sábado, 5 de fevereiro de 2011

Vícios do Negócio Jurídico: Simulação

Simular é fingir, mascarar, camuflar, esconder a realidade. Juridicamente, é a prática de ato ou negócio que esconde a real intenção. A intenção dos simuladores é encoberta mediante disfarce, parecendo externamente negócio que não é espelhado pela vontade dos contraentes.
As partes não pretendem originalmente o negócio que se mostra à vista de todos; objetivam tão-só produzir aparência. Trata-se de declaração enganosa de vontade.
A características fundamental do negócio simulado é a divergência intencional entre a vontade e a declaração.
Na simulação, há conluio. Existe um processo simulatório; acerto, concerto entre os contraentes para proporcionar aparência exterior de negócio.
Trata-se do chamado vício social, por diferir dos vícios de vontade. Na simulação, as partes em geral pretendem criar na mente de terceiros falsa visão do pretendido.
Pode-se configurar a simulação quando existe divergência intencional entre a vontade e a declaração, emanada do acordo entre os contratantes, com o intuito de enganar terceiros. Daí a possibilidade de extrair os elementos do instituto. Há intencionalidade na divergência entre a vontade e a declaração.
A declaração de vontade é livre.
Existe, também, acordo simulatório, concerto, ajuste entre os contraentes. Nos atos unilaterais, a simulação é possível nos negócios receptícios. Quando se trata de negócio jurídico unilateral não recíproco, não há como configurar esse vício.
O conteúdo material da simulação insere-se no instrumento do simulacro, ou seja, a falsificação ou arremedo do ato. O conluio, geralmente, antecede a declaração, mas pode a ela ser contemporâneo.
Contém a simulação, igualmente, o intuito de enganar terceiros. Não se confunde o intuito de enganar com o intuito de prejudicar. Terceiros podem ser enganados, sem que sofram prejuízos. O artigo 167 do Código Civil não considera esse vício quando inexistente a intenção de prejudicar terceiros, ou violar disposições de lei.
A finalidade de enganar terceiros pode ser defender legítimo interesse ou até beneficiar terceiros. É o caso da chamada simulação inocente que se contrapõe à simulação maliciosa. O que se constitui elemento da simulação é o intuito de enganar ou iludir, e não o intuito de prejudicar, causar dano a outrem; este último elemento pode não estar presente.
Como a simulação caracteriza-se pelo conhecimento da outra parte (mancomunação, conluio), evidencia-se também a ignorância da artimanha por parte de terceiros. Distingue-se, aí, do dolo, no qual apenas uma das partes conhece o artifício malicioso, geralmente por ele engendrado. Na simulação existe dolo de ambas as partes contra terceiros.
Há simulação absoluta quando o negócio é inteiramente simulado, quando as partes, na verdade, não desejam praticar ato algum. Não existe negócio encoberto porque nada realmente existe. Não existe ato dissimulado. Existe mero simulacro de negócio.
Na simulação relativa, pelo contrário, as partes pretendem realizar um negócio, mas de forma diferente daquela que se apresenta. Há divergência, no todo ou em parte, no negócio efetivamente efetuado. Aqui, existe ato ou negócio dissimulado, oculto, que forma um complexo negocial único. Desmascarado o ato simulado pela ação de simulação, aflora e prevalece o ato dissimulado, se não for contrário à lei nem prejudicar terceiros. Esse é, aliás, o sentido expresso no artigo 167 do Código Civil.
Há simulação sobre a natureza do negócio quando as partes simulam doação, mas, na verdade, realizam compra e venda. Há simulação do conteúdo do negócio quando, por exemplo, se coloca preço inferior ao real em compra e venda, para se recolher menos imposto, ou quando se altera a data do documento para acomodar interesses dos simulantes. Finalmente, há simulação sobre a pessoa participante do negócio quando o ato vincula outras pessoas que não os partícipes do negócio aparente; quando, na compra e venda, por exemplo, é um “testa de ferro” que aparece como alienante ou adquirente.
O negócio jurídico simulado forma, com a relação jurídica dissimulada, parte de um todo, um procedimento simulatório. Daí por que, com a ação de simulação, desmascarado o defeito, valerá o negócio dissimulado, desde que não contrarie a lei ou prejudique terceiros ou seja válido na substância e na forma, como é expresso na lei civil.
Entendendo-se o procedimento simulatório, a simulação relativa inteira, a declaração de vontade simulada deverá conter os requisitos de forma exigidos à relação dissimulada.
Como todos os vícios dos negócios jurídicos, o prazo de prescrição para a ação de simulação é de quatro anos, de acordo com o artigo 178, § 9, inciso V, alínea “b” do Código Civil. No atual sistema, considerada a simulação como negócio nulo, a ação é imprescritível.
A simulação maliciosa diferencia-se da inocente sob o aspecto da boa ou má-fé dos agentes. Na simulação inocente, a declaração não traz prejuízo a quem quer que seja, sendo, portanto, tolerada. Na simulação maliciosa, existe intenção de prejudicar por meio do processo simulatório.
A simulação inocente, enquanto tal, não leva à anulação do ato porque não se traz prejuízo a terceiros. O ordenamento não a considera defeito. O novo Código Civil, ao contrário do anterior, não aceita a alegação de simulação inocente pelos agentes, porque a simulação como vício se situa no plano de nulidade.
A doutrina tem entendido que, para a configuração da simulação maliciosa, não é necessário o resultado constante do prejuízo a terceiros. Basta mera possibilidade de esse prejuízo ser ocasionado. Tal interpretação é escudada na lei, que se refere apenas à intenção de prejudicar. Não havendo tal intenção, mas ocorrendo o prejuízo ou possibilidade de sua existência, o ato não poderá ser anulado. Protege-se, em síntese, a boa-fé objetiva.
Quando a simulação fere dispositivo legal, por força do artigo 3º da Lei de Introdução do Código Civil, pelo qual “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, não se pode utilizar o mesmo raciocínio. Nesta última hipótese, pode haver casos em que, ainda que não haja intenção de infringir a lei, a simulação seja ilícita, passível de anulação.
Na simulação maliciosa, os terceiros prejudicados ou o representante do Poder Público podem pleitear a anulação.
A simulação não se identifica com o negócio fraudulento. A simulação traduz negócio aparente. O negócio fraudulento é visivelmente real, não é negócio aparente; é perfeitamente sério. Na fraude, pretende-se exatamente o que se declarou.
Na fraude, há violação indireta da lei, enquanto na simulação só pode ocorrer violação direta à lei, mas com estratagema de ocultação. Há violação da lei no negócio simulado, mas encoberto por manto enganador. A simulação não é meio para fraudar a lei, mas meio para ocultar sua violação.
Para fins de anulação do negócio jurídico, a simulação que atenta contra a lei é expediente fraudatório. Tal conclusão é, portanto, verdadeira quando a simulação é preordenada no sentido de burlar norma cogente, quando, então, a simulação confunde-se com a própria fraude. Nesse caso, porém, quando a destinação da simulação era burlar norma cogente, a situação deve ser tratada como ato nulo, como faz o Código Civil.
Outra atitude próxima à simulação é a reserva mental ou reticência, que ocorre quando o declarante faz a ressalva de não querer o negócio objeto da declaração. Na reserva mental, o declarante emite conscientemente declaração discordante de sua vontade real, com intenção de enganar o próprio declaratário. É diversa da simulação, porque na reserva mental a intenção de enganar é dirigida contra o próprio declaratário, não havendo acordo simulatório. Pode-se dizer, ainda que impropriamente, mas para melhor compreensão, que a reserva mental traduz “simulação unilateral”, sendo também a simulação, sob certo aspecto, uma “reserva mental bilateral”.
A reserva mental configura-se, é certo, por uma mentira do declarante. No entanto, essa mentira somente será relevante para o negócio se tiver efeitos jurídicos. Essa relevância jurídica deve permitir a anulação do negócio por parte do declaratário, que foi induzido maliciosamente em erro (dolo).
Segundo o artigo 110 do Código Civil, “a manifestação de vontade subsiste ainda que seu ator haja feito reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento”.
A idéia é de que a validade é a eficácia do negócio jurídico e a estabilidade das relações negociais não podem ficar sujeitas ao exclusivo subjetivismo do declarante. Em princípio, a vontade manifestada deve prevalecer. Nesse aspecto, reside a utilidade do citado dispositivo.
O negócio não pode ser anulado com escudo na reserva mental, a qual será, portanto, juridicamente irrelevante e ineficaz. A solução será idêntica com ou sem a presença de texto legal expresso. Se a reserva mental é, por outro lado, conhecida da outra parte, o deslinde da questão desloca-se simplesmente da reserva mental e deve buscar a análise do caso concreto: poderá ocorrer outro vício no negócio jurídico.
Quando a reserva mental é de conhecimento do declaratário, a situação em muito se aproxima da simulação, do acordo simulatório, tanto que nessa hipótese parte da doutrina equipara ambos institutos. No entanto, o que caracteriza primordialmente a reserva mental é a convicção do declarante de que o declaratário ignora a mentira. Todavia, se o declaratário efetivamente sabe da reserva e com ela compactua, os efeitos inelutavelmente serão de simulação, com aplicabilidade do artigo 167 do Código Civil.
O negócio fiduciário, por outro lado, representa negócio sério, realmente concluído pelas partes contratantes. As partes não pretendem simular, com entrega de uma porção de bens a alguém, para que este os administre e aufira vantagens em nome do fiduciante. O negócio fiduciário deve ser admitido desde que tenha finalidade lícita. Seu ponto de contato com a simulação esta no fato de que no negócio fiduciário há um agente que atua oculto, em detrimento do fiduciário, que o faz de forma ostensiva. Em geral, no negócio fiduciário não há a intenção de prejudicar terceiros ou de fraudar a lei, além de ser negócio real, efetivo e verdadeiramente manifestado pelas partes.
A simulação possui também pontos de contato com a falsidade, mas não se confundem. Esta diz respeito à prova do ato ou negócio jurídico, é divergência entre o efetivamente manifestado e o que realmente se passou. A simulação não diz respeito à prova do ato, mas ao próprio ato.
A simulação também não se confunde com a fraude contra credores. Esta última pressupõe atos praticados por um devedor, que atingem a incolumidade de seu patrimônio, garantia dos credores, Na simulação, não há o requisito do crédito, nem que este já existisse à época dos atos inquinados. Importante distinção, no entanto, é que no negócio realizado em fraude contra credores existe um negócio formal, real e desejado pelos contraentes tal como se mostra, ao contrário da simulação, cujo conteúdo diverge da aparência. Os requisitos da ação de simulação e da ação pauliana, esta derivada da fraude contra credores, são também diversos. Pode haver, contudo, simulação em determinados casos de fraude contra credores.
Se a simulação for inocente, inexistindo prejuízo, violação de direito de terceiro ou fraude à lei, prevalecerá o ato dissimulado, desde que não ilida disposição legal, bem como reúna os elementos necessários para ter vida jurídica.
Na simulação maliciosa, possuem legitimidade para propor a ação de simulação todos os terceiros interessados no ato, entendendo-se como tais aqueles que não intervieram. Entre eles incluem-se os representantes do Poder Público, quando há interesse do Estado ou, mais propriamente, da Fazenda Pública.
Se a ação visa anular simulação absoluta, sua decisão precedente extirpa o negócio do mundo jurídico simplesmente, com eficácia ex tunc, por força da nulidade.
Quando, porém, o processo visa atingir simulação relativa, que esconde ato dissimulado, a anulação ou declaração de nulidade do ato simulado fará aflorar o ato camuflado não aparente, o negócio dissimulado. Com isso, deve o Juiz determinar que esse ato dissimulado passe a ter eficácia como ato efetivamente realizado.
Em nossa sistemática legal, a ação de simulação pode ser de duas naturezas: ação declaratória destinada à mera declaração do negócio jurídico simulado, na simulação inocente; ação de nulidade, conforme do artigo 168 do Código Civil, destinada a declarar a nulidade do ato fraudulento, que pode ser proposta por terceiros lesados, ou por representantes do Poder Público, ou enfim por qualquer interessado.
Importa também fixar o âmbito da ação de simulação com a ação pauliana na fraude contra credores.
A ação pauliana compete aos credores quirografários para anular atos verdadeiros praticados pelo devedor. Como pontos comuns com a ação de simulação, identifica-se que a ação pauliana é ação anulatória e está sujeita ao mesmo prazo prescricional de quatro anos. Como existem pontos de contato, é admissível a cumulação de fundamentos na mesma ação, com pedidos alternativos, ou ter a ação pauliana como pedido subsidiário. Não podem, evidentemente, na cumulação de ações, os pedidos ser cumulativos, pois são excludentes um do outro, conforme orientação jurisprudencial.
Em que pese à possibilidade de cumulação, ambas as ações não se confundem. A simulatória visa a atos aparentes, enquanto a pauliana ou revocatória visa a atos reais, normais. A ação pauliana exige a anterioridade do crédito: só o credor, cujo crédito é anterior ao negócio a ser revogado, está legitimado a exercer essa ação. Para a ação pauliana, é necessário que o devedor esteja insolvente no momento da realização do negócio a ser anulado, ou tenha sido reduzido à insolvência em conseqüência. Na ação de simulação, não há necessidade a existência de crédito anterior ao negócio, visto que pode o prejudicado por crédito posterior demandar a anulação (daí decorre o interesse, na maioria das vezes, da cumulação de ações, pois nem sempre é possível precisar com exatidão a época do crédito). Os efeitos de ambas as ações também são diversos: na ação pauliana, uma vez anulado o ato, o bem em questão volta ao patrimônio do devedor, beneficiando toda a massa de credores. Na ação de simulação os efeitos podem ser vários, inclusive, como demonstrado, com a prevalência do ato dissimulado; e, sob o Código Civil, o efeito é de nulidade.
Um dos principais indícios de simulação é a pesquisa da causa simulandi. A primeira pergunta que deve fazer o julgador é: possuíam os contraentes motivos para praticar o ato simulado? A segunda pergunta que se deve fazer no exame de um caso de simulação é: possuíam os contraentes necessidade de praticar o negócio simulado? A resposta afirmativa a essas duas questões induz o julgador a decidir pela existência da simulação. Outros indícios, porém, formarão o complexo probatório. A prova da simulação requer todo homogêneo, não bastando simplesmente a íntima convicção do julgador.
O artigo 167 do Código Civil, ao contrário do sistema anterior, coloca a simulação como causa de nulidade e não de anulabilidade.
Pelo atual Código Civil, não há distinção expressa entre simulação relativa é absoluta, havendo em ambos os casos a nulidade do negócio simulado. O que se leva em conta é a conduta simulatória, como um todo. Enfaticamente, essa lei diz valer o negócio dissimulado na simulação relativa, se válido for na substância e na forma. Assim, se os agentes demonstram externamente uma compra e venda, quando, na verdade, o negócio subjacente e realmente querido pelas partes é uma doação, subsistirá a doação se não houver impedimento legal para esse negócio jurídico e se for obedecida a forma desse negócio. Um primeiro enfoque que deve ser dado à possibilidade de o negócio dissimulado subsistir é que a simulação seja inocente. Se maliciosa, certamente terá sido perpetrada em fraude à lei ou em detrimento de terceiros, estes, por sua vez, não podem ser prejudicados pela simulação.


Fonte: Direito Civil – Parte Geral. Sílvio de Salvo Venosa.