domingo, 6 de setembro de 2009

Prescrição e Decadência - Algumas Considerações

Prescrição é uma exceção de direito material. Uma vez que o exercício extrajudicial o judicial da pretensão e da ação se submete a prazo, limita-se por ele, de tal modo que, extinto o prazo, fica encoberta a eficácia da pretensão –exigibilidade do conteúdo do direito de que ela se irradia.
Ocorrida a prescrição, apaga-se ou pode apagar-se a possibilidade dessa exigência e nasce, na segunda hipótese, a exceção de prescrição, alegável pela pessoa a quem favorece, de regra, o legitimado passivo.
Sua eficácia somente se apaga se houver o exercício o direito de exceção de prescrição pela pessoa a quem aproveita. Se não há essa alegação, o Juiz não pode supri-la de ofício, salvo se favorecer absolutamente incapaz (artigo 194, 2ª parte, do Código Civil).
A prescrição não se trata de fato jurídico stricto sensu, nem de ato jurídico em sentido estrito, mas de compósito deles, de ato-fato jurídico. Da mescla do ato humano negativo e do elemento extra-humano em que ressalta o fator tempus, tem-se o ato-fato jurídico. Diante disso, a pretensão opera-se independentemente do quid psíquico da pessoa. Decorrido o prazo prescricional, a pretensão, senão é encoberta, sujeita-se a tal como o exercício do ius exceptionis pelo prescribente.
O prazo de prescrição começa a fluir independentemente do conhecimento da pretensão por seu titular, até porque nem sequer o conhecimento da existência do direito é pressuposto ao nascimento da própria pretensão. Tanto é assim que os prazos prescricionais têm curso mesmo contra as pessoas incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer. Se o prazo de prescrição se iniciou contra uma pessoa, continuará a correr contra seu sucessor, herdeiro ou não.
A fluência do prazo prescricional independente do conhecimento é excepcionada quando: a) em regra jurídica se insira algum elemento que traduza esse conhecimento; b) se faça desse conhecimento um dos essentialia da prescrição; c) pela própria natureza da coisa. Se não há menção a requisito de natureza subjetiva, é ele inexigível á contagem do prazo prescricional. A regra é a natureza puramente objetiva do terminus a quo, desse modo, v. g., não aproveitaria ao alimentando a informação de desconhecimento do não-depósito em sua conta corrente do valor das pensões alimentícias em atraso, para descaracterizar o prazo bienal da prescrição, nada importando se apenas dias ou meses depois da data do vencimento pe que tomara conhecimento do inadimplemento.
Pode ocorrer absoluta falta de conhecimento da pessoa acerca da lesão à sua esfera jurídica, pela inexistência sem sequer de uma prévia situação que, a despeito de estática, pudesse propiciar-lhe a não-inércia (ação nondum nata). Exemplo: uma pessoa contaminada pelo vírus HIV, após transfusão de sangue em hospital da rede pública, tem o prazo prescricional para intentar a ação competente a partir do momento de tomar conhecimento da infecção e não da data o evento.
Pode-se dizer que é equivocada a regra do artigo 189 do Código Civil, segundo a qual “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição”.
Considere a seguinte situação: “A”, em 10 de janeiro de 2003, empresa a “B” certa quantia em dinheiro. “B”, devedor, firmou título de crédito de “A” e contraiu a obrigação de restituir do valor mutuado no dia 20 de janeiro.
Com o exercício da ação de direito processual “A” alega na causa petendi a existência da relação intrajurídica de crédito subjetivo (direito subjetivo) e débito (dever jurídico) documentada em título de crédito, aduz a cobrança (ação de direito material) e a falta de pagamento na data do vencimento (obrigação) e formula pedido (pretensão de direito material) de condenação contra “B”, para que lhe pague o que deve e por que está obrigado negocialmente. Para isso, “A” tem o prazo prescricional de 3 (três) anos, a contar do vencimento (artigo 206, § 3º, inciso VIII do Código Civil). Se o faz após tal prazo, “A” não age sem pretensão, o que, diversamente, pode ocorrer é o exercício, por “B”, de outro efeito jurídico nascido em 21 de janeiro de 2006, a exceção do direito material da prescrição. Em se dando esse exercício, a exigibilidade da pretensão fica encoberta, extinguindo-se o processo com fundamento no artigo 269, inciso IV, 1ª parte, do Código de Processo Civil. Caso “B” mantenha-se inerte, o processo seguirá até a sentença condenatória, favorável a “A”.
A regra inserta no artigo 189 do Código Civil equivoca-se porque, embora nasçam pretensões de direito material com violações aos respectivos direitos subjetivos, a verdade é que há esse nascimento da pretensão de direito material em situações em que não se dê tal infringência. O que marca o curso do prazo de prescrição é a exigibilidade do conteúdo do direito, por isso pode coincidir ou não com a violação deste. Registre-se que o ato de infringência faz nascer a ação de direito material e não a pretensão de direito material.
Em princípio, há direito, pretensão e ação. No entanto, nem sempre há violação para o nascimento da ação, muito menos para o surgimento da pretensão. Nas ações declarativas são exemplos mais corriqueiros. Também em várias ações constitutivas temos pretensões nascidas sem qualquer violação (v. g. interdição).
Afirmada a tese do curso do lapso prescricional a partir da exigibilidade da pretensão, têm-se pretensões positivas e negativas. As primeiras, correlativas à obrigação ad faciendum, o obrigado tem que praticar ato positivo, o nascimento da pretensão positiva não se dá, em regra, em outro momento senão aquele em que o ato positivado tenha que ser praticado – nesse momento pode ser exigido. Na pretensão negativa – correspondente à obrigação de não-fazer – o obrigado tem que praticar ato negativo, tem dever prévio, à obrigação, de abstenção.
Nas pretensões positivas coincidem o início da pretensão e mudança do status quo, porquanto precedente a dinâmica do ato positivo, pretende-se à estática do ato negativo. Na pretensão negativa não há essa coincidência, a situação que se tem é de inércia, de modo que será com o ato violativo, infringente do dever de abstenção, que nascerá a pretensão e terá início da fluência do prazo prescricional.
Em sua literalidade, o artigo 189 do Código Civil enuncia que prescrição prevê a extinção da pretensão, contudo, ela não é causa de extinção, tão-somente tem o condão de encobrir a eficácia da pretensão de direito material pelo não-exercício nos prazos da lei. Se o direito for exercitado após o prazo prescricional, a exigibilidade da pretensão fica apenas apagada ou apagável. O direito, havida a prescrição, fica incólume, não se extingue. Tal raciocínio pode ser comprovado pelo fato de que o pagamento de uma dívida prescrita não é causa de repetição de indébito, conforme artigo 882, 1ª parte, do Código Civil.
A prescrição não é penalidade, nem sequer de modo mediato. Também não pode ser considerada renúncia ou presunção de renúncia a um direito por seu titular, que, inclusive, nem mesmo pode saber de sua existência. Também não é uma presunção de extinção do direito material, uma vez que a prescrição não atinge em nenhum momento a existência da relação jurídica. A prescrição serve à paz pública e social, à segurança jurídica.
Os prazos preclusivos ou decadência causam, quando consumados, a extinção do direito material e, por conseqüência imediata, da pretensão e da ação de direito material. O direito não prescreve, o que pode prescrever é a pretensão, como ação de direito material, pela falta de seu exercício no prazo legal. Concernem, pois, à própria existência da relação jurídica e, mediatamente, à sua eficácia. A prescrição não atinge a existência da relação jurídica (direitos, pretensões e ações), apenas a eficácia da relação jurídica (pretensões e ações).
No Código Civil de 2002, as pretensões que se submetem aos prazos prescricionais são as condenatórias e as constitutivas. As pretensões declarativas não se sujeitam à preclusão ou à prescrição.
Nesse contexto, vale a pena consignar, sinteticamente, a classificação quinária das ações:
- ação de direito material declarativa: é a ação cujo efeito preponderante é uma declaração. Fica-se no plano de existência ou de inexistência da relação jurídica, admitindo-se como única exceção a esse princípio a declaratividade acerca da autenticidade ou falsidade de documento. Cogita-se da declaração: a) direito; b) direito e pretensão; b) direito, pretensão e ação; d) direito, pretensão, ação e exceção.
A afirmação de que as pretensões declarativas, sendo em tese imprescritíveis, não seriam passíveis de exercício se prescritas as pretensões condenatórias irradiadas da mesma pretensão jurídica, baralha os conceitos e confunde os pressupostos de uma e de outra. Ainda que prescrita a pretensão condenatória, pode haver interesse do titular do direito da pretensão para declarar-se a relação jurídica, no que concerne à existência do próprio direito, da pretensão e da ação, ou só de qualquer dos efeitos jurídicos isoladamente.
- ação de direito material constitutiva: há um plus em relação à ação declarativa. É que, além da própria declaração que se contém na ação declaratória, ela visa, preponderantemente, também, positiva ou negativamente, a constituir, ou a modificar, ou a extinguir uma relação jurídica. Na ação constitutiva o efeito jurídico que se busca provém da sentença, não importa se excepcionalmente ex tunc, tal qual nas ações de decretação de invalidade relativa (anulabilidade) e absoluta (nulidade), ou se ex nunc, o que é a regra.
- ação de direito material condenatória: é a em que se pede eu o Juiz imponha uma condenação ao legitimado passivo. Supõe obra do réu contrária a direito, que tenha causado dano, pelo que merece ser condenado. Também contém efeito declarativo.
- ação de direito mandamental: prende-se a atos que o Juiz manda que se pratique, em cumprimento ao mandado intraprocessual que expede ao acolher a pretensão mandamental, que é exatamente pretensão a obtenção de mandando, no plano processual. Não se confunde com a ação de direito material condenatória.
- ação de direito material executiva: é aquela pela qual se passa à esfera jurídica de “A” o que devia estar e não está, porque indevidamente esta na esfera jurídica de “B”.
Quanto às ações mandamentais, sejam positivas ou negativas, a pertinência do prazo decadencial ou prescricional será dada por três diretrizes possíveis: 1) pela eficácia imediata; 2) não se concebe pelo quod plerunque fit, aprioristicamente, a extinção do direito material, então hipótese de decadência; 3) o próprio ius scriptum pode definir a natureza do prazo ao exercício da pretensão de direito material.
No rol das ações mandamentais, há duas que não têm eficácia imediata declarativa nem constitutiva nem declaratória: ação mandamental de entrega de bens próprios e a ação mandamental de posse em nome de nascituro.
A ação de entrega de bens pode ser cautelar ou de mérito. Na primeira hipótese, tem por escopo a segurança da pretensão de direito material a satisfazer-se na ação de mérito, ela é mandamental com eficácia imediata executiva e mediata declarativa. Neste caso, regem a ação os princípios pertinentes à ação cautelar, ente eles o consagrado no artigo 806 do Código de Processo Civil, quanto aos prazos decadenciais e prescricionais da ação de mérito.
Como ação de mérito, se exercita a própria pretensão de direito material, onde a executividade passa a ser a força que caracteriza a ação mandamental e a põe na classe das ações de direito material executivas. Como a actio é condenatória, o prazo prescricional é decenal, salvo previsão legal de lapso menor ao exercício da pretensão executiva.
Não há ação de entrega de bens próprios una em sua eficácia, pois ela depende de como o pedido e o Juiz conceberam a ação.
O Código Civil não faz referência à indicação de prazo decadencial ou prescricional das ações de direito material executivas, sejam elas executivas de títulos judiciais ou extrajudiciais, bem como ações executivas latu sensu, sem base em qualquer dos títulos mencionados no Código de Processo Civil. O Supremo Tribunal Federal assentou entendimento segundo o qual prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação (Enunciado 150 da Súmula do STF).
Quanto aos títulos executivos extrajudiciais, lex specialis pode estabelecer o prazo ao exercício da pretensão, que por ser de cobrança, será sempre prescricional. Por isso mesmo, se há o decurso do prazo de prescrição, encobrem-se a eficácia da pretensão e da ação executiva, sem atingimento do direito de crédito à sua base.
Mesmo as ações executivas que não se lastreiam em títulos relacionais pela lei processual civil, os prazos são prescricionais e não decadenciais. Com efeito, na prescrição a regra jurídica considera mais o sujeito, já na decadência, o objeto. Por isso mesmo, v. g., se a pretensão é rescindir negócio jurídico por vício redibitório, afere-se essa prioridade do objeto em relação ao sujeito e tem-se prazo decadencial, como explicitamente consigna a 1ª parte do artigo 445 do Código Civil.
Por outro lado, se a pretensão é, por exemplo, cobrar direito de crédito com vencimento antecipado da correspondente dívida, afere-se a prioridade do sujeito, e não o lapso de tempo mesmo, portanto, o prazo é prescricional.
Fonte: Prescrição e Decadência no Novo Código Civil. Vilson Rodrigues Alves.

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