quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Questões Incidentais e Processos Incidentes Processo Penal

O comum entre os processos incidentes é o seu processamento em apenso aos autos da ação penal, reclamando, em regra (a exceção fica por conta do julgamento de eventuais embargos ao seqüestro, que deverá ser posterior ao julgamento da ação penal), pronunciamento prévio do Juízo. Tais incidentes, em geral, também não suspendem o curso da ação penal. Já as questões prejudiciais de que cuidam os artigos 92 e seguintes do Código de Processo Penal não têm processamento em apartado à ação penal; aliás, nem sequer são da competência do Juízo criminal.
Trata-se de matéria cuja solução é prejudicial ao julgamento da ação penal, no sentido de atuarem como pressupostos (fundamento de origem) da própria definição da existência do crime. Em uma palavra, integram, como elementar, o tipo penal imputado ao réu. É bem verdade que há também questões incidentais no Juízo criminal que igualmente reclamam solução prévia, para a própria configuração do crime. São as chamadas questões prejudiciais homogêneas, de que é exemplo mais eloqüente a apreciação do crime de receptação, cujo tipo penal apresenta como elementar o fato de ser produto de crime a coisa ali mencionada.
Entretanto, embora prejudicial, nada impede que o Juiz da causa prejudicada resolva como lhe parecer de direito uma questão, mesmo quando não for territorialmente competente para o julgamento de ambas as causas. É bem verdade que essa possibilidade põe em risco o princípio da unidade da jurisdição, a partir de eventuais soluções distintas para um único mesmo fato. Ocorre, porém, que, tratando-se de matéria que se insere na competência jurisdicional do Juiz, o risco pode ser minimizado pela aplicação das regras da conexão, sobretudo aquela que cuida da conexão instrumental ou probatória (artigo 76, inciso III do CPP). No que respeita, entretanto, às questões propriamente ditas, isto é, aquelas previstas nos artigos 92 e 93 do Código de Processo Penal, também chamadas de questões heterogêneas, a respectiva solução judicial, como regra, não é da competência do Juiz criminal, e sim da jurisdição cível. Daí porque inevitável o recurso às regras da conexão, por exemplo. As questões prejudiciais – objeto de uma relação jurídica de natureza civil – podem ser obrigatórias ou facultativas.
Na primeira hipótese, serão obrigatórias no sentido de afastarem absoluta e completamente a competência da instância criminal, devendo ser resolvidas unicamente na jurisdição cível. Isso ocorre quando a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o Juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas (artigo 92 do CPP). Assim, o Juiz de ofício ou a requerimento das partes suspende o processo, até solução final e definitiva da questão no Juízo cível, devendo o Ministério Público (se pública a respectiva ação) promover a ação civil relativa à questão prejudicial, ou nela prosseguir, quando já iniciada. O prazo prescricional estará suspenso enquanto não resolvida a questão no Juízo cível, nos termos do artigo 116, inciso I do Código Penal, devendo o Juiz determinar a produção de provas reputadas urgentes. Diferentemente, a questão prejudicial será facultativa, ou seja, a depender do juízo de conveniência e oportunidade do Juiz da causa penal, quando a existência da infração penal depender de decisão relativa ao estado civil das pessoas (artigo 93 do CPP).
Os requisitos para suspensão da ação penal em caso de questão prejudicial facultativa são mais rigorosos, a saber: é necessária a existência prévia de uma ação no Juízo cível para a solução da questão; a matéria há de ser de difícil solução e deve versar sobre direito cuja prova não seja limitada pela lei civil. Suspenso o processo, de ofício o a requerimento das partes, e após a oitiva das testemunhas e a realização das provas reputadas urgentes, o Juiz penal assinalará prazo para aguardar a solução no cível, devendo o Ministério Público intervir imediatamente na causa cível, a fim de promover-lhe o rápido andamento. Encerrado o prazo assinalado, o Juiz poderá determinar a sua prorrogação, se não for ele suficiente, desde que por tempo razoável e desde que sua demora não seja imputável à parte. Expirado este prazo, o Juiz penal retomará o curso da ação penal, se não sentenciado o processo cível, resolvendo, de fato e de direito, toda a matéria da acusação e da defesa.
Os processos incidentes denominados exceções têm tramitação perante o Juiz criminal de competência para a ação penal, cujo objeto consistirá: a) em uma questão preliminar, a reclamar solução prévia, antes da apreciação do mérito da pretensão punitiva; b) em uma questão de natureza cautelar, ou acautelatória dos interesses patrimoniais que emergem do processo principal; c) em uma questão probatória, atinente tanto à comprovação da imputabilidade do agente, caso do incidente de sanidade mental, quanto à constatação da materialidade do delito, como ocorre no incidente de falsidade. Uma questão prejudicial deve também ser examinada preliminarmente, uma vez que a sua solução atingirá decisivamente o mérito da ação penal.
É bem ver que as questões prejudiciais dizem respeito ao próprio mérito do fato criminoso, constituindo verdadeiros pressupostos (da existência) do crime, enquanto as preliminares cuidam de questões relativas à validade do processo, portanto, da regularidade da tutela jurisdicional em determinado processo. Tanto a suspeição, o impedimento, a incompatibilidade quanto a incompetência do Juízo, a litispendência, a legitimidade de parte e a coisa julgada (que constituem exceções processuais) dizem respeito à aptidão do processo penal em curso para gerar os efeitos jurídicos que dele se espera.
Cabe salientar que, embora haja previsão do procedimento específico, como defesa indireta, a ser atuado em apartado, todas as questões relativas às exceções poderão ser reconhecidas de ofício pelo Juiz da causa e, à exceção da incompetência relativa, podem ser alegadas pela parte a qualquer tempo. As exceções geralmente são classificadas como exceções dilatórias e exceções peremptórias, constituindo matéria de defesa indireta, pois se dirigem não ao mérito da ação (ainda que na exceção de coisa julgada a alegação seja de existência da apreciação do mérito), mas às questões cuja solução antecedem ao julgamento daquele.
São dilatórias as exceções cuja solução não põe termo a processo principal, implicando apenas a dilação do julgamento final, tal como ocorrem com a exceção de incompetência do Juízo, de suspeição, impedimento ou incompatibilidade. São peremptórias aquelas que, uma vez acolhidas, encerram a relação processual principal, pondo fim à ação penal em curso. É o caso da exceção da coisa julgada, de litispendência e, por fim, da ilegitimidade de parte. Observe-se, porém, em relação a esta última, que o seu acolhimento implicará a extinção do processo, mas não impedirá a instauração de nova ação penal pela parte legitimada.
O Código de Processo Penal inicia o tratamento das exceções referindo-se diretamente à exceção de suspeição, estabelecendo que a argüição de suspeição precederá a qualquer outra, salvo quando fundada em motivo superveniente. Tanto as causas que determinam a suspeição quanto aquelas que estabelecem casos de impedimento do Juiz dizem respeito a fatos e circunstâncias, subjetivos ou objetivos, que, de alguma maneira, podem afetar a imparcialidade do julgador na apreciação do caso concreto.
Os casos de impedimento referem-se a fatos e/ou circunstâncias atinentes e intimamente ligados ao próprio processo submetido inicialmente à jurisdição do Juiz. Por exemplo: quando o Juiz ou seu parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, fora parte diretamente interessada no feito. Já as hipóteses de suspeição configuram situações da realidade externa ao processo levado ao conhecimento do Juiz. Por exemplo: a inimizade capital ou amizade íntima. Em todas as situações, a razão da suspeição decorrerá de fato, evento, circunstâncias e convicções pessoais, cuja origem esteja fora do processo judicial em que se questiona a imparcialidade do Juiz.
Seja como for, o que realmente importa é que, em todas elas, seja causa de suspeição, seja de impedimento, o que estará em jogo é a imparcialidade do Juiz, colocando em risco o devido processo legal, razão pela qual se permite às partes, desde logo, o afastamento do magistrado.
As incompatibilidades previstas no artigo 112 do Código de Processo Penal compreenderão todas as demais situações que possam interferir na imparcialidade do julgador e que não estejam arroladas entre as hipóteses de uma e outra. É o que ocorre, por exemplo, em relação às razões de foro íntimo.
A suspeição, cuja argüição deve anteceder às demais (e, assim, o impedimento e a incompatibilidade), poderá (e deverá) ser reconhecida espontaneamente, por escrito e em decisão devidamente fundamentada, caso em que os autos serão remetidos a outro Juiz igualmente competente. Quando a causa da suspensão for anterior à ação penal e do conhecimento das partes, ela deverá ser oposta na primeira oportunidade, ou seja, por ocasião da resposta escrita. Não concordando o Juiz com as alegações da parte excipiente, ele determinará a formação de autos apartados, oferecendo resposta e três dias, podendo, ainda, apresentar prova e arrolar testemunhas. Feito isso, os autos serão, em 24 horas, encaminhados ao Tribunal competente, onde será julgada a exceção, após regular instrução.
Dispõe ainda o artigo 100, § 2º do Código de Processo Penal que se a suspeição (e a incompatibilidade e o impedimento) for de manifesta improcedência, o relator a rejeitará liminarmente. Nos Tribunais, as exceções de suspeição de seus membros serão julgadas conforme dispuserem os respectivos regimentos internos, diante do que contém, a contrario sensu, no disposto no artigo 24 da Lei n.º 8.038/90. Julgada procedente a exceção, todos os atos do processo serão anulados.
Em relação à suspeição, ao impedimento e à incompatibilidade de membro do Ministério Público, o Juiz, depois de ouvido o interessado, poderá permitir a produção de prova no prazo de três dias, decidindo logo em seguida. Se a argüição for em relação aos peritos, aos intérpretes e aos serventuários, o Juiz decidirá de plano, sem recurso, à vista da matéria alegada e provada imediatamente. Nos termos do artigo 107 do Código de Processo Penal, não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, o que não as impedirá de declararem-se suspeitas quando for o caso.
A suspeição dos jurados, no Tribunal do Júri, deverá ser argüida oralmente, na respectiva sessão, decidindo o Presidente do Tribunal de imediato, se, negada pelo argüido (recusado), não for comprovada desde logo.
Embora as exceções devam ser argüidas pelos interessados na primeira oportunidade que falarem nos autos, o fato é que, tratando-se de questão ligada ao devido processo legal, no que toca à imparcialidade da jurisdição, a suspeição, o impedimento ou a incompatibilidade poderão ser reconhecidos mesmo após o trânsito em julgado da ação condenatória (exceto quando absolutória a decisão, tendo em vista a vedação da revisão pro societate), se comprovada a violação da imparcialidade do órgão julgador. É que se cuida, evidentemente, de matéria de ordem e interesse eminentemente públicos, para muito além daquele das partes envolvidas em que concretamente teria ocorrido a apontada causa.
A competência relativa é a determinada pelas regras infraconstitucionais; daí porque denominada competência territorial. A competência absoluta, por sua vez, que é aquela do Juiz natural, pelo fato de ter origem em norma constitucional, poderá ser reconhecida a qualquer momento, mesmo após o trânsito em julgado, em função da relevância do interesse público na correta e adequada distribuição da Justiça. O único limite ao seu reconhecimento refere-se à coisa julgada pro reo, tendo em vista a vedação constitucional da proibição da reformatio pro societate. Do ponto de vista da lei, e não só do sistema, também há previsão expressa no conhecido Pacto de San Jose da Costa Rica. Por isso, excepcionada ou não a incompetência, reconhecida espontaneamente ou não pelo Juiz, o processo poderá ser anulado a qualquer tempo, quando se tratar de incompetência absoluta.
O objeto, por excelência da exceção de incompetência prevista no Código de Processo Penal é, portanto, a incompetência territorial, ou seja, a incompetência relativa. O estuto processual penal permite que mesmo a incompetência relativa seja reconhecida ex officio e a qualquer tempo, consoante se extrai do artigo 109. É bem-vinda a inserção do princípio da identidade física do Juiz (artigo 399, § 2º do CPP), a determinar que o magistrado que instruir o processo deverá sentenciá-lo, impondo, assim, um limite ao reconhecimento da incompetência relativa pelo Juiz. Como não haverá mais a possibilidade de ratificação dos atos instrutórios, ao menos como regra, e por que deve-se evitar a repetição dos atos processuais, a questão atinente à incompetência relativa deverá estar resolvida até a fase de instrução. A incompetência por ser oposta verbalmente ou por escrito, no prazo da resposta escrita.
O prazo é preclusivo para as partes, ressalvada, assim, a possibilidade de o próprio Juiz reconhecer a sua incompetência territorial, desde que o faça até antes da audiência de instrução concentrada, em face do princípio da identidade física do Juiz. Ouvido o Ministério Público, se for aceita a declinatória, o Juiz remeterá os autos ao magistrado competente, pelo qual poderão ser ratificados os atos processuais não decisórios; se recusada, o Juiz dará prosseguimento ao processo, registrando por escrito a exceção oposta verbalmente. Da decisão que aceitar a declinatória, reconhecendo a incompetência, caberá recurso em sentido estrito, com fundamento no artigo 581, inciso III do Código de Processo Penal. Quando recusada a exceção, a regra é não-cabimento de qualquer recurso nominado, podendo ter cabimento, todavia, o habeas corpus, com fundamento no disposto no artigo 648, inciso III do Código de Processo Penal.
Segundo o artigo 110 do Código de Processo Penal, na apreciação das exceções de litispendência, ilegitimidade de parte e de coisa julgada, será adotado o mesmo procedimento previsto para o julgamento da exceção de incompetência. Quando se trata de ilegitimidade de parte, não se trata de matéria sujeita à preclusão, podendo ser argüida pelo réu em qualquer fase do processo, como objeto de defesa, mesmo após o trânsito em julgado, quando condenatória a decisão. As questões relativas às exceções, incluindo a de incompetência absoluta e de suspeição, podem sempre ser alegadas como pela defesa (preliminar de mérito), em qualquer tempo, independentemente do procedimento de exceção.
As exceções serão processadas em autos apartados e não suspenderão, em regra, o processo principal. - conflito de jurisdição O conflito pode ser positivo, quando dois ou mais órgãos do Poder Judiciário, Juízes ou Tribunais, considerarem-se competentes para o processo e julgamento do mesmo fato criminoso, ou negativo, quando aquelas autoridades judiciárias afirmarem-se incompetentes para o conhecimento da causa penal. O conflito também poderá ocorrer quando surgir entre as autoridades judiciárias qualquer controvérsia acerca da unidade do Juízo, reunião ou separação de processos.
A controvérsia citada no artigo 114, inciso III do Código de Processo Penal pe aquela a respeito exatamente dos critérios de fixação de competência a partir da constatação da existência da conexão ou continência, caso do disposto no artigo 78, bem como dos dispositivos constitucionais pertinentes, quando se tratar da aplicação das regras do Juiz natural. Do mesmo modo que em relação à unidade do Juízo e a reunião de processos, a controvérsia poderá surgir também sobre a necessidade de separação de processos, envolvendo casos de separação obrigatória ou facultativa, conforme disposto nos artigos 79 a 82 do Código de Processo Penal. Poderá surgir até mesmo acerca da existência ou não de conexão e/ou continência, do que resultaria a separação ou a necessária reunião dos processos. Quando se tratar de conflito de competência existente entre Juízes vinculados ao mesmo Tribunal, a solução será dada por este.
O conflito poderá ter lugar tanto em relação à ação penal em primeira instância quanto em relação à competência para apreciação e julgamento do recurso aviado contra decisão nesta esfera. Proferida uma decisão de primeiro grau por um Juiz incompetente em razão da matéria, apenas ao respectivo Tribunal a quem se encontra vinculado o Juízo é dada a revisão do julgado, com a anulação do processo e posterior remessa ao Juiz competente. Não é possível, em hipótese alguma, que a anulação da sentença seja feita pelo órgão de segunda instância de outra jurisdição, ainda que originalmente competente. A Constituição Federal atribui aos Tribunais de segunda instância o poder de avocatória em relação a outro Tribunal de mesma hierarquia, tal como ocorre, por exemplo, com o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça.
Contrariando toda a jurisprudência consolidada, a Corte Suprema decidiu pela competência dos Tribunais de Justiça dos Estados para apreciação de habeas corpus contra decisão emanada de Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais. Consequência disso é que aquela Corte parece afirmar a existência de uma hierarquia jurisdicional dos Tribunais de Justiça, com o que, jamais poderá haver conflito de competência entre eles (Turmas Recursais e Tribunais de Justiça). O conflito pode ser requerido pela defesa e pela acusação; pelo órgão do Ministério Público em ações penais privadas; ou pelos próprios Juízes e Tribunais, sob a forma de representação, expondo os fundamentos de fato e juntado os documentos comprobatórios de suas alegações.
Quando negativo o conflito, ausente então o risco de andamento do processo, o conflito poderá ser suscitado nos próprios autos; quando positivo, o relator poderá determinar a suspensão da ação penal, para evitar prejuízos para os interessados. Requisitadas e prestadas as informações pelas autoridades judiciárias em conflito, e depois de ouvido o Ministério Público, o Tribunal resolverá o incidente.
- restituição de coisas apreendidas
O incidente de restituição de coisas apreendidas destina-se, em regra, a solucionar questões de natureza civil, no entanto, a matéria penal está ao seu alcance, no que respeita a origem e à destinação do bem apreendido no curso da persecução penal (durante a investigação ou mesmo na ação penal).
Entre as coisas apreendidas, algumas delas poderão ser objeto de apreciação na própria sentença penal, a ser proferida no processo principal, no que se refere à sua origem e destinação, pois, nos termos do disposto no artigo 91 do Código Penal, um dos efeitos da sentença penal condenatória é a perda em favor da União: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.
O mencionado dispositivo faz ressalva expressa do direito do lesado e do terceiro de boa-fé. No caso de apreensão de coisa adquirida com o produto da infração, cuja restituição seja negada, procede-se ao seu seqüestro. As demais coisas, não constituindo produto de crime ou instrumento cuja posse ou fabrico constituam, por si mesmo, um delito, somente deverão permanecer apreendidas enquanto não tiverem cumprido, ainda, a finalidade a que se destinou a apreensão: o exame de sua pertinência e de seu conteúdo probatório. Assim, como regra, a questão tratada no incidente de restituição de coisas é matéria de Direito Civil, relativa à propriedade do bem apreendido, à exceção daquelas mencionadas no artigo 91 do Código Penal.
O pedido de restituição poderá ser apreciado até mesmo pela autoridade policial quando inexistirem quaisquer dúvidas quanto à propriedade da coisa, e, assim, ao direito do reclamante ou requerente. Se duvidoso o direito, o pedido será autuado em apartado, perante o Juiz Criminal competente para a apreciação da ação penal relativa à apreensão, assinando-se prazo de cinco dias ao requerente para a produção de prova de suas alegações. Do mesmo modo, se o Juiz Criminal poderá resolver o pedido de restituição se as coisas tiverem sido apreendidas em poder de terceiros de boa-fé, abrindo prazo de dois dias aos interessados (requerente da restituição o terceiro em poder de quem se apreendeu o bem) para a comprovação da propriedade.
Tratando-se de incidente a ser solucionado pela autoridade judicial, deverá ser ouvido o Ministério Público. Quando a prova da propriedade for de difícil elucidação, incompatível com o rito célere do incidente de restituição, o Juiz Criminal remeterá as partes para o Juízo Cível, declinando de sua competência para a solução da questão, ordenando, porém, o depósito da coisa em mãos de depositário ou do próprio terceiro que a detinha, se pessoa cuja idoneidade tenha sido demonstrada. No que se refere às conseqüências judiciais da decisão que resolve o incidente de restituição, a que apresenta maior relevo é aquela que o indefere, qualquer que seja o seu fundamento. O recurso cabível é o de apelação, por se tratar de decisão com força definitiva, a resolver o mérito do incidente.
Quanto ao produto do crime ou de seu proveito, a solução é idêntica àquela regulada pelo seqüestro, aplicando-se o artigo 133 do Código de Processo Penal, com a venda do bem em leilão, após o trânsito em julgado da sentença, recolhendo-se o valor apurado ao Tesouro Nacional, depois de descontado o que couber ao lesado ou ao terceiro de boa-fé. Se não houver pedido de restituição, pela ausência de interessados, o Juiz, decorrido o prazo de 90 dias após transitar em julgado a sentença condenatória, decretará a perda dos bens em favor da União, procedendo-se na forma do artigo 122 do Código de Processo Penal.
Por fim, tratando-se de coisas cuja utilidade da apreensão seja unicamente probatória, ao final do processo ela será devolvida ao proprietário. Se não houver, porém, prova do domínio, o Juiz, dentro de 90 dias após o trânsito em julgado da sentença, condenatória ou absolutória, determinará a venda em leilão dos bens apreendidos, depositando-se o saldo à disposição do Juízo de ausentes.
- medidas assecuratórias
No capítulo das medidas assecuratórias, o Código de Processo Penal trata das medidas cautelares de natureza patrimonial, cujo objetivo seja, fundamentalmente, o ressarcimento ou reparação civil do dano causado pela infração penal. A lei processual penal faz referência ao seqüestro, tanto de bens móveis quanto imóveis, e à hipoteca legal, estabelecendo as condições de desenvolvimento dos respectivos procedimentos.
a) seqüestro
Caberá o seqüestro dos bens imóveis adquiridos pelo indiciado ou acusado com o proveito da infração, ainda que já tenham sido objeto de alienação a terceiros. Quando o terceiro tiver agido com boa-fé, poderá opor embargos ao seqüestro. Quando se tratar de bens móveis adquiridos com o proveito da infração, a hipótese será também de seqüestro (artigo 132 do CPP).
Se o bem móvel for, ele próprio, o produto da infração, a medida cabível será a busca e apreensão prevista no artigo 240, alínea “b” do Código de Processo Penal, sendo incabível, no caso, o pedido de restituição, por se tratar de coisa (produto de crime) sujeito à pena de perdimento, consoante o disposto no artigo 91 do Código Penal. A medida de seqüestro será decretada de ofício, a requerimento do Ministério Público ou ofendido (lesado), ou mediante representação da autoridade policial, seja na fase investigatória, seja no curso da ação penal, devendo ser levada à inscrição no Registro de Imóveis.
Se decretada antes da ação penal, o Ministério Público ou o querelante (caso privada a ação) deverão oferecer a denúncia ou queixa no prazo de 60 dias após a conclusão da diligência, sob pena de levantamento da medida. Os requisitos para a decretação do seqüestro são tipicamente cautelares: a) existência do fato criminoso; b) indícios veementes da proveniência ilícita do bem.
Embora o artigo 126 do Código de Processo Penal não faça referência expressa ao perigo da demora, entende-se que tal exigência, além de conseqüência lógica de toda e qualquer medida que se apresente como acautelatória, pode ser extraída da leitura do artigo 131, inciso I, que cuida da hipótese do levantamento do seqüestro.
Do rito procedimental do seqüestro, além do processamento em apartado, como os demais processos incidentes, assinale-se a possibilidade de oferecimento de embargos, tanto pelo acusado quanto por terceiros, delimitando o Código, todavia, a matéria passível de apreciação no referido incidente. Tratando-se de embargos opostos pelo próprio acusado, o fundamento haverá de ser o fato de não ter sido o imóvel adquirido com os proventos a infração; quando opostos por terceiros, que se encontrem na titularidade (por título oneroso) do bem, a matéria se restringirá à qualidade e idoneidade da aquisição (boa-fé). De todo o modo, o procedimento de embargos não poderá ser julgado até a solução definitiva da ação penal, o que somente ocorrerá com o trânsito em julgado da sentença.
Sendo absolutória a decisão ou julgada extinta a punibilidade, o seqüestro será imediatamente levantando. Note-se que a decisão extintiva da punibilidade não afeta o direito do lesado à recomposição civil, limitando-se a determinar o levantamento do seqüestro no âmbito criminal. O seqüestro poderá ainda ser levantado desde que o terceiro preste caução suficiente. Quando condenatória a decisão, e uma vez passada em julgado, os bens serão levantados a leilão, recolhendo-se ao Tesouro Nacional, depois de retirado o que couber ao lesado ou ao terceiro de boa-fé. Cumpre registrar, ainda, o seqüestro previsto no Decreto-Lei n.º 3240/41, para satisfação de débito oriundo de crime contra a Fazenda Pública.
Entre as particularidades da medida prevista no referido Decreto-Lei, tem-se a não exigência de tratar-se de bens decorrentes da prática criminosa para a obtenção da cautela, sendo, por isso, irrelevante a origem dos bens que sofrerão a constrição. Para a decretação da medida, basta a existência de prova ou indício de algum crime perpetrado contra a Fazenda Pública e que tenha resultado, em vista de seu cometimento, locupletamento (ilícito, por certo) para o acusado. Nesse sentido, não importa se tais bens foram adquiridos antes ou depois da prática criminosa, se são, ou não produto de crime, bem como se foram, ou não adquiridos com proventos da infração, e ainda, se são bens móveis ou imóveis.
b) especialização de hipoteca
A hipoteca legal sobre imóveis do acusado independe da origem ou fonte de aquisição a propriedade. Trata-se de medida cujo único objetivo é garantir a solvabilidade do devedor, na liquidação de obrigação ou responsabilidade civil decorrente da infração penal. Por isso, a especialização (inscrição) de hipoteca haverá se ser requerida pelo ofendido (privado ou público), podendo ser feita e qualquer fase do processo, desde que presentes a certeza do fato criminoso (materialidade) e indícios suficientes de autoria. A simples referência a indícios suficientes de autoria da infração indica que a medida poderá ser tomada mesmo antes da ação penal, pois, uma vez recebida a denúncia ou queixa, a existência de indícios já estaria implícita.
O fato de não haver previsão de prazo para a instauração da ação como há no seqüestro não impressiona, uma vez que ali a medida poderá atingir até mesmo quem não tem qualquer relação com o fato criminoso, o que não ocorre em relação à hipoteca. O ofendido deverá estimar o valor aproximado da responsabilidade civil, o que poderá ser feito pelos meios probatórios e pelos indicativos técnicos disponíveis, e apontará o imóvel de valor correspondente, para fins de hipoteca. Caberá ao Juiz, após prévia e rápida instrução, arbitrar o valor provisória da futura responsabilidade civil, bem como determinar a avaliação do imóvel indicado, valendo-se, para tanto, da atuação do perito por ele nomeado ou avaliador judicial, onde houver. O imóvel, porém, não será levado à inscrição se o acusado oferecer caução equivalente ou idônea.
c) arresto
O arresto prévio de bem imóvel é uma medida preparatória da inscrição da hipoteca, como estabelece o artigo 136 do Código de Processo Penal. A providência será revogada se, em 15 dias, não foi inscrita a hipoteca. Ou hipótese de arresto diz respeito ao arresto de bens imóveis, quando também suscetíveis de penhora, e dede que o acusado não possua bens imóveis, ou, possuindo-os, sejam eles insuficientes para a satisfação da responsabilidade civil.
Tratando-se de coisas fungíveis e facilmente deterioráveis, deverão ser avaliadas e levadas a leilão, com o posterior depósito judicial do valor apurado, tudo na forma do previsto no § 5º do artigo 120 do Código de Processo Penal. Uma vez passada em julgado a sentença condenatória, o incidente é remetido à instância civil, para apuração da respectiva responsabilidade.
- medidas assecuratórias previstas na Lei n.º 9613/98
A Lei n.º 9613/98, que cuida dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, prevê expressamente a possibilidade da adoção de determinadas medidas coercitivas sobre o patrimônio, adotando a mesma denominação utilizada no Código de Processo Penal: medidas assecuratórias. As escolhidas foram o seqüestro e a apreensão de bens, direitos ou valores do acusado, ou existentes em seu nome, desde que objetos dos crimes ali previstos. A apreensão é exatamente aquela prevista no artigo 240 do Código de Processo Penal, realizando-se por ordem judicial expressa e específica, para apreender coisas que possam ser caracterizadas como produto da infração penal.
Segundo o disposto no artigo 4º, as aludidas medidas poderão ser decretadas a requerimento do Ministério Público e mediante representação da autoridade policial, e até mesmo de ofício, bastando a comprovação da existência de indícios suficientes da autoria e da materialidade, e desde que já em curso o inquérito policial ou a ação penal. O procedimento a ser adotado é o mesmo previsto para as medidas assecuratórias de seqüestro, inscrição da hipoteca ou arresto, estabelecidas nos artigos 125 a 144 do Código de Processo Penal. Tanto a medida de seqüestro como a de apreensão serão levantadas no prazo de 120 dias, contados a partir da conclusão da diligência, se não for iniciada a ação penal.
Será possível a restituição da coisa apreendida quando comprovada suficientemente a propriedade de terceiros, bem como quando comprovada a licitude da origem dos bens, direitos ou valores, devendo, porém, estar presente pessoalmente o acusado. Havendo risco de perecimento da coisa ou necessidade de sua conservação, será nomeado pelo Juiz um administrador, que fará jus à percepção de remuneração, compatível com o produto econômico resultante da administração do bem.
Condenado o acusado, serão também efeitos da sentença condenatória: a) a perda, em favor da União, dos bens, direitos e valores objeto do crime previsto na Lei n.º 9613/98, ressalvado o direito do lesado ou terceiro de boa-fé; b) a interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de Conselho de Administração ou de gerência das pessoas jurídicas citadas no artigo 9º da referida lei, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade.
- incidente de falsidade
Cuida-se da possibilidade de argüição da falsidade de documento constantes dos autos, regulada nos artigos 145 a 148 do Código de Processo Penal. O documento aqui mencionado não é aquele que constitui o objeto material do delito, mas quaisquer outros que possam interferir na apreciação da imputação. Qualquer que seja a decisão do incidente, não fará coisa julgada em prejuízo de ulterior processo penal ou civil. Como se observa, não é uma questão prejudicial. Assim, comprovada a falsidade do documento, quando proposta nova ação pelo Ministério Público, tendo por objeto a citada falsidade documental, toda a matéria poderá ser rediscutida, do que poderá resultar até mesmo sentença absolutória, com fundamento na idoneidade e na veracidade do documento.
Nesta hipótese, se favorável à defesa, esta decisão poderá influir na anterior ação penal, mesmo se já transitada em julgado a sentença condenatória, ensejando, então, o manejo de revisão criminal. A verificação da falsidade poderá ser feita de ofício (artigo 147 do CPP), exigindo, ainda, poderes especiais para a argüição por procurador.
- insanidade mental do acusado
Cuida-se da possibilidade de constatação, tanto na fase investigatória quanto no curso da ação pena, de eventual moléstia mental do acusado ou indiciado, a se resolvida em procedimento apartado, para não prejudicar o andamento da persecução penal. O incidente somente será instaurado diante de dúvida séria e fundada sobre as condições mentais do acusado, podendo fazê-lo o Juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, o defensor ou do curador do acusado, bem como de seu ascendente, descendente ou cônjuge. Na fase de inquérito, o requerimento poderá ser feito pela autoridade policial.
O rol de legitimados não é taxativo, diante do evidente e eminente interesse público na apuração da questão. Das conclusões do laudo médico-pericial, a ser realizado no prazo de 45 dias, prorrogáveis quando necessário, duas soluções poderão ser adotadas, a saber: a) constatado que o acusado (ou indiciado) já era inimputável, ao tempo da infração, o processo terá seu curso norma, nomeando-se-lhe curador; b) se comprovado, porém, que o acomentimento da doença é posterior à infração penal se já em curso ação penal, o processo continuará suspenso (suspensão anteriormente decretada com base no artigo 149, § 2º do CPP) até restabelecimento do acusado, sem prejuízo da realização dos atos reputados urgentes.
Na primeira hipótese, o provimento final da ação penal será a imposição de medida de segurança, por se tratar de fato praticado por inimputável. A norma que estabelece a paralisação do processo até o completo restabelecimento do acusado deve ser interpretada em conformidade com o princípio da inocência, que veda a adoção de quaisquer medidas que impliquem antecipação da culpa ou dos resultados finais do processo. Assim, do mesmo modo que em relação ao acusado sadio não se poderá determinar a privação de sua liberdade a não ser com fundamentação em razões de natureza cautelar, também aqui não será possível o internamento do acusado, sem maiores considerações, tal como se encontra no disposto no artigo 152, § 1º do Código de Processo Penal.
Fonte: Curso de Processo Penal. Eugênio Pacelli de Oliveira.