quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Limitações ao Poder de Tributar

A competência tributária está umbilicalmente ligada à forma de divisão do Estado brasileiro, onde coexistem três entidades políticas autônomas e independentes: União, Estados e os Municípios, além do Distrito Federal. A ausência de hierarquia entre elas fez que o texto constitucional estabelecesse a repartição de competência legislativa de cada uma, delimitando o campo de atuação de cada pessoa jurídica de direito público interno. Em matéria tributária foi conferido tratamento específico em atenção à tipicidade da Federação brasileira, onde o contribuinte é súdito, ao mesmo tempo, de três senhores distintos.

A Constituição Federal atribui competência comum às três esferas impositivas no que tange às taxas e contribuições de melhoria, porque se tratam de tributos vinculados à atuação estatal. O Poder Público que promoveu a medida será o sujeito ativo destes tributos.

Os impostos são tributos desvinculados de qualquer atuação estatal. Daí a necessidade de a Carta Magna promover a outorga de competência tributária entre os poderes tributantes – discriminação constitucional de rendas tributárias –, sob pena de o sujeito passivo ser surpreendido com o mesmo tipo de imposto instituído por duas ou mais entidades políticas. Dessa forma, evita-se a bitributação jurídica, que é inconstitucional porque uma entidade estará, necessariamente, invadindo a esfera de competência impositiva de outra.

A partilha de competência tributária é uma limitação ao poder de tributação, na medida em que a outorga de competência privativa a uma entidade política implica, ipso facto, a vedação do exercício dessa competência por outra entidade política não contemplada.

Os princípios tributários expressos na Constituição Federal, juntamente com os implícitos, decorrem do regime federativo e dos direitos e garantias fundamentais e constituem o escudo de proteção dos contribuintes, atuando com freios que limitam o poder de tributação do Estado.

As limitações constitucionais ao poder de tributar se consolidam nos seguintes princípios:

- Princípio da legalidade tributária: a Constituição Federal, não bastasse o princípio genérico da legalidade (artigo 5º, inciso II), dispõe no artigo 150, inciso I que é vedado aos entes federados exigir a cobrança de tributo sem lei que o estabeleça. Esse princípio não se resume apenas na vedação de instituição ou majoração, hoje, ele preside a política de incentivos fiscais, a concessão e a revogação de isenção, de remissão e de anistia. O artigo 97 do Código Tributário Nacional enumera as matérias inseridas no campo da reserva legal. Registre-se que a repetição de indébito repousa no princípio da legalidade, impondo a reposição do solvens no status quo ante sempre que constatado o pagamento sem fundamento na lei. O sujeito passivo que efetuar o pagamento de tributo sem base legal – não praticou o fato típico; a base de cálculo não corresponde à previsão legal; a alíquota aplicada estatuída em lei; etc – terá direito à repetição independentemente de ter suportado ou não o respectivo encargo financeiro.

- Princípio da anterioridade e princípio da nonagesimidade: pelo primeiro, a cobrança do tributo está vinculada a cada exercício financeiro, que é anual, coincidindo com o ano-calendário. Tem sentido de anterioridade da lei instituidora ou majoradora do tributo em relação ao exercício financeiro da cobrança, conforme se infere do artigo 150, inciso II, aliena “b” da Constituição Federal. Constitui uma garantia constitucional, insuscetível de supressão via emenda constitucional.

A nonagesimidade (noventena) não chega a ser um princípio tributário, ela se assemelha a um prazo de carência concedido pelas instituições bancárias, para o exercício de resgate das importâncias mutuadas. A noventena não assegura direito algum à imutabilidade da legislação tributária material, implicando instituição de novo tributo ou sua majoração no decurso do ano do exercício fiscal, pois, em tese, quatro aumentos poderão ocorrer (um a cada 90 dias). A nonagesimidade não tem aplicação e relação aos tributos não submetidos ao princípio da anterioridade (empréstimo compulsório; imposto de importação, de exportação, sobre produtos industrializados, sobre operações financeiras e extraordinários).

- Princípio da isonomia tributária: decorre do princípio da igualdade genérico. Ele veda o tratamento diferenciado de pessoas sob os mesmos pressupostos de fato, impede discriminações tributárias, privilegiando ou favorecendo determinadas pessoas físicas ou jurídicas. Dele infere-se o princípio da generalidade da tributação, da mesma forma que do princípio nullum tributum sine lege infere-se o princípio da legalidade da isenção, isto é, não pode haver isenção sem lei. E não pode haver isenção sem obediência ao princípio da isonomia.

A lei isentiva não pode importar no estabelecimento de uma situação de desigualdade jurídica formal, estabelecendo tratamento desigual de pessoas que se encontram sob os mesmos pressupostos fáticos, sob pena de inconstitucionalidade. Quando o tratamento diferenciado dispensado pelas normas jurídicas guardar relação de pertinência lógica com a razão diferencial (motivo do tratamento discriminatório), não há que se falar em afronta ao princípio da isonomia.

Da mesma forma, não afronta esse princípio quando a lei elege determinada situação objetivamente considerada para prescrever a inclusão ou a exclusão de determinado benefício, ou a imposição de certo gravame. Convém não confundir o princípio da isonomia com a errônea interpretação ou aplicação do texto legal, gerando situação de desigualdade em confronto com soluções dadas aos vários outros casos concretos sobre o mesmo assunto.

- Princípio da capacidade contributiva: inscrito no artigo 145, § 1º da Constituição Federal, tem por escopo a justiça fiscal, repartindo os encargos do Estado na proporção das possibilidades de cada contribuinte. O texto constitucional refere-se corretamente à capacidade econômica do contribuinte, que corresponde à capacidade contributiva. O preceito não gera direito subjetivo para o contribuinte, que não poderá bater às portas do Poder Judiciário pleiteando que determinado imposto ajuste-se ao seu perfil econômico. O dispositivo produz efeito pelo seu aspecto negativo, à medida que confere ao contribuinte a faculdade de exigir que o Poder Público não pratique atos que o contravenha.

- Princípio da vedação de efeito confiscatório: é extraído o artigo 150, inciso IV da Constituição Federal. O tributo de efeito confiscatório não se confunde com o confisco relacionado com a infração, que é o único admitido pela doutrina e jurisprudência. No entanto, é tormentosa a definição do que vem a ser efeito confiscatório. Um critério que pode projetar luz sobre essa intrincada questão é o da razoabilidade. É certo que não existe um parâmetro legal para aferição do critério da razoabilidade da tributação. Diríamos que o conceito de razoável está mais para o sentir do que para o definir. Ainda que, o que é razoável para uma pessoa possa ser irrazoável para outra, a verdade é que existe um limite que está na consciência média dos indivíduos, o qual estabelece o marco divisor entre uma e outra. O princípio da capacidade contributiva deve ser levado em consideração na avaliação do efeito confiscatório de um tributo.

Ultrapassada a capacidade econômica do sujeito passivo, estaria caracterizado o confisco, contudo, seu conceito não pode ser considerado na concepção teórica, extraída da Ciência das Finanças, mas dentro dos limites das demais garantias constitucionais, sob pena de, por meio de imposição tributária, cometer a apropriação da propriedade do contribuinte de elevada capacidade econômica. Registre-se que é impossível o Poder Judiciário acoimar de confiscatório esse ou aquele imposto, sob o fundamento de que é excessivamente oneroso, ou de que ultrapassou o limite razoável da tributação, tornando-o extremamente injusto. Não cabe ao Juiz examinar o fenômeno tributário sob o aspecto da conveniência, nem substituir o critério de justiça do legislador por seu próprio critério. A onerosidade da imposição fiscal deve ser harmonizar com os princípios constitucionais, garantidores do direito de propriedade, da liberdade de iniciativa, da função social da propriedade, etc.

- Princípio da imunidade recíproca: essa imunidade, que abarca apenas os impostos, não exclui a atribuição por lei, às entidades políticas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes cabe reter na fonte e nem dispensa o cumprimento das obrigações acessórias, conforme preceituado no artigo 9º, § 1º do Código Tributário Nacional. A Constituição Federal estendeu a imunidade recíproca às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, porém, só no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados às suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes, na esteira de seu artigo 150, § 2º.

Esse princípio não terá aplicação se o sujeito passivo explorar atividade econômica regida por normas próprias de empreendimentos privados, bem como quando houver contraprestação ou pagamento de tarifas pelo usuário, nem exonerará o promitente comprador da obrigação de pagar o imposto relativo ao imóvel (artigo 150, § 3º da Constituição Federal).

Merece registro o entendimento do Supremo Tribunal Federal, exposto no RE 407.099, no qual foi conhecida a imunidade recíproca a favor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que é uma empresa pública. Por meio da interpretação sistemática dos textos constitucionais, a Corte Suprema equiparou a referida empresa a uma autarquia, para fins do artigo 150, § 2º da Constituição Federal e, ao mesmo tempo, afastou as restrições do § 3º do mesmo artigo. Pelo fato de a ECT ser prestadora de serviço público de competência privativa da União, foram afastadas também as ressalvas dos §§ 1º e 2º do artigo 173 da Carta Magna. A título ilustrativo, vejamos a ementa do julgado:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido. (RE 407099 / RS; Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO; Julgamento: 22/06/2004; Órgão Julgador: Segunda Turma; Publicação: DJ 06-08-2004 PP-00062)

- Princípio da imunidade genérica: constante do artigo 150, inciso VI, alienas “a” a “d”. Em termos de doutrina tradicional, a imunidade vem conceituada como vedação ao poder fiscal de instituir impostos. Daí a generalização da idéia de que a imunidade só serve para essa espécie tributária. Entretanto, a Constituição Federal prevê hipóteses de imunidades de outras espécies tributárias (ex.: princípio da unidade geográfica).

A imunidade dos templos visa à proteção dos valores espirituais. A expressão templos culto abrange não só o edifício onde se realiza a prática religiosa, como também o próprio culto, sem qualquer distinção de ritos. A doutrina também inclui na imunidade as edificações relacionadas com o culto (ex.: convento, seminário), bem os bens com ele relacionados (ex.: veículo utilizado como templo móvel exclusivamente para a prática religiosa). O benefício não é extensível às atividades decorrentes de finalidades essenciais da religião.

A imunidade dos partidos políticos também abrange as fundações por ele instituídas e as entidades sindicais dos trabalhadores. É restrita à renda e aos serviços relacionados com as finalidades essenciais dessas entidades. A título ilustrativo, merece ser consignado que os imóveis alugados por entidades assistenciais (ex. SESI) sujeitam-se ao IPTU, contudo, se a renda obtida com a locação desses imóveis for aplicada exclusivamente na consecução objetivos estatutários, ela ficará a salvo de tributação. O Supremo Tribunal Federal tende a reconhecer a imunidade das atividades atípicas, desde que destinada à obtenção de recursos financeiros para o desenvolvimento de atividades típicas.

É objetiva a imunidade dos livros, jornais, periódicos e ao papel destinados à sua impressão. Não interessa o conteúdo das publicações. Está superada a jurisprudência que exigia o caráter jornalístico, literário, artístico, cultural ou científico. Numa interpretação extensiva, e imune qualquer material suscetível de ser assimilado ao papel utilizado na impressão da publicação. O avanço da informática fez que o conceito de livro não se restringisse unicamente ao aspecto físico, apegando-se ao objeto cultural, ou seja, o livro passou a ser assim entendido pela sua função de transmitir conhecimento e informações.

Fundamentado no princípio da simetria, todos os materiais necessários à confecção do jornal, inclusive o maquinário são abrangidos pela imunidade. O Supremo Tribunal Federal, no Enunciado 657 de sua Súmula, ao incluir no rol da benesse os filmes e papéis destinados à publicação, consolidou a interpretação extensiva à imunidade do livro e do jornal.

- Princípio da imunidade de tráfego interestadual e intermunicipal: é uma decorrência natural da unidade econômica e política do território nacional. Objetiva assegurar a livre circulação de bens e de pessoas ou meios de transportes, que não pode ser limitada ou embaraçada por tributação interestadual ou intermunicipal, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.

- Princípio da uniformidade de tributo federal em todo território nacional: a uniformidade de tributo federal não significa a impossibilidade de haver discriminações, isto, que todos devam pagar exatamente igual. O que o referido princípio veda é a discriminação de tributo federal em virtude do lugar de ocorrência do fato gerador. A Constituição Federal ressalva a outorga de incentivos fiscais, destinados a promover o desenvolvimento socioeconômico integrado do território nacional como um todo.

- Princípio da uniformidade de tributo estadual ou municipal quanto à procedência ou destino de bens e serviços de qualquer natureza: decorre do princípio federativo e proíbe qualquer tipo de barreira tributária entre os Estados e Municípios, fonte de grandes controvérsias judiciais. Cabe ressaltar que é lícito o estabelecimento de alíquotas diferenciais de ICMS para as operações internas, interestaduais e de exportação. Em relação às operações e prestações que destinem bens ou serviços a consumidor final localizado em outro Estado, aplica-se a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto e a alíquota interna quando de destinatário não for contribuinte do ICMS (artigo 150, inciso VII, alíneas “a” e “b” da Constituição Federal).

- Princípio da igualdade de tratamento dos títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal e dos vencimentos pagos pela três entidades políticas: não permite que a União trate desigualmente suas próprias dívidas e as de outros entes políticos, bem como os vencimentos de seus servidores e aqueles de outras esferas de governo.

- Princípio da imunidade do imposto sobre a renda relativamente a proventos de aposentadoria e pensão percebidos por pessoas com idade superior a 65 anos: é condicionado à inexistência de outros rendimentos auferidos pelo beneficiário que não sejam exclusivamente os do trabalho.

- Princípio da vedação de a União decretar isenção de impostos das entidades periféricas: só pode isentar que tem o poder de tributar.

- Princípios implícitos: as limitações do poder de tributar não se esgotam nos princípios expressos até agora examinados. Outras existem que decorrem do regime federativo e dos próprios adotados pela Constituição e das garantias individuais expressa ou implicitamente por ela asseguradas; Assim, estão implícitos os princípios da indelegabilidade da competência tributária, da tipicidade, bem como outros que derivam dos diversos incisos do artigo 5º da Constituição Federal.


Fonte: Direito Financeiro e Tributário. Kiyoshi Harada.

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