segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Ineficácia dos Negócios Jurídicos

A ineficácia, no sentido geral, é declaração legal de que os negócios jurídicos não se amoldam aos efeitos que ordinariamente produziram. Sem dúvida, a ineficácia, por qualquer de suas formas, tem sentido de pena, punição pelo fato de os agentes terem transgredido os requisitos legais. Essa pena ora tem o interesse público a respaldá-la, como nos atos ou negócios inexistentes e nulos, ora simples interesse privado, em que a lei vê o defeito de menor gravidade, como nos atos ou negócios anuláveis.
O vocábulo ineficácia é empregado para todos os casos em que o negócio jurídico se torna passível de não produzir os efeitos regulares. Quando o negócio jurídico é declarado judicialmente defeituoso, torna-se inválido. Nesse sentido, há que tomar o termo invalidade.
A função da nulidade é tornar sem efeito o ato ou o negócio jurídico. A idéia é fazê-lo desaparecer como se nunca houvesse existido. Os efeitos que lhe seriam próprios não podem ocorrer. Trata-se, portanto, de vício que impede o ato de ter existência legal e produzir efeito, em razão de não ter sido obedecido qualquer requisito formal.
Nos casos de nulidade absoluta, em contraposição à nulidade relativa, que é a anulabilidade, existe interesse social, além de interesse individual, para que o ato não ganhe força.
É nulo o negócio jurídico quando: celebrado por pessoa absolutamente incapaz; for ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto; o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; não revestir a forma prescrita em lei; for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; tiver por objetivo fraudar lei imperativa; a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Quando um só dos partícipes estiver ciente da ilicitude, não há como nulificar o negócio sob pena de constante instabilidade no mundo jurídico. A ciência de ambas as partes quanto ao motivo determinante é matéria de prova, nem sempre fácil, por sinal.
A nulidade repousa sempre em causas de ordem pública, enquanto a anulabilidade tem em vista mais acentuadamente o interesse privado.
Em geral, prova-se o ato nulo de forma objetiva, pelo próprio instrumento ou por prova literal. Poderá ocorrer, porém, com menos freqüência, que a nulidade necessite ser provada, caso seja contestada ou posta em dúvida, como é o caso de ato praticado pelo alienado mental, antes de sua interdição; da hipótese do motivo ilícito bilateral ou da fraude mencionadas. Tais circunstâncias deverão ser provadas para que se constate a nulidade.
A nulidade é penalidade que importa em deixar de existir qualquer efeito do ato, desde o momento de sua formação (ex tunc). A sentença que decreta a nulidade retroage, pois, à data do nascimento do ato viciado.
A regra “o que é nulo não pode produzir qualquer efeito” (quod nullum este nullum effectum producit) deve ser entendida com o devido temperamento. Na maioria das vezes, embora o ato seja tido como nulo pela lei, dele decorrem efeitos de ordem material.
O negócio é juridicamente nulo, mas o ordenamento não pode deixar de levar em conta efeitos materiais produzidos por esse ato. Isso é verdadeiro tanto em relação aos atos nulos como em relação aos atos anuláveis. As partes contratantes devem ser reconduzidas ao estado anterior. Nem sempre, fisicamente, isso será possível, assim serão indenizadas com o equivalente.
Quanto os efeitos materiais do ato não podem ser extirpados, a lei determina que seja feita recomposição em dinheiro, único substituto possível nessas premissas.

Nosso ordenamento é inspirado no critério do respeito à ordem pública, estando, por isso, legitimado a nulidade qualquer interessado, em seu próprio nome, ou o representante do Ministério Público, em nome da sociedade, que representa o vício por ofício. Também ao Juiz é determinado que decrete a nulidade, dela tomado conhecimento, sem qualquer provocação.
É nulidade textual aquela disciplinada expressamente na lei. É nulidade virtual aquela implícita no ordenamento, depreendendo-se da função da norma na falta de sanção expressa. A determinação das nulidades virtuais é custosa, pois não existe critério seguro, de ordem geral, a autorizar sua conclusão.
A nulidade é insuprível pelo Juiz, de ofício ou a requerimento das partes. O ato ou o negócio nulo não pode ser ratificado. Se as partes estão de acordo em obter os efeitos jurídicos para o ato viciado praticado, são conseguirão isso o praticando novamente, seguindo, então, todas as formalidades.
O artigo 169 do Código Civil é expresso em relação à imprescritibilidade do negócio jurídico nulo: “o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do prazo”.
A nulidade do negócio jurídico pode ser total ou parcial. Total quando afeta todo o negócio; parcial quando se limita a uma ou algumas de suas cláusulas.
Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal (artigo 184 do CC).
O princípio aplica-se tanto aos casos de nulidade absoluta como aos casos de nulidade relativa (anulabilidade). O princípio da acessoriedade aí estampado é o de que o acessório segue o destino do principal, mas o principal não é afetado pelo destino do acessório.
Se o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim, a que visavam as partes, permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.
Trata-se da hipótese em que o negócio jurídico nulo não pode prevalecer na forma pretendida pelas partes, mas seus elementos são suficientes para caracterizar outro negócio. Analisa-se a pressuposição das partes. É a transformação de um negócio jurídico nulo em outro de natureza diversa. Não será fácil sua existência, na prática. Cuida-se, enfim, de modalidade de aplicação do brocardo utile per inutile non vitiatur. Aproveita-se a finalidade do ato desejado pelas partes sempre que for possível e não for obstado pelo ordenamento. Trata-se da denominada conversão substancial do negócio jurídico, quando o negócio vale, em síntese, em sua substância, em seu conteúdo formal.
Para viabilidade da conversão há necessidade de requisitos: identidade de substância e de forma entre os dois negócios (nulo e convertido: identidade de objeto num e noutro e adequação do negócio substitutivo à vontade hipotética das partes).
Para conversão é necessária, primeiramente, reunião no negócio nulo de todos os elementos para um negócio de natureza diversa e que esse negócio possa ser entendido como contido na vontade das partes.
Essa conversão só é possível quando não proibida taxativamente ou então pela natureza da norma. Nesse caso, obsta-se a chamada conversão formal, que a doutrina entende que se afasta da conversão substancial descrita no artigo 170 do Código Civil. Aponta-se ainda para a menção da conversão legal. Nesta situação, a própria lei, por prática ou necessidade social, autoriza que certos atos praticados com um sentido sejam aproveitados em outro, se lhes falta algum elemento essencial.
Por outro lado, discute-se se a conversão é possível também no negócio anulado. Em princípio, não seria de admitir-se, porque sendo o negócio anulável passível de confirmação, caberia sanar o vício, não havendo utilidade para a conversão. Contudo, há muitas situações nas quais se impossibilita a ratificação pela própria parte, quando então surge a utilidade da conversão. De qualquer modo, a conversão não é modalidade de corrigenda ou sanção irregularidade. Quando se pratica um negócio de saneamento, o que era inválido torna-se válido, enquanto na conversão é o próprio negócio que se converte em válido.
Na conversão do negócio jurídico, vê-se um fenômeno posto à disposição das partes no sentido de que seja aproveitada a manifestação de vontade que fizeram, desde que não seja contrariada sua intenção.
Além dos casos expressamente declarados em lei, é anulável o negócio jurídico: por incapacidade relativa do agente; por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
A anulabilidade tem em vista a prática do negócio ou do ato em desrespeito a normas que protegem certas pessoas. As causas de anulabilidade residem no interesse privado. Há razões de ordem legislativa que têm em mira amparar esse interesse. Na verdade, o negócio jurídico realiza-se com todos os elementos necessários a sua validade, mas as condições em que foi realizado justificam a anulação, quer por incapacidade relativa do agente, quer pela existência de vícios do consentimento ou vícios sociais. A anulação é concedida a pedido do interessado.
Quando, em qualquer situação, o interesse do filho menor colidir com o interesse dos pais ainda que em tese ou potencialmente, deve ser-lhe dado curador especial, para o ato determinado.
O ato anulável é imperfeito, mas seu vício não é tão grave para que haja interesse público em sua declaração. Desse modo, a lei oferece alternativa a interessado, que pode conformar-se com o ato, tal como foi praticado, sendo certo que sob essa situação o ato terá vida plena. Por essa razão, estão legitimados a ingressar com a ação anulatória os interessados que intervêm nos atos e, sob certas condições, seus sucessores, bem como determinados terceiros que sofram influência dos atos, como é o caso do credor prejudicado, na fraude contra credores.
O negócio jurídico anulável produz efeitos até ser anulado. Os efeitos da anulação passam a ocorrer a partir do decreto anulatório (ex nunc). A anulação dependerá sempre de sentença.
Os negócios jurídicos anuláveis podem convalescer por duas razões, tornando-se eficazes. Primeiramente, pelo decurso do tempo, pois os atos anuláveis têm prazo de prescrição ou decadência mais ou menos longos; decorrido o lapso prescricional ou decadencial, ao ato torna-se perfeitamente válido. Há como que ratificação presumida do ato; o interessado que podia impugná-lo queda-se inerte. A segunda possibilidade de convalescimento do negócio anulável é a ratificação.
Ao contrário do que ocorrer com o negócio nulo, o negócio anulável pode ser ratificado ou confirmado, ou seja, poderá ser expurgado o vício inquinador por meio do instituto da ratificação.
O Código Civil, em seu artigo 172, prefere utilizar o termo confirmação. A ratificação ou confirmação implica atitude positiva daquele que possuía qualidade para atacar o negócio, no sentido de acatá-lo e atribuir-lhe efeitos. Daí por que se fala, também, em confirmação do ato.
Ratificar ou confirmar é dar validade a ato ou negócio que poderia ser desfeito por decisão judicial. Por meio da ratificação, há renúncia à faculdade de anulação.
A ratificação poderá ser expressa ou tácita. Será expressa quando houver declaração do interessado que estampe a substância do ato, com intenção manifesta de torná-lo isento de causa de anulação. A ratificação cabe aos que teriam o direito subjetivo de alegar a anulabilidade.
O ato de ratificação ou confirmação deve ser claro e expresso a respeito da intenção das partes; deve conter a substância do negócio jurídico e a vontade expressa de mantê-lo.
A confirmação tácita é referida no artigo 174 do Código Civil: “é escusada a confirmação expressa, quando a obrigação já foi cumprida em parte pelo devedor, ciente do vício que a inquinava”.
O início do cumprimento da obrigação proveniente de ato anulável induz sua ratificação. A ciência do vício por parte do contraente dependerá das circunstâncias do negócio e será matéria de prova.
Quando se tratar de ratificação expressa, será necessário que obedeça à mesma forma do ato inquinado; se este foi realizado por escritura pública, que era essencial à validade do ato, a ratificação também deve obedecer a essa forma.
A ratificação pode ocorrer de forma unilateral, e não necessita, em regra, da presença de outro contraente, isto é, daquela que é responsável pelo vício. A ratificação ou confirmação, na verdade, não representa novo contrato, mas apenas a clarificação do negócio precedente. Nada impede, porém, que ambos os contraentes participem do ato.
Qualquer que seja a modalidade de ratificação, haverá extinção de todas as ações ou exceções que contra ele pudesse opor o interessado.
A anulabilidade é deferida no interesse privado do prejudicado ou no interesse de determinadas pessoas, enquanto a nulidade é de ordem pública, decretada no interesse da coletividade. Daí por que tem legitimidade para pedir a declaração de nulidade qualquer interessado ou o Ministério Público, deve ser pronunciada pelo Juiz, quando conhecer do negócio ou dos seus efeitos; não lhe cabendo suprir nulidades. Já no que diz respeito à anulabilidade, só os interessados a podem alegar.
Os negócios anuláveis permitem a ratificação, o que não ocorrem com os negócios nulos que não só não a permitem, como também não podem ter a nulidade suprida pelo Juiz.
A anulação deve ser requerida por meio de ação judicial. Tal não é essencial à nulidade dos negócios jurídicos, embora, por vezes, torne-se necessária a declaração judicial de nulidade.
A nulidade é sanção mais intensa, porque visa punir transgressores de preceitos de ordem pública ou de interesse geral. A anulabilidade é mais branda, porque versa sobre interesses privados.
No ato ou negócio inexistente, há, quando muito, aparência de ato ou negócio jurídico. Criou-se a doutrina dos atos inexistentes para justificar a ineficácia absoluta daqueles atos a que faltam requisitos elementares de sua inexistência.
A denominação ato ou negócio inexistente é, sem dúvida, ambígua e contraditória, pois o que não existe não pode ser considerado ato. Contudo, pretende-se exprimir é que, embora existente porque possui aparência material, o ato ou negócio não possui conteúdo jurídico. Na verdade, o ato não se formou para o Direito.
Os atos inexistentes não prescrevem pela simples razão de que nunca chegaram a formar-se para o mundo do Direito.
O ato inexistente deve ser visto como simples fato sem existência legal. Somente dois requisitos devem ser vistos como elementares ao ato e, uma vez ausentes, podem levar à inexistência: a vontade e o objeto. Todo negócio jurídico deve conter elementarmente declaração de vontade; faltando esta, na haverá negócio. Também o negócio jurídico sem objeto é um nada jurídico. Todas as outras situações aberrantes à normalidade do negócio devem ser tidas como casos de nulidade.
Há nítida separação entre inexistência é nulidade, que o jurista não pode ignorar. A lei não admite a categoria dos atos inexistentes, pois, sendo eles simples fatos sem ressonância no campo jurídico, não deve o ordenamento deles ocupar-se.



Fonte: Direito Civil – Parte Geral. Sílvio de Salvo Venosa.