terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Infrações e Sanções Administrativas

Infração administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para o qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade no exercício de função administrativa, ainda que não necessariamente nesta esfera.
Sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração.
Sendo muito variadas as relações de Direito Administrativo, também o são as modalidades de sanção. Assim, existem: a) advertência; b) sanções pecuniárias (multas); c) interdição de local ou estabelecimento; d) inabilitação temporária para certa atividade; e) extinção de relação jurídica entretida com o Poder Público; f) apreensão ou destruição de bens. A apreensão preliminar é medida acauteladora e não sanção.
O objetivo da composição das figuras infracionais e da correlata penalização é intimidar eventuais infratores, para que não pratiquem os comportamentos proibidos ou para induzir os administrados a atuarem na conformidade de regra que lhes demanda comportamento positivo.
Tanto podem ser sujeitos da infração administrativa e do dever de responder por elas pessoas físicas como pessoas jurídicas, sejam de Direito Privado, sejam de Direito Público. O menor também pode se incluir em tais situações.
Diferencia-se a figura do infrator e a do chamado responsável subsidiário. O infrator é o sujeito que pratica a infração e que, de regra, suportará a sanção por ela; ao passo que o responsável subsidiário é aquele que, por força da lei, responderá pela infração caso aquele que a cometeu não possa responder ou não responda por ela.
É corrente o uso da expressão “excludentes” para referir hipóteses em que se considerará inexistente a infração, ou não sancionável a conduta, conforme o caso. São encontráveis menções ao fato natureza (força maior); caso fortuito; estado de necessidade; legítima defesa; doença mental; fato de terceiro; coação irresistível; erro; obediência hierárquica; estrito cumprimento do dever legal; exercício regular de direito.
Infrações administrativas, para serem validamente instituídas e irrogadas a quem nelas incidiu, devem atender a determinados princípios básicos, alguns dos quais também se aplicam às sanções: a) princípio da legalidade; b) princípio da anterioridade; c) princípio da tipicidade; d) princípio da exigência de voluntariedade. Quanto às sanções e sua aplicação devem ser mencionados, ainda: proporcionalidade; devido processo legal e motivação.
O princípio da legalidade é basilar no Estado de Direito, significa subordinação da Administração à lei; e nisto cumpre importantíssima função de garantia dos administrados contra eventual uso desatado do Poder pelos que comandam o aparelho estatal.
Tanto infrações administrativas como suas correspondentes sanções têm que ser instituídas em lei – não em regulamento, instrução, portaria etc. Ressalvem-se, entretanto, as hipóteses retro referidas, atinentes à chamada supremacia especial, em que a Administração extrai seus poderes não diretamente da lei, mas de um vínculo específico travado com o particular – como, por exemplo, de uma concessão de telecomunicações ou do ato de admissão de alguém em uma biblioteca pública. Assim, com base neles é que o próprio órgão administrativo, respeitados os condicionamentos dantes expostos, configurará infrações e correlatas sanções.
Do mesmo modo, cumpre dizer que também não haverá desrespeito ao princípio da legalidade em matéria de infrações e sanções administrativas nas hipóteses em que o enunciado legal pressupõe a elaboração de normas inteiramente dependentes de conclusões firmadas sobre averiguação ou operacionalização técnica, que só poderiam mesmo ser efetuadas na esfera administrativa. É o que ocorre com as situações em que impossível, impraticável ou desarrazoado efetuar precisões rigorosas ao nível da lei, dado o influxo de rápidas mudanças advindas do progresso científico e tecnológico, assim como de condições objetivas existentes em dado tempo e espaço, cuja realidade impõe, em momentos distintos, níveis diversos no grau das exigências administrativas adequadas para cumprir o escopo da lei sem sacrificar os interesses também por ela confortados.
Quanto ao princípio da anterioridade, analogamente ao preceito penal do nullim crimen, nulla poena sine lege, também não há infração administrativa nem sanção administrativa sem prévia estatuição de uma e de outra.
Para atendimento ao princípio da tipicidade, a configuração das infrações administrativas, para ser válida, há de ser feita de maneira suficientemente clara, para não deixar dúvida alguma sobre a identidade do comportamento reprovável, a fim de que, de um lado, o administrativo possa estar perfeitamente ciente da conduta que terá de evitar ou que terá de praticar para livrar-se da incursão em penalizações e, de outro, para que dita incursão, quando ocorrente, seja objetivamente reconhecível.
O pressupostos inafastável das sanções implicadas nas infrações administrativas é o de que exista a possibilidade de os sujeitos saberem previamente qual a conduta que não devem adotar ou a que devem adotar para se porem seguramente a salvo de incursão na figura infracional; ou seja, cumpre que tenham ciência perfeita de como evitar o risco da sanção e, ao menos por força disto (se por outra razão na for), abster-se de incidir nos comportamentos profligados pelo Direito.
Cumpre que a lei noticie de maneira clara aos administrados a que consequências estarão sujeitos se descumprirem as normas pertinentes.
Também não poderá se considerar válida lei administrativa que preveja multa variável de um valor muito modesto para um extremamente alto, dependendo da gravidade da infração, porque isto significaria, na real verdade, a outorga de uma discricionariedade tão desatada, que a sanção seria determinável pelo administrador e não pela lei, incorrendo em manifesto vício de falta de razoabilidade.
De acordo com o princípio da exigência de voluntariedade para incursão na infração, é de meridiana evidência que descaberia qualificar alguém como incurso em infração quando inexista a possibilidade de prévia ciência e prévia eleição, in concreto, do comportamento que o livraria da incidência na infração e, pois, na sujeição às sanções para tal casos previstas. Note-se que aqui não se está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de praticar dada conduta.
Pode parecer que a exigência de voluntariedade contrapor-se-ia ao fato de que há certas sanção que são transmissíveis e que, obviamente, não se pode fazer tal predição (voluntariedade) em relação àquele a quem foi transmitida. Não há nisto contradição, pois o que está sendo afirmado não é que tenha de existir voluntariedade por parte de quem responde pela sanção, mas de quem pratica uma conduta qualificada como infração.
Pelo princípio da proporcionalidade, as sanções devem guardar uma relação de proporcionalidade com a gravidade da infração. No caso das sanções pecuniárias, a falta de razoabilidade pode conduzir ao caráter confiscatório da multa, o que é, de per si, juridicamente inadmissível.
O princípio do devido processo legal encontra ressonância no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, segundo o qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Registre-se que a previsão de depósito prévio do valor da multa para recorrer na via administrativa é obviamente incompatível com o texto constitucional e ofende a inteireza do princípio do devido processo legal, como vem decidindo o Supremo Tribunal Federal.
Anote-se que a exigência do devido processo legal se incompatibiliza inteiramente com a aplicação de sanções com base na chamada “verdade sabida”, que seria o conhecimento pessoal e direto da infração por parte de quem deva proceder à imposição da sanção, ou a notoriedade de determinado fato.
Pelo princípio da motivação a Administração é obrigada a expor os fundamentos em que está embasada para aplicar a sanção. Tem, portanto, que apontar não só o dispositivo normativo no qual se considera incurso o sujeito indigitado, mas também, obviamente, o comportamento comissivo ou omissivo, imputado e cuja ocorrência se subsume à figura infracional prevista na regra de Direito. Além disto, sempre que a norma haja previsto gradação nas sanções cabíveis, é imperativo que seja justificada a opção feita pela autoridade sancionadora. A omissão de qualquer destes requisitos causa a nulidade do apenamento.
Providências administrativas acautelatórias são medidas que a Administração muitas vezes necessita adotar de imediato para prevenir danos sérios ao interesse público ou à boa ordem administrativa e cuja finalidade não é – como a das sanções – intimidar eventuais infratores para que não incorram em conduta ou omissão indesejada, mas, diversamente, é a de paralisar comportamentos de efeitos danosos ou de abortar a possibilidade de que se desencadeiem.
Quase sempre tais providências precedem sanções administrativas, mas com elas não se confundem. As medidas acautelatórias só se converterão em sanções depois de oferecida a oportunidade de defesa para os presumidos infratores.
As sanções podem ser classificadas sob diferentes aspectos: a) sanções reais – são as pecuniárias (multas) e as que, por sua natureza, gravam coisas, possuindo natureza real (por exemplo, as de perda de bens, interdição de estabelecimento e outras); b) sanções pessoais – todas as demais, ou seja, as que atingem a pessoa do sujeito passivo (infrator ou responsável), nelas se incluindo, por exemplo, as de prisão, suspensão de atividades. O préstimo de tal classificação é apartar as sanções transmissíveis – ou seja, as que, não cumpridas pelo infrator, se transferem a terceiros, que são as da primeira tipologia – das intransmissíveis, vale dizer, as da segunda categoria.
Cumpre verificar se existe ou não, por parte de alguém diverso do infrator, e a ser qualificado como “responsável”, a possibilidade de lhe controlar a conduta ou, quando impossível tal controle, se este terceiro dispõe de meios para constranger o infrator a suportar a sanção pecuniária.
São, pois, fundamentalmente, duas as hipóteses em que se pode admitir a transmissibilidade das multas e, pois, o surgimento da figura do responsável.
Uma hipótese é aquela em que o sujeito a ser configurado como responsável dispõe de controle sobre o infrator, e precisamente por não havê-lo exercido de modo satisfatório é que foi possível a prática da infração. É o caso da responsabilidade do pai pelas multas de trânsito decorrentes da infração do filho menor.
Outra hipótese é aquela em que o sujeito qualificável como responsável dispõe de meios para constranger o infrator a se submeter ao pagamento da multa. É o caso daquele que, pretendendo adquirir um veículo, exige, para conclusão do negócio, que o vendedor salde as multas oriundas das infrações de trânsito ou que, por vida de abatimento no preço, lhe propicie a diferença suficiente para que ele próprio efetue tal pagamento.
Vê-se que em ambas situações a transmissibilidade da sanção não a desnatura, pois a ameaça, a intimidação, prevista na composição íntegra da figura infracional mantém constantemente sua presença e se, a despeito dela, a infração for praticada, ao ser desencadeada a sanção, ela continua operante para prevenir a reincidência e para cumprir a exemplaridade social, visto que, já agora, ou o responsável sofre a sanção, por não ter sido diligente, ou tem meios para constranger o devedor a suportá-la.
Nas situações figuradas, ou o responsável haverá tido, por incúria, participação no evento infracional – caso em que é perfeitamente razoável que arque com a sanção – ou, diversamente, como não praticou infração alguma e não teria como impedi-la, não serão onerado por sanção, desde que concorra para que o gravame se abata sobre o infrator, cumprindo-se, destarte, integralmente a finalidade repressiva e preventiva da sanção, bem como sua exemplaridade social.
É por este modo que se demonstra quais os casos em que a transmissibilidade de multas oriundas de sanção administrativa é admissível, já que neles isto não fere os fundamentos lógicos e jurídicos como infrações administrativas: almejar desestimular condutas indesejáveis e induzir condutas pretendidas.
As multas podem ser discernidas em: a) as que se limitam a cumprir a finalidade intimidadora; b) as que, além disto, visam ressarcir a Administração de algum prejuízo que a ação ou inação do administrado lhe causou – são as multas ressarcitórias, reparatórias ou compensatórias; c) as de caráter cominatório, que, visando a compelir o administrado a uma atuação positiva, se renovam automática e continuadamente até a satisfação da pretensão administrativa.
Tal como as demais sanções administrativas, as multas têm que atender ao princípio da proporcionalidade, sem o quê serão inválidas. Além disto, por muito grave que haja sido a infração, as multas não podem ser confiscatórias, isto é, de valor tão elevado que acabem por compor um verdadeiro confisco.
Registre-se, por último, que, uma vez identificada a ocorrência da infração administrativa, a autoridade não pode deixar de aplicar a sanção. Com efeito, há um dever de sancionar, e não uma possibilidade discricionária de praticar ou não tal ato. Ressalvem-se apenas as hipóteses em que deva operar o chamado princípio da insignificância.

Fonte: Curso de Direito Administrativo. Celso Antônio Bandeira de Mello.