quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Concurso de Crimes - Características

O concurso de crimes surge quando uma só pessoa pratica uma pluralidade de delitos. É regulado pelo Código Penal nos artigos 69 a 71, os quais prevêem o concurso material (real), o concurso formal (ideal) e o crime continuado, cada qual com suas características próprias, que servirão de norte ao julgador no momento crucial da aplicação da pena.

O Código Penal prevê o concurso material no artigo 69. Cuida da hipótese quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, em virtude da prática de dois ou mais crimes. Caso as infrações tenham sido cometidas em épocas diferentes, investigadas por meio de processos diversos, que culminaram em várias condenações, não se fala em concurso material, mas em sim em soma ou unificação das penas aplicadas.

De acordo com Rogério Grecco, o concurso material surge quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes que tenham entre si uma relação de contexto, ou em que ocorra a conexão ou continência, de forma que os criminosos poderão ser analisados no mesmo processo. Assim, se comprovados, farão que o agente seja condenado pelos diversos delitos que cometeu, ocasião na qual o Juiz cumulará materialmente as penas de cada infração por ele levada a efeito.

Para o citado autor, o fato de determinada infração penal ter sido julgada e posteriormente a ela outra vier a ser praticada, a aglutinação das penas não deve ser tratada como hipótese de concurso material, embora duas ou mais infrações tenham ocorrido. Diz-se que haverá tão-somente a soma das penas, pelo Juízo da execução, para fins de início de seu cumprimento ou a unificação com a finalidade de atender ao limite imposto no artigo 75 do Código Penal.

Uma vez afirmada existência do concurso material, a regra a ser adotada será a do cúmulo material. O Juiz deverá encontrar, isoladamente, a pena correspondente a cada infração praticada. Depois do cálculo final de todas elas, haverá o cúmulo material, ou seja, serão as penas somadas para que seja encontrada a pena total aplicada ao sentenciado que, por sua vez, poderá somar-se a outras para efeitos da execução, sendo ainda possível a unificação.

Fala-se em concurso homogêneo quando o agente comete dois crimes idênticos, não importando se a modalidade é simples, privilegiada ou qualificada. Por outro lado, ocorrerá o concurso material heterogêneo quando o agente vier a praticar duas ou mais infrações penais diversas.

É perfeitamente possível a ocorrência de concurso material de infrações com a aplicação cumulativa de penas privativas de liberdade que comportem substituição por penas restritivas de direitos, em regime também cumulativo. Se, entretanto, em relação a uma delas, a pena privativa de liberdade não tiver sido suspensa, a substituição das demais, de acordo com o artigo 69, § 1º do Código Penal, torna-se inviável.

O concurso formal (ideal) de crimes funda-se em razões de política criminal, pois a regra foi criada em benefício dos agentes que, com a prática de uma única conduta, produzem dois ou mais resultados definidos como crime. Segundo a definição de Maggiore, “concurso formal é, tipicamente, o realizado pela hipótese de um fato único (ação ou omissão) que viola diversas disposições legais”.

De acordo com a teoria da unidade do delito, não obstante a lesão de várias leis penais, existe um só delito. Já para a teoria da pluralidade do delito, a lesão de vários tipos penais significa a existência de vários crimes.

São requisitos para o concurso formal de crimes: uma só ação e a prática de dois ou mais crimes. As conseqüências são: aplicação da pena mais grave, aumentada de um sexto até a metade; aplicação de somente uma das penas, se iguais, aumentada de um sexto até a metade; aplicação cumulativa das penas, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes resultam de desígnios autônomos.

O concurso formal será homogêneo quando as infrações praticadas são idênticas, ou seja, quando com um mesmo fato são realizadas várias vezes o mesmo tipo penal. Por outro lado, será heterogêneo quando um só fato se satisfaz as exigências de distintos tipos penais. Se homogêneo, o Juiz ao reconhecer o concurso formal, deverá aplicar uma das penas, que serão iguais em virtude da prática de uma mesma infração, devendo aumentá-la de um sexto até a metade; se heterogêneo, o Juiz deverá selecionar a mais grave das penas e, também nesse caso, aplicar o percentual de um sexto até metade.

O concurso formal também pode ser próprio (perfeito) ou impróprio (imperfeito). Nos casos em que a conduta do agente for culposa na sua origem, sendo todos os resultados atribuídos ao agente a esse título, ou na hipótese em que a conduta era dolosa, mas o resultado aberrante lhe é imputado culposamente, o concurso será reconhecido como próprio ou perfeito (exemplo: se alguém, imprudentemente, atropelar duas pessoas, causando-lhes a morte, teremos um concurso formal próprio). Neste caso, aplica-se o percentual de aumento de um sexto até a metade.

Situação diversa é aquela contida na parte final do caput do artigo 70 do Código Penal, em que a lei penal prevê a possibilidade de o agente atuar com desígnios autônomos, querendo, dolosamente, a produção de ambos os resultados. Ao agir com desígnios autônomos, a conduta é única, é dirigida finalisticamente, dolosamente, à produção dos resultados.

Quanto ao concurso formal (impróprio), pelo fato de ter o agente atuado com desígnios autônomos, almejando dolosamente a produção de todos os resultados, a regra será a do cúmulo material, isto é, embora tenha praticado uma conduta única, produtora de dois ou mais resultados, se eles tiverem sido queridos inicialmente, as penas serão somadas.

No caso concreto, deverá o julgador, ao aplicar o aumento correspondente ao concurso de crimes, aferir se, efetivamente, a regra está beneficiando ou se, pelo contrário, está prejudicando o agente. Do mesmo modo, a variação da aplicação do percentual dependerá do número de infrações penais cometidas pelo agente.

O crime continuado encontra-se previsto no artigo 71 e parágrafo único do Código Penal. Três principais teorias buscam explicar sua natureza jurídica: a) teoria da unidade real (entende como crime único as várias condutas que, por si sós, constituiriam em infrações penais); b) teoria da ficção jurídica (as várias ações levadas a efeito pelo agente são consideradas como um único delito); c) teoria mista (reconhece o crime continuado como um terceiro crime, fruto do próprio concurso). Nossa lei penal adotou a teoria da ficção jurídica ao entender que, uma vez concluída pela continuidade delitiva, deverá a pena do agente sofrer exasperação.

São requisitos do crime continuado: mais de uma ação ou omissão; prática de dois ou mais crimes, da mesma espécie; condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes; os crimes subseqüentes devem ser havidos como continuação do primeiro.

As seguintes conseqüências podem ser identificadas no crime continuado: aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada de um sexto a dois terços; aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada de um sexto a dois terços; nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, ou da mais grave, se diversas, em ambos os casos aumentadas até o triplo.

Para a caracterização do crime continuado é necessário definir o que são crimes da mesma espécie. A primeira posição, na linha de raciocínio de Fragoso, considera aqueles delitos que tutelam o mesmo bem jurídico como crimes da mesma espécie, ou seja, não são apenas aqueles previstos no mesmo artigo de lei, mas também aqueles que ofendem o mesmo bem jurídico e que apresentam, pelos fatos que os constituem ou pelos motivos determinantes, caracteres fundamentais comuns. Assim, furto e roubo, estupro e atentado violento ao pudor, seriam da mesma espécie. Para a segunda posição, defendida por Aníbal Bruno, são aqueles que possuem a mesma tipificação penal, não importando se simples, qualificados ou privilegiados, se tentados ou consumados, de modo que cada ação deve fundamentalmente constituir a realização punível do mesmo tipo legal. Embora a jurisprudência dos Tribunais Superiores seja vacilante, podemos observar uma inclinação para o acolhimento de segunda posição.

No que concerne às condições de tempo, não há como determinar o número máximo de dias ou mesmo de meses para que se possa entender pela continuidade delitiva. Deverá, entretanto, haver uma relação de contexto entre os fatos para que o crime continuado não se confunda com a reiteração criminosa. Apesar da impossibilidade de ser delimitado objetivamente um tempo máximo para a configuração do crime, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pelo limite de 30 (trinta) dias – HC 69.896-4.

Também existe controvérsia quanto à distância entre os vários lugares nos quais os delitos foram praticados. O Supremo Tribunal Federal já prelecionou que “o fato de serem diversas as cidades nas quais o agente perpetrou os crimes (São Paulo, Santo André e São Bernardo do Campo) não afasta a conexão espacial, pois elas são muito próximas uma da outra e integram, como é notório, uma única região metropolitana” (RT 542/455). Da mesma forma que o critério temporal, deverá haver uma relação de contexto entre as ações praticadas em lugares diversos pelo agente, seja esse lugar um bairro, cidade, comarca ou até Estados diferentes.

Ainda para a configuração do crime continuado, exige-se que as infrações posteriores sejam entendidas como continuação da primeira. Nesse ponto, a Exposição de Motivos da parte geral do Código Penal adota a teoria objetiva do crime continuado, a qual preconiza que, para o reconhecimento da continuidade delitiva, basta a presença de requisitos objetivos (artigo 71 – condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. Para esta teoria não há necessidade de aferir a unidade de desígnio (relação de contexto) entre as diversas infrações. Por outro lado, a teoria subjetiva preceitua que, independentemente dos requisitos de natureza objetiva, a unidade de desígnios é suficiente para que se possa caracterizar o crime continuado. Há, ainda, uma teoria híbrida, a qual exige ambas condições (objetivas e subjetivas).

Para Rogério Grecco, a teoria objetivo-subjetiva é a mais coerente com nosso sistema penal, que não almeja penas excessivamente altas, quando desnecessárias, mas também não tolera a reiteração criminosa. O criminoso de ocasião não pode ser confundido com o criminoso contumaz. Vale registrar que o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela aplicação da teoria híbrida (HC n.º 68.890/SP).

O parágrafo único do artigo 71 do Código Penal permite expressamente a aplicação da ficção jurídica do crime continuado nas infrações penais praticadas contra vítimas diferentes, cometidas com violência ou grave ameaça à pessoa. Assim, será perfeitamente admissível a hipótese de aplicação das regras do crime continuado àquele que, por vingança, resolve exterminar todos os homens pertencentes a uma família rival. Neste caso, temos um crime continuado qualificado, quando o Código Penal determina o aumento da pena de um só dos delitos, se idênticos, ou a mais grave, se diversas, até o triplo. Fazendo uma interpretação sistêmica, o aumento mínimo deve ser de um sexto, conforme previsto no caput do artigo 71 do Código Penal.

Tal como no concurso material, no crime continuado deve ser observada a regra do concurso benéfico. Ressalte-se, também, que recrudescimento da pena na continuidade delitiva ocorre de acordo com o número de infrações praticadas, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (HC n.º 10.076/MG).

No que diz respeito à sucessão de leis no tempo, o Supremo Tribunal Federal tem decidido no sentido de que a lei posterior, mesmo que mais gravosa, será aplicada a toda cadeia de infrações penais, haja vista que, conhecedores da nova lei, os agentes ainda assim insistiram em cometer novos delitos (Enunciado n.º 711 da Súmula do STF).

Em razão do disposto no artigo 119 do Código Penal (no caso de concurso de crimes, a extinção a punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente), na sentença que reconhecer o concurso de crimes, em qualquer das hipóteses (concurso formal, material ou crime continuado), deverá o Juiz aplicar, isoladamente, a pena correspondente a cada infração praticada. Após, segue-se a aplicação das regras correspondentes aos aludidos concursos. No que tange às penas de multa, elas deverão ser aplicadas isoladamente para cada infração.

Fonte: Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rogério Grecco.

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