segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Princípios do Direito Penal

Princípio da Intervenção Mínima
O princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, é o responsável não só pela indicação dos bens de maior relevo que merecem especial atenção do Direito Penal, mas se presta, também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalização. Se é com base neste princípio que os bens são considerados como os de maior importância, também será com fundamento nele que o legislador, atento às mutações da sociedade, que com a sua evolução deixar de dar importância a bens que, no passado, eram de maior relevância, fará retirar do ordenamento jurídico-penal certos tipos incriminadores.
Ressaltando o caráter subsidiário do Direito Penal, Roxin assevera:
“A proteção de bens jurídicos não se realiza só mediante o Direito Penal, senão que nesse missão cooperam todo o instrumental do ordenamento jurídico. O Direito Penal é, inclusive, a última dentre todas as medidas que devem ser consideradas, quer dizer que somente se pode intervir quando falhem outros meios de solução social do problema. Por isso se denomina a ultima ratio da política social e se define sua missão como proteção subsidiária de bens jurídicos.”

Princípio da Lesividade
Os princípios da intervenção mínina e da lesividade são como que duas faces da mesma moeda. O princípio da lesividade nos esclarecerá, limitando ainda mais o poder do legislador, quais são as condutas que poderão ser incriminadas pela lei penal. Na verdade, nos orientará no sentido de saber quais são as condutas que não poderão sofrer os rigores da lei penal.
O princípio da lesividade possui quatro principais funções, a saber: a) proibir a incriminação de uma atitude interna; b) proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor; c) proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais; d) proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico.
Todas as vertentes traduzem, na verdade, a impossibilidade de atuação do Direito Penal caso o bem jurídico relevante de terceira pessoa não esteja sendo efetivamente atacado.

Princípio da Adequação Social
A teoria da adequação social, concebida por Hans Welzel, siginfica que apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada.
O princípio da adequação social, na verdade, possui dupla função. Uma delas é a de restringir a abrangência do tipo penal, limitando a sua interpretação, e dele excluindo as condutas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade. A segunda função é dirigida ao legislador em duas vertentes. A primeira delas orienta o legislador quando da seleção das condutas que deseja proibir ou impor, com a finalidade de proteger os bens considerados mais importantes. Se a conduta que está na mira do legislador for considerada socialmente adequada, não poderá ele reprimi-la valendo-se do Direito Penal. Tal princípio serve-lhe, portanto, como norte. A segunda vertente destina-se a fazer com que o legislador repense os tipos penais e retire do ordenamento jurídico a proteção sobre aqueles bens cujas condutas já se adaptam perfeitamente à evolução da sociedade.
O princípio da adequação social, por si só, não tem o condão de revogar tipos penais incriminadores.

Princípio da Fragmentariedade
Como corolário dos princípios da intervenção mínima, da lesividade e da adequação social, temos o princípio da fragmentariedade do Direito Penal. O caráter fragmentário do Direito Penal significa, em síntese, que, uma vez escolhidos aqueles bens fundamentais, comprovada a lesividade e inadequação das condutas que os ofendem, esses bens passarão a fazer parte de uma pequena parcela que é protegida pelo Direito Penal, originando-se, assim, a sua natureza fragmentária.
O Direito Penal se limita apenas a castigar as ações mais graves contra os bens jurídicos mais importantes, daí seu caráter fragmentário, pois que de toda a gama de ações proibidas e bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico, o Direito Penal só se ocupa de uma parte, fragmentos, se bem que da maior importância.
Esse caráter fragmentário do Direito Penal aparece sob uma tríplice forma nas atuais legislações penais: em primeiro lugar, defendendo o bem jurídico somente contra aqueles de especial gravidade, exigindo determinadas intenções e tendências, excluindo a punibilidade da comissão imprudente em alguns casos; em segundo lugar, tipificando somente uma parte do que nos demais ramos do ordenamento jurídico se estima como antijurídico; e, por último, deixando, em princípio, sem castigo ações meramente imorais.

Princípio da Insignificância
Tipicidade formal é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal.
A tipicidade conglobante exige a verificação de dois aspectos fundamentais: a) se a conduta do agente é antinormativa; b) se o fato é materialmente típico. O estudo do princípio da insignificância reside nesta segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, na chamada tipicidade material.
Além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeição a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa adequação, isto é, para que a conduta do agente se amolde com perfeição ao tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo objeto de proteção.
A tipicidade penal seria resultante da conjugação da tipicidade formal com a tipicidade conglobante (antinormatividade + atividades não fomentadas + tipicidade material).
Se não há tipicidade material, não há tipicidade conglobante; por conseguinte, se não há tipicidade penal, não haverá fato típico; e, como conseqüência lógica, se não há fato típico, não haverá crime.
Deve-se, portanto, lidar com o conceito de razoabilidade para se chegar à conclusão de que aquele bem mereceu a proteção do Direito Penal, pois que inexpressivo.
Os Tribunais Superiores têm entendido pela possibilidade da aplicação do princípio da insignificância nos delitos patrimoniais cometidos sem violência.

Princípio da Individualização da Pena
Tendo o julgador chegado à conclusão de que o fato praticado é típico, ilícito e culpável, dirá qual a infração penal praticada pelo agente e começará, agora, a individualizar a pena a ele correspondente. Primeiramente, fixará a pena-base de acordo com o critério trifásico determinado pelo artigo 68 do Código Penal, atendendo-se às chamadas condições judiciais; em seguida, levará em consideração as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento da pena. Esta é a fase da chamada aplicação da pena, a qual compete ao julgador. A individualização sai do plano abstrato (cominação/legislador) e passa para o plano concreto (aplicação/julgador).
Também ocorre a individualização na fase da execução penal, conforme determina o artigo 5º da Lei de Execuções Penais: “os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal”.
Com o advento da Lei n.º 8.072/90, foi travada discussão no sentido de que o § 1º do artigo 2º do aludido diploma legal estaria violando o princípio da individualização da pena, uma vez que impunha o total cumprimento da pena em regime fechado, quando houvesse cometimento dos crimes por ela elencados como hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo.
No julgamento do HC 82959/SP, tendo como Relator o Ministro Marco Aurélio de Melo, foi declarada incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei n.º 8.072/90.
Após a edição da Lei n.º 11.464/2007 a discussão perdeu o sentido, uma vez que alterou a Lei de Crimes Hediondos para determinar que a pena dos delitos por ele disciplinados seria cumprida inicialmente em regime fechado, permitindo, ainda, a progressão de regime após o cumprimento de 2/5 da pena, se o condenado for primário, e de 3/5 em caso de reincidente.

Princípio da Proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem que de que alguém pode ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, por conseqüência, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu estado global. Tem, em conseqüência, um duplo destinatário: o Poder Legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionais, em abstrato, à gravidade do delito) e o Juiz (as penas que os Juízes impõem ao autor do delito têm de ser proporcionadas à sua concreta gravidade).
No que diz respeito especificamente à proporcionalidade em concreto, ou seja, aquela levada a efeito pelo Juiz, sua aferição não é tão tormentosa quanto aquela que deve ser realizada no plano abstrato. Isto porque o artigo 68 do Código Penal, ao implementar o critério trifásico de aplicação da pena, forneceu ao julgador meios para que pudesse, no caso concreto, individualizar a pena do agente, encontrando, com isso, aquela proporcional ao fato por ele cometido.

Princípio da Limitação das Penas
Em virtude do princípio a responsabilidade pessoal, também conhecido como princípio da pessoalidade ou da intranscendência da pena, somente o condenado é que terá de se submeter à sanção que lhe foi aplicada pelo Estado.
Havendo o falecimento do condenado, por exemplo, a pena que lhe foi infligida, mesmo que de natureza pecuniária, não poderá ser estendida a ninguém, tendo em vista o seu caráter personalíssimo, quer dizer, somente o autor do delito é que pode submeter-se às sanções penais a ele aplicadas. Todavia, diante de uma responsabilidade não penal, como a obrigação de reparar o dano, nada impede que, no caso de morte do condenado e tendo havido transferência de seus bens aos sucessores, este respondem até as forças da herança.
Mesmo após a alteração legislativa que passou a considerar a pena de multa como dívida de valor, aplicando-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, impedindo, ainda, a sua conversão em pena privativa de liberdade, há corrente doutrinária entendendo que a multa não perdeu o seu caráter penal.
Dessa forma, no caso de morte do condenado, não poderá valor correspondente à pena de multa a ele aplicada ser cobrado de seus herdeiros, uma vez que, neste caso, estaríamos infringindo o princípio da responsabilidade pessoal, insculpido no artigo 5º, inciso XLV da Constituição Federal, que diz que nenhuma pena passará da pessoa do condenado.
Ferrajoli, afirma, com precisão, que “acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e quantidade da pena. É este o valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas”.
Mesmo tratando-se de penas privativas de liberdade, o princípio da dignidade da pessoa humana, que deve orientar toda a atividade legislativa do Estado, não poderá deixar de ser observado.

Princípio da Culpabilidade
Culpabilidade diz respeito ao juízo de censura, ao juízo de reprovabilidade que ser faz sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Reprovável ou censurável é aquela conduta levada a efeito pelo agente que, nas condições em que se encontrava, poderia agir de outro modo. Reprova-se o agente por ter optado de tal modo que, sendo-lhe possível atuar de conformidade com o Direito, haja preferido agir contrariamente ao exigido pela lei. Culpabilidade é um juízo sobre a formação da vontade do agente.
O princípio da culpabilidade não se encontra no rol dos chamados princípios constitucionais expressos, podendo, no entanto, se extraído do texto constitucional, principalmente do chamado princípio da dignidade da pessoa humana,
O princípio da culpabilidade possui três sentidos fundamentais:
- culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico de crime: a culpabilidade é a terceira característica ou elemento do conceito analítico de crime, sendo estudada após a análise do fato típico e da ilicitude, ou seja, após concluir-se que o agente praticou um injusto penal. Uma vez chegada a essa conclusão, vale dizer de que a conduta do agente é típica e antijurídica, inicia-se um novo estudo, que agora terá seu foco dirigido à possibilidade ou não de censura do fato praticado. Portanto, sob esse primeiro enfoque, a culpabilidade exerce papel fundamental na caracterização da infração penal.
- culpabilidade como princípio medidor da pena: uma vez concluído que o fato praticado pelo agente é típico, ilícito e culpável, pode-se afirmar a existência da infração penal. O agente estará, em tese, condenado. Deverá o julgador, após a condenação, encontrar a pena correspondente à infração penal praticada, tendo sua atenção voltada para a culpabilidade do agente como critério regulador. Deverá o julgador observar, agora, as regras do critério trifásico de aplicação da pena previsto pelo artigo 68 do Código Penal. No primeiro momento, encontrará a chamada pena-base e, para tanto, deverá analisar, uma a uma, todas as condições judiciais elencadas pelo artigo 59 do Código Penal. A primeira das circunstâncias judiciais a ser aferida pelo Juiz é, justamente, a culpabilidade. Nessa fase, esse estudo não mais se destinará a concluir pela infração penal, já verificada no momento anterior. A culpabilidade, uma vez condenado o agente, exercerá uma função medidora da sanção penal que a ele será aplicada, devendo ser realizado outro juízo de censura sobre a conduta por ele praticada, não podendo a pena exceder o limite necessário à reprovação pelo fato típico, ilícito e culpável praticado.
- culpabilidade como princípio medidor da responsabilidade penal objetiva, ou seja, responsabilidade penal sem culpa: a princípio da culpabilidade impõe a subjetividade da responsabilidade penal. Não cabe, em Direito Penal, uma responsabilidade objetiva, derivada tão-só de uma associação causal entre conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico. Isso significa que para determinado resultado a ser atribuído ao agente é preciso que a sua conduta tenha sido dolosa ou culposa. Os resultados que não foram causados a título de dolo ou culpa pelo agente não podem ser a ele atribuídos, pois que a responsabilidade penal, de acordo com o princípio da culpabilidade, deverá sempre ser subjetiva. Nessa quadra, a culpabilidade deve ser entendida somente como um princípio em si, pois que, uma vez adotada a teoria finalista da ação, dolo e culpa foram deslocados para o tipo penal, não pertencendo mais ao âmbito da culpabilidade, que é composta pela imputabilidade, pelo potencial conhecimento da ilicitude do fato e pela exigência de conduta diversa.

Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade vem insculpido no inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição Federal que, diz: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” – redação que pouco difere daquela contida no artigo 1º do Código Penal.
O princípio da legalidade possui quatro funções fundamentais: a) proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimem nulla poena sine lege praevia); b) proibir da criação de crimes e penas pelos costumes (nullum crimen nulla poena sine lege scripta); c) proibir o emprego da analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta); d) proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa).
Um Direito Penal que procura estar inserido sob a ótica garantista deve, obrigatoriamente, discernir os critérios de legalidade formal e material, sendo ambos indispensáveis à aplicação da lei penal.
Por legalidade formal entende-se a obediência aos trâmites procedimentais previstos pela Constituição para que determinado diploma legal possa vir a fazer parte do nosso ordenamento jurídico. A aceitação de uma norma que atendesse tão-somente às formas e procedimentos destinados à sua criação conduziria a adoção do princípio da mera legalidade. Diante disso, devem ser obedecidos não somente as formas e procedimentos impostos pela Constituição, mas também e, principalmente, o seu conteúdo, respeitando-se suas proibições e imposições para garantia dos direitos fundamentais por ela previstos (legalidade material). Aqui, adota-se não mera legalidade, mas, sim, um princípio da estrita legalidade.
Os princípios da legalidade formal e da legalidade material, bem como os de vigência e validade da norma, podem ser resumidos e expressos por meio do brocardo nulla poena, nullum crimen sine lege valida.
O conceito de vigência da lei penal é vinculado à legalidade formal, assim como o conceito de validade liga-se à legalidade material. A lei penal formalmente editada pelo Estado pode, decorrido o período de vacatio legis, ser considerada em vigor. Contudo, a sua vigência não é suficiente, ainda, para que ela possa vier a ser efetivamente aplicada. Assim, somente depois da aferição de sua validade, isto é, somente depois de conferir sua conformidade com o texto constitucional é que ela terá plena aplicabilidade, sendo considerada, portanto, válida.
O procedimento legislativo previsto na Constituição Federal, apto a inovar o nosso ordenamento jurídico-penal pela edição de uma lei ordinária, é composto pelas seguintes fases: iniciativa do projeto; discussão; votação; sanção ou veto; promulgação; publicação; vigência.
Depois de discutido e votado o projeto de lei pelo Congresso Nacional, ele é remetido ao Presidente da República, coma finalidade de sancioná-lo (aprovando-o) ou vetá-lo (rejeitando-o). Uma vez sancionado o projeto, o Presidente da República o promulga, atestando que a ordem jurídica foi inovada. Desse modo, o projeto deixa de ser considerado como tal e possa gozar do status de lei. Agora, a lei deverá ser publicada para que dela todos tomem conhecimento. Uma vez publicada a lei penal, ela terá vigência imediata ou não. Se houver previsão para sua vigência e esta não coincidir com a sua publicação, o período entre a publicação e a vigência da lei é conhecido como vacatio legis.
O marco, portanto, para que devamos obediência à lei penal, como regra, é a data de sua vigência. Isso quer dizer que a lei penal que contenha tipos penais incriminadores ou de qualquer forma agrave a situação do agente, aumentando, por exemplo, hipóteses de circunstâncias agravantes, criando causas de aumento da pena etc., só pode ser aplicada, ou mesmo obedecida, após a sua entrada em vigor.
Em caso de lex mitior (lei mais benéfica), existe a possibilidade de ser aplicada ao caso concreto antes mesmo de sua entrada em vigor, visto que, segundo as determinações contidas no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal e do artigo 2º do Código Penal, a lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente deverá retroagir, ainda que o fato tenha sido decidido por sentença condenatória transitada em julgado. O raciocínio que se faz, in casu, é no sentido de que se a lei, obrigatoriamente, terá de retroagir a fim de beneficiar o agente, por que não aplicá-la antes mesmo do início de sua vigência, mediante a sua só publicação? Por economia de tempo, não se exige que se aguarde a sua vigência, podendo ser aplicada a partir de sua publicação.
A partir da promulgação da Emenda Constitucional n.º 32, ficou expressamente vedada a edição de medida provisória em matéria penal.
Parte da doutrina procura levar efeito uma distinção entre princípio da legalidade e o da reserva legal. De acordo com esse entendimento, a diferença residiria no fato de que, falando-se tão-somente em princípio da legalidade, estaríamos permitindo a adoção de quaisquer dos diplomas elencados no artigo 59 da Constituição Federal (leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções); ao contrário, quando fazemos menção ao princípio da reserva legal, estamos limitando a criação legislativa, em matéria penal, apenas às leis ordinárias – que é a regra geral – e às leis complementares.

Princípio da Extra-Atividade da Lei Penal
A regra geral, trazida no próprio texto da Constituição Federal, é a de irretroatividade in pejus, ou seja, da absoluta impossibilidade de a lei penal retroagir para, de qualquer modo, prejudicar o agente; a exceção é a retroatividade in mellius, quando a lei vier, também, de qualquer modo, favorecê-lo, conforme se dessume do incisco XL de seu artigo 5º, assim redigido: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
O primeiro marco, necessário ao confronto das leis que se sucederam no tempo, deverá ser identificado com clareza. É preciso, pois apontar com precisão o chamado tempo do crime, a partir do qual nosso raciocínio se desdobrará.
Várias teorias disputam o tratamento do tema relativo ao tempo do crime:
- teoria da atividade: tempo do crime será o da ação ou da omissão, ainda que seja outro o momento do resultado;
- teoria do resultado: determina que tempo do crime será o da ocorrência do resultado;
- teoria da ubiqüidade ou mista: concede igual relevo aos dois momentos apontados pelas teorias anteriores, asseverando que tempo do crime será o da ação ou da omissão, bem como o do momento do resultado.
O Código Penal adotou a teoria da atividade, conforme se verifica no seu artigo 4º: “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”.
Chama-se de extra-atividade a capacidade que tem a lei penal de se movimentar no tempo regulando fatos ocorridos durante a sua vigência, mesmo depois de ter sido revogada, ou de retroagir no tempo, a fim de regular situações ocorridas anteriormente à sua vigência, desde que benéficas ao agente. Tem-se, portanto, a extra-atividade como gênero, de onde seriam espécies a ultra-atividade e a retroatividade.
Fala-se em ultra-atividade quando a lei, mesmo depois de revogada, continua a regular os fatos ocorridos durante a sua vigência; retroatividade seria a possibilidade conferida à lei penal de retroagir no tempo, a fim de regular os fatos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor.
A lei nova, editada posteriormente à conduta do agente, poderá conter dispositivos que o prejudiquem ou que o beneficiem. Será considerada novatio legis in pejus, se prejudicá-lo; ou novatio legis in mellius, se beneficiá-lo.
Pode a lei prejudicar o agente: ampliando o rol de circunstâncias agravantes, criando causas de aumento de pena, aumentando o prazo de prescrição ou mesmo trazendo novas causas interruptivas ou suspensivas, etc. Poderá beneficiá-lo quando: trouxer causas de aumento e diminuição da pena, reduzir os prazos prescricionais, condicionar as ações penais à representação do ofendido, etc.
A novatio legis in mellius será sempre retroativa, sendo aplicada aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, ainda que tenham sido decididos por sentença condenatória já transitada em julgado.
De acordo como Enunciado n.º 711 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.
Quando o legislador, atento às mutações sociais, resolve não mais continuar a incriminar determinada conduta, retirando do ordenamento jurídico-penal a infração que a previa, pois que passou a entender que o Direito Penal não mais se fazia necessário à proteção de determinado bem, ocorre o fenômeno jurídico conhecido como abolitio criminis.
Descriminalizando aquela conduta até então punida pelo Direito Penal, o Estado abre mão de seu jus puniedi e, por conseguinte, declara a extinção da punibilidade (artigo 107, inciso III do CP) de todos os fatos ocorridos anteriormente à edição da lei nova. A extinção da punibilidade pode ocorrer nas fases policial e judicial.
Além de conduzir à extinção da punibilidade, a abolitio criminis faz cessar todos os efeitos penais da sentença condenatória, permanecendo, contudo, os seus efeitos civis.
Tem-se entendido por abolitio criminis temporalis, ou suspensão da tipicidade, a situação na qual a aplicação de determinado tipo penal encontra-se temporariamente suspensa, não permitindo, consequentemente, a punição do agente que pratica o comportamento durante o prazo da suspensão.
Pode acontecer a hipótese em que a lei penal a se aplicada não seja nem aquela vigente à época dos fatos, tampouco aquela em vigor quando da prolação da sentença. É o caso da chamada lei intermediária. A regra da ultra-atividade e da retroatividade é absoluta nos sentido de, sempre, ser aplicada a agente a lei que mais lhe favoreça, não importando, na verdade, o momento de sua vigência, isto é, se na data do fato, na data da sentença, ou mesmo entre esses dois marcos.
As leis temporárias e excepcionais encontram previsão no artigo 3º do Código Penal. Considera-se temporária a lei quando esta traz expressamente em seu texto o dia de início, bem como o término de sua vigência. Excepcional é aquela editada em virtude de situações também excepcionais (anormais), cuja vigência é determinada pela própria duração da aludida situação que levou à edição do diploma legal. Encerrado o período de sua vigência, ou cessadas as circunstâncias anormais que a determinaram, tem-se por revogadas as leis temporária e excepcional.
É controvertida a constitucionalidade das leis temporárias e excepcionais. Aquelas que pugnam pela constitucionalidade desses diplomas legais argumentam qe as condições anormais que as geraram são consideradas elementos do tipo, assim se posiciona Frederico Marques, seguido por Damásio de Jesus:
“Quando a lei ordinária retoma o seu vigor após a extinção da vigência da lei excepcional ou temporária, não é mudada a concepção jurídica do fato. Este passa a ser lícito porque não mais estão presentes as condições temporais ou de fato exigidas por aquelas. Não se pode falar em exclusão da reação penal, mais sim ausência de elementos do tipo. O mesmo se pode dizer quando a lei excepcional ou temporária impõe pena mais severa. Terminado o prazo de sua vigência e em vigor a lei ordinária menos severa, não há alteração do estado jurídico de fato, no sentido de tornar mais benigna a repressão penal, mas ausência das situações que justificavam a maior punibilidade.”
Em sentido contrário, merece destaque a posição de Nilo Batista e Zaffaroni, segundo os quais, não tendo a Constituição Federal ressalvado a possibilidade de ultra-atividade in pejus das leis temporárias e excepcionais, não será possível tal interpretação, devendo prevalecer o entendimento nno sentido de que o artigo 3º do Código Penal, em tem de sucessão de leis penais no tempo, não foi recepcionado pela atual Carta Constitucional, para fins de aplicação da lei anterior em prejuízo do agente. Assim, portanto, havendo sucessão de leis temporárias e excepcionais, prevalecerá a regra constitucional da extra-atividade in mellius.
Fala-se em combinação de leis quando, a fim de atender aos princípios da ultra-atividade e da retroatividade in mellius, ao julgador é conferida a possibilidade de extrair de dois diplomas os dispositivos que atendam aos interesses do agente, desprezando aqueles que o prejudiquem.
Discute-se se é possível esse tipo de raciocínio, uma vez que, segundo parte da doutrina, o julgador estaria criando um terceiro gênero de lei, o que lhe é vedado. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, existe divergência jurisprudencial.
Pode acontecer que ainda durante a fase investigatória surja outra lei mais benéfica ao agente. O Ministério Público, ao receber os autos de inquérito policial, já deverá oferecer denúncia tomando por base o novo texto. Se o processo estiver em andamento, o Juiz ou o Tribunal poderá aplicar a lex mitior.
Uma vez transitada em julgado a sentença penal condenatória, como regra, a competência da para aplicação da lex mitior é transferida para o Juízo das execuções, conforme determina o artigo 66, inciso I da Lei de Execuções Penais. Competirá ao Juízo das execuções a aplicação da lei mais benéfica sempre que tal aplicação importar num cálculo meramente matemático. Caso contrário, não. Toda vez que o Juiz da Vara de Execuções, a fim de aplicar a lex mitior, tiver de, obrigatoriamente, adentrar no mérito da ação penal de conhecimento, já não possuirá competência para tanto.
O princípio da irretroatividade in pejus não se aplica às medidas de segurança. Isso porque elas possuem caráter curativo, sendo sua finalidade, portanto, diferente da pena.
Tem-se entendido como vacatio legis indireta a hipótese em que a lei, além do seu período normal de vacatio legis, em seu próprio corpo, prevê um outro prazo para que determinados dispositivos possam ter aplicação (ex. artigo 30 do Estatuto do Desarmamento, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n.º 11.706/2008). Nossos Tribunais Superiores têm reconhecido a atipicidade do comportamento praticado dentro do período de vacatio legis indireta.
Quando a nova interpretação jurisprudencial for benéfica ao agente, deverá, obrigatoriamente, retroagir, a fim de alcançar os fatos ocorridos no passado que foram julgados sob a ótica do entendimento anterior.

Princípio da Territorialidade
Pela teoria da atividade, lugar do crime seria o da ação ou omissão, ainda que outro fosse o da ocorrência do resultado. Já a teoria do resultado despreza o lugar da conduta e defende a tese de que lugar do crime será, tão-somente, aquele em que ocorrer o resultado. A teoria da ubiqüidade ou mista adota as duas posições anteriores e aduz que lugar do crime será o da ação ou omissão, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado (teoria adotada pelo Código Penal).
O artigo 5º, caput, do Código Penal determina a aplicação da lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. É a regra da territorialidade. Pela redação do mencionado artigo, percebe-se que no Brasil não se adotou uma teoria absoluta da territorialidade, mas sim uma teoria conhecida como temperada, haja vista que o Estado, mesmo sendo soberano em determinadas situações, pode abrir mão da aplicação de sua legislação, em virtude de convenções, tratados e regras de direito internacional.
O § 1º do artigo 5º do Código Penal considerou, para efeitos penais, como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de natureza privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.
O § 2º do artigo 5º do Código Penal determinou também a aplicação da lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e as embarcações em porto ou mar territorial do Brasil (quando de natureza pública ou a serviço do governo estrangeiro também são consideradas como extensão do território correspondente à sua bandeira).

Princípio da Extraterritorialidade
O princípio da extraterritorialidade preocupa-se com a aplicação da lei brasileira às infrações penais cometidas além de nossas fronteiras. A extraterritorialidade pode ser condicionada ou incondicionada.
Extraterritorialidade condicionada é a possibilidade de aplicação da lei penal brasileira a fatos ocorridos no estrangeiro, sem que, para tanto, seja necessário o concurso de qualquer condição. As hipóteses de extraterritorialidade incondicionada estão previstas no artigo 7º, inciso I do Código Penal, in verbis:
“Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:
I - os crimes:
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço;
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;”
O agente será punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro. Em caso de condenação, a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada quando idênticas. No que diz respeito ao crime de genocídio, deve ser ressalvada, ainda, a jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
A extraterritorialidade condicionada encontra-se prevista no inciso II do artigo 7º do Código Penal:
“II - os crimes:
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;
b) praticados por brasileiro;
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.”
De acordo com o § 2º do citado artigo, as condições para aplicação da lei brasileira são as seguintes:
“§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:
a) entrar o agente no território nacional;
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.”
O § 3º do artigo 7º do Código Penal dispõe, ainda, que a lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se reunidas as condições previstas no § 2º do mesmo artigo: a) não sendo pedida ou negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça. Acolhe-se, aqui, o chamado princípio da defesa ou da personalidade passiva.
Compete aos Juízes federais processar e julgar as causas relativas aos direitos humanos e que se refere o § 5º do artigo 109 da Constituição Federal:
“§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.”

Fonte: Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rogério Grecco.