quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Teoria Geral dos Recursos Cíveis

Recurso é o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna. Trata-se de conceito jurídico-positivo, que depende, pois, de um dado ordenamento jurídico.
O recurso prolonga o estado de litispendência, não instaura processo novo. É por isso que estão fora do conceito de recurso as ações anômalas de impugnação, que dão origem a processo novo para impugnar uma decisão judicial (ação rescisória, mandado de segurança contra ato judicial, reclamação constitucional, embargos de terceiro etc.).
O recurso é simples aspecto, elemento, modalidade ou extensão do próprio direito de ação exercido no processo. O direito de recorrer é conteúdo do direito de ação (e também do direito de exceção), e o seu exercício revela-se como desenvolvimento do direito de acesso aos Tribunais.
O direito de recorrer é um direito potestativo processual, tendo em vista que objetiva alterar situações jurídicas distintas, invalidando, revisando ou integrando uma decisão judicial.
A Constituição Federal de 1988, no inciso LV do artigo 5º, assegurou a todos os litigantes em processo administrativo ou judicial o direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos a ele inerentes; todavia, expressamente não aludiu ao duplo grau de jurisdição, mas sim aos instrumentos inerentes ao exercício da ampla defesa.
O duplo grau de jurisdição desempenha controle em dois planos: a sociedade, que, em cada processo, está figurada pelas partes, exerce o controle da atividade estatal por meio do manejo de recursos; e, no plano interno do Poder Judiciário, os órgãos hierarquicamente superiores controlam as decisões promanadas dos inferiores.
Malgrado apareça na dogmática processual desde os tempos mais remotos como princípio processual relacionado ao recurso, uma vez que se constitui na possibilidade de análise, por um outro órgão, do inconformismo do interessado quanto à decisão proferida, o princípio do duplo grau de jurisdição vem sofrendo críticas de segmento respeitável da doutrina processual.
Com efeito, traz a doutrina como pontos negativos desse princípio: a dificuldade de acessão à Justiça, o desprestígio da primeira instância, a quebra da unidade do poder jurisdicional, a dificuldade na descoberta da verdade mais próxima possível da real e a inutilidade do procedimento oral. Ressalte-se que é possível haver exceções ao princípio, descerrando-se o caminho para que a legislação infraconstitucional restrinja ou até elimine recursos em casos específicos.
O sistema de impugnação da decisão judicial é composto dos seguintes instrumentos: a) recursos; b) ações autônomas de impugnação; c) sucedâneos recursais.
O recurso é o meio de impugnação da decisão judicial utilizado dentro do mesmo processo em que é proferida. Pelo recurso, prolonga-se o curso (a litispendência) do processo.
A ação autônoma de impugnação é o instrumento de impugnação da decisão judicial pelo qual se dá origem a um processo novo, cujo objetivo é o de atacar/interferir em decisão judicial.
Sucedâneo recursal é todo meio de impugnação de decisão judicial que nem é recurso nem é ação autônoma. Trata-se de categoria que engloba todas as outras formas de impugnação da decisão. São exemplos: pedido de reconsideração, pedido de suspensão da segurança; remessa necessária e correição parcial.
Recurso parcial é aquele que, em virtude da limitação voluntária, não compreende a totalidade do conteúdo impugnável da decisão. O capítulo não impugnado fica acobertado pela preclusão e, se se tratar de capítulo de mérito, ficará imutável por força da coisa julgada material. Por outro lado, quaisquer questões preliminares, embora comuns à parte impugnada e à parte não-impugnada, só com referência àquela podem ser apreciadas pelo Tribunal do recurso.
Recurso total é aquele que abrange todo o conteúdo impugnável da decisão recorrida. Se o recorrente não especificar a parte em que impugna a decisão, entender-se-á total o recurso.
Recurso de fundamentação livre é aquele em que o recorrente está livre para, nas razões do seu recurso, deduzir qualquer tipo de crítica em relação às decisões, sem que isso tenha qualquer influência na sua admissibilidade. A causa de pedir recursal não está delimitada pela lei, podendo o recorrente impugnar a decisão alegando qualquer vício.
Quando o recurso é de fundamentação vinculada a lei limita o tipo de crítica que se possa fazer contra a decisão impugnada. O recorrente deve alegar um dos vícios típicos para que seu recurso seja admissível.
Somente as decisões judiciais podem ser alvos de recurso. Os despachos, atos não decisórios, são irrecorríveis, assim como os atos praticados pelo escrivão por conta de delegação do magistrado – tais atos podem ser revistos pelo próprio Juiz, a partir de provocação nos autos, sem maiores formalidades.
As decisões que podem ser proferidas pelo Juízo singular são a decisão interlocutória e a sentença. Será decisão interlocutória toda aquela que não encerrar o procedimento em primeira instância; sentença é a decisão judicial que encerra o procedimento em primeira instância, ultimando a fase de conhecimento ou de execução.
Em Tribunal, as decisões podem ser classificadas a partir do órgão prolator. São, então, isoladas (monocráticas) ou acórdãos (colegiadas). Ambas as decisões podem ou não encerrar procedimento, não sendo este o aspecto que as diferencia; acórdãos e decisões monocráticas podem ser interlocutórios ou finais. Doutrina e jurisprudência vêm admitindo, entretanto, o agravo de instrumento contra despacho de mero expediente, quando dele resultar algum prejuízo para a parte.
A revogação do recurso chama-se desistência. A desistência do recurso pode ser parcial ou total, e pode ocorrer até o início do julgamento (até a prolação do voto). O recorrente pode desistir por escrito ou em sustentação oral. Não comporta condição nem termo. Trata-se de ato dispositivo que independe de consentimento da parte adversária e de homologação judicial para a produção de efeitos.
A desistência é conduta determinante (determina resultado desfavorável a quem a pratica) e, como tal, somente produz efeitos em relação ao recorrente. Em caso de litisconsórcio unitário, a desistência do recurso somente é eficaz se todos os litisconsortes desistirem. O procedimento recursal extingue-se em razão da desistência no limite da declaração.
A desistência impede uma nova interposição do recurso que se desistiu, mesmo se ainda dentro do prazo. O poder de desistir do recurso é especial e deve constar expressamente na procuração outorgada ao advogado. A desistência do recurso pode implicar extinção do processo com ou sem julgamento do mérito, a depender do conteúdo da decisão recorrida, como também pode não implicar a extinção do processo.
A renúncia ao direito de recorrer é ato pelo qual uma pessoa manifesta a vontade de não interpor o recurso que poderia valer-se contra determinada decisão. Independe de aceitação da outra parte. Não se admite renúncia a termo ou sob condição. A renúncia é sempre anterior à interposição do recurso, mas não se admite a renúncia antes do momento em que o direito de recorrer seria exercitável – não se admite renúncia anterior à prolação da decisão que poderia ser impugnada. Havendo litisconsórcio unitário, a renúncia somente será eficaz se todos os litisconsortes a ela anuírem. Se, após a renúncia, o recurso for interposto, será considerado inadmissível, pois a renúncia é fato extintivo ao direito de recorrer.
Não se confunde a renúncia com a aceitação ou aquiescência à decisão, embora ambas importem inadmissibilidade de recurso eventualmente interposto. A aceitação é o ato porque alguém manifesta a vontade de conformar-se com a decisão proferida. Pode ser por escrito ou tácita. A aceitação tácita consiste na prática, sem reserva alguma, de um ato incompatível com a vontade de recorrer. Havendo litisconsórcio unitário, para que a aceitação seja eficaz, todos os litisconsortes unitários devem comportar-se nesse sentido. Admite-se aceitação parcial ou total. A aquiescência pode ocorrer antes ou depois do recurso interposto.
A aceitação e a renúncia implicam preclusão lógica do direito de recorrer.
O juízo de admissibilidade operar sobre o plano de validade dos atos jurídicos. Mais precisamente do ato jurídico complexo procedimento.
Toda postulação se sujeita ao duplo exame do magistrado: primeiro, verifica-se se será possível o exame do conteúdo da postulação; após, em caso de um juízo positivo no primeiro momento, examina-se a procedência ou não daquilo que se postula. No juízo de admissibilidade, verifica-se a existência dos requisitos de admissibilidade. Distingue-se de juízo de mérito, que é aquele em que se apura a existência ou inexistência do fundamento para o que se postula, tirando daí as conseqüências cabíveis, isto é, acolhendo-se ou rejeitando-se a postulação. No primeiro, julga-se admissível ou inadmissível; no segundo, procedente ou improcedente.
Quando o órgão judiciário reputa inadmissível um recurso, diz-se que ele não o conheceu ou não o admitiu. Em razão da semelhança com os requisitos de admissibilidade do processo, as questões relativas ao juízo de admissibilidade podem, em regra, ser conhecidas e decididas de ofício pelo magistrado – excetua-se a não-comprovação da interposição do agravo de instrumento, que somente poderá levar ao juízo de inadmissibilidade se houver provocação do agravado.
Em regra, reconhece-se ao órgão perante o qual se interpõe o recurso a competência para verificar-lhe a admissibilidade; nega-se-lhe competência, ao contrário, para examinar-lhe o mérito. O Juízo a quo (aquele que proferiu a decisão recorrida) e o Juízo ad quem (aquele que julgará o recurso) têm competência para fazer o juízo de admissibilidade, com exceção do agravo de instrumento contra denegação de recursos especial ou extraordinário, nesses casos, o juízo de admissibilidade somente é exercido pelo órgão ad quem. A verificação feita pelo primeiro órgão concerne apenas à existência dos requisitos no momento da interposição do recurso. Escapam a tal controle as causas de inadmissibilidade supervenientes ao recebimento do recurso cujo exame fica reservado ao órgão ad quem.
O juízo de admissibilidade, entretanto, não será subtraído à apreciação do Juízo ad quem: sempre caberá recurso da decisão do Juízo a quo que não conhecer de um recurso perante ele interposto.
O objeto do juízo de admissibilidade dos recursos é composto dos chamados requisitos de admissibilidade, que se classificam em dois grupos: a) requisitos intrínsecos (concernentes à própria existência do poder de recorrer): cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer; b) requisitos extrínsecos (relativos ao modo de exercício do direito de recorrer): preparo, tempestividade e regularidade formal.
Há três princípios dos recursos correlatos ao estudo do cabimento: fungibilidade, unirrecorribilidade e taxatividade.
O princípio da fungibilidade dos recursos é aquele pelo qual se permite a conversão de um recurso em outro, no caso de equívoco da parte, desde que não houvesse erro grosseiro ou não tenha precluído o prazo para a interposição. Trata-se de aplicação do princípio da instrumentalidade das formas.
Atualmente, trazem os doutrinadores os seguintes pressupostos para a aplicação do princípio da fungibilidade: a) dúvida objetiva: significa que é necessário existir uma dúvida razoavelmente aceita, a partir de elementos objetivos, como a equivocidade do texto de lei ou as divergências doutrinárias; b) inexistência de erro grosseiro: fala-se em erro grosseiro quando nada justificaria a troca de um recuso pelo outro, pois não há qualquer controvérsia sobre o tema; c) observância de prazo: o recurso interposto há de respeitar o prazo daquele que deveria ter sido – parte da doutrina não reputa legítima a existência deste pressuposto, pois as situações de dúvida podem envolver recursos com prazos diferentes.
De acordo com o princípio da unirrecorribilidade (unicidade ou singularidade), não é possível a utilização simultânea de dois recursos contra a mesma decisão: para cada caso, há um recurso adequado e somente um. Ressalvadas as exceções adiante mencionadas, a interposição de mais de um recurso contra uma decisão implica da inadmissibilidade do recurso interposto por último. Contra acórdãos objetivamente complexos (mais de um capítulo), é possível imaginar o cabimento simultâneo de recurso especial e recurso extraordinário (artigo 498 do CPC).
O princípio da taxatividade consiste na enumeração dos recursos prevista em lei. O rol legal dos recursos é numerus clausus. É o princípio segundo o qual recurso é somente aquele previsto em lei, não se podendo criar recurso por interpretação analógica ou extensiva, nem por norma estadual ou regimental.
A legitimidade para interposição do recurso está prevista no artigo 499 do Código de Processo Civil: “o recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público”.
Quando a lei menciona a “parte vencida” como legitimada a recorrer, quer referir-se não só a autor e réu, haja ou não litisconsórcio, mas também ao terceiro interveniente que, com a intervenção, se tornou parte. No conceito de “parte vencida” também deve ser incluído aquele sujeito processual que é parte de alguns incidentes, como é o caso do Juiz na exceção de suspeição e o terceiro desobediente, no caso da aplicação da multa do parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil.
Terceiro é aquele que, até então, não participa do processo. O recurso de terceiro é uma modalidade de intervenção de terceiro; o terceiro, com o recurso, passa a fazer parte do processo. Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial. Só se admite o recurso de terceiro juridicamente prejudicado. O terceiro prejudicado há de ser titular ou da mesma relação jurídica discutida ou de uma relação jurídica conexa com aquela deduzida em Juízo. Pode-ser dizer que todos aqueles que, legitimados a intervir no processo, não o fizeram, salvo o caso de oposição, podem recorrer. O litisconsorte necessário não-citado também poderá recorrer.
O prazo para interposição do recurso do terceiro é o mesmo de que dispõe a parte, iniciando-se no mesmo momento, inclusive: a data da intimação. Exatamente porque é terceiro, ele não é intimado; o prazo para o seu recurso conta-se da data em que a parte foi intimada.
O Ministério Público pode recorrer na qualidade de parte ou como custus legis. A legitimação recursal como custos legis é concorrente com a das partes, mas é primária, ou seja, independe do comportamento delas (Enunciado 99 da Súmula do STJ: o Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal a lei, ainda que não haja recurso da parte).
O exame do interesse recursal segue a metodologia do exame do interesse de agir (condição da ação). Para que o recuso seja admissível, é preciso que haja utilidade – o recorrente deve esperar, em tese, do julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela em que o haja posto a decisão impugnada – e necessidade – que lhe seja precisa usar as vias recursais para alcançar este objetivo. A noção de interesse de recorrer é mais prospectiva do que retrospectiva: a ênfase incidirá mais sobre o que é possível ao recorrente esperar que se decida, no novo julgamento, do que sobre o teor daquilo que se decidiu, no julgamento impugnado.
O Enunciado 126 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça fornece um exemplo de recurso inútil: é inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamento constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.
Não se pode recorrer apenas para discutir o fundamento da decisão; é preciso discordar da conclusão a que chegou o órgão jurisdicional. Nos casos em que a coisa julgada é secundum eventum probationis (mandado de segurança, ações coletivas versando sobre direitos difusos ou coletivos, ação popular etc.), não há coisa julgada se o juízo de improcedência se fundamentar na falta de prova; se a improcedência fundar-se na inexistência de direito, há coisa julgada material. Assim, há interesse recursal do réu, por exemplo, em impugnar o fundamento de uma decisão, mesmo concordando com a conclusão de improcedência: ele pode desejar que a improcedência seja por inexistência de direito, e não por falta de prova, porque isso lhe traria o benefício da coisa julgada material.
É impeditivo do poder de recorrer o ato de que diretamente haja resultado a decisão desfavorável àquele que, depois, pretenda impugná-la. Por exemplo: da sentença que homologa desistência não pode recorrer a parte que desistiu. Trata-se de regra que diz respeito ao princípio da confiança, que orienta a lealdade processual (proibição do venire contra factum proprium). A desistência, a renúncia ao direito sobre o que se funda a ação e o reconhecimento da procedência do pedido são fatos impeditivos do direito de recorrer, salvo se o recorrente pretender discutir a validade de tais atos, o que redundaria na rescisão da decisão judicial que os tenha por fundamento.
O recurso deve ser interposto dentro do prazo fixado em lei. O termo inicial do prazo recursal é o da intimação da decisão. O prazo para interposição do recurso é peremptório, insuscetível, por isso, de dilação convencional.
Suspende-se o prazo recursal se houver superveniência de férias; obstáculo criado pela própria parte ou pelo Juízo; perda da capacidade processual de qualquer das partes ou seu procurador. Interrompe-se o prazo recursal com o oferecimento de embargos de declaração. Se, durante o prazo de interposição, sobrevier o falecimento da parte ou de seu advogado, ou ocorra motivo de força maior que suspenda o curso do processo, devolve-se integralmente o prazo à parte.
Nas comarcas onde for difícil o transporte, o Juiz poderá prorrogar o prazo recursal por até 60 (sessenta) dias, podendo tal prazo ser excedido em caso de calamidade pública.
À Fazenda Pública e ao Ministério Público (fiscal da lei ou parte), computa-se em dobro o prazo para recurso, assim como as autarquias e fundações públicas. Esse benefício não se aplica ao prazo de contrarrazões e no âmbito dos Juizados Especiais Federais.
Os defensores públicos têm prazo em dobro para recorrer e responder ao recurso. Esse benefício também deve ser estendido, por analogia, aos advogados que atuem em entidades não-governamentais que prestem assistência judiciária. Ao advogado de sindicato, ao qual é vinculada a parte, não se confere esse benefício do prazo em dobro.
O Supremo Tribunal Federal já afirmou que o recurso interposto antes do prazo (antes da intimação da decisão) é intempestivo (recurso prematuro). Os fundamentos não se sustentam, até mesmo pela irrazoabilidade: se o recurso foi interposto, o recorrente dera-se por intimado da decisão independentemente de publicação.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no ERESP n.º 421.461, considerou possível a interposição de recursos contra decisões monocráticas ou colegiadas antes da publicação dessas decisões na imprensa oficial. A medida, que se contrapõe à jurisprudência anteriormente firmada no Tribunal, decorre de decisão tomada pela maioria dos ministros da Corte Especial.
O Supremo Tribunal Federal também decidiu, nos termos do Enunciado 641 de sua Súmula, que não se conta em dobro o prazo para recorrer, quando só um dos litisconsortes haja sucumbido. Tal entendimento não se aplica, contudo, no prazo para embargos de declaração, pois esse recurso não depende de sucumbência.
De acordo com a Lei n.º 9.800/99, é possível a prática de qualquer ato processual escrito por meio de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou similar. O Superior Tribunal de Justiça interpretou este dispositivo da seguinte forma: a) o prazo para apresentação de original em recurso interposto por fac-símile que findar em final de semana, feriado ou dia em que não houver expediente forense ficará prorrogado até o primeiro dia útil seguinte a esta data; b) o prazo de juntada dos originais (5 dias) não se soma ao prazo recursal, e razão da preclusão consumativa: assim, com o recebimento do recurso oferecido via fac-símile, encerra-se o prazo recursal, passando imediatamente a ter início o prazo para entrega da petição original enviada eletronicamente.
Para que o recurso seja conhecido, é necessário, também, que preencha determinados requisitos formais que a lei exige.
Assim, deve o recorrente, por exemplo, sob pena de inadmissibilidade de seu recurso: a) apresentar suas razões, impugnando especificamente as razões da decisão recorrida; b) juntar as peças obrigatórias no agravo de instrumento; c) juntar, em caso de recurso especial fundado na divergência jurisprudencial, a prova da divergência, bem como transcrever os trechos do acórdão recorrido e o aresto paradigma; d) formular pedido de nova decisão (error in judicando) ou de anulação da decisão recorrida (error in procedendo); e) o agravo retido interposto contra decisão proferida em audiência deve ser interposto oralmente; f) à exceção do agravo retido e os embargos de declaração em Juizados Especiais Cíveis, que podem ser interpostos oralmente, os demais recursos deverão ser interpostos em petição escrita, sendo-lhes vedada a interposição por simples cota nos autos.
De acordo como princípio da dialeticidade, exige-se que todo recurso seja formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifesta sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada. Na verdade, trata-se de princípio ínsito a todo processo, que é essencialmente dialético.
O preparo consiste no adiantamento das despesas relativas ao processamento do recurso. À sanção para falta de preparo oportuno dá-se o nome de deserção. O preparo há de ser comprovado no momento da interposição.
No sistema dos Juizados Especiais Cíveis, entretanto, é possível a efetivação do preparo do recurso contra a sentença em até 48 horas após a sua interposição. Ainda excepcionalmente, deve-se lembrar da regra especial prevista no artigo 14, inciso II da Lei n.º 9.289/96, aplicável aos feitos pendentes na Justiça Federal, que permite a efetivação do preparo ou do recurso ordinário constitucional (interposto contra sentença, nas causas internacionais previstas no artigo 109, inciso II da Constituição Federal), dentro do prazo de cinco dias após a interposição do recurso. Todo este regramento se aplica ao recurso de terceiro.
São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, União, Estados, Municípios, e respectivas autarquias, pelo que gozam de isenção legal, como o beneficiário da Justiça gratuita.
Há recursos que dispensam preparo: o agravo retido, os embargos infringentes de alçada, o agravo de instrumento contra decisão que nega seguimento a recuso especial ou extraordinário, os recursos no Estatuto da Criança e do Adolescente, o agravo interno e os embargos de declaração.
A insuficiência do valor do preparo implicará em deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias. Essa intimação pode ser feita tanto pelo Juízo ad quem, quanto pelo a quo.
O artigo 519 do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de relevação da deserção, em casos de apelação quando o recorrente provar o justo impedimento. Embora o dispositivo esteja na parte relacionada à apelação, é de aplicação geral. Trata-se de especialização da regra do artigo 183 do Código de Processo Civil, o que implica afirmar que, em todo e qualquer recurso, é possível a relevação em tais situações. O parágrafo o artigo 519 reputa irrecorrível a decisão que concede prazo para o recorrente efetuar o preparo, pela absoluta falta de interesse, porquanto qualquer objeção que porventura possa fazer, será objeto de exame pelo órgão ad quem, como preliminar do conhecimento em suas contrarrazões.
Acaso o recorrente deseje auferir os benefícios da Justiça gratuita, deverá requerê-los no próprio recurso, para que o órgão de interposição (a quo, normalmente) ou o relator os conceda.
A natureza jurídica do juízo de admissibilidade, se positivo, será um juízo declaratório da eficácia, decorrente da validade do procedimento (aptidão para a prolação da decisão sobre o objeto posto sob apreciação); se negativo, será um juízo constitutivo negativo, em que se aplica a sanção de inadmissibilidade (invalidade) ao ato complexo, que se apresenta defeituoso/viciado.
Tendo em vista que os atos processuais defeituosos produzem efeitos até a decretação de sua invalidade, o juízo de admissibilidade, que decorre da constatação de que o procedimento recursal está defeituoso, tem eficácia ex nunc, respeitando-se os efeitos até então produzidos pelos atos do procedimento já praticados. Nada impede, porém, que se prevejam hipóteses em que haja retroatividade do juízo de admissibilidade, destruindo os efeitos já operados – desde que se faça isso expressamente, para evitar surpresas aos litigantes. Nem por isso deixará de ser constitutiva a decisão: não se desconhecem decisões constitutivas-negativas com eficácia retroativa, como é o caso da que anula negócio jurídico. No entanto, predomina o entendimento de que o juízo de admissibilidade é declaratório negativo, com eficácia retroativa.
Somente os recursos admissíveis produzem efeitos. O juízo de admissibilidade, positivo ou negativo, tem natureza declaratória. Ao proferi-lo, o que se faz o órgão judicial é verificar se estão ou não satisfeitos os requisitos indispensáveis à legítima apreciação do mérito do recurso. A existência ou inexistência de tais requisitos é, todavia, anterior ao pronunciamento, que não a gera, mas simplesmente a reconhece. Exatamente por conta disso, o juízo de admissibilidade negativo tem efeitos retroativos à data em que se verificar a causa da inadmissibilidade.
Adotada a concepção majoritária, se o Tribunal, por exemplo, após três anos da interposição da apelação, declarar a sua inadmissibilidade, o recurso não terá produzido qualquer efeito, a sentença já estará imune pela coisa julgada e o prazo para ação rescisória, que é de dois anos, já teria escoado. Enquanto pendente o recurso, não se poderia ingressar com a ação rescisória, pois ainda não havia coisa julgada; não admitido o recurso, também não poderá fazê-lo, agora pela razão de que a coisa julgada já teria ocorrido. Perder-se-ia, pela decadência, o direito de rescindir a sentença, sem que tivesse sido possível o exercício desse mesmo direito: não se exercitou o direito porque não era possível, mas, a despeito disso, o direito deixou de existir por contar do não-exercício.
A jurisprudência vacila em torno do assunto. Afirma-se que o trânsito em julgado não pode ocorrer enquanto pendente julgamento do recurso, mesmo que, futuramente, este venha a não ser admitido. Ressalva-se, no entanto, a situação de recurso manifestamente intempestivo ou incabível, quando o futuro juízo de inadmissibilidade teria, de fato, eficácia retroativa, reconhecendo o órgão judicial o trânsito em julgado desde a data seguinte ao dies ad quem do prazo para a interposição do recurso.
O mérito dor recurso é a pretensão recursal, que pode ser a de invalidação, reforma, integração ou esclarecimento (esses últimos exclusivos dos embargos de declaração). Compõe-se o mérito do recurso da causa de pedir recursal e a respectiva pretensão.
Enquanto o mérito do recurso é, em regra, sujeito a uma única apreciação (órgão ad quem), sua admissibilidade submete-se, em geral, a um duplo controle (Juízos a quo e ad quem). Há casos, porém, que o recurso permite ao Juízo a quo rever a decisão recorrida, como é o caso dos embargos de declaração, julgados pelo próprio órgão a quo.
O mérito do recurso pode não coincidir com o mérito da causa. É possível que uma questão seja de admissibilidade da causa e, ao mesmo tempo, seja uma questão de mérito do recurso. Jamais uma mesma questão pode ser de admissibilidade e de mérito em ração a um mesmo procedimento. Na prática, não se costuma tomar o cuidado de atentar para essa sutileza. A legitimidade ad causam é uma condição da ação – questão de admissibilidade da causa –, mas pode ser questão de mérito de um recurso em que se discuta a ilegitimidade de uma das partes.
Como qualquer demanda, o recurso tem a sua causa de pedir. A causa de pedir recursal compõe-se do fato jurídico apto a autorizar a reforma, a invalidação, a integração e o esclarecimento da decisão recorrida.
Chama-se de error in judicando o equívoco do Juízo. Denuncia-se, por meio da impugnação, uma má-apreciação da questão de direito ou da questão de fato, ou de ambas, pedindo-se, em conseqüência, a reforma da decisão. Trata-se de um erro na declaração dos efeitos jurídicos substanciais e processuais: erro pelo qual o Juiz desconhece efeitos jurídicos que a lei determina para a espécie em julgamento ou, ao contrário, reconhece existentes efeitos jurídicos diversos daqueles. É um dado que investiga no conteúdo da decisão: o Juiz decidiu mal, apreciou mal aquilo que lhe foi submetido para ser decidido. Trata-se de fato jurídico que enseja a reforma da decisão recorrida.
Chama-se de error in procedendo o vício de atividade, que revela um defeito da decisão, apto a invalidá-la. Denuncia-se o vício de atividade, pleiteando-se a invalidação da decisão. O vício é de natureza formal, invalidando o ato judicial, não dizendo respeito ao conteúdo do mesmo ato. O error in procedendo não pode ser diferenciado em relação ao error in judicando pela distinção entre direito processual e direito material. O objeto do juízo de mérito do recurso é o julgamento, proferido no grau inferior: não se trata de discutir o que foi decidido (o conteúdo da decisão), como ocorre no recurso por error in judicando; no recurso por error in procedendo, discute-se a perfeição formal da decisão como ato jurídico: discute-se, enfim, a sua validade (pouco importa o equívoco ou acerto da decisão).
Os vícios de atividade, igualmente denominados error in procedendo, ocorrem quando o Juiz desrespeita norma de procedimento provocando gravame às partes. Por sua vez, os vícios de Juízo, também chamados de error in judicando, relacionam-se com a substância ou com o conteúdo da decisão.
O error in procedendo e o error in judicando podem ser alegados, simultaneamente, no recurso. O vício de atividade deve vir alegado inicialmente, sendo seguido da demonstração do vício de Juízo. É que, enquanto a alegação do primeiro, uma vez acolhida pelo Tribunal, gera a anulação da decisão, o acolhimento da alegação do error in judicando ocasiona a sua reforma.
Se a decisão judicial contiver mais de um capítulo, nada impede que, no recurso, se alegue error in procedendo em relação a um capítulo e error in judicando em relação a outro. Nada impende, também, que, em um mesmo recurso, impugne-se mais de uma decisão, desde que respeitem os requisitos de admissibilidade como o cabimento e a tempestividade.
A solução será diversa se o recurso impugnar apenas um capítulo da decisão. Neste caso, somente será possível a cumulação de demandas recursais se o recorrente valer-se da técnica da cumulação imprópria eventual ou subsidiária, pois não se pode imaginar que o Tribunal, ao mesmo tempo, anule e reforme um mesmo capítulo da decisão recorrida. Não é possível o cúmulo próprio de pedidos recursais de invalidação e reforma, se dirigidos contra um mesmo capítulo da decusão.
Como se sabe, para que caiba um recurso extraordinário (latu sensu), é necessário o prequestionamento: o exame pelo acórdão recorrido da questão jurídica que se quer levar à apreciação do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Se o Tribunal recorrido não houver manifestado sobre a questão, deve o recorrente, previamente, interpor embargos de declaração, com o objetivo de sanar a omissão, ensejando o prequestionamento.
O Superior Tribunal de Justiça entende que, não obstante tenha a parte interposto embargos de declaração, se persistir a omissão, ainda assim não será cabível o recurso especial (Enunciado 211 da Súmula do STJ). Se acaso a omissão não seja suprida, não haverá prequestionamento, devendo o recorrente embargar novamente, sujeitando-se, eventualmente, à multa prevista no parágrafo único do artigo 538 do Código de Processo Civil, ou interpor recurso especial por violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, por exemplo, para forçar o pronunciamento do Tribunal de origem.
A interposição sucessiva de dois embargos de declaração pode levar à aplicação de uma multa de até 10% do valor da causa, cujo depósito integral é requisito de admissibilidade para a interposição de qualquer outro recurso contra aquela decisão.
Julgamento rescindente é o que, acolhendo a alegação de error in procedendo, invalida a decisão recorrida, determinando que se profira novo julgamento no Juízo a quo. Há hipóteses, entretanto, que, acolhida alegação de error in procedendo, não é necessária a devolução dos autos ao primeiro grau de jurisdição, pois a sanação da invalidade pode dar-se no mesmo Juízo ad quem. É o que ocorre com a apelação contra sentença ultra ou extra petita: nesses casos, basta o Tribunal desconsiderar o excedente, apagando-o, que se retifica a decisão recorrida, validando-a sem necessidade de o Juízo a quo proferir nova sentença. É a aplicação da regra do aproveitamento dos atos processuais: não se deve anular todo o ato se apenas uma parte dele está nula e essa parte pode ser consertada sem prejuízo das demais (artigo 248 do CPC).
Julgamento substitutivo é o que, acolhendo ou não error in judicando, ou não acolhendo error in procedendo, opera a substituição da decisão recorrida pela decisão que julgou o recurso, exatamente porque não podem substituir duas decisões com o mesmo objeto. Só se pode falar em julgamento substitutivo se o recurso for conhecido. É o que afirma o artigo 512 do Código de Processo Civil: o julgamento proferido pelo Tribunal substituirá a sentença ou decisão recorrida. Eventual ação rescisória deve dirigir-se contra a última decisão (a que substituir por último).
É possível a produção de provas no procedimento recursal, embora essa prática não seja comum. O Tribunal também tem poder instrutório; não lhe cabe apenas reexaminar as provas que já foram colhidas em primeira instância, lhe é permitido determinar a produção de novas provas.
Se o entender conveniente, o Tribunal converterá o julgamento em diligência para a produção de novas provas, destinada à formulação do convencimento dos seus membros e poderá excluir as que considerar ilícitas do material probatório; se o considerar oportuno, poderá reinquirir o réu e será livre para levantar novas teses jurídicas. Apenas deverá garantir que tudo isso seja feito em contraditório, na presença das partes, dando a estas oportunidade de contradizer, inclusive provando.
A prova oral, no procedimento recursal, pode ser colhida de três formas: a) expede-se carta de ordem a Juiz de primeira instância, para que colha a prova oral; b) o relator faz a colheita da prova oral em seu gabinete; c) a prova pode ser produzida em sessão do órgão colegiado.
Se um único dos litigantes parcialmente vencidos impugnar a decisão, a parte deste que lhe foi favorável transitará normalmente em julgado, não se lícito ao órgão ad quem exercer sobre ela atividade cognitiva, muito menos retirar, no todo ou em parte, a vantagem obtida com o pronunciamento de grau inferior (proibição da reformatio in pejus).
Ocorre a reformatio in pejus quando o órgão ad quem, no julgamento de um recurso, profere decisão mais desfavorável ao recorrente, sob o ponto de vista prático, do que aquela contra aquela contra a qual se interpôs o recurso.
Barbosa Moreira sistematiza os argumentos favoráveis à existência deste princípio no sistema recursal brasileiro: a) se o interesse recursal é pressuposto de admissibilidade, seria verdadeira contradição imaginar que para o recorrente possa advir qualquer utilidade de pronunciamento que lhe é desfavorável; b) se nem mesmo por provocação do apelante poderia o Tribunal reformar a decisão para pior, muito menos ainda se concebe que pudesse fazê-lo sem tal provocação.
A proibição da reformatio in pejus não afasta de modo algum a possibilidade de o Tribunal revisar aquilo que ex vi legis se sujeita ao duplo grau de jurisdição, como, por exemplo, as questões de ordem pública que, se acolhida em detrimento do interesse do recorrente, poderão, de certo modo, levar a uma reforma para pior. Nelson Nery Jr. ensina, no entanto, que não se pode falar propriamente de reformatio in pejus nessas situações, pois essa noção está vinculada ao efeito devolutivo e ao princípio dispositivo, enquanto na transferência de questões de ordem pública está relacionada com o efeito translativo e o princípio inquisitivo.
De acordo com o Enunciado 45 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, é vedado ao Tribunal agravar a situação da Fazenda Pública em julgamento de reexame necessário.
O benefício comum da apelação era uma característica desse recurso na tradição do direito luso-brasileiro. Apelação interposta por uma das partes servia à outra, o que permitia ao Tribunal reformar sentença como bem quisesse, ainda que contra aquele que, sozinho, o interpusera. Na verdade, o instituto do benefício comum da apelação favorecia a reformatio in pejus, entendendo-se essa como agravamento, pelo julgamento do recurso, da situação do recorrente.
O artigo 515 do Código de Processo Civil veda o benefício comum – e a existência do recurso adesivo (artigo 500 do CPC) corrobora essa conclusão. De fato, a utilidade da discussão sobre a existência ou não do benefício comum na apelação só existe em casos de sucumbência recíproca, quando apenas uma das partes recorre. O recurso adesivo, então, é o remédio apto a permitir que o órgão ad quem possa examinar a parte da decisão que diz respeito ao apelado.
A interposição do recurso impede o trânsito em julgado da decisão. O recurso prolonga da litispendência, agora, em nova instância.
Quando o recurso for conhecido, não há discussão: a data do trânsito em julgado é a data do trânsito em julgado da última decisão. Quando o recurso não for conhecido, há três soluções: a) o trânsito em julgado retroage à data da interposição do recurso ou à data em que se verificou o fato que impediu o seu julgamento de mérito; b) o trânsito em julgado retroage à data de expiração do prazo recursal (recurso intempestivo) ou à data da interposição do recurso incabível; nos demais casos de inadmissibilidade, a data do trânsito em julgado é a data do trânsito em julgado da última decisão; c) a data do trânsito em julgado da última decisão, sempre. A terceira corrente, não obstante os problemas que podem surgir, parece a concepção que está mais de acordo com o princípio da segurança jurídica e, em decisão do ano de 2005, o Superior Tribunal de Justiça aderiu à esse posicionamento.
A interposição do recurso prolonga o estado de ineficácia em que se encontra a decisão, os efeitos dessa decisão – sejam eles executivos, declaratórios ou constitutivos não se produzem.
O efeito suspensivo é aquele que provoca o impedimento da produção imediata dos efeitos da decisão que se quer impugnar.
O efeito suspensivo não decorre, pois, da interposição do recurso: resulta da mera recorribilidade do ato. Significa que, havendo recurso previsto em lei, dotado de efeito suspensivo, para aquele tipo de ato processual, esse, quando proferido, já é lançado aos autos com sua executoriedade adiada ou suspensa, perdurando essa suspensão, até, pelo menos, o escoamento do prazo para interposição do recurso. Havendo recurso, a suspensividade é confirmada, estendendo-se até seu julgamento pelo Tribunal. Não sendo interposto recurso, opera-se o trânsito em julgado, passando-se, então, o ato judicial a produzir efeitos e a conter executoriedade.
A interposição do recurso transfere ao órgão ad quem o conhecimento da matéria impugnada. Podem variar, de recurso para recurso, a extensão e a profundidade do efeito devolutivo. O estudo da profundidade do efeito devolutivo é examinado por alguns autores como se se tratasse de efeito diverso: denominam de efeito translativo.
O efeito devolutivo é comum a todos os recursos. É da essência do recurso provocar o reexame da decisão – e isso que caracteriza a devolução.
A extensão do efeito devolutivo significa precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do Tribunal ad quem. A extensão do efeito devolutivo determina-se pela extensão da impugnação: tantum devolutum quantum apellatum. O recurso não devolve ao Tribunal o conhecimento de matéria estranha ao âmbito do julgamento (decisão) a quo. Só é devolvido o conhecimento da matéria impugnada (artigo 515 do CPC).
A profundidade do efeito devolutivo determina as questões que devem ser examinadas pelo órgão ad quem para decidir o objeto litigioso do recurso. Trata-se da dimensão vertical do efeito devolutivo.
O § 1º do artigo 515 diz que serão objeto da apreciação do Tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. Assim, se o magistrado extingue o processo pela prescrição, o Tribunal poderá, negando-a, apreciar as demais questões de mérito, sobre as quais o Juiz não chegou a pronunciar-se. Ora, para julgar, o órgão a quo não está obrigado a resolver todas as questões atinentes aos fundamentos do pedido e da defesa. Na decisão poderá apreciar todas elas, ou se omitir quanto a algumas delas: basta que decida aquelas suficientes à fundamentação da conclusão a que chega o dispositivo da sentença. E a questão é: o órgão ad quem poderá (re)apreciar todas essas questões, examinadas ou não pelo Juízo a quo? Pode.
É amplíssima, em profundidade, a devolução das questões. Não se cinge às questões efetivamente resolvidas na decisão recorrida: abrange também as que poderia tê-lo sido. Nisso se compreendem: a) questões examináveis de ofício; b) questões que, não sendo examináveis de ofício, deixaram de ser apreciadas, a despeito de haverem sido suscitadas abrangendo, aqui, as questões acessórias (ex. juros legais), incidentais (ex. litigância de má-fé), questões de mérito e outros fundamentos do pedido da defesa.
Nelson Nery Jr. denomina translativo aquilo que Barbosa Moreira identifica como profundidade do efeito devolutivo e acrescenta: sempre que o Tribunal puder apreciar uma questão fora dos limites impostos pelo recurso, estar-se-á diante de uma manifestação desse efeito (razão pela qual ele inclui a remessa das questões de ordem pública à apreciação do órgão ad quem, manifestando-se ou não o recorrente sobre elas, como exemplo do efeito translativo).
O efeito devolutivo determina os limites horizontais do recurso; o efeito translativo, os verticais. O efeito devolutivo determina o que se pode decidir; o efeito translativo, o material com o qual o órgão ad quem trabalhará para decidir a questão que lhe foi submetida. O efeito devolutivo (extensão) relaciona-se ao objeto litigioso do recurso (a questão principal do recurso); o efeito translativo (profundidade do efeito devolutivo) relaciona-se ao objeto do conhecimento do recurso, às questões que devem ser examinadas pelo órgão ad quem como fundamentos para a solução do objeto litigioso recursal.
É preciso, porém, fazer uma advertência: o efeito devolutivo limita o efeito translativo, que é o seu aspecto vertical; o Tribunal poderá apreciar todas as questões que se relacionarem àquilo que foi impugnado – e somente àquilo. O recorrente estabelece a extensão do recurso, mas não pode estabelecer sua profundidade.
O efeito regressivo (de retratação) é o que autoriza o órgão jurisdicional a quo a rever a decisão recorrida. Alguns utilizam a expressão “efeito diferido”.
Em regra, a interposição do recurso produz efeitos apenas para o recorrente (princípio da personalidade do recurso).
O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos seus interesses. A regra só se aplica no litisconsórcio unitário, pois nos outros casos a comunicação de efeitos do recurso aos co-litigantes omissos não se impõe, pela desnecessidade da uniformidade da disciplina. Convém lembrar, porém, que, por opção legislativa, o recurso interposto por um devedor solidário estende os seus efeitos aos demais, mesmo não sendo unitário o litisconsórcio – pois a solidariedade pode implicar litisconsórcio unitário ou simples, a depender da divisibilidade ou não do bem jurídico envolvido.
Os embargos de declaração interpostos por uma das partes interrompem o prazo para interposição de outro recurso para ambas as partes, e não apenas para aquela que embargou (artigo 538, caput do CPC). É, também aqui, um caso de expansão subjetiva do efeito do recurso.
Recurso adesivo é o recurso contraposto ao da parte adversa, por aquela que se dispunha a não impugnar a decisão, e só veio a impugná-la porque o fizera o outro litigante. Recurso independente é aquele interposto autonomamente por qualquer das partes, sem relação como o comportamento do adversário.
Somente é possível cogitar de interposição adesiva no caso de sucumbência recíproca: ambos os litigantes são em parte vencedores e vencidos. Nesses casos, publicada a decisão, embora ambos pudessem ter recorrido de forma independente, um deles espera o comportamento do outro, para só então recorrer.
Também por isso não se admite recurso adesivo em reexame necessário, pois um dos litigantes não espera o comportamento do outro, na expectativa de inércia, a fim de obter logo o trânsito em julgado. Em razão do reexame necessário, os autos seguirão, forçosamente, para o Tribunal, não havendo possibilidade de um imediato trânsito em julgado.
O recurso adesivo não é espécie de recurso. Trata-se de forma de interposição de recurso. O recurso pode ser interposto de forma independente e de forma adesiva. O recurso adesivo é exatamente o mesmo recurso que poderia ter sido interposto autonomamente, diferenciando-se apenas pela técnica de interposição – ressalvada a circunstância especialíssima do recurso especial/extraordinário adesivo a recurso especial/extraordinário, ou seja, recurso extraordinário (latu sensu) adesivo cruzado.
Nem todos os recursos podem ser interpostos adesivamente. A lei permite a interposição adesiva da apelação, dos embargos infringentes, do recurso especial e do recurso extraordinário. Também se admite recurso ordinário constitucional na forma adesiva, quando fizer as vezes de recurso de apelação (artigo 539, inciso II, alínea “b” do CPC), apenas no caso de ações propostas pelo Município ou pessoa residente no Brasil em face de Estado estrangeiro ou organismo internacional.
O recurso adesivo deve obedecer todos os requisitos de admissibilidade exigidos para os respectivos recursos, inclusive preparo.
O prazo para interposição do recurso adesivo é o prazo de que dispõe a parte para apresentar contrarrazões ao recurso principal. A parte não precisa apresentar contrarrazões para recorrer; pode tomar ambas atitudes, nenhuma ou apenas uma delas.
Embora os entes públicos e o Ministério Público não tenham prazo em dobro para apresentar contrarrazões, entende-se que possuem, todavia, a dobra do prazo para interpor recursos na forma adesiva.
É possível, ainda, o recurso adesivo do terceiro que poderia ter sido assistente litisconsoricial, mas não foi, tendo em vista que se trata de terceiro que, de regra, fica submetido à coisa julgada material. A lide também (e às vezes somente) lhe diz respeito e é possível imaginar que, inicialmente, tenha o terceiro concordado com a decisão, mas, com a interposição do recurso pela parte contrária, se veja na contingência de ter de recorrer para melhorar a situação.
O exame do recurso fica condicionado ao juízo de admissibilidade positivo do recurso principal. O mérito do recurso adesivo somente pode ser analisado se o recurso principal for conhecido. É por isso que alguns autores preferem denominar o recurso adesivo de recurso subordinado, tendo em vista que o seu conhecimento fica subordinado ao conhecimento do recurso principal.
Essa circunstância não impede que o recurso adesivo tenha por objeto outro capítulo distinto daquele impugnado pelo recurso principal. Aliás, é comum que o recurso independente e o recurso adesivo, porque interpostos por partes distintas, tenham por objeto capítulos distintos da decisão. Por conta disso, a desistência do recurso principal impede que seja examinado o recurso adesivo.
São, portanto, pressupostos para manejo do recurso adesivo: decisão em que houve sucumbência recíproca, o recurso de uma parte e o silêncio de outra, que é exatamente aquela que pretende interpor recurso adesivo.
São requisitos para que o recurso adesivo seja conhecido: o conhecimento do recurso principal e os demais requisitos de admissibilidade exigidos para a generalidade dos recursos.
Admite-se o chamado recurso adesivo condicionado. A parte fundamente o seu pedido em questão constitucional e questão federal. O Tribunal acolhe o pedido, mas rejeita o fundamento da decisão constitucional (ou federal). A parte vencida poderá interpor recurso especial (para discutir a questão federal, que foi acolhida). Nessa situação, a parte vencedora não tem interesse na interposição do recurso extraordinário (para discutir a questão constitucional, que foi rejeitada), na medida em que, vitoriosa na questão principal, não ode recorrer para discutir simples fundamento. Sucede que há um problema para a parte vencedora: sem poder recorrer extraordinariamente, ela pode sofrer um grave prejuízo se o recurso especial da outra parte for provido; é que, em tal circunstância, não poderá rediscutir a questão constitucional, que ficara preclusa.
Para evitar esse risco, a doutrina considera possível a interposição de recurso extraordinário/especial adeviso cruzado (porque é recurso extraordinário adesivo a recurso especial, ou vice-versa), sob a condição de somente ser processado se o recurso independente for acolhido.
O recurso adesivo visa evitar, portanto, a interposição precipitada do recurso pelo parcialmente vencido, graças à certeza de que terá nova oportunidade de impugnar a decisão. Ambas as partes vêem-se incentivadas a abster-se de impugnar a decisão, pois, recorrendo, poderiam provocar a reação de um adversário em princípio disposto a conservar-se inerte. É um contra-estímulo ao recurso.


Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha.