justificação se entendem, assim, como elementos negativos do tipo. Incluem-se, portanto, no tipo porque somente quando faltam é possível um juízo definitivo sobre a antijuridicidade do fato. Elementos do tipo e pressupostos das causas de justificação se reúnem, por esta via, em um tipo total e se situam sistematicamente no mesmo nível.
Para a teoria dos elementos negativos do tipo não se estuda primeiramente a conduta típica para somente depois levar a efeito a análise de sua antijuridicidade.
Uma vez analisados o fato típico e a antijuridicidade e concluído que a conduta do agente é realmente típica e ilícita, diz-se que houve um injusto penal. Quando se refere à expressão injusto típico ou injusto penal, procura-se dizer que o fato típico e a antijuridicidade já foram objeto de exame, restando agora ser realizado somente o estudo da culpabilidade do agente. O injusto, portanto, é a conduta já valorada como ilícita.
O injusto penal, contudo, não se confunde com o tipo total de injusto proposto pelos defensores da teoria da ratio essendi. O injusto penal existirá quando o intérprete, depois de concluir pela tipicidade do fato, analisando-a, primeiramente, chegar também à conclusão de que não existe qualquer causa que exclua a ilicitude da conduta típica praticada pelo agente. Ou seja, o estudo do injusto penal é realizado em duas fases distintas: fato típico e ilicitude.
Ao contrário, para aqueles que adotam um tipo total de injusto não existem dois movimentos distintos para a sua análise, mas um único, vale dizer, ou o fato é típico e ilícito desde o início da análise, ou é um fato também permitido desde a origem, uma vez que, para essa teoria, o estudo analítico do crime é composto somente por duas características: tipo total do injusto (conduta típica e ilícita e culpabilidade).
Cada elemento que integra o conceito analítico do crime é um antecedente lógico e necessário do seguinte, na ordem que foi anteriormente apontada, ou seja, haverá crime se o agente cometer um fato típico, antijurídico e culpável, uma vez que essa divisão tripartida, bem como a teoria da ratio congnoscendi, é a que tema preferência da maioria dos autores.
Entende-se por tipo básico ou fundamental a forma mais simples da descrição da conduta proibida ou imposta pela lei penal.
Falava-se em tipos normais e anormais quando predominava, em nosso Direito Penal, a teoria causal natural, ou mecanicista da ação. Dizia-se que tipo normal era aquele que continha apenas os elementos objetivos (descritivos) e tipo anormal aquele que, além dos elementos objetivos, vinha impregnado de elementos subjetivos e normativos.
Hoje em dia perdeu o sentido tal discussão, pois, para aqueles que adotam a teoria da ação final, dolo e culpa se encontram na conduta do agente, e esta, a seu turno, está localizada no fato típico. Assim, todo tipo penal contém elementos subjetivos.
Tipos fechados são aqueles que possuem a descrição completa da conduta proibida pela lei penal. Tipos abertos são aqueles em que não há a descrição completa e precisa do modelo de conduta proibida ou imposta. Nesses casos, faz-se necessária sua complementação pelo intérprete. É o que ocorre, v. g., com os delitos culposos. São tipos abertos os que devem ser preenchidos por uma valoração judicial (também são exemplos os chamados crimes comissivos por omissão, ou omissivos impróprios).
Se a parte subjetiva da ação se corresponde com a parte objetiva, concorre um tipo congruente. É o que normalmente ocorre com os tipos dolosos, em que a vontade alcança a realização objetiva do tipo. Quando a parte subjetiva da ação não se corresponde com a parte objetiva, está-se na presença de um tipo incongruente.
A congruência é a coincidência entre o dolo e o acontecer objetivo. Haveria incongruência típica naqueles casos em que a lei estende o tipo subjetivo mais além do tipo objetivo, ou nos casos (mais escassos) em que se restringe o tipo subjetivo frente o objetivo – também são incluídos nessa categoria os crimes preterdolosos.
Com a transferência do dolo e da culpa para a conduta típica, o tipo penal passou a ser impregnado não só de elementos objetivos, mais também e principalmente de elementos subjetivos. Assim, fala-se em tipo complexo quando no tipo penal há a fusão dos elementos objetivo com elementos de natureza subjetiva.
No tipo complexo, por exigir a conjugação dos elementos objetivo e subjetivo, quando faltar este último, ou seja, quando o agente, por exemplo, não agir com dolo, por lhe faltar a vontade e a consciência de praticar a conduta prevista no tipo penal, e se o fato não for punido a título de culpa, a solução será pela atipicidade, em face da ocorrência do chamado erro de tipo, que tem por finalidade precípua afastar o dolo do agente.
Elementares são dados essenciais à figura típica, sem os quais ocorre uma atipicidade absoluta ou uma atipicidade relativa.
Fala-se em atipicidade absoluta quando, por faltar uma elementar indispensável ao tipo, o fato praticado pelo agente torna-se um indiferente penal. Diz-se relativa a atipicidade quando, pela ausência de uma elementar, ocorre a desclassificação do fato para uma outra figura típica.
Assim, uma vez abstraída a elementar – dado fundamental à figura típica - ocorrerá uma total atipicidade, ou uma atipicidade relativa, a que também denomina-se desclassificação.
Os elementos objetivos do tipo têm a finalidade de descrever a ação, o objeto da ação e, em sendo o caso, o resultado, as circunstâncias externas do fato e a pessoa do autor.
A finalidade básica dos elementos do tipo é fazer com que o agente tome conhecimento de todos os dados necessários à caracterização da infração penal, os quais, necessariamente, farão parte de seu dolo.
Na categoria dos elementos objetivos, ainda pode-se subdividi-los em elementos descritivos e elementos normativos.
Elementos descritivos são aqueles que têm a finalidade de traduzir o tipo penal, isto é, de evidenciar aquilo que pode, com simplicidade, ser percebido pelo intérprete.
Elementos normativos são aqueles criados e traduzidos por uma norma ou que, para sua efetiva compreensão, necessitam de uma valoração por parte do intérprete, ou são aqueles elementos para cuja compreensão se faz necessário socorrer a uma valoração ética ou jurídica.
O dolo é, por excelência, o elemento subjetivo do tipo. Elemento subjetivo quer dizer elemento anímico, que diz respeito à vontade do agente.
Ao lado do dolo e da culpa há outros elementos subjetivos que dizem respeito às intenções e às tendências do agente. Geralmente, essas intenções e tendências são visualizadas por meio de expressões indicativas do especial fim de agir do com que atua o agente.
São elementos específicos dos tipos penais: a) núcleo; b) sujeito ativo; c) sujeito passivo; d) objeto material.
Núcleo do tipo é o verbo que descreve a conduta proibida pela lei penal. O verbo tem a finalidade de evidenciar a ação que se procura evitar ou impor. Todos os tipos devem vir acompanhados de seu núcleo, para que seja possível saber exatamente quais são as condutas por ele abrangidas. Há tipos penais que possuem um único núcleo (uninucleares), como o caso do artigo 121 do Código Penal, e outros que possuem vários núcleos (plurinucleares), também conhecidos como crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado (ex. artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006).
Sujeito ativo é aquele que pode praticar a conduta descrita no tipo. Quando estamos diante dos chamados crimes comuns, o legislador não se preocupa em apontar o sujeito ativo, uma vez que as infrações dessa natureza podem ser cometidas por qualquer pessoa. Surge essa necessidade quando o delito é próprio, ou seja, aquele que somente pode ser praticado por um certo grupo de pessoas em virtude de determinadas condições pessoais. Nesses casos, diante dos delitos próprios, o legislador terá de apontar, no tipo penal, o seu sujeito ativo.
Há evidente incompatibilidade entre as pessoas jurídicas e as penas privativas de liberdade. Todavia, aplicáveis as restritivas de direitos, por força de lei, poderão ser definidas como penas principais. A interdição de funcionamento, a dissolução da entidade, além da perda de bens, superam a resistência com facilidade.
Destacam-se três importantes funções do tipo: a) função de garantia (ou garantidora); b) função fundamentadora; c) função selecionadora de condutas.
Exerce o tipo uma função de garantia, uma vez que o agente somente poderá ser penalmente responsabilizado se cometer uma das condutas proibidas ou deixar de praticar aquelas impostas pela lei penal.
O Estado, por intermédio do tipo penal, fundamenta suas decisões, fazendo valer o seu ius puniendi. A relação entre essas funções do tipo – garantidora e fundamentadora – é como se fosse duas faces da mesma moeda. Numa das faces está o tipo garantista, vedando qualquer responsabilização penal que não seja por ele expressamente prevista; na outra, a função fundamentadora por ele exercida, abrindo-se possibilidade ao Estado do exercitar o seu direito de punir sempre que o seu tipo penal for violado.
Além das funções de garantia e fundamentadora, podemos dizer também que ao tipo cabe outra, qual seja, a função de selecionar as condutas que deverão ser proibidas ou impostas pela lei penal, sob a ameaça de sanção. Nessas seleção de condutas feitas por intermédio do tipo penal, o legislador,em atenção aos princípios da intervenção mínima, da lesividade e da adequação social, traz para o âmbito da proteção do Direito Penal somente aqueles bens de maior importância, deixado de lado as condutas consideradas socialmente adequadas ou que não atinjam bens de terceiros.

Fonte: Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rogério Grecco.