segunda-feira, 25 de março de 2013

Teoria Geral da Prova no Processo Civil II


- presunções e indícios
Máximas da experiência são as noções que refletem o reiterado perpassar de uma série de acontecimentos semelhantes, autorizando, mediante raciocínio indutivo, a convicção de que, se assim costumam apresentar-se as coisas, também assim devem elas, em igualdade de circunstâncias, apresentar-se no futuro – possuem as características da generalidade e abstração.
Distinguem-se as máximas da experiência dos fatos notórios. Esses são fatos que ocorreram, e de cuja existência têm acesso, de maneira geral, as pessoas que vivem no ambiente sociocultural em que se acha inserido o Juiz. Regra da experiência e fato notório compõem, porém, um gênero: o saber privado do Juiz.
As máximas da experiência exercem as seguintes funções no processo: a) apuração dos fatos a partir dos indícios; b) valoração da prova, servindo para que o magistrado possa confrontar as provas já produzidas (dar mais valor a um testemunho do que a outro, por exemplo); c) aplicação dos enunciados normativos, auxiliando no preenchimento do conteúdo dos chamados conceitos jurídicos indeterminados (preço vil, por exemplo); d) limite ao livre convencimento motivado: o magistrado não pode decidir apreciar as provas em desconformidade com as regras de experiência.
O artigo 335 do Código de Processo Civil está assim redigido: “Em falta de normas jurídicas particulares, o Juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial”.

Distinguem-se as regras da experiência comum, induzidas a partir da observação do cotidiano das regras de experiência técnica, que são conhecimentos técnicos de acesso generalizado (vulgarizado), como, por exemplo, o período de gestação da mulher. As regras de experiência técnica devem ser de conhecimento de todos, principalmente das partes, exatamente porque são vulgarizadas; se se trata de regra de experiência técnica, de conhecimento exclusivo do magistrado, que por qualquer razão a tenha, torna-se indispensável a realização de perícia.
Um fato conhecido, como casa ou efeito de outro, está a indicar este outro, de algum modo. Dada da existência deste fato conhecido, certo é outro existiu ou existe, como grandes chances de este fato desconhecido ser o que se pretende conhecer e provar. O conhecimento de determinado fato pode ser induzido na verificação de um outro fato.
Indício é este fato conhecido, que, por via de raciocínio, sugere o fato probando, do qual é causa ou efeito. Por si só, o indício não tem qualquer valor. No entanto, como causa ou efeito de outro fato, suscita o indício uma operação por via da qual é possível chegar ao conhecimento desse outro.
A presunção não é meio de prova nem fonte desta. Trata-se de atividade do Juiz, ao examinar as provas, ou do legislador, ao criar regras jurídicas a serem aplicadas (presunções legais sempre ou quase sempre, conforme o caso). Exatamente por não se tratar de meio de prova, não é admissível que a lei venha a regular-lhe a aplicabilidade, pois, sendo um mecanismo da inteligência do magistrado, torna-se supérflua a regra de lei que autorize ou proíba o Juiz de pensar.
Há corrente doutrinária que admite a presunção como meio de prova, com esteio no artigo 212 do Código de Processo Civil, contudo, tal ilação não pode ser aceita, pois seu papel não é de modo algum instrumental em relação ao estabelecimento dos fatos: o fato presumido, com efeito, não vai servir ao Juiz, ainda uma vez, de trampolim para o conhecimento de outro fato. Não se observa, aqui, a função ambivalente do indício: o fato presumido corresponde a um conhecimento adquirido.
Caso queira salvar a dicção normativa, pode-se dizer que o legislador autorizou expressamente a prova indiciária. É que, em sentido lato, pode-se afirmar que o indício é um meio de prova, já que a partir dele se elabora a presunção judicial.
Há uma relação lógica entre o fato conhecido (indício) e o fato que se quer provar. Essa relação permite que se faça um silogismo.
Premissa maior: verdade mais geral; conceito geral a que se chega pela experiência. A mancha de batom é sinal inequívoco que houve um encontro. Trata-se de um produto de conhecimentos gerais, aceito sob a forma de experiência, seja em razão de um princípio científico.
Premissa menor: fato conhecido (base ou auxiliar). O indício. É preciso que haja certa relação entre o fato geral e o fato base. Essa relação pode dar-se de duas formas: a) constante: o que se apresenta como verdadeiro em todos os casos particulares. A relação entre os fatos é regida por uma lei natural, sendo impossível que as coisas ocorram de maneira diferente, sendo uma certeza absoluta – aqui não há presunção, mas certeza. De tal conclusão resulta a evidência; b) ordinária: o que se apresenta como verdadeiro em quase todos os casos particulares. Aqui, não há evidência, mas mera verossimilhança. Dado que um fato exista, em face do que comumente acontece, também existirá o fato que se deseja provar. A base do silogismo é uma regra estabelecida segundo o que ordinariamente acontece. Surge a presunção.
A presunção judicial resulta do raciocínio do juiz, que as estabelece. Há necessidade de o indício (fato base) estar provado. A sistemática de produção das presunções em Juízo não difere, em nada, da produção de qualquer prova: será necessário produzir-se uma prova, com a ressalva de que esta não incidirá sobre os fatos da causa, mas sobre fato externo a ela, que se liga a algum fato da causa por um raciocínio indutivo lógico.
Amaral dos Santos pontua que a importância das presunções simples se apresentam quando se pretende provar estados de espíritos – a ciência ou ignorância de certo fato, a boa ou má-fé, etc. – e especialmente as intenções, nem sempre claras e não raramente suspeitas. Esse processo mental é desenvolvido pelo magistrado, sem qualquer intervenção do legislador. As presunções, por sua própria natureza, valem pelo poder de convicção que infundem o Juiz. Mais do que qualquer outra prova, não são suscetíveis de regras legais que meçam ou avaliem a sua eficácia. Resultado do raciocínio do Juiz, a este e a mais ninguém cabe estima-las e conforme o seu poder de convencer tal o valor que o Juiz lhes conferirá.
O artigo 230 do Código Civil é regra de prova legal que atribui às presunções judiciais o mesmo regramento da prova testemunhal. Por exemplo: quando não for possível a prova exclusivamente testemunhal, também nãos será possível decisão fundada em presunção judicial.
As presunções legais são aquelas que resultado do raciocínio do legislador, que as consagra em textos legais. São aquelas atribuídas, pela lei, à prova de certos atos ou fatos. Devem estar previstas expressamente, normalmente a lei se utiliza das expressões “presunção”, “induz”, “entende-se”, “considera-se”. As presunções legais estabelecem como verdade os fatos presumidos, tornando sua prova irrelevante.
Podem ser absolutas, peremptórias ou iuris et de iure: as presunções legais que não admitem prova em contrário. A conclusão extraída da lei é havida como verdade indisponível. A presunção, ao ser elaborada, exauriu todo o elemento probatório. Somente as presunções legais podem ser absolutas ou relativas.
Quando a lei consagra uma presunção absoluta, o que na verdade faz é tornar irrelevante, para a produção de determinado efeito jurídico, a presença deste ou daquele elemento ou requisito no esquema fático. Se não existisse a presunção, seria indispensável, para que se produzisse o efeito.
É preciso distinguir, ainda, a presunção absoluta das ficções jurídicas. Enquanto a presunção iuris et de iure encontra uma de suas possíveis explicações na grande verossimilhança do fato presumido, a ficção implica, muito ao contrário, não só porque o legislador se abstenha de ver o fato como provavelmente ocorrido, mas que se ache até consciente de que a verdade é oposto, quer dizer, admita que o fato não se acha verificado – para em seguida, apesar disso, determinar que se produzam os mesmos efeitos que se produziriam se o fato fosse verdadeiro. São semelhantes os resultados práticos que o legislador consegue, recorrendo a um ou a outro expediente técnico. Em última análise, a distinção tem apenas valor teórico.
As presunções podem ser condicionais, relativas, disputáveis ou iuris tantum: as que a lei estabelece como verdade até prova em contrário. Podem ser mistas ou intermédias: aquelas contra as quais não se admitem quaisquer provas, apenas as referidas na própria lei – a lei, no particular, só permite que se elida a presunção por meio de tal ou qual meio de prova.
As presunções judiciais ou são feitos pelo Juiz ou não o são, e, se o Juiz as fizer, não se poderá dizer que elas são absolutas ou relativas. A divisão absoluta/relativa é exclusiva das presunções legais.
O artigo 232 do Código Civil tem a seguinte redação: “a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia com o exame”. Como se pode notar, esse artigo não estabelece uma presunção legal, pois apenas autoriza o magistrado a tomar a recusa como indício.
Não andou bem o Superior Tribunal de Justiça, portanto, ao redigir o Enunciado n.º 301 de sua Súmula: “em ação investigatória de paternidade, a recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de DNA induz a presunção iuris tantum de paternidade”. É que, sendo o caso de uma presunção judicial, não poderia ser ela absoluta ou relativa. O Superior Tribunal de Justiça parece ter feito uma interpretação contra legem, admitindo que o Código Civil tenha criado uma presunção legal.
Há, de fato, um conflito entre o direito fundamental à saúde e o direito à intimidade/vida integridade física. A solução deve ser produzida à luz das peculiaridades do caso concreto, aplicando-se o princípio da proporcionalidade. No entanto, há diversos argumentos a favor da prevalência do primeiro sobre o segundo: a) a proteção do segundo implica a negação do primeiro, o que vai de encontro ao princípio da salvaguarda do núcleo essencial do direito fundamental; b) a presunção judicial é um mecanismo inútil e inadequado à tutela do direito fundamental à saúde e à vida; c) a singeleza do exame não caracteriza qualquer ofensa à integridade física ou à intimidade do demandado; c) o demandando não sofrerá qualquer prejuízo jurídico com a realização do exame, já que o objetivo não é o de atribuir-lhe o vínculo jurídico paternidade/maternidade; e) a recusa em submeter-se ao exame é, neste caso, abuso de direito, portanto, conduta ilícita; f) trata-se de interpretação a favor da efetividade de um direito fundamental que, de outro modo, não poderia ser adequadamente protegido judicialmente.
Costuma-se a dizer que as regras de experiência geram a chamada prova prima facie, também chamada de prova de primeira aparência ou prova por verossimilhança, é o resultado de uma presunção judicial (atividade mental) que se constrói a partir de um raciocínio judicial arrimada em regras de experiência.
Parte-se da ideia de que alguns setores da experiência produzem com certa regularidade eventos típicos que, considerados à luz das máximas da experiência, permitem extrair conclusões acerca do fato que se queria provar; surgiria a aparência do fato, que permite inverter o ônus da prova, atribuindo à outra parte demonstrar o contrário.
Assemelha-se a prova prima facie à presunção judicial, pois, em ambos os casos, o Juiz parte de uma fonte certa por ele conhecida, para concluir pela ocorrência de um fato desconhecido (não provado). Diferencia-se, contudo, pelo seu ponto de partida, pela fonte em que se abebera o julgador. Enquanto na presunção judicial comum o Juiz se pauta na existência de um indício – na ocorrência de um fato indiciário conhecido e provado – para concluir pela ocorrência de um fato desconhecido (não provado); na prova prima facie o Juiz calca-se nas regras de experiência (princípios práticos), para se convencer da ocorrência do fato desconhecido (não provado).
A base do instituto é a seguinte: a normalidade de alguns acontecimentos (eventos típicos) faz com que a experiência considere irrelevantes as circunstâncias concretas do caso, cabendo à parte unicamente provar a existência desse evento típico, dispensando a prova das peculiaridades da situação específica.
- poderes instrutórios do Juiz
Hoje, com o desenvolvimento de uma visão que enxerga o processo civil sob um ângulo mais publicista, a tendência é de se conferir ao Estado-Juiz os mais amplos poderes instrutórios, tal como previsto no artigo 130 do Código de Processo Civil, qualquer que seja a natureza da relação jurídica debatida no processo.
A concessão de poderes instrutórios ao Juiz não é imune a criticas.
Alega-se ofensa ao princípio dispositivo, que  está intimamente ligado à relação jurídica material veiculada no processo, no sentido de que, versando ela sobre direitos disponíveis, não pode o magistrado impedir que as partes pratiquem ato de disposição de vontade (renúncia, reconhecimento do pedido, transação, etc.), cabendo-lhe tão-somente velar pela regularidade desses atos.
Há corrente que sustenta haver ofensas ao princípio da isonomia. As críticas fundam-se na plena disponibilidade das provas pelas partes, o que é um reflexo do ideal liberal-individualista, que não mais pode ser encarado de modo absoluto, porquanto dissonante da visão social que vem marcando a evolução do ordenamento jurídico.
Ademais, a invocação da plena disponibilidade das provas pelas partes pode ser, ao revés do que pretende, um meio de ofensa ao princípio da legalidade substancial, na medida em que, como é cediço, nem sempre as partes têm, na prática, as mesmas condições de produzir prova dos fatos que alegam em seu favor; assim, longe de representar ofensa à isonomia, a atuação positiva do magistrado na investigação probatória pode representar uma atuação de igualdade substancial no processo, com o equilíbrio, in concreto, da situação jurídica das partes.
Há, ainda, quem diga que a persecução probatória pelo Juiz retirar-lhe-ia a imparcialidade, o que não é verdade, uma vez que o aumento de seu poder instrutório não favorece, a priori, qualquer das partes, proporcionando apenas a apuração mais profunda e completa dos fatos que lhe são postos para análise.
José Roberto dos Santos Bedaque sugere que a melhor forma de preservar a imparcialidade do magistrado é submeter as provas que vieram aos autos por sua iniciativa própria à apreciação, em contraditório, de ambas as partes, para que elas participem e influam no seu convencimento a partir daqueles elementos concretos. Além disso, a motivação de suas decisões é também uma mostra da sua imparcialidade, afastando-se, com isso, a possibilidade de o magistrado, por motivo de foro íntimo, tentar beneficiar esta ou aquela parte.
Na medida em que nenhum poder é absoluto, a iniciativa probatória do Juiz sofre algumas limitações. Fica-lhe proibido exercer esse poder sobre fatos e circunstâncias não constantes dos autos ou emitir convicção de natureza íntima, pois deverá indicar, na sentença, os motivos que formaram o convencimento.
Também representa limite à atividade probatória do Juiz a necessidade de fundamentação do ato judicial que determina a colheita oficial das provas e de submissão das provas colhidas ao contraditório. Outro limite há quando ocorre a revelia e, em consequência, sobrevém a incontrovérsia dos fatos: se os fatos deduzidos pelo autor não forem verossímeis, nada obsta que o magistrado determine que ele produza a prova das suas alegações; se, no entanto, suas assertivas forem verossímeis, não estará autorizado o julgador a exigir dele que as comprove, porque aí há uma nítida opção do legislador pelo valor da efetividade.
- ônus da prova
A expressão “ônus da prova” sintetiza o problema de se saber quem responderá pela ausência de prova de determinado fato. Não se trata de regras que distribuem tarefas processuais; as regras de ônus da prova ajudam o magistrado na hora de decidir, quando não houver prova do fato que tem de ser examinado. Trata-se, pois, de regras de julgamento e de aplicação subsidiária, porquanto somente incidam se não houver prova do fato probando, que se reputa como não ocorrido.
Compete, em regra, a cada uma das partes fornecer os elementos de prova das alegações que fizer. Compete, em regra, ao autor a prova do fato constitutivo e ao réu a prova do fato extintivo, impeditivo ou modificativo (art. 333 do CPC). Adotou o nosso Código de Processo Civil a concepção estática do ônus da prova, que de distribuído a priori, sem a observância das peculiaridades do caso concreto. Esse regramento tem-se revelado insatisfatório, de modo que vem ganhando força a teoria da distribuição do ônus da prova.
Distingue a doutrina o ônus da prova subjetivo e o ônus da prova objetivo. Segundo Barbosa Moreira, o desejo de obter a vitória cria para a litigante a necessidade, antes de mais nada, de pesar os meios de que se poderá valer no trabalho de persuasão, e de esforçar-se, depois, para que tais meios sejam efetivamente utilizados na instrução da causa. Fala-se de ônus da prova subjetivo ou formal. Cuida então a lei, em geral de proceder uma distribuição de riscos: traça critérios destinados a indicar, conforme o caso, qual dos litigantes terá de suportá-los, arcando com as consequências desfavoráveis de não se haver provado o ato que lhe aproveitava. Aqui também se alude ao ônus da prova, mas no sentido objetivo ou material.
As regras do ônus da prova não são regras de procedimento (não há um momento em que o Juiz deva determiná-lo ou determinar sua inversão, se for o caso). O ônus da prova é regra de juízo, isto é, de julgamento, cabendo ao Juiz, quando da prolação da sentença, proferir julgamento contrário àquele que tinha o ônus da prova e dele não se desincumbiu.
O sistema não determina quem deve produzir a prova, mas sim quem assume o risco caso ela não se produza. As regras de distribuição dos ônus da prova são regras de juízo: orientam o Juiz quando há um non liquet em matéria de fato e constituem, também, uma indicação às partes quanto à sua atividade probatória.
Com o juízo de verossimilhança, deixa de existir o motivo para aplicação de qualquer regra de distribuição do ônus da prova. Da mesma forma, quando as partes se tenham desincumbido do ônus da prova – não haverá o non liquet – e, portanto, o Juiz julgará de acordo com as provas e seu livre convencimento.
O regramento do Código de Defesa do Consumidor autoriza a chamada inversão do ônus da prova. O artigo 6º, inciso VIII, permite em duas hipóteses que o magistrado inverta o ônus da prova nos litígios que versem sobre relações de consumo: a) quando verossímil a alegação do consumidor, segundo as regras ordinárias de experiência; b) quando o consumidor for hipossuficiente.
O artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor determina que o ônus da prova da veracidade e da correção da informação ou comunicação publicitárias cabe a quem as patrocina. A regra do ônus da prova para determinar a correção ou veracidade da informação publicitária é a de que cabe ao fornecedor – o patrocinador da publicidade: o anunciante, que é quem contrata a companha das agências e dos veículos e quem se beneficia da mensagem publicitária – fazer a prova.
Permite o Código de Processo Civil, no parágrafo único do artigo 333, às partes distribuir de maneira diversa o ônus da prova mediante convenção, formada antes ou no curso do processo.
É passível de invalidação, no entanto, a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: a) recair sobre direito indisponível da parte; b) tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. O artigo 51, inciso VI do Código de Defesa do Consumidor cuida de nulidade da convenção quando imponha ao consumidor o ônus da prova de suas alegações.
Segundo Arruda Alvim, a ideia de que os fatos negativos não precisam ser provados - decorrente do brocardo negativa non sunt probanda – vem perdendo o seu valor. Todo fato negativo corresponde a um fato positivo (afirmativo) e vice-versa. Se há essa disparidade de raciocínio, não é pelo simples fato de que as negativas assim o são que, por isso, são impossíveis de serem provadas. Ao se afirmar que é por causa da natureza jurídica que as negativas não são provas, significa também que as afirmativas são impossíveis de serem provas.
Por isso, diz-se, atualmente, que somente os fatos absolutamente negativos (negativas absolutas/indefinidas) são insuscetíveis de prova – e não pela sua negatividade, mas, sim, pela sua indefinição.
Os fatos relativamente negativos (negativas definidas/relativas) são aptos a serem provados. Se alguém afirma, por exemplo, que, em 09 de dezembro não compareceu a academia pela manhã porque foi ao médico, é possível provar indiretamente a não-ida à academia (fato negativo), se houver comprovação de que esteve por toda manhã no consultório médico. A chamada “certidão-negativa”, expedida pelas autoridades fiscais, é um meio de prova de que “não há débitos fiscais pendentes”.
A prova diabólica é aquela impossível, senão muito difícil, de ser produzida.
Nem sempre o autor e o réu tem condição de atender o ônus probatório que lhes foi rigidamente atribuído – em muitos casos, por exemplo, veem-se diante de prova diabólica. E, não havendo provas suficientes nos autos para evidenciar os fatos, o Juiz terminará por proferir decisão desfavorável àquele que não de desincumbiu do seu encargo de provar (regra de julgamento). É por isso que se diz que essa distribuição rígida do ônus da prova atrofia nosso sistema, e sua aplicação inflexível por conduzir a julgamentos injustos.
A doutrina aponta as principais teorias sobre o ônus da prova:
- teoria de Jeremy Benthan: a obrigação de provar deve ser imposta a quem tiver condições de satisfazê-la, com menos inconvenientes – temporais, econômicos, etc.;
- teoria de Bethmann-Hollweg: a quem deduz um direito, cabe provar sua existência - falando em prova de direito e, não, de fato;
- teoria de Gianturco: deve produzir prova aquele que dela auferir vantagem;
- teorias de Betti, Carnelutti e Chiovenda: o autor deve provar os fatos que fundam sua pretensão e o réu deve provar os fatos que baseiam suas exceções;
- teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova: a partir da concepção do processo como situação jurídica de Goldsmith, passou-se a defender a repartição dinâmica do ônus da prova. Buscando-se nos princípios da veracidade, boa-fé, lealdade e solidariedade (com atuação do Juiz), sustenta-se que é necessário levar em conta as circunstâncias do caso concreto, para atribuir-se o ônus da prova àquele que tem mais possibilidades de produzi-la. E o Juiz, verificando que houve uma violação ao dever das partes de cooperação e solidariedade na apresentação das provas, deve proferir decisão contrária ao infrator. Tudo isso, no intuito de que o processo alcance seus fins, oferecendo prestação jurisdicional justa.
De acordo com a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova: i) o encargo não deve ser repartido prévia e abstratamente, mas, sim, casuisticamente; ii) sua distribuição deve ser dinâmica e não pode ser estática e inflexível; iii) pouco importa, na sua subdivisão, a posição assumida pela parte na causa (autor ou réu); iv) não é relevante a natureza do fato probando – se constitutivo, modificativo ou extintivo do direito – e sim quem tem mais possibilidades de prova-lo.
Além dos princípios insertos no Código de Defesa do Consumidor, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova seria decorrência dos seguintes postulados:
- princípio da igualdade (artigo 5º, caput da CF e artigo 125, inciso I do CPC), uma vez que deve haver uma paridade real de armas das partes no processo, promovendo-se um equilíbrio substancial entre elas, o que só será possível se atribuído o ônus da prova àquela que tem meios para satisfazê-lo;
- princípio da lealdade, boa-fé e veracidade (artigos 14, 16, 17, 18 e 125, inciso III do CPC), pois o nosso sistema não admite que a parte aja ou se omita, de forma ardilosa, no intuito deliberado de prejudicar a contraparte, não se valendo de alegações de fato e provas esclarecedoras;
- princípio da solidariedade com o órgão judicial (artigos 339, 340, 342, 345 e 355 do CPC), pois todos têm o dever de ajudar o magistrado a descortinar a verdade dos fatos;
- princípio do devido processo legal (artigo 5º, inciso IV da CF), pois um processo devido é aquele que produz resultados justos e equânimes;
- princípio do acesso à Justiça (artigo 5º, inciso XXXV da CF), que garante a obtenção de tutela jurisdicional justa e efetiva.
- prova emprestada
Prova emprestada é a prova de um fato, produzida em um processo, seja por documentos, testemunhas, confissão, depoimento pessoal ou exame pericial, que é trasladada para outro processo, por meio de certidão extraída daquele. A prova emprestada ingressa sob a forma documental.
As grandes questões em torno da utilização da prova emprestada são: a) garantir a aplicação do princípio do contraditório; b) prestigiar e imediatidade entre o magistrado que examinará a prova e a produção da prova.
Não há problema na utilização, por empréstimo, de provas pré-constituídas ou documentais, pois essas, originais e emprestadas, valem, igualmente, em qualquer Juízo em que forem apresentadas. O problema da prova emprestada refere-se, mormente, às provas produzidas no curso do processo (provas causais), sem que tenham sido intencionalmente constituídas e preparadas para demonstração dos fatos ali deduzidos pelos litigantes.
Em relação às provas orais, em razão dos princípio da imediatidade, concentração, oralidade e identidade física do Juiz, parte da doutrina considera de nenhuma eficácia as provas emprestadas orais, de acordo com o sistema do Código de Processo Civil. Outra corrente entende que o empréstimo da prova oral, se respeitado o princípio do contraditório, a prova não mais puder ser produzida (a testemunha morreu, por exemplo), é possível o empréstimo.
A doutrina sintetiza as regras na utilização da prova emprestada: a) a prova emprestada guarda eficácia no processo em que foi colhida, na conformidade do poder de convencimento que trouxer consigo; b) a eficácia e a aproveitabilidade da prova emprestada estão na razão inversa da possibilidade de sua produção; c) a eficácia da prova emprestada equivale à da prova produzida mediante precatória; d) no processo para o qual será ela transportada, terão de ser observadas as normas atinentes à prova documental; e) é imprescindível que a parte contra a qual vai ser usada a prova tenha sido parte no primeiro processo.
Quando houver importação de prova que fora produzida entre as mesmas partes, guarda a prova, em princípio, a sua eficácia, desde que preencha os seguintes requisitos: a) tenha sido colhida em processo entre as mesmas partes, com respeito à garantia do contraditório; b) que tenham sido observadas, para a sua produção, as formalidades legais; c) que o fato probando seja idêntico.
Na hipótese de importação de prova que fora produzida entre uma das partes e terceiro, é necessário que: a) quando a prova for trasladada por quem participou da sua produção no processo anterior: não terá ela eficácia em relação à parte contrária, que não participou da sua produção; b) se a prova for trasladada por quem não foi parte no processo anterior: neste hipótese, conserva ela sua eficácia probatória.
Fredie Didier Jr. entende que a importação de prova que fora produzida em processo envolvendo terceiros não traz problemas para ambas as partes, porque estariam na mesma situação e o contraditório seria implementado no processo em que a prova emprestada for utilizada.
Se a prova for produzida por Juiz incompetente e utilizada para a mesma causa, guardará a eficácia inicial, pois os atos probatórios não são nulos. Se for aproveitada em outro processo, há controvérias: uma parte da doutrina entende que ela não pode ser aproveitada; no entanto, há defensores do aproveitamento, dando-lhe o Juiz da causa o valor que entender cabível.
É possível a importando de prova produzida no Juízo criminal, arbitral e, até mesmo, em processo administrativo. Também é possível a importação de prova no estrangeiro. Pode o Juiz, ex officio, determinar o empréstimo da prova, valendo-se do seu poder instrutório.
No que tange à prova produzida em segredo de Justiça, Eduardo Talamini resolve a questão: a) o terceiro não pode pedir o empréstimo da prova produzida em processo em que houve segredo de Justiça; b) as partes do processo que tramita sob segredo de Justiça não poderão pretender o empréstimo da prova nele produzida para outro em que qualquer delas litigue – quando menos, porque isso afrontaria a garantia do contraditório. É possível, porém, a importação da prova, em tais casos, para um processo que envolva as mesmas partes – não poderá, por exemplo, se no processo importador houver assistente ou litisconsorte estranho ao processo de onde se importa a prova.
Quanto ao empréstimo de interceptação telefônica feita em determinado processo penal há controvérsias. Eduardo Talamini não admite a interceptação em qualquer hipótese, pois o regime jurídico da interceptação telefônica a restringe ao processo penal e apenas para a prova dos fatos delimitados no momento de requerer a produção de tal prova. Barbosa Moreira, porém, a admite sob os seguintes fundamentos: a) sacrificado o direito da parte à preservação da intimidade, não faria sentido que continuássemos a preocupar-nos com o risco de “arrombar um cofre já aberto”; b) a sentença penal é título executivo judicial no âmbito cível e o devedor executado não poderá formular qualquer objeção no sentido de que a sentença se fundara em interceptação telefônica, que não pode ter eficácia no Juízo cível (a eficácia preclusiva da coisa julgada impediria essa conduta).
- sistemas de apreciação das provas
. Sistema positivo ou legal: as regras legais estabelecem os casos em que o Juiz deve considerar provado, ou não, um fato; em que atribui, ou não, valor a uma testemunha; quando há prova plena ou semiplena. Há o tarifamento das provas, uma vez que cada prova tem como tabelado o seu valor, do qual não há como o magistrado fugir.
. Livre convicção: o Juiz é soberanamente livre quanto à indagação da verdade e apreciação das provas. A consciência do Juiz não está vinculada a qualquer regra legal, quer no tocante à espécie de prova, quer no tocante à sua avaliação. Esse sistema ainda sobrevive nos julgamentos do júri popular.
. Persuasão racional ou livre convencimento motivado: não obstante apreciar as provas livremente, o Juiz não segue as suas impressões pessoais, mas tira a sua convicção das provas produzidas, ponderando sobre a qualidade e a força probante destas; a convicção está na consciência formada pelas provas.
A liberdade de apreciação das provas está sujeita a certas regras quanto à convicção, que fica condicionada (e porque é condicionada, é sempre motivada): a) aos fatos nos quais se funda a relação jurídica; b) às provas destes fatos colhidas no processo; c) às regras legais de prova e às máximas de experiência. O livre convencimento motivado também fica limitado pela racionalidade, não sendo admitida a apreciação das provas de acordo com critérios irracionais, por mais respeitáveis que sejam; não pode o magistrado, de um Estado laico, decidir com base em questões de fé, por exemplo.
No sistema do livre convencimento motivado, veda-se, na apreciação dos fatos, juízo de equidade: o magistrado não pode considerar provados os fatos só porque lhe pareça justo acolher o pedido inicial, devendo isso sim basear-se em juízos de verossimilhança, fundados na experiência geral.
As normas que regulamentam legalmente o (des)valor de determinadas provas servem como técnicas desenvolvidas para combater/evitar arbitrariedades judiciais – decisões lastreadas em nenhuma prova ou qualquer prova, mesmo quando manifestamente inidôneas.
O magistrado deve levar em consideração os dispositivos legais que regulamentam a valoração da prova, refutando-os apenas nos casos em que escancaradamente a sua aplicação resulte em manifesta injustiça ou impropriedade.
A existência de dispositivos legais direcionados à prova não impede a livre apreciação do material probatório pelo magistrado, apenas a direciona, estabelecendo parâmetros. Temos, portanto, um sistema de valoração das provas de acordo com o livre convencimento do magistrado, balizado de alguns momentos pelo legislador, como forma de evitar decisões arbitrárias, baseadas em interpretações bem pessoais do material probatório formado, bem como, e por isso mesmo, resguardar a segurança jurídica.

Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior.