quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Improbidade Administrativa - Aspectos Doutrinários

A regra matriz da Lei de Improbidade Administrativa – Lei n.º 8.429/92 é, por excelência o artigo 37, § 4º da Constituição Federal. As opiniões a respeito do assunto podem ser divididas em duas opiniões: as dos que adotam um critério subjetivo, acentuando o aspecto da violação de um dever moral, e as do que se inclinam por um critério objetivo, conceituando a improbidade administrativa como a violação de um dever legal.

Para os que seguem o critério subjetivo, a improbidade é a “prática que traduz delito, ou desonestidade, abuso, fraude, má-fé, má conduta no serviço ou fora dele, ferindo as leis penas ou as morais, caracterizando o ilícito penal ou o ilícito civil”. Já para os que defendem o critério objetivo, não se pode estender o conceito de improbidade “até os últimos refolhos morais, incluindo nele a maldade, a malícia, a perversidade”, devendo os elementos dessa falta ter objetividade, concretude.

O jurista Délio Maranhão contesta o critério objetivo extremado, que considera ato de improbidade do empregado apenas o ato criminoso, perfilhando-se à corrente subjetiva, sem, no entanto, deixar de registrar que “não é exato que os valores morais e jurídicos girem em órbitas afastadas uma da outra. O conceito de boa-fé, por exemplo, é moral e é jurídico. E o contrato cujo objeto ofende a moral é juridicamente nulo”. Alertando quanto à relatividade temporal e geográfica do conceito de ato de improbidade, resume sua posição afirmando que a falta do trabalhador estará caracterizada mediante a violação de uma “obrigação geral de conduta” e não propriamente contratual.

Na mesma linha subjetiva, Eduardo Gabriel Saad afirma que ato de improbidade “é todo aquele que não se coaduna com os padrões de moral de uma dada sociedade e num dado momento”. Para ele, “o empregado pode ser ímprobo sem prejudicar patrimonialmente o empregador”, asseverando que “ato de improbidade pode ser praticado fora do local de trabalho e criar uma situação em que o empregador perde a confiança no empregado”.

Na esfera do direito administrativo, a doutrina apresenta os atos de improbidade a partir de uma análise ora formal, ora substantiva, sem olvidar de outros critérios. Pode-se identificar a presença de cinco correntes doutrinárias:

- substantiva: compreende esse ilícito a partir da lesão ao princípio da moralidade administrativa;

- legalista ou formal: identifica o ato de improbidade como violação da lei, em sentido estrito;

- mista: entende caracterizado o ato de improbidade em função do atentado simultâneo ao binômio legalidade-moralidade;

- principiológica em sentido estrito: entende caracterizado o ilícito em razão do atentado aos princípios do artigo 37, caput da Constituição Federal;

- principiológica em sentido amplo/juridicidade: compreende estar caracterizado o ato de improbidade a partir da violação de quaisquer dos princípios da Administração.

Corrente Substantiva

José Afonso da Silva compreende a improbidade administrativa a partir do princípio da moralidade administrativa, que, por sua vez, não deve ser confundida com a moral comum, mas com a moral jurídica, e que se configura como causa autônoma de nulidade do ato administrativo, a ensejar a propositura de ação popular.

A improbidade administrativa seria a imoralidade qualificada pelo resultado, vale dizer, a conduta ilegítima geradora de dano ao erário, vantagem indevida do agente ou terceiro, punida com a suspensão dos direitos políticos.

A perspectiva, portanto, é eminentemente substantiva e principiológica, na medida em que pratica ato de improbidade administrativa o agente público que “atentar contra as pautas morais básicas – abrangendo as relacionadas ao princípio conexo da boa-fé nos atos e nos contratos públicos”.

Corrente Legalista ou Formal

Sob o prisma constitucional, a “probidade é forma qualificada de moralidade administrativa”, referindo-se à improbidade como transgressão do princípio da moralidade, ou seja, uma imoralidade qualificada como tal pelo ordenamento jurídico. O ato de improbidade administrativa é visto como violação de uma dever previsto na norma.

Marcelo Figueiredo conceitua a improbidade administrativa objetivamente, como violação de um dever legal, cujas conseqüências são definidas pela Lei n.º 8.429/92.

Alexandre de Moraes também se filia à corrente formal, pois, para ele “atos de improbidade administrativa são aqueles que, possuindo natureza civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da Administração, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário”.

O princípio nullum crimen nulla poena sine lege, que a Constituição enuncia no inciso XXXIX do artigo 5º, aludindo especificamente a crimes, em verdade, aplica-se também às infrações administrativas, notadamente os atos de improbidade administrativa. Os atos de improbidade administrativa, tanto quanto as infrações penais, só podem ser julgados pelo Poder Judiciário e só por lei federal podem ser definidos.

Corrente Mista

Estará caracterizado em função do “descumprimento, por atos dos agentes públicos dos preceitos constitucionais e legais básicos que regem o setor público, resumindo-se em duas exigências fundamentais: legalidade e moralidade dos atos dos agentes públicos”.

A ilegalidade e imoralidade lato sensu (abrangendo, portanto, os princípios da supremacia do interesse público, da impessoalidade, publicidade, razoabilidade, lealdade, etc) são causas de improbidade administrativa.

Corrente Principiológica Restrita

A improbidade administrativa é sinônimo técnico de corrupção administrativa: “numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica, revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo tráfico de influência nas esferas da Administração e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.

No plano fático, portanto, improbidade seria igual a corrupção. A Lei n.º 8.429/92 parece conduzir o intérprete a essa conclusão, pois sob o signo improbidade administrativa são batizadas três modalidades de ato de improbidade: os que importam enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da Administração, subespécies que desdobram em dezenas de condutas igualmente caracterizadas pelo legislador como atos de improbidade.

Corrente Principiológica Ampla/Juridicidade

O cotejo entre o princípio da moralidade administrativa e o princípio da probidade administrativa reafirma a identidade entre esses princípios no plano da principiologia, apontando, no entanto, na perspectiva do ato ilícito de improbidade administrativa, conforme a Lei n.º 8.429/92, uma dissonância entre eles, ou seja, a maior amplitude da probidade administrativa relativamente à moralidade administrativa, inserta no princípio da probidade.

Em que pese ser a observância ao princípio da moralidade um elemento de vital importância para a aferição da probidade, não é ele o único. Todos os atos dos agentes públicos devem observar a normatização existente, o que inclui toda a ordem de princípios, e não apenas o da moralidade. Assim, quando muito, será possível dizer que a probidade absorve a moralidade, mas jamais terá sua amplitude delimitada por esta.

A improbidade administrativa estará, a priori, configurada diante da ofensa ao princípio da juridicidade, que aglutina todos os princípios que informam a Administração, em especial aquelas desempenhadas pelo Poder Executivo, bem como as demais atividades estatais, igualmente sujeitas a tal principiologia, com ênfase nos princípios da legalidade e da moralidade.

Exemplificativamente, fazem referência aos princípios da impessoalidade, publicidade, eficiência, supremacia do interesse público e razoabilidade (de fundamental relevância na ponderação dos valores em jogo para a caracterização do ato de improbidade e na aplicação das sanções), complementos importantes do princípio da juridicidade, cuja violação produz as condições necessárias para a configuração do ato de improbidade administrativa. Essa posição aproxima-se, em última análise, na configuração de que a improbidade resulta potencialmente do atentado à legalidade em sentido amplo.

A moralidade administrativa tem relevo singular e é o mais importante desses princípios, porque é pressuposto informativo dos demais, muito embora devam coexistir no ato administrativo.

A contribuição da moralidade administrativa o tema da discricionariedade é justamente a imposição de limites à atuação estatal, de modo que a extensão daquele princípio alcança o dever de melhor administrar, maior que o de bem administrar, impondo-se ao agente público, diante das várias alternativas colocadas a seu juízo, o dever de adotar a melhor, sob pena de reconhecimento judicial da ilegitimidade do ato e não de sua substituição, porque não desfruta do poder de escolher qualquer uma delas, senão a melhor.

A partir do princípio da moralidade é apresentada a probidade administrativa, que é um subprincípio daquele, caracterizando-se, por outro vértice, em direito público subjetivo a uma Administração proba e honesta, de natureza difusa, influenciado pela conversão instrumentalizada e outros princípios da Administração (notadamente, impessoalidade, lealdade, imparcialidade, publicidade, razoabilidade) e pelo cumprimento do dever de boa administração.

Além a repressão aos atos de improbidade administrativa na seara cível, em sentido amplo, conforme a Lei n.º 8.429/92, tais condutas apresentam reflexos nas esferas político-administrativa, penal e disciplinar, consoante o artigo 85, inciso V da Constituição Federal e, que considera crime de responsabilidade atos que atentam contra a probidade da Administração, matéria regulada nos níveis federal e estadual pela Lei n.º 1.079/50, no municipal pelo Decreto-Lei n.º 201/67 e no artigo 55, inciso II, § 1º da Constituição Federal para os membros das corporações legislativas. E tudo isso sem prejuízo da tutela penal da probidade administrativa, de seu sancionamento no âmbito administrativo-disciplinar e do ajuizamento da ação popular para o combate a ato ofensivo à moralidade administrativa.

A atual dimensão constitucional do prestígio da probidade administrativa não se limita, no aspecto repressivo, ao sancionamento do enriquecimento ilícito ou da lesão ao erário, sendo um conceito mais amplo e que abrange toda e qualquer violação aos princípios que ordenam a Administração. Probidade administrativa é o respeito aos princípios da Administração.

Ato de improbidade, por conseguinte, seria todo aquele que atentasse contra princípios da Administração ou contra o dever de probidade administrativa. Improbidade administrativa, em linhas gerais, significa servir-se da função pública para angariar ou distribuir, em proveito pessoal ou para outrem, vantagem ilegal ou imoral, de qualquer natureza, e por qualquer modo, com violação aos princípios e regras presidentes das atividades na Administração, menosprezando os deveres do cargo e a relevância dos bens, direitos, interesses e valores confiados a sua guarda, inclusive por omissão, com ou sem prejuízo patrimonial.

Improbidade administrativa para a sociedade brasileira possui um significado próprio, e pelo que indicam as fortes diferenças entre as lições dos autores que tentaram conceituá-la, esta real significação pode ainda não ter sido captada, fato que coloca em dúvida, inclusive, o proveito dessas concepções doutrinárias, para compreender o teor e os limites a categoria sob crivo. Nessa medida, eventual doxismo há de ser superado.

O conceito de improbidade administrativa, portanto, sendo um conceito jurídico, está relacionado a uma dada significação, que é expressada por meio de seu termo, portanto, não é um conceito jurídico indeterminado. A essência do ato de improbidade administrativa é imutável.

Fonte: Ato de Improbidade Administrativa – 15 Anos da Lei 8.429/92. Mateus Bertoncini.