quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Ilícito Tributário

No Direito Tributário, como conjunto de normas que regulam a instituição e cobrança de tributos, prevalece o princípio da legalidade. É importante, outrossim, observar tal princípio diz respeito à relação de tributação.
Não há tributo sem lei que o estabeleça. Se o fato não está previsto na lei tributária, sua ocorrência é irrelevante para o Direito Tributário. Diz-se que o fato não previsto na lei tributária integra o campo da não incidência.
Sanção é o meio de que se vale a ordem jurídica para desestimular o comportamento ilícito. Pode limitar-se a compelir o responsável pela inobservância da norma ao cumprimento de seu dever, e pode consistir num castigo, numa penalidade a este cominada.
A penalidade, por seu turno, pode ser pessoal e patrimonial. No âmbito da tributação as penalidades pessoais podem ser consideradas obsoletas e inadequadas. São as restrições de direitos, as interdições de atividades. As penalidades patrimoniais são as multas.
Ilícito administrativo tributário é o comportamento que implica inobservância de norma tributária. Implica inadimplemento de obrigação tributária, seja principal ou acessória.
O ilícito tributário diz-se de conteúdo patrimonial quando implica o não pagamento, total ou parcial, do tributo. Sem conteúdo patrimonial é o ilícito consistente no inadimplemento de simples obrigação acessória.
As leis tributárias geralmente estabelecem penalidades específicas para o descumprimento de obrigações acessórias, com valores fixos ou com indicações de limites mínimo e máximo, mas sem vinculação com o imposto ou com o valor de qualquer operação tributável. São as chamadas multas por infrações formais. Se o contribuinte pode demonstrar que o imposto foi pago, afastando, portanto, aquela presunção de inadimplemento da obrigação principal, é esta a multa cabível, e não aquela fixada em função do valor do imposto ou de sua base de cálculo.
As multas proporcionais ao valor do tributo somente se justificam naqueles casos em que também o dever de pagar o tributo não foi cumprido, e por isto mesmo é cobrado juntamente com a penalidade. Se esta for cobrada de forma autônoma, porque inexistem condições legais para a cobrança do tributo, não há razão para aplicação de penalidade proporcional ao valor do tributo.
Importante é ter-se em vista que o uso de documento fiscal inidôneo, ou de descumprimento de qualquer outra obrigação tributária acessória, apenas pode gerar presunção mas nunca certeza do inadimplemento da obrigação principal. Se o contribuinte comprova, por quaisquer meios em direito geralmente admitidos, que o fato tributável foi escriturado em seus livros e o tributo correspondente foi pago, ou está registrado para pagamento no prazo legal, infundada será a imposição de penalidade proporcional ao tributo, ao mesmo tempo em que a exigência deste é também indevida, por configurar inadmissível bis in idem.
Havendo dúvida sobre a capitulação legal do fato, ou sobre qual seja a penalidade aplicável, a solução deve ser mais favorável ao acusado do cometimento do ilícito, por força do princípio do Direito Penal albergado pelo artigo 112 do Código Tributário Nacional.
A Lei n.º 4.729/95 definiu como crime de sonegação fiscal comportamentos, que descreveu de forma casuística, relacionados com o dever tributário.
Nos termos do artigo 1º da Lei n.º 8.137/90, constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
- omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
- fraudar a fiscalização tributária inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza em documentos ou livro exigido pela lei fiscal;
- falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
- elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
- negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
O crime de supressão ou redução de tributo distingue-se do antigo crime de sonegação fiscal, essencialmente, por ser um crime material, ou de resultado. Só estará consumado se houver a supressão ou redução do tributo.
Nos termos do artigo 2º da Lei n.º 8.137/90, constitui crime contra a ordem tributária:
- fazer declaração falsa, ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
- deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;
- exigir, pagar, ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer porcentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;
- deixar de aplicar ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcela de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
- utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.
Os crimes definidos no artigo 2º são formais, ou de mera conduta, vale dizer, restam consumados independentemente do resultado. O dolo específico é elementar do tipo.
A Lei n.º 4.357/64, em seu artigo 11, estabeleceu que inclui-se entre os fatos constitutivos do crime de apropriação indébita, definido no artigo 168 do Código Penal, o não recolhimento, dentro de 90 (noventa) dias do término dos prazos legais:
- das importâncias do Imposto de Renda, seus adicionais e empréstimos compulsórios, descontados pelas fontes pagadoras de rendimentos;
- do valor do Imposto do Consumo indevidamente creditado nos livros de registro de matérias-primas e deduzido de recolhimentos quinzenais, referentes às notas fiscais que não correspondam à efetiva operação de compra e venda ou que tenham sido emitidas em nome de firma ou sociedade inexistente ou fictícia;
- do valor do Imposto do Selo recebido de terceiros pelos estabelecimentos sujeitos ao regime de verba especial.
O fato deixa de ser punível, se o contribuinte ou a fonte retentora recolher dos débitos antes da decisão administrativa de primeira instância ou no respectivo processo fiscal.
Extingue-se a punibilidade do crime de apropriação indébita, pela existência, à data da apuração da falta, de crédito do infrator, perante à Fazenda Nacional, autarquias federais e sociedades de economia mista em que a União seja majoritária, de importância superior aos tributos não recolhidos, excetuados os créditos restituíveis, nos termos da Lei n.º 4.155/62.
A ação penal será iniciada por meio de representação da Procuradoria da República, à qual a autoridade julgadora de primeira instância é obrigada a encaminhar as peças principais do feito, destinadas a comprovar a existência de crime, logo após a decisão final condenatória na esfera administrativa.
Quando a infração for cometida por sociedade, responderão por ela seus diretores, administradores, gerentes ou empregados cuja responsabilidade no crime for apurada em processo regular. Tratando-se de sociedade estrangeira, a responsabilidade será apurada entre seus representantes, dirigentes e empregados no Brasil.
O artigo 2º do Decreto-lei n.º 326/67, por seu turno, estabelece que a utilização do produto da cobrança do imposto sobre produtos industrializados em fim diverso do recolhimento de tributo constitui crime de apropriação indébita definido no artigo 168 do Código Penal, imputável aos responsáveis legais da firma, salvo se pago o débito espontaneamente, ou quando instaurado processo fiscal, antes da decisão administrativa de primeira instância.
A Lei n.º 8.137/90 estabelece que constitui crime contra a ordem tributária “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado na condição de sujeito passivo da obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.
Não se diga que o não pagamento do IPI, ou do imposto de renda retido na fonte, ou de contribuição de seguridade social descontadas de empregados, corresponde à apropriação indébita, definida no artigo 168 do Código Penal. O contribuinte não se apropria, porque o dinheiro lhe pertence, e não ao Fisco, que é simplesmente credor.
Em qualquer caso, o contribuinte escritura, em sua contabilidade, os valores a serem pagos ao Tesouro, resta ausente o elemento subjetivo do tipo penal.
Os Tribunais Regionais Federais estão admitindo que, na hipótese de séria dificuldade financeira, comprovada pela falência da empresa, o não recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas de empregados deixa de configurar o crime previsto no artigo 95, alínea “d” da Lei n.º 8.212/91, em face da inexigibilidade de outra conduta.
A não exigibilidade de conduta configura-se sempre que, em situação de crise financeira, a opção pelo uso do dinheiro disponível para o pagamento de empregados e de dívidas outras seja a única forma de manter a empresa em funcionamento, numa tentativa sincera de superação da crise, depois da qual a dívida tributária será paga.
Inexiste distinção essencial entre o ilícito civil, ou administrativo, e o ilícito penal. Em conseqüência, não há também distinção essencial entre a sanção civil, ou administrativa, e a sanção penal. A distinção seria apenas valorativa. A sanção penal seria reservada aos que praticam ilícitos mais graves, que mais seriamente ofendem aos interesses sociais. A distinção residiria na gravidade da violação da ordem jurídica.
Parte da doutrina alega que a ação penal, nos crimes contra a ordem tributária, deve ser recebida ainda quando não descreva a conduta individual de cada denunciado. Seria bastante a descrição do fato capaz de tipificar o crime, ocorrido no âmbito da empresa da qual o denunciado é dirigente. Todavia, admitir-se tal argumento é aceitar não apenas a responsabilidade objetiva, mas também a responsabilidade pelo fato de outrem.
Não são raras as situações nas quais o fato que constitui crime contra a ordem tributária é praticado por empregado, e até por diretor da empresa, em detrimento desta e em proveito próprio. Os dirigentes da empresa, como seus proprietários, restam lesados, e não é razoável que além de vítimas, ainda sejam responsabilizados pelo ilícito fiscal. Justo, portanto, é exigir-se que a denúncia descreva a conduta de cada denunciado.
Não vale o argumento segundo o qual a individualização da conduta pode ser feita no curso da ação penal. Tal individualização há de ser prévia, sem o que estará fortemente cerceado o direito de defesa, pois o acusado não saberá o que lhe está sendo imputado, e assim não terá como defender-se.
A questão da responsabilidade por cometimentos ilícitos deve ser equacionada a partir da distinção entre as sanções pessoais e as sanções patrimoniais. As primeiras são aquelas que afligem diretamente a pessoa natural, e se caracterizam pela possibilidade de serem suportadas pessoalmente por qualquer ser humano, independentemente de sua atividade profissional, de sua riqueza ou qualquer outra qualificação. São as penas ditas corporais. Penas privativas de liberdade, ou de prestação de serviços à comunidade, por exemplo. As últimas são aquelas que só indiretamente afligem a pessoa natural, e se caracterizam por seu conteúdo patrimonial, e que por isto mesmo somente podem ser suportadas por quem disponha de riqueza.
Para ensejar sanções pessoais a responsabilidade há de ser necessariamente fundada na culpa. Tais sanções, por isto mesmo, somente podem ser aplicadas a pessoais naturais, pois somente em relação a estas se pode falar em culpa. Para ensejar sanções patrimoniais não será necessário cogitar de dolo ou culpa. Por isto, tais situações podem ser aplicadas à pessoas jurídicas, com fundamento na responsabilidade objetiva.
As sanções políticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, assegurado pelo artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal; b) configuram cobrança, sem o devido processo legal, com grave violação ao direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição não é a autoridade competente para apreciar se a exigência do tributo é ou não legal.
Apesar de inconstitucionais, as sanções políticas são hoje largamente praticadas, no mais das vezes por puro comodismo das autoridades da Administração Tributária. Tem sido freqüente, assim, a impetração de mandados de segurança para garantir ao contribuinte a prática de certos atos, livrando-o das sanções políticas.
Enquanto ninguém for responsabilizado pelos práticas ilegais, o Fisco vai continuar agindo de forma arbitrária, porque as autoridades não estão preocupadas de nenhum modo como a legalidade. Mesmo que haja a responsabilização da entidade pública, a ilegalidade seguirá sendo praticada porque cada governante vai deixar o problema da indenização para o sucessor, cuidando apenas de protelar o desfecho da questão. Entretanto, no momento em que a autoridade sentir-se responsabilizada, pessoalmente, pela conduta ilegal ou abusiva, certamente vai pensar antes de seguir em sua prática.
A Lei n.º 10.684/2003, que estabeleceu forma especial de parcelamento de débitos fiscais, determinou a suspensão da pretensão punitiva tanto em relação aos crimes contra a ordem tributária como e relação aos crimes de apropriação indébita e de sonegação de contribuições de previdência social. E o Supremo Tribunal Federal já consagrou o entendimento segundo o qual, em face dessa lei, o pagamento do débito tributário a qualquer tempo extingue a punibilidade de qualquer desses crimes, mesmo depois do recebimento da denúncia. Há corrente doutrinária que defende da extinção da punibilidade mesmo que o pagamento venha ocorrer depois da sentença condenatória transitada em julgado.
No âmbito das penalidades administrativas, a questão se resolve nos termos do artigo 138 do Código Tributário Nacional. Se o pagamento é feito com denúncia espontânea a infração, nenhuma penalidade pode ser aplicada. Se, todavia, é feito em face de exigência formalizada em ação fiscal, o pagamento do crédito tributário feto no prazo estabelecido para impugnação do auto de infração, ou no prazo para o recurso administrativo, implica redução do valor da multa, que geralmente vem estabelecido na lei específica de cada tributo.
Essa redução do valor da multa, nas hipóteses em que o contribuinte renuncia ao direito de impugnar e recorrer, constitui uma forma obliqua de punir o sucumbente. Por isto a doutrina entende que a lei deveria estabelecer sucumbência também para a Fazenda Pública, dando, assim, um tratamento isonômico aos litigantes.
Segundo o artigo 212 do Código Tributário Nacional, o Poder Executivo de cada esfera de governo, tem o dever de expedir, anualmente, até o dia 31 de janeiro de cada ano, a consolidação, em texto único, da legislação tributária vigente, relativa a cada um dos seus tributos. A ausência deste ato não desobriga o contribuinte do pagamento.
Para que sejam preservados os direitos constitucionais do contribuintes, entre os quais o de pagar apenas os tributos devidos, e de utilizar-se desse fim, do direito ao contraditório e ampla defesa, inclusive no processo administrativo, não se pode admitir denúncia sem o prévio exaurimento da via administrativa.
Por isto mesmo a lei determinou que a representação fiscal, para fins penais, relativa aos crimes contra a ordem tributária será encaminhada ao Ministério Público após proferida decisão final, na esfera administrativa, sobre a existência fiscal do crédito tributário correspondente.
De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, há falta de justa causa para ação penal antes do lançamento definitivo, por se tratar de crime de resultado. E, na verdade, a ação penal antes do lançamento definitivo pode conduzir a uma situação absurda, no qual o Estado-Juiz pune alguém por supressão ou redução de tributo, e o mesmo Estado, como Administração Tributária, diz que nenhum tributo lhe é devido.
A questão essencial consiste em saber se é juridicamente válido o uso da ação penal como instrumento de coação para obrigar o contribuinte a pagar tributos sem direito de questionar a legalidade destes.
Quando não tenha sido iniciada ação fiscal e o Ministério Público tenha, por outros meios, notícia do crime, deve este oficiar à autoridade administrativa para que instaure ação fiscal. Somente nas hipóteses em que disponha de suficientes indícios de corrupção passiva, prevaricação ou outro crime cometido pela autoridade administrativa, no âmbito dos fatos relacionados com o ilícito penal imputável ao contribuinte, poderá desde logo oferecer denúncia contra este, e, em tais hipóteses, há de denunciar também a autoridade administrativa.
O crime definido no artigo 1º da Lei n.º 8.137/90 é de resultado, vale dizer, só se consuma quando ocorre a supressão ou redução do tributo devido. Em outras palavras, a existência do tributo devido é elemento essencial do tipo. Assim, se não há tributo devido, não se consuma o crime. Já no caso do artigo 2º da mesma lei, o crime é de natureza formal, no entanto, também é essencial a existência de tributo devido.

Fonte: Curso de Direito Tributário. Hugo de Brito Machado