domingo, 20 de março de 2011

Ação Penal II

Ação Penal Privada
Enquanto, no que se refere à ação pública condicionada, o Estado permanece responsável pela persecução penal, dependendo unicamente da autorização da vítima, nas ações privativas do ofendido ele intervém apenas como custus legis, zelando pela correta aplicação da lei penal.
A regra é que a legitimação ativa para a ação privada seja atribuída ao ofendido, quando capaz, a quem caberá avaliar a conveniência e a oportunidade da instauração da ação penal.
Tratando-se de ofendido menor de 18 anos, a lei não reconhece a ele capacidade processual para estar em Juízo, atribuindo-a ao seu representante legal; na inexistência deste, cujo poder de representação decorra da lei, ou, se tiver, houver conflito de interesse entre ambos, o Juiz deverá, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, nomear curador especial para a defesa de seus interesses. Igual procedimento será adotado quando se tratar de pessoa incapaz, mentalmente enferma ou retardada mental.
Nos termos do artigo 34 do Código de Processo Penal, se o ofendido for maior de 18 anos e menor de 21 anos, a ação penal poderia ser instaurada tanto por ele quanto por seu representante legal, prevendo a lei verdadeira hipótese de legitimação concorrente, nada impedindo, também, a formação de litisconsórcio entre ambos.
A nova legislação civil alterou significativamente a questão relativa à menoridade para a prática de atos de natureza civil. Atenta a reflexos dessa modificação no âmbito de outros ramos do Direito, o Código Civil fez constar expressamente em seu artigo 2.043: “até que por outra forma se disciplinem, continuam em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou penal, constantes de leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este Código”.
Com o artigo 10 da Lei n.º 10.792/2003 revoga expressamente o contido no artigo 194 do Código de Processo Penal (“se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório na presença do curador”), parece irrecusável a conclusão no sentido de que o legislador processual penal acolheu definitivamente a redução da incapacidade civil feita pelo Código Civil.
O artigo 2.043 do Código Civil não é suficiente para afastar a legitimação exclusiva do ofendido maior de 18 anos, tanto para o exercício da renúncia e do perdão. Semelhante entendimento melhor se consolida com as novas disposições da Lei n.º 10.792/2003, no ponto em que se revogou a exigência da nomeação de curador ao réu menor de 21 anos para fins de interrogatório.
No caso de morte ou ausência da vítima, declarada esta judicialmente, a lei prevê especial hipótese de legitimação anômala, admitindo a sucessão do ofendido pelo seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, devendo ser obedecida a ordem de preferência. Entretanto, qualquer uma delas poderá prosseguir na ação já instaurada, caso o querelante (isto é, cônjuge, ascendente, descendente ou irmão) desista ou abandone instância.
A existência de um poder discricionário do ofendido, ou dos demais legitimados, únicos árbitros da conveniência, e oportunidade de se instaurar a ação penal nos crimes cuja persecução seja de iniciativa privada. Ao contrário, pois, da ação penal pública (incondicionada ou condicionada), a ação privada encontra-se na esfera de disponibilidade de seu titular ou a tanto legitimado.
Por renúncia há de se entender a abdicação ou recusa do direito à propositura da ação penal, por meio da manifestação da vontade o não-exercício dela no prazo previsto em lei. A renúncia, portanto, é modalidade de extinção da punibilidade (artigo 107, inciso V do CP) antes da instauração da ação penal. A lei prevê que a renúncia pode ser manifestada tanto de maneira expressa quanto tacitamente.
Por renúncia tácita deve-se entender a prática de ato incompatível com a vontade de exercer o direito à ação penal, admitindo-se quaisquer meios de prova para a sua demonstração. Nos termos do artigo 104 do Código Penal, não implica renúncia o fato de o ofendido receber a indenização do dano causado pelo crime.
Tratando-se de ofendido menor de 18 anos, diante de sua incapacidade processual (de estar em Juízo), o direito de queixa (e, assim, o de renúncia a este direito) é atribuído exclusivamente ao seu representante legal.
Se o ofendido é menor de 18 anos, não tendo ele capacidade de estar em Juízo, somente o seu representante legal poderá ingressar com a ação privada; do mesmo modo, somente o representante legal poderá renunciar e conceder perdão (artigos 33, 50 e 33 do CPP).
Quando o ofendido menor completar a idade de 18 anos, ele poderá ingressar com a queixa (artigo 50, parágrafo único do CPP), se e desde que ainda não tenha se operado a decadência em relação ao seu então representante legal. É dizer: como o prazo decadencial para o ingresso em Juízo nas ações privadas, em regra, é de seis meses, contados a partir do conhecimento da autoria do fato, uma vez superado esse prazo antes de o ofendido completar 18 anos, o caso é de não-aplicação do parágrafo único do artigo 50 do Código de Processo Penal, por já se encontrar extinta a punibilidade.
Todavia, se quando o ofendido completar 18 anos ainda estiver em curso o prazo decadencial para o exercício da queixa, poderá ele, e agora, somente ele, ingressar em Juízo, no prazo ainda restante, tendo em vista a superveniente perda do poder de representação por parte do representante legal.
Isso não será possível, porém, se já tiver havido a renúncia por parte do representante legal, antes de o ofendido completar 18 anos, quando se fará presente causa extintiva de punibilidade.
Feita a renúncia antes de o ofendido completar 18 anos, extingue-se a punibilidade, salvo a hipótese do artigo 33 do Código de Processo Penal, relativa à eventual nulidade da renúncia, por vício na representação dos interesses do menor. Completados 18 anos, somente o ofendido poderá renunciar ao direito de queixa, se ainda existente, não mais vigorando, pois, a legitimação concorrente do representante legal, porque inexistente tal figura.
A perempção é a perda do direito de prosseguir na ação penal já instaurada, cujo efeito é a extinção de punibilidade, consoante o disposto no artigo 107, inciso IV do Código Penal.
Considera-se perempta a ação penal quando, iniciada, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos (artigo 60, inciso I do CPP). Obviamente, como a razão da lei é a celeridade e a exigência de demonstração, pelo ofendido, da efetiva lesão causada pelo fato, somente se reconhecerá a perempção em tal hipótese desde que seja regularmente intimado o querelante (ele e seu procurador) para a adoção de providências necessárias ao impulso do processo.
Configura também causa de perempção o fato de deixar o autor (querelante) de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou, ainda, deixar de formular pedido de condenação nas alegações finais (artigo 60, inciso III do CPP).
É importante registrar a presença do querelante aos atos do processo somente pode ser exigida em relação aos atos de natureza instrutória, ou seja, naquele em que a sua participação é relevante para a apuração dos fatos.
É causa de perempção, ainda, a morte do querelante sem sucessores, ou quando, havendo sucessores, estes não se habilitarem a prosseguir na ação no prazo de 60 dias, ou quando, tratando-se de pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor (artigo 60, incisos II e IV do CPP).
O perdão é ato bilateral, cuja eficácia depende assim, da aceitação do querelado ou de quem tenha poderes para representá-lo na hipótese de sua incapacidade (artigo 55 do CPP).
O perdão pode ser expresso ou tácito, dentro ou fora do Juízo, devendo o querelado ser intimado, quando declarado nos autos, para, no prazo de 3 dias manifestar sobre ele, constando da intimação, necessariamente, que o seu silêncio, no referido prazo, implicará a aceitação (artigo 58 do CPP).
Como legitimação ativa para a referida ação pertence agora exclusivamente ao maior de 18 anos, também, a ele, unicamente, caberá ao direito de perdoar o querelado, não havendo quem possa se opor a esse perdão, diante do desaparecimento (ainda que não na lei processual penal, por força do artigo 2.043 do CC) do representante legal previsto no artigo 52 do Código de Processo Penal.
Quando se tratar de aceitação do perdão, portanto de ato do querelado, o Juiz não deve mais nomear a ele um curador. É que, se nem sequer é necessária a nomeação de um curador ao réu menor de 21 e maior de 18 anos para o interrogatório, ato tipicamente de defesa, não há razão alguma para fazê-lo por ocasião da aceitação do perdão.
Quando ambos, querelante e querelado, forem incapazes, tanto a concessão do perdão quanto sua aceitação caberão ao curador que o Juiz lhes nomear (artigos 33 e 53 do CPP).
A renúncia é manifestada antes da ação penal, enquanto o perdão é posterior ao oferecimento da queixa, podendo ser concedido até antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 106, § 2º do CP).
Por indivisibilidade da ação penal deve-se entender a impossibilidade de se fracionar a persecução penal, isto é, de se escolher ou optar pela punição de apenas um ou alguns dos autores do fato, deixando-se os demais, por qualquer motivo, excluídos da imputação delituosa.
Encontra-se, frequentemente, nos manuais de processo penal, a afirmação de que, se o querelante deixa de incluir alguns dos autores do fato, a queixa deve ser rejeitada, aplicando-se a regra de extensão da renúncia – tácita, pela não-inclusão – aos querelados mencionados na peça inicial. Mirabete entende que o Ministério Público tem poderes para aditar a queixa, inclusive para nela incluir co-autor ou partícipe cuja autoria ou participação não tenha sido vislumbrada pelo querelante.
A não-ocorrência com o indiciamento açodado feito pela autoridade policial, ou o simples esquecimento, ou erro de digitação da queixa, não podem nunca justificar a rejeição dela e, muito menos, a extinção de punibilidade por uma renúncia que jamais ocorreu.
Tratando-se de ações reservadas à iniciativa do ofendido, a legislação processual penal cuidou de estabelecer prazos de características distintas daqueles previstos para o exercício da ação penal pública, em razão, sobretudo, da natureza privada da disputa judicial a ser travada a partir do comentimento da infração penal.
Assim, com os olhos voltados para rápida solução do conflito e pacificação dos espíritos, optou-se – o contrário do prazo prescricional, mais dilatado e tradicionalmente sujeito à interrupção e suspensão – pela estipulação de prazo decadencial, muito menos elástico e, por definição conceitual, avesso aos incidentes de paralisação na sua fluência temporal.
O Código de Processo Penal prevê, como regra comum à generalidade das ações privadas, o prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, contados a partir da datam em que o legitimado venha a conhecer a autoria do fato (artigo 38 do CPP).
Concretamente, não se encontrará um representante legal do maior de 18 anos (menor de 21). Se a representação decorria da lei, parece irrecusável a conclusão no sentido de seu desaparecimento, no plano da realidade, quando não há mais legislação dispondo nesse sentido.
Perdeu aplicabilidade, portanto, o disposto no Enunciado n.º 594 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, que disponha acerca da existência de dois prazos decadenciais para o ajuizamento da ação penal privada: um para o ofendido, menor de 21 e maior de 18 anos, e outro para seu representante legal.
Para alguns crimes praticados por meio da imprensa, a Lei n.º 5.250/67 prevê o prazo de apenas três meses para o exercício do direito de queixa e de representação (artigo 41, § 1º), com a particularidade de queixa e de representação do prazo, conforme se observa do mesmo dispositivo (artigo 4, § 2º).
Nos crimes contra a propriedade imaterial, prevê o artigo 529 do Código de Processo Penal, que a queixa, quando fundada em apreensão e perícia, deve ser oferecida até 30 dias após a homologação do laudo pericial (artigo 527 do CPP), decadencial o prazo, portanto.
A razão pela qual o tratamento das ações privadas relativamente aos crimes contra os costumes merece ser destacado reside nas peculiaridades que cercam semelhantes modalidades de delitos, submetidos ora à persecução via ação pública, ora via ação pública condicionada à representação, ora, finalmente, e, como regra, à iniciativa privada.
O artigo 101 do Código Penal diz que “quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo penal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público”.
Por esta razão, passou-se a entender que o estupro, quando praticado com violência real – isto é, física –, seria objeto de ação penal pública incondicionada, em razão de ser também de ação pública a persecução dos crimes de lesão corporal (artigo 129 do CP). É exatamente neste sentido a redação do Enunciado n.º 608 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. No mesmo plano, embora não explicitado, deve ser situado o crime de atentado violento ao pudor, quando praticado com a mesma violência real.
A Suprema Corte vem decidindo que o estupro e o atentado violento ao pudor, praticados em quaisquer de duas formas, simples ou qualificadas, caracterizam-se como crimes hediondos, independentemente do resultado qualificado previsto no artigo 223 do Código Penal.
A regra geral é ação privada, para crimes praticados sem violência real; caso ocorra, a ação será sempre pública incondicionada. Mesmo tratando-se de vítima menor de 14 anos ou de pessoa alienada mental ou que não possa oferecer resistência, a ação é privada, quando praticado o crime sem violência real.
Exceções: crimes praticados com abuso do pátrio poder ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador, a ação será sempre pública incondicionada, ainda que sem violência real (artigo 225, § 1º, inciso II do CP). Quando a vítima e seus pais não puderem prover as despesas do processo sem se privar de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família, a ação será pública condicionada à representação (artigo 225, § 1º, inciso I do CP).



Ação privada personalíssima
Ainda na linha da discricionariedade, a nossa legislação, para determinados delitos, reserva exclusivamente o juízo de conveniência acerca da propositura da ação penal, não sendo facultada a ninguém a substituição processual em caso de morte ou ausência do interessado.
É o que ocorre na hipótese do crime contra o casamento definido no artigo 236 do Código Penal (induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento, no casamento), cuja ação penal deverá ser promovida unicamente pelo contraente enganado, depois de transitada em julgado a decisão que anular o csamento.

Fonte: Curso de Processo Penal. Eugênio Pacelli de Oliveira.