terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Organização Administrativa

O Estado tanto pode desenvolver por si mesmo as atividades administrativas que tem constitucionalmente a seu encargo, como pode prestá-las através de outros sujeitos.
Nesta segunda hipótese, ou transfere a particulares o exercício de certas atividades que lhe são próprias ou, então, cria outras pessoas, como entidades adrede concebidas para desempenhar cometimentos de sua alçada. Ao criá-las, a algumas conferirá personalidade de Direito Público e a outras personalidades de Direito Privado. Por meio delas, então, descentralizará as sobreditas atividades.
O Estado como a outras pessoas de Direito Público que crie, pelos múltiplos cometimentos que lhes assistem, têm de repartir no interior deles mesmos, os encargos de sua alçada entre diferentes unidades, cada qual, de uma parcela de atribuições para decidir que lhes são afetos. Estas unidades são denominadas órgãos e se constituem por um conjunto de competências.
Órgãos são as unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado. Por se tratar, tal como o próprio Estado, de entidades reais, porém abstratas (seres de razão), não têm nem vontade nem ação, no sentido de vida psíquica ou anímica próprias, que, estas, só os seres biológicos podem possuí-las. De fato, os órgãos não passam de simples repartições de atribuições, e nada mais. A vontade e a ação do Estado (manifestada por seus órgãos) são constituídas na e pela vontade e ação dos agentes.
Os órgãos não passam de simples partições internas da pessoa cuja intimidade estrutural integram, isto é, não têm personalidade jurídica. Por isto, as chamadas relações interorgânicas, isto é, entre os órgãos, são, na verdade, relações entre os agentes enquanto titulares das respectivas competências, os quais, de resto, têm direito subjetivo ao exercício delas e dever jurídico de expressar-nas e fazê-las valer, inclusive contra intromissões indevidas e outros órgãos.
Os órgãos, quanto à estrutura, podem ser divididos em: a) simples; b) colegiais, conforme suas decisões sejam formadas e manifestadas individualmente por seus agentes, ou, então, coletivamente pelo conjunto de agentes que os integram, caso, este, em que suas deliberações são imputadas ao corpo deliberativo, e não a cada qual de seus componentes.
Quanto às funções que exercem, são tradicionalmente classificados em: a) ativos, que são os que expressam decisões estatais para o cumprimento dos fins da pessoa jurídica; b) de controle, que são os prepostos a fiscalizar e controlar a atividade de outros órgãos ou agentes; c) consultivos, que são os de aconselhamento e elucidação (pareceres) para que sejam tomadas as providências pertinentes pelos órgãos ativos.
A estas espécies tipológicas de órgãos devem ser acrescentados os órgãos verificadores, que são os encarregados da emissão de perícias ou de mera conferência de situações fáticas ou jurídicas; e os órgãos contenciosos, aos quais compete, em posição de absoluta imparcialidade, o julgamento de situações controversas.
Os pareceres emitidos pelos órgãos consultivos, quanto ao conteúdo, são: a) de mérito, se lhes compete apreciar a conveniência e oportunidade da medida a ser tomada, ou b) de legalidade, se devem examiná-la sob o ponto de vista da conformidade ao Direito. Quanto ao grau de necessidade ou influência que a lei lhes irroga, serão: a) facultativos, quando a autoridade não é obrigada a solicitá-los, fazendo-o para melhor se ilustrar, sem que a tanto esteja obrigada; b) obrigatórios, quando sua ouvida é imposta como impostergável, embora não seja obrigatório seguir-lhes a orientação; c) vinculantes, quando a autoridade não pode deixar de atender às conclusões neles apontadas.
Antes que poderes, as competências são deveres, o que é particularmente visível no caso das competências administrativas. Na verdade, elas são deveres-poderes, expressão, esta, que descreve melhor suas naturezas do que as expressão poder-dever. É que ditas competências são atribuídas ao Estado, a seus órgãos, e, pois, aos agentes neles investidos, especificamente para que possam atender a certas finalidades públicas consagradas em lei; isto é, para que possam cumprir o dever legal de suprir interesses concebidos em proveito da coletividade.
Na esfera do Direito Público os poderes assinados ao sujeito não se apresentam como situações subjetivas a serem consideradas apenas pelo ângulo ativo. É que, encartados no exercício de funções, implicam dever de atuar no interesse alheio – o do corpo social –, compondo, portanto, uma situação de sujeição. Vale dizer, os titulares dessas situações subjetivas recebem suas competências para as exercerem em prol de um terceiro: a coletividade que representam.
Ditos poderes têm caráter meramente instrumental, são meios à falta dos quais restaria impossível, para o sujeito, desempenhar-se do dever de cumprir o interesse público, que é, a final, o próprio objetivo visado e a razão mesma pela qual foi investido nos poderes atribuídos. O que a ordem jurídica pretende, então, não é que um dado sujeito desfrute de um poder, mas que possa realizar uma certa finalidade, proposta a ele como encargo do qual tem de se desincumbir. Como, para fazê-lo, é imprescindível que desfrute de poderes, estes são outorgados sob o signo assinalado. Então, o poder, na competência, é a vicissitude de um dever.
Nem o Estado nem, portanto, seus órgãos e agentes dispõem de competências para auto-satisfação. Estas, no Estado de Direito obviamente não são instituídas em favor de quem as titularize, mas para que sirvam a determinados objetivos estabelecidos no interesse de todos.
Uma vez que a atividade administrativa é infralegal, submissa à lei e preordenada à satisfação de seus comandos, as competências administrativas nada mais podem ser senão feixes de atribuições concebidos para proporcionar as realizações in concreto dos desideratos legais, cujo atendimento propõe-se para órgãos e agentes administrativos como uma imposição à qual, de direito, não podem se esquivar. Segue-se que os poderes nela contidos, por definição, ficarão delimitados pelo necessário e suficiente ao cumprimento do escopo normativo, jamais podendo excedê-lo.
A competência pode ser conceituada como círculo compreensivo de um plexo de deveres públicos a serem satisfeitos mediante o exercício de correlatos e demarcados poderes instrumentais, legalmente conferidos, para a satisfação de interesses públicos.
Consequência disto é que as competências, embora apareçam abstratamente com a extensão, intensidade e amplitude necessárias para colher as várias hipóteses possíveis, outorgam, in concreto, única e exclusivamente o quantum de poder indispensável para curar o interesse em vista do qual foram atribuídas a alguém, ou seja, nada mais do que o requerido para a satisfação do dever que lhes preside a existência. Logo, a compostura do poder manejável ficará iniludivelmente delimitada pelo que seja deveras requerido para atendimento do interesse público que o justifica.
As competências públicas são: a) obrigatórias para os órgãos e agentes públicos; b) irrenunciáveis, significando isto que seu titular não pode abrir mão delas enquanto titularizar; c) intransferíveis; d) imodificáveis pela vontade do titular, a lei, contudo, pode admitir hipóteses de avocação; e) imprescritíveis.
Se alguém é parte diretamente interessa em uma decisão administrativa, pode questioná-la mediante: a) pedido de reconsideração, que é a petição dirigida à mesma autoridade prolatora da decisão, postulando que a modifique ou suprima; b) recurso hierárquico, que é a petição dirigida à autoridade imediatamente superior à que proferiu a decisão questionada, postulando sua reforma ou supressão – normalmente é interposto perante a própria autoridade recorrida, a qual poderá reconsiderar o decidido, o que deverá fazer em cinco dias, ou elevar a matéria.
O prazo para recorrer, salvo disposição específica em sentido diverso, é de 10 (dez) dias, contados da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida. A autoridade terá de decidir, se não houver prazo diferente estabelecido em lei, no máximo em 30 (trinta) dias a partir do recebimento dos autos, prorrogáveis por igual período ante a justificativa explícita.
O direito de recorrer administrativamente não pode ser recusado, visto que se trata de uma inerência ao princípio constitucional da ampla defesa. Os recursos administrativos são propostos na intimidade de ima mesma pessoa jurídica, por isso são chamados de recursos hierárquicos. Se, todavia, a lei previr que da decisão de uma pessoa jurídica cabe recurso para autoridade encartada em outra pessoa jurídica, o recurso será, em tal caso, denominado recurso hierárquico impróprio.
Durante a pendência de recurso administrativo, conforme entendimento corrente, não corre prazo prescricional contra o administrado. Opostamente, o pedido de reconsideração não interrompe nem suspende a prescrição.
Como regra, os recursos administrativos têm efeitos apenas devolutivos, ou seja, o de submeter a questão ao escalão superior. Só terão efeito suspensivo nos casos em que a lei lhe atribua tal efeito ou quando a autoridade recorrida verificar a necessidade de conferi-lo.
Se o insurgente não é parte da relação jurídica em cujo bojo foi tomada a decisão, poderá dirigir-se à autoridade competente para apreciar a matéria. Trata-se de manifestação do direito de petição, previsto no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal. Assumirá o nome de: a) representação, que é precisamente o designativo que se dá a manifestações insurgentes não qualificáveis como pedido de reconsideração ou recurso; b) denúncia, designativo utilizado para hipótese similar, na qual, todavia, prepondera o intuito de alertar a autoridade competente para conduta administrativa apresentada como censurável.
Encontra-se, ainda, para referir insurgência expressiva do direito de petição não qualificável como pedido de reconsideração ou recurso hierárquico, a expressão reclamação administrativa, taxinomia genérica e que designa a manifestação do inconformismo do administrado em face de decisão administrativa que lhe afeta direitos ou interesses.
Todos os prazos começam a correr a partir da certificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento, o qual, se coincidir com dia no qual não haja expediente ou em que este for encerrado antes da hora normal, prorrogar-se-á para o primeiro dia útil.
Diz-se que a atividade administrativa é descentralizada quando é exercida por pessoa ou pessoas distintas do Estado. Diz-se que atividade administrativa é centralizada quando é exercida pelo próprio Estado, ou seja, pelo conjunto orgânico que lhe compõe a intimidade.
Nos termos do Decreto-Lei 200, a Administração Direta é a que se constitui dos serviços integrados da estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios, e Administração Indireta é a que compreende as seguintes categorias de entidades dotadas de personalidade jurídica própria: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas.
Dentre as pessoas categorizadas no Decreto-Lei 200/67 como Administração Indireta, as autarquias foram apontadas como predispostas a executar atividades típicas da Administração Pública.
Para as empresas públicas e sociedades de economia mista o Decreto-Lei 200/67 consignou que a finalidade da atividade econômica que o governo seja levado a exercer por força da contingência ou de conveniência administrativa. Já as fundações públicas foram configuradas como sujeitos criados para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de Direito Público.
Percebe-se, pois, que o critério retor da classificação foi o orgânico, também chamado de subjetivo. Com efeito, foram relacionados à conta de entidades da Administração Indireta quaisquer sujeitos havidos como integrantes da Administração Federal, pelo só fato de comporem dito aparelho, independentemente da natureza substancial da atividade que se lhes considere própria e independentemente do regime jurídico que lhes corresponda (público ou privado).
Entidades paraestatais são sujeitos que não integram a estrutura do Estado, isto é, são pessoa de direito privado, que, em paralelismo com o Poder Público, desempenham cometimentos que este poderia desempenhar por se encontrarem no âmbito de interesse seus, mas não exclusivamente seus. Caracterizam-se pelo fato de que o Estado enfaticamente os assume como colaboradores, emprestando-lhes o significativo amparo de colocar a seu serviço o poder de império de que dispõe ao instituir em favor deles, como justamente com os serviços sociais autônomos, circunstância esta que lhes confere uma peculiar singularidade entre os sujeitos alheios à Administração Indireta que concorrem para objetivos sociais de interesse público.
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello inclui o âmbito paraestatal, além dos serviços socais autônomos, as escolas particulares, pois seu ensino tem validade oficial, os sindicatos e os partidos políticos, reconhecendo em todos eles serem sujeitos que constituem-se juridicamente por ato de livre vontade e independente de qualquer delegação do Estado, nos termos legais por este permitido e previsto, para atuarem paralelamente a ele na consecução de fins considerados de interesse público, e para coadjuvarem seus cometimentos.


Fonte: Curso de Direito Administrativo. Celso Antônio Bandeira de Mello.