terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Controle de Constitucionalidade - Introdução

A inconstitucionalidade resulta do conflito de um comportamento de uma norma ou de um ato com a Constituição. Inconstitucional é, pois, a ação ou omissão que ofende no todo ou em parte a Constituição. Dessa forma, a inconstitucionalidade pode ser definida como qualquer manifestação do Poder Público (ou de quem exerça, por delegação, atribuições públicas), comissiva ou omissiva, em desrespeito à Carta de República. Estão fora do controle de constitucionalidade as normas constitucionais originárias, o texto originário da Constituição de 1988, pois tal tese é incompatível com o sistema de Constituição rígida. A alegação segundo a qual as normas constitucionais designadas como cláusulas pétreas teriam hierarquia superior à das demais normas constitucionais não encontra respaldo em nosso ordenamento, porque a proteção da cláusula pétrea representa, tão-somente, um limite à atuação do poder constituinte de reforma, não um parâmetro de aferição da validade de normas postas pelo constituinte originário.

Uma ação ou de uma omissão do Poder Público poderá resultar na inconstitucionalidade, dando origem às denominadas inconstitucionalidades por cão (ou positivas) ou por omissão (ou negativas). No primeiro caso, o desrespeito à Constituição resulta de uma conduta comissiva, positiva, praticada por algum órgão estatal (ex. elaboração pelo legislador de uma lei em desacordo com a Constituição).

A inconstitucionalidade por omissão surge quando a afronta à Constituição resulta de uma omissão do legislador, em face de um preceito constitucional que determine seja elaborada norma regulamentando suas disposições. Constitui, portanto, uma conduta omissiva frente a uma obrigação de legislar, imposta ao Poder Público pela própria Constituição. Ocorre diante de uma norma constitucional de eficácia limitada, em que a Lei Maior exige do legislador ordinário a edição de uma norma regulamentadora, para tornar viável o exercício de determinado direito nela assegurado, e o órgão legislativo permanece inerte, obstando o efetivo exercício daquele direito. A omissão é total quando o Poder Público não elabora a norma requerida, permitindo a existência de uma indesejável lacuna; será parcial quando o legislador produz a norma, mas o faz de modo insatisfatório, insuficiente para atender aos comandos da norma constitucional de regência.

A inconstitucionalidade pode derivar da desconformidade do conteúdo do ato ou do seu processo de elaboração com alguma regra ou princípio da Constituição. Na primeira hipótese, temos a inconstitucionalidade material, enquanto na segunda – desconformidade ligada ao processo de elaboração da norma -, inconstitucionalidade formal (pode alcançar tanto o requisito de competência, quanto o procedimento legislativo em si).

Se a inconstitucionalidade formal resulta da inobservância das regras constitucionais de competência para produção da norma, diz-se que a inconstitucionalidade é do tipo orgânica.

A inconstitucionalidade formal poderá decorrer, também, da inobservância das regras constitucionais do procedo legislativo, do procedimento legislativo em si, em qualquer de seus aspectos – subjetivos ou objetivos. Quando relacionados à fase introdutória do processo legislativo, em que é desencadeado, por meio da iniciativa, o procedimento de elaboração das espécies normativas, são requisitos subjetivos. A inconstitucionalidade formal decorrente da violação dos requisitos objetivos do processo legislativo ocorre sempre que quaisquer outros aspectos referentes ao procedimento de elaboração das leis, não ligados à iniciativa, são desrespeitados. A desobediência dos pressupostos constitucionais que determinam e condicionam o exercício da competência legislativa também implica a inconstitucionalidade formal da norma expedida.

A inconstitucionalidade pode atingir todo o ato normativo (total) ou apenas parte dele (parcial). A declaração de inconstitucionalidade parcial pelo Poder Judiciário pode recair sobre fração de artigo, parágrafo, inciso ou alínea, até mesmo sobre uma única palavra de um desses dispositivos da lei ou ato normativo. A regra constitucional que restringe o exame da constitucionalidade do projeto de lei ao texto integral do artigo, parágrafo, inciso ou alínea diz respeito ao veto jurídico do chefe do Executivo, não alcançando a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Poder Judiciário. Todavia, a declaração de inconstitucionalidade parcial pelo Poder Judiciário não poderá subverter o intuito da lei, mudando o seu sentido e alcance, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes, que impede a atuação do Poder Judiciário como legislador positivo.

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a declaração de inconstitucionalidade parcial de norma só é admissível no controle abstrato quando se pode presumir que o restante do dispositivo, não impugnado, seria editado independentemente da parte supostamente inconstitucional (doutrina da indivisibilidade das leis). Há situações que o Tribunal Constitucional constata a existência de vício no ato normativo impugnado, mas, apesar disso, não declara sua inconstitucionalidade, porque verifica que a retirada do ato viciado do mundo jurídico acabaria por resultar em uma lesão ao ordenamento constitucional maior do que a lesão decorrente de sua manutenção. São as situações que o Supremo Tribunal Federal deixa de declarar a nulidade do ato para evitar o agravamento do estado de inconstitucionalidade.

A Corte Suprema recorre à técnica de declaração parcial de nulidade sem redução do texto quando constata a existência de uma regra legal inconstitucional que, em razão da redação adotada pelo legislador, não tem como ser excluída do texto da lei sem que a supressão acarrete um resultado indesejado. Assim, nem a lei, nem parte dela, é retirada do mundo jurídico (nenhuma palavra é suprimida do texto da lei). Apenas a aplicação da lei – em relação a determinadas pessoas, ou a certos períodos – é tida por inconstitucional. Em relação a outros grupos de pessoas, ou períodos diversos, ela continuará plenamente válida, aplicável.

A interpretação conforme a Constituição é técnica de decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal quando ocorre uma disposição legal comportar mais de uma interpretação e se constata, ou alguma dessas interpretações é inconstitucional, ou que somente uma das interpretações possíveis está de acordo com a Constituição. Na aplicação conforme a Constituição, o Poder Judiciário atua como legislador negativo, eliminando, por serem incompatíveis com a Carta, uma ou algumas possibilidades de interpretação. Basicamente, suas situações podem ocorrer:

a) O Supremo Tribunal Federal declara que a lei é constitucional, desde que dada a ela determinada interpretação (consentânea com a Constituição), isto é, ficam eliminadas as outras interpretações que a lei possibilitaria, mas que seriam inconciliáveis com o texto constitucional;

b) a Corte declara que a lei é constitucional, exceto se for adotada uma determinada interpretação (conflitante com a Constituição), ou seja, o aplicador do direito poderá optar por qualquer das interpretações que lei possibilite, menos uma (aquela que seria incompatível com a Carta Política).

Nessas decisões o Tribunal emprega a expressão “desde que”, reconhecendo a validade da norma “desde que interpretada de tal maneira”, ou se limita a apontar uma determinada interpretação que não pode prosperar, deixando liberdade ao aplicador da lei para adotar qualquer das demais interpretações possíveis.

As técnicas declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto e interpretação conforme a Constituição foram positivadas pela Lei n.º 9.868/99, no âmbito do processo e julgamento da Ação Direta e Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade. São técnicas distintas e autônomas de decisão. Na declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto, afasta-se a aplicação de um dispositivo legal a um grupo de pessoas ou situações. No caso da interpretação conforme a Constituição, o Supremo Tribunal Federal ordem que seja conferida determinada interpretação a dispositivo ou dispositivos de uma lei, ou proíbe a adoção de uma interpretação específica. A lei, desde que interpretada conforme o estabelecido, será aplicável a todas as pessoas e situações que se enquadrem na hipótese normativa. Nos casos e que deva ser adotada a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução do texto, não há nenhuma interpretação possível que torne compatível com a Constituição a integralidade do dispositivo objeto da declaração.

A inconstitucionalidade é direta quando a desconformidade verificada dá-se entre leis e atos normativos primários e a Constituição. Por outro lado, a inconstitucionalidade indireta (ou reflexa) ocorre naquelas situações em que o vício verificado não decorre de violação direta da Constituição. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal equipara a inconstitucionalidade indireta ou reflexa à mera ilegalidade. Assim, para o Tribunal, o conflito entre a norma secundária (regulamentar) e a primária (regulamentada) é caso de mera ilegalidade, e não de inconstitucionalidade propriamente dita. Ocorre a inconstitucionalidade derivada (ou consequente) quando a declaração da inconstitucionalidade da norma regulamentada (primária) leva ao automático e inevitável reconhecimento da invalidade das normas regulamentadoras (secundárias) que haviam sido expedidas em função dela – portanto, difere da inconstitucionalidade indireta ou reflexa.

A inconstitucionalidade originária é aquela que macula o ato no momento de sua produção, em razão de desrespeito aos princípios e regras da Constituição vigente. O reconhecimento da inconstitucionalidade originária pressupões, portanto, o confronto entre a lei e a Constituição vigente no momento da sua produção.Ao contrário, fala-se em inconstitucionalidade superveniente quando a invalidade da norma resulta da sua incompatibilidade com o texto constitucional futuro, seja ela originário ou derivado.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite a existência da inconstitucionalidade superveniente. Para a Corte, a superveniência do texto constitucional opera a simples revogação do direito pretérito com ele materialmente incompatível, não havendo razões para se falar em inconstitucionalidade superveniente; não se trata de juízo de constitucionalidade, mas sim de mera aplicação da regra de direito intertemporal.

Se a Constituição outorgar a competência para declarar a inconstitucionalidade das leis ao Poder Judiciário, teremos o sistema judicial ou jurisdicional. Caso outorgue a competência para a fiscalização da validade das leis a órgão que não integre o citado Poder, teremos o sistema político. Poderá, também, a Constituição outorgar a competência para a fiscalização de algumas normas a um órgão político e de outras ao Poder Judiciário, consubstanciado o controle de constitucionalidade misto. A maioria das Constituições contemporâneas tem adotado o sistema judicial para a fiscalização da validade das leis, inclusive a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Os ordenamentos constitucionais em geral prevêem dois modelos distintos de controle judicial de constitucionalidade: o controle difuso (ou jurisdição constitucional difusa) e o controle concentrado (ou jurisdição concentrada).

Ocorre o controle difuso (ou aberto) quando a competência para fiscalizar a validade das leis é outorgada a todos os componentes do Poder Judiciário. O modelo difuso surgiu nos Estados Unidos da América, a partir do célebre caso Marbury VS. Madison, em 1803, quando a Suprema Corte Americana, sob o comando do Chief Justice John Marshall, firmou o entendimento de que o Poder Judiciário poderia deixar de aplicar uma lei aos casos concretos a ele submetidos, por entendê-la inconstitucional.

Temos o sistema concentrado (ou reservado) quando a competência para realizar o controle de constitucionalidade é outorgada somente a um órgão de natureza jurisdicional (ou, excepcionalmente, a um número limitado de órgãos). O modelo concentrado teve sua origem na Áustria, em 1920, sob a influência do jurista Hans Kelsen.

As chamadas vias de ação dizem respeito ao modo de impugnação de uma lei perante o Poder Judiciário ou, sob outra ótica indicam o modo em que este exercerá a fiscalização da validade das leis. São duas as vias pelas quais poderá ser exercido o controle de constitucionalidade das leis: a via incidental (ou defesa ou de exceção) e a via principal (abstrata ou de ação direta).

O exercício da via incidental dá-se diante de uma controvérsia concreta, submetida à apreciação do Poder Judiciário, em que uma das partes requer o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma lei, com o fim de afastar a sua aplicação ao caso concreto de seu interesse. A apreciação da constitucionalidade não é o objeto principal do pedido, mas um incidente do processo, um pedido acessório (incidenter tantum). Esse é o modelo norte-americano de fiscalização da validade das leis. O controle incidental pode ser exercido perante qualquer Juiz ou Tribunal do Poder Judiciário, em qualquer processo judicial e tem como fundamento a premissa de que todos os casos concretos devem ser decididos de acordo com a Constituição.

Pela via principal, o pedido do autor da ação é a própria questão de constitucionalidade do ato normativo. O autor requer, por meio de uma ação judicial especial, uma decisão sobre a constitucionalidade, em tese, de uma lei, com o fim de resguardar a harmonia do ordenamento jurídico. O provimento judicial a que se visa consiste na declaração da compatibilidade, ou não, de certa norma jurídica ou conduta com as regras e princípios plasmados na Constituição. Nessa hipótese, não há caso concreto, portanto, não há interesses subjetivos específicos a serem tutelados. Trata-se, assim, como acentuam a doutrina e a jurisprudência, de processos objetivos.

O controle de constitucionalidade pode ser preventivo (a priori) ou repressivo. Na primeira hipótese, a fiscalização de validade da norma incide sobre o projeto, antes de estar pronta e acabada. Ocorre controle de constitucionalidade repressivo (sucessivo, a posteriori) quando a fiscalização da validade incide sobre a norma já inserida no ordenamento jurídico. Por meio do controle preventivo não é declarada a inconstitucionalidade da norma, mas, sim, evitada a produção de uma norma inconstitucional. Por sua vez, o controle repressivo tem por fim declarar a inconstitucionalidade de uma norma já existente, visando a sua retirada do ordenamento jurídico.

A Constituição de 1988 manteve em sua plenitude o controle difuso, conferindo a todos os órgãos do Poder Judiciário competência para, diante de um caso concreto, reconhecer a inconstitucionalidade das leis. Manteve, também, o controle abstrato, pelo qual é possível, mediante ação direta, a solução de uma controvérsia constitucional, em tese, acerca da compatibilidade de uma lei com a Constituição.

Constata-se a ampliação do número de legitimados para a instauração do controle abstrato perante o Supremo Tribunal Federal, via ação direta de inconstitucionalidade – artigo 103, incisos I ao IX da Constituição.

A par disso, o constituinte estabeleceu novas ações específicas no âmbito do controle concentrado, como a argüição de descumprimento de preceito fundamental, de competência originária do Supremo Tribunal Federal. São legitimados à propositura dessa ação, visando evitar ou reparar a lesão a preceito fundamental decorrente da Constituição Federal de 1988, os mesmos órgãos, pessoas e entidades aptos a promover a ação direta de inconstitucionalidade.

A nova ordem constitucional introduziu a denominada inconstitucionalidade por omissão, reconhecida nas hipóteses de inércia do legislador ordinário em face de uma exigência constitucional de legislar. Tal deficiência pode ser reparada pelo mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

O legislador constituinte derivado criou a ação declaratória de constitucionalidade, cuja finalidade é por termo a controvérsia judicial sobre uma lei ou ato normativo.

O controle abstrato hoje existente assume novo e relevante significado para o princípio federativo, permitindo a aferição de constitucionalidade das leis mediante requerimento de um Governador de Estado, a aferição de leis estaduais mediante requerimento do Presidente da República e a aferição da constitucionalidade de lei de um Estado mediante requerimento de Governador de um outro Estado.

Essa ampla legitimação, aliada à maior celeridade do modelo processual abstrato, dotado inclusive da possibilidade de suspensão imediata da eficácia do ato normativo impugnado, mediante pedido cautelar, faz como que praticamente todas as relevantes questões constitucionais atuais sejam solucionadas em ações diretas propostas perante o Supremo Tribunal Federal.

Impende destacar, ainda, que, sob a vigência do texto constitucional de 1988, o legislador ordinário introduziu uma das mais significativas mudanças no controle de constitucionalidade, ao criar a figura da denominada inconstitucionalidade pro futuro.

A Lei n.º 9.868/99, que regulou o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, dispôs que o Supremo Tribunal Federal poderá, ao proclamar a inconstitucionalidade de uma lei, outorgar eficácia não-retroativa à sua decisão (ex nunc) ou até mesmo fixar um outro momento para o início de seus efeitos. A Le n.º 9.882/99 outorgou essa mesma competência à Excelsa Corte nas decisões proferidas em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Com a Emenda Constitucional n.º 45/2004 foi ampliada a legitimação para a propositura da ação declaratória de constitucionalidade; criação da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal; exigência do requisito “repercussão geral das questões constitucionais discutidas” para a admissibilidade do recurso extraordinário.

No Brasil, o controle de constitucionalidade é predominantemente realizado pelo Poder Judiciário, que poderá atuar na via incidental ou abstrata. No último caso, a defesa da supremacia da Constituição é instaurada exclusivamente perante o Supremo Tribunal Federal, por meio da ação direta de inconstitucionalidade genérica (ADI); ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADI por omissão); ação declaratória de constitucionalidade (ADC); argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF); ação direta de inconstitucionalidade interventiva (ADI interventiva). Além do controle perante o Supremo Tribunal Federal, existe o controle abstrato em cada estado e no Distrito Federal, para a defesa da respectiva Constituição e da Lei Orgânica. Somente a jurisdição concentrada em face da Constituição Federal é exclusiva do Supremo Tribunal Federal.

Existem hipóteses em que a competência para a realizar controle de constitucionalidade está concentrada no órgão de cúpula do Poder Judiciário (controle concentrado), mas a ação a ele apresentada trata de um caso concreto, sendo a questão constitucional discutida incidentalmente (controle incidental). Nessas situações, o controle incidental é realizado na jurisdição concentrada. Exemplo dessa situação é a competência exclusiva ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar, originariamente, o habeas corpus, habeas data e o mandado de segurança nas hipóteses previstas no artigo 102, inciso I, alínea “d” da Constituição Federal, quando essas ações envolvam, incidentalmente, apreciação de uma questão constitucional. Outro exemplo é a hipótese de controle judicial do processo legislativo de elaboração de leis e emendas à Constituição, em que o Supremo Tribunal Federal admite a impetração de mandado de segurança por parlamentares, com o fim de sustar o andamento da proposição legislativa.

Quando uma lei estadual ou municipal que seja mera reprodução na Constituição Estadual de dispositivo da Constituição Federal é impugnada perante o Tribunal de Justiça, contra a decisão será cabível recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal.

Na vigência da Carta Política de 1988, o Poder Legislativo dispõe de certas competências que, irrefutavelmente, consubstanciam juízo sobre a constitucionalidade das leis.

A primeira manifestação do Poder Legislativo apontada como fiscalização da constitucionalidade ocorre com os trabalhos da Comissão de Constituição e Justiça, no âmbito das Casas do Congresso Nacional. A fiscalização da CCJ materializa o controle político preventivo, tendo por objeto evitar que ingresse no ordenamento jurídico espécie normativa com algum vício de inconstitucionalidade.

Outro juízo de constitucionalidade manifestado pelo Poder Legislativo está prescrito no artigo 49, inciso V da Constituição Federal. Esse dispositivo autoriza o Congresso Nacional a sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou os limites da delegação legislativa – veto legislativo. O ato do Congresso Nacional surtirá efeitos não-retroativos (ex nunc), porquanto não se cuida de pronúncia de inconstitucionalidade, mas, sim, de sustação de eficácia.

A apreciação das medidas provisória adotadas pelo Chefe do Executivo também é apontada como manifestação do Legislativo na fiscalização da constitucionalidade, uma que da apreciação legislativa poderá resultar a rejeição da medida provisória, seja pelo desatendimento dos pressupostos constitucionais para sua adoção (relevância e urgência), seja por entender o Congresso que a medida provisória contraria materialmente a Constituição.

Deve-se salientar que todas essas manifestações do Poder Legislativo não são dotadas de força definitiva, vale dizer, não afastam a possibilidade de ulterior apreciação judicial.

É incontroverso que a possibilidade de o Poder Legislativo suspender decisão judicial que tenha declarado a inconstitucionalidade, ainda que por emenda à Constituição, tendo em vista a cláusula pétrea que inibe a deliberação por emenda tendente a abolir a separação dos poderes (artigo 60, § 4º, inciso III da Constituição Federal).

Acrescente-se que nosso sistema jurídico não admite a declaração de inconstitucionalidade (nulidade) de lei ou equivalente por lei ou ato normativo posteriores. Esse controle de constitucionalidade, de forma definitiva, é da competência exclusiva do Poder Judiciário. Não é legítimo, portanto, ao Poder Legislativo declarar, por meio de nova lei, a nulidade de lei anterior, sob alegação de incompatibilidade desta com a Constituição. Eventual ato legislativo nesse sentido será interpretado como ato de mera revogação da lei anterior, com eficácia prospectiva (ex nunc).

O Poder Executivo atua como fiscal da lei em três situações.

A primeira, diz respeito ao exercício do poder de veto cm fundamento na inconstitucionalidade, nos termos do artigo 66, § 1º da Constituição Federal. É o denominado veto jurídico, espécie de controle preventivo de constitucionalidade, que tem por objeto evitar que ingresse no mundo jurídico norma incompatível com a Constituição. Contudo, o ato não é dotado de força definitiva, pode ser revisto pelos parlamentares.

A segunda, relaciona-se à possibilidade de inexecução pelo Chefe do Poder Executivo de lei considerada por ele inconstitucional. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pode ser determinado aos órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considere inconstitucionais. Concede-se, nesse caso, um poder de autodefesa para melhor atender ao interesse público, admitindo-se, excepcionalmente, a negativa de aplicação de lei considerada inconstitucional.

Ressalte-se, apenas, que essa competência é exclusiva do Chefe do Poder Executivo, o que veda a possibilidade de qualquer funcionário administrativo subalterno descumprir a lei sob a alegação de inconstitucionalidade. Os demais servidores do Poder Executivo, sempre que vislumbrem vício de inconstitucionalidade legislativa, podem propor a sujeição da matéria ao chefe do Poder.

Se for determinada a não-aplicação da lei, no âmbito administrativo, pela autoridade máxima do Poder Executivo e, ulteriormente, o Judiciário vier a considerar a lei inconstitucional, aquela autoridade deverá restabelecer, de imediato, a sua aplicação.

O Poder Executivo também fiscaliza a obediência à Constituição Federal por meio do processo de intervenção, haja vista que este funciona como meio excepcional de controle de constitucionalidade, como medida última para o restabelecimento da observância da Constituição por um ente federado.

Segundo entendimento da Excelsa Corte, os Tribunais de Contas, no desempenho de suas atribuições constitucionais, possuem competência para realizar o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Público, podendo afastar a aplicação daqueles que entenderem constitucionais. Essa atuação não afasta a possibilidade de posterior apreciação da lei ou ato normativo pelo Poder Judiciário, se provocado.

Fonte: Controle de Constitucionalidade. Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino.