segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A Prescrição no Direito Administrativo

A prescrição, instituto concebido em favor da estabilidade e segurança jurídicas é a perda da ação judicial, vale dizer, do meio de defesa de uma pretensão jurídica, pela exaustão do prazo legalmente previsto para utilizá-la. A perda da ação não significa, ou, pelo menos, não necessariamente significa, a perda do direito.
Tal situação é diversa da que ocorre com a decadência, pois esta é a perda do próprio direito, em si mesmo, por não utilizá-la no prazo previsto para seu exercício, evento, este, que sucede quando a única forma de expressão do direito coincide conaturalmente com o direito de ação. Logo, não exercitando este último, não terá sido exercitado o próprio direito substantivo.
A distinção entre os institutos da prescrição e da decadência é importante porque o prazo prescricional pode ser suspendo ou interrompido, ao passo que o prazo da decadência é fatal: nem se interrompe, nem se suspende.
Preclusão é a perda de uma oportunidade processual (logo, ocorrida depois de instaurada a relação processual), pelo decurso do tempo previsto para seu exercício, acarretando a superação daquele estágio do processo (judicial ou administrativo). Difere da prescrição em que nesta o que se perde é o direito de ação, pelo quê seu termo inicial é sempre anterior ao processo, ao passo que a preclusão opera no interior do processo. Difere da decadência em que nesta, conforme visto, o que se perde é o direito material, ao passo que na preclusão o que se extingue é o direito adjetivo.
O prazo para exercício do direito de “reclamação administrativa”, se outro não estiver previsto em lei especial, é de um ano, a teor do artigo 6º do Decreto n.º 20.910/32. Trata-se, efetivamente, de prazo prescricional, porque é anterior ao procedimento (processo) administrativo a ser por meio dele desencadeado.
Importa advertir, entretanto, que, mesmo preclusa a via administrativa, ou estando prescrita, nesta via, a possibilidade de o administrado insurgir-se, por escoamento dos limites temporais próprios, a Administração não poderá ignorar sua manifestação se esta contende procedentemente o ato impugnado, salvo se já estiver prescrita na via judicial.
Como a Administração está obrigada a atender ao princípio da legalidade, não poderá contemporizar com atos violadores do direito impugnados, e terá de fulminá-los.
As ações judiciais do administrado contra o Poder Público, nos termos do artigo 1º do Decreto n.º 20.910/32, deveriam, como regra, prescrever em cinco anos. Sem embargo, a jurisprudência distingue entre ações pessoais, estas, sim, havidas como submissas ao aludido prazo, e ações reais, sujeitas a prazo diverso.
Por força do Decreto-lei n.º 4.597/42, a prescrição qüinqüenal estabelecida no Decreto n.º 20.910/32 foi expressamente estendidas às autarquias, e deve-se considerar que o mesmo entendimento vale para as fundações de Direito Público, até mesmo porque estes sujeitos não passam de autarquias.
O Supremo Tribunal Federal fixou a respeito, no Enunciado n.º 443 de sua Súmula, que: “A prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre, quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado ou a situação jurídica de que ele resulta”. Assim, por exemplo, se um servidor faz jus a determinada gratificação mensal que a lei haja concedido ao que cumpriram dado requisito, mas a Administração nunca lhe pagou e o interessado também não chegou a questioná-la em razão disto, uma vez ultrapassados cinco anos fica prescrito o direito de requerer os valores mensais (isto é, as prestações) relativos ao período coberto pelos cinco anos.
Inversamente, se o interessado postulou perante a Administração o direito àquela gratificação e esta lhe negou tal direito, entendendo que o servidor não fazia jus a ela, uma vez decorridos cinco anos desta negativa, não haverá prestação alguma a ser postulada perante o Judiciário, porque prescreveu a ação relativa ao próprio direito concernente à gratificação.
Também há expressa menção ao prazo de cinco anos para propositura da ação objetivando indenização por danos causados por pessoa de Direito Público ou de Direito Privado prestadora de serviços públicos, no artigo 1º - C da Lei n.º 9.494/97. A ação popular prescreve igualmente em cinco anos.
No Código Civil, para fins de prazo prescricional, não há mais acepção entre ações reais e pessoais. No artigo 205 foi fixado que a “prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”. Esta é, pois, a regra geral. Contudo, se o Supremo Tribunal Federal mantiver o mesmo critério que o orientava no passado, possivelmente entenderá que, mesmo não havendo a distinção mencionada, o prazo prescricional nas ações reais não poderá ser inferior ao da usucapião. Ocorre que no Código Civil são contemplados diversos prazos para a usucapião, conforme a hipótese, sendo certo que não mais se distingue entre presentes e ausentes. Afora hipóteses específicas, o prazo para usucapir independentemente do justo título e da boa-fé é de quinze anos reduzível para dez se o possuidor houver estabelecido sua moradia habitual no imóvel ou se nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Também será de dez anos o prazo, se o possuidor tiver justo título e boa-fé.
A prescrição das ações contra o Poder Público pode ser suspensa nas hipóteses comuns de suspensão previstas na legislação civil, e notadamente pela interposição de recursos e reclamações administrativas.
Podem ser interrompida também, conforme previsto no artigo 202 do Código Civil. Quando se tratar de prescrição qüinqüenal (ações pessoais) obedece ao seguinte regramento próprio estabelecido no artigo 3º do Decreto-lei n.º 4.597/42: a interrupção pode ser feita uma única vez e o prazo recomeça a correr pela metade (isto é, dois anos e meio), a contar da data da causa interruptiva. O Enunciado n.º 383 da Súmula do Supremo Tribunal Federal deu-lhe interpretação segundo a qual: “A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo”. Com isto, amenizou os efeitos restritivos que resultariam da dicção da norma em causa.
A perda de a possibilidade de a Administração prover sobre dada matéria em decorrência do transcurso do prazo dentro do qual poderia se manifestar não se assemelha à prescrição.Com efeito, não se trata, como nesta, do não-exercício tempestivo de um meio, de uma via, previsto para defesa de um direito que se entenda ameaçado ou violado.
Trata-se, pura e simplesmente, da omissão do tempestivo exercício da própria pretensão substantiva (não adjetiva) da Administração, isto é, de seu dever-poder; logo, o que está em pauta, in casu, é o não-exercício, a bom tempo, do que corresponderia, no Direito Privado, ao próprio exercício do direito. Dessa forma, configura-se situação de decadência.
Nas hipóteses em que se trate de um dever anterior da decisão sua, haver-se-á de entender, caso não haja outro prazo estabelecido, que o prazo decadencial jamais excederá àquele correspondente ao da prescrição da ação judicial de que disporia.
Conforme importante regra introduzida pelo artigo 54 da Lei do Processo Administrativo, decai em cinco anos o direito da Administração de anular ato do qual ocorram efeitos favoráveis para os destinatários, contados da data que foi praticado, salvo comprovada má-fé.
Registre-se que a Lei n.º 9.873/99 fixa “em cinco anos a prescrição punitiva da Administração Pública, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado”. Dita lei estatui, ainda, que, tratando-se de processo administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, neste prazo incidirá a prescrição e os autos serão arquivados. Dispõe também que, nos casos em que a conduta constituir crime, o prazo prescricional será o mesmo da ação penal. Outrossim, a lei em questão aponta como hipóteses interruptivas da prescrição: a) a citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; b) qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato; c) decisão condenatória recorrível. Estabelece que ficará suspensa a prescrição na vigência de certos compromissos legalmente suscetíveis de serem travados entre dos inculcados de infração à ordem econômica. Finalmente dispõe que, ressalvadas as referidas hipóteses de interrupção mencionadas, a prescrição das infrações ocorridas há mais de três anos, contados do dia 1º de julho de 1988, ocorrerá em dois anos.
Não há regra alguma fixado genericamente um prazo prescricional para as ações judiciais do Poder Público em face do administrado. Em matéria de débitos tributários o prazo é de cinco anos, a teor do artigo 174 do Código Tributário Nacional, o qual também fixa no artigo 173, igual prazo para decadência do direito de constituir crédito tributário.
Este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, que quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos.
Faltando regra específica que disponha de modo diverso, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé em uma, outra ou em ambas as partes da relação jurídica que envolva atos ampliativos de direitos dos administrados, o prazo para a Administração proceder judicialmente contra eles é, como regra, de cinco anos, quer se trate de atos nulos, quer se trate de atos anuláveis.
Como os cinco anos que alude o artigo 54 da Lei n.º 9.784/99 contempla apenas os casos em que não houve comprovada má-fé, ter-se-á de indagar: e naqueles outros em que houve comprovada má-fé? Estamos em que aí não haverá outro remédio, salvo o de buscar analogia com o direito privado, a teor do artigo 205 do Código Civil, isto é: dez anos.
Argumentos existem em desfavor da imprescritibilidade, a saber: o de que com ela restaria consagrada a minimização ou eliminação prática do direito de defesa daquele a quem houvesse increpado dano ao erário, pois ninguém guarda documentação que lhe seria necessária além de um prazo razoável, de regra não demasiadamente longo. Não é crível que a Constituição possa abonar resultados tão radicalmente adversos aos princípios que adota no que concerne ao direito de defesa.
Como explicar, então, o alcance do artigo 37, § 5º da Constituição Federal? Há que se extrair dele é a intenção manifesta, ainda que mal expressada, de separar os prazos de prescrição do ilícito propriamente, isto é, penal, ou administrativo, dos prazos das ações de responsabilidade, que não terão porque obrigatoriamente coincidir. Assim, a ressalva para a as ações de ressarcimento significa que terão prazos autônomos em relação aos que a lei estabelecer para as responsabilidades administrativa e penal.
Qual seria, então, o prazo prescricional a vigorar nos casos de dano ao erário? Serão os mesmos para a decretação de invalidade dos atos viciados. Cinco anos, quando não houver má-fé e dez anos, no caso de má-fé – sempre contados a partir do término do mandato do governante em cujo período foi praticado o ato danoso.


Fonte: Curso de Direito Administrativo. Celso Antônio Bandeira de Mello.