segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Julgado e condenado. E agora, como aplicar a pena?

Tendo o réu praticado uma das ações elencadas na lei penal, parte-se para um segundo momento da individualização da pena, agora, de competência do julgador. Do plano abstrato (fase da cominação) passa-se para o plano concreto (fase da aplicação), cabendo ao Juiz do processo penal de conhecimento aplicar àquele que praticou um fato típico, ilícito e culpável uma sanção penal que seja necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

O artigo 68 do Código Penal determina que a pena será aplicada observando-se três fases distintas. Primeiramente, deverá o julgador encontrar a chamada pena-base, sobre a qual incidirão os demais cálculos. Nos tipos penais incriminadores existe uma margem entre as penas máxima e mínima, permitindo ao Juiz, depois da análise das circunstâncias judiciais previstas pelo artigo 59 do Código Penal, fixar aquela que seja mais apropriada ao caso concreto.

Cada uma dessas circunstâncias judiciais deve ser analisada e valorada individualmente, não podendo o Juiz simplesmente se referir a elas de forma genérica na determinação da pena-base, sob pena de se macular o ato decisório. De fato, tanto o réu como o Ministério Público devem entender os motivos pelos quais o Juiz fixou a pena-base naquela quantidade.

Depois da fixação da pena-base serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes previstas na parte geral do Código Penal (artigos 61 e 65). O Superior Tribunal de Justiça, nos termos do Enunciado n.º 231 de sua Súmula, expressou seu posicionamento no sentido de que “a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.

O terceiro momento de aplicação da pena diz respeito às causas de diminuição e de aumento. Merece ser destacada a diferença entre circunstâncias agravantes e atenuantes e causas de aumento e diminuição da penal. A diferença fundamental reside no fato de que as primeiras são arroladas na parte geral do Código Penal e seu quantum de redução e aumento não vem predeterminado pela lei, devendo o Juiz, atento ao princípio da razoabilidade, fixá-lo no caso concreto; as causas de aumento e diminuição podem vir previstas na parte geral como na especial do Código Penal, contudo seu quantum de redução e de aumento sempre é fornecido em frações pela lei.

No terceiro momento de aplicação da pena não existem discussões sobre a possibilidade de redução da pena aquém do mínimo ou além do máximo, pois que se isso acontecesse a pena do crime tentado deveria ser sempre a mesma do que a do consumado.

Quando houver concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o Juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

As circunstâncias judiciais, que deverão ser obrigatoriamente analisadas quando da fixação da pena-base pelo julgador, são as seguintes:

- culpabilidade: é o juízo de reprovação que recai sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente, é um dos elementos integrantes do conceito tripartido de crime. A análise da culpabilidade deve ocorrer sob dois aspectos: no primeiro, dirigido à configuração da infração penal, quando se afirmará que o agente que praticou o fato típico e ilícito era imputável, que tinha conhecimento sobre a ilicitude do fato que cometia e, por fim, que lhe era exigível um comportamento diverso; no segundo, a culpabilidade será aferida com o escopo de influenciar na fixação da pena-base. A censurabilidade do ato terá como função fazer com que a pena percorra os limites estabelecidos no preceito secundário do tipo penal incriminador.

- antecedentes: dizem respeito ao histórico criminal do agente que não se preste para efeitos de reincidência. Em virtude do princípio constitucional da presunção de inocência, somente as condenações anteriores com trânsito em julgado, que não sirvam para forjar a reincidência, é que poderão ser consideradas em prejuízo do sentenciado. Assim, simples anotações na folha de antecedentes criminais do agente, apontando inquéritos policiais ou processos penais em andamento, inclusive com condenações pendentes de recurso, não tem o condão de permitir com que a sua pena seja elevada.

- conduta social: quer a lei traduzir o comportamento do agente perante a sociedade. Não podemos confundir a conduta social com antecedentes penais. Estes jamais servirão de fundamento para a conduta social, pois esta abrange todo o comportamento do agente no seio da sociedade, afastando-se desse raciocínio seus histórico criminal, verificável em sede de antecedentes penais.

- personalidade do agente: o julgador não possui capacidade técnica para a aferição da personalidade do agente, de modo que esta circunstância somente poderá ser considerada se embasa em laudo técnicos emitidos por profissionais da área.

- motivos: são as razões que antecederam e levaram o agente a cometer a infração penal. Se já estão fazendo com que a pena fuja àquela prevista na modalidade básica, quando da fixação da pena-base não poderá o julgador, por mais de uma vez, considerá-los negativamente, ou seja, em prejuízo do agente, sob pena de bis in idem. Da mesma forma, os motivos não podem ser considerados por duas vezes em benefício do agente se a sua previsão já fizer parte do tipo penal.

- circunstâncias: são elementos acidentais que não participam da estrutura própria de cada tipo, mas que, embora estranhas à configuração típica, influem sobre a quantidade punitiva para efeito de agravá-la ou abrandá-la. As circunstâncias apontadas em lei são as circunstâncias legais (atenuantes e agravantes). As circunstâncias inominadas não as circunstâncias judiciais a que se refere o artigo 59 do Código Penal e, apesar de não especificadas em nenhum texto legal, podem, de acordo com uma avaliação discricionária do Juiz, acarretar um aumento ou uma diminuição da pena. Entre tais circunstâncias, podem ser incluídos o lugar do crime, o tempo e sua duração, o relacionamento existente entre o autor e a vítima, a atitude assumida pelo delinqüente no decorrer da realização do fato do criminoso. As circunstâncias que servirão de fundamento para a aplicação da pena-base não se confundem com as chamadas circunstâncias legais, atenuantes ou agravantes, a serem aferidas no segundo momento de aplicação da pena.

- conseqüências do crime

- comportamento da vítima

Circunstâncias Agravantes e Atenuantes

Circunstâncias são dados periféricos que gravitam ao redor da figura típica e têm por finalidade diminuir ou aumentar a pena aplicada ao sentenciado. Por permanecerem ao lado da definição típica, as circunstâncias em nada interferem na definição jurídica da infração penal. As elementares, ao contrário, não dados essenciais, indispensáveis à definição da figura típica, sem os quais o fato poderá ser considerado atípico – atipicidade absoluta ou relativa.

O Código Penal não fornece um quantum para fins de atenuação ou agravação da pena, ao contrário do que ocorre com as chamadas causas de aumento ou diminuição, a serem observadas no terceiro momento do critério trifásico previsto no artigo 68 do Código Penal. Deve-se, portanto, considerar o princípio da razoabilidade como reitor para essa atenuação ou agravação da pena.

Como bem observado por Cezar Roberto Bitencourt:

“(...) o Código não estabelece a quantidade de aumento ou de diminuição das agravantes ou atenuantes legais genéricas, deixando-a à discricionariedade do Juiz. No entanto, sustentamos que a variação dessas circunstâncias não deve ir muito além do limite mínimo das majorantes e minorantes, que é fixado em um sexto. Caso contrário, as agravantes e as atenuantes se equiparam àquelas causas modificadoras da penal, que, a nosso juízo, apresentam maior intensidade, situando-se pouco abaixo das qualificadoras (no caso das majorantes)”.

As circunstâncias agravantes estão previstas nos artigos 61 e 62 do Código Penal e são previstas numerus clausus:

- reincidência: verifica-se quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. O Código Penal afastou a chamada reincidência específica, sendo suficiente a prática de crime anterior que, independentemente de suas características, pode ou não ser idêntico ou ter o mesmo bem juridicamente protegido pelo crime posterior, praticado após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Nos termos do artigo 64 do Código Penal, não prevalece a condenação anterior se a data o cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período superior a cinco anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação. Também não são computados para efeitos de reincidência os crimes militares próprios e os políticos.

Para fins de contagem do período de cinco anos, quando ao condenado tiver sido concedida a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional, o início da contagem do prazo ocorrerá a partir da data da audiência admonitória ou da cerimônia do livramento condicional, desde que não revogada a medida e declarada a extinção da pena.

Somente no segundo momento de aplicação da pena é que a reincidência poderá ser considerada, razão pela qual o Superior Tribunal de Justiça (Enunciado n.º 241) posicionou-se no sentido de que “a reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”.

- ter o agente cometido o crime: por motivo fútil ou torpe (motivo fútil é aquele insignificante, gritantemente desproporcional. Torpe é o motivo abjeto, vil, que nos causa repugnância, pois que atenta contra os mais basilares princípios éticos e morais); para facilitar ou assegurar a execução, ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; à traição, emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido; com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma de lei específica; com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão; contra criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida; quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade; em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido; em estado de embriaguez preordenada.

- agravantes no concurso de pessoas: quando o agente promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; coage ou induz outrem à execução do crime; instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.

As circunstâncias atenuantes estão previstas no artigo 65 do Código Penal, contudo o rol não é taxativo, uma vez que o artigo 66 diz que a pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora na prevista expressamente em lei. Estão previstas na lei penal:

- ser o agente menor de 21 anos na data do crime ou maior de 70 anos na data da sentença; o desconhecimento da lei (a redução da reprimenda deve guardar relação com a maior ou menor influência que o desconhecimento da lei exerceu sobre a configuração da vontade delitiva. Quanto maior a influência, maior a redução da pena).

- ter o agente cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral; procurado por espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes o julgamento, reparado o dano; cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime (o Superior Tribunal de Justiça tem considerado a circunstância atenuante na hipótese em que o julgador tenha se valido da confissão do agente, mesmo que, posteriormente, tenha ele se retratado); cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.

Diz o artigo 67 do Código Penal que, no concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.

São três, portanto, as espécies de circunstâncias preponderantes, que dizem respeito:

- motivos determinantes: são aqueles que impulsionaram o agente ao cometimento do delito, tais como motivo fútil, torpe, de relevante valor social ou moral;

- personalidade do agente: são dados pessoais, inseparáveis da sua pessoa, como é o caso da idade (menor de 21 anos na data do delito ou maior de 70 anos na data da sentença);

- reincidência: demonstra que a condenação anterior não atingiu o objetivo preventivo, sendo o novo delito detentor de maior reprovação.

Se houver concurso de circunstância preponderante com outra que não tenha essa natureza, prevalecerá aquela do segundo momento da aplicação da pena. No concurso de circunstâncias agravantes e atenuantes de idêntico valor, a existência de ambas levará a afastamento das duas, ou seja, não se aumenta ou diminui a pena no segundo momento.

Por fim, tem se entendido que a menoridade do réu prepondera sobre todas as demais circunstâncias, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Nos julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri, não competirá mais aos jurados a análise, mediante quesitação, das circunstâncias agravantes ou atenuantes, mas tão-somente ao Juiz-Presidente, conforme o novo (Lei n.º 11.689/08) artigo 492, inciso I, alínea b do Código de Processo Penal.


Fonte: Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rogério Grecco.