quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A Controvérsia entre Rawls e Habermas

A idéia de unir sistemas de Justiça e sistemas de Direitos, pensando os primeiros como fundamento dos segundos é o motor daquilo que foi apropriadamente denominado de Filosofia Constitucional.

Aqueles que se dedicam à moderna teoria da Justiça não podem dispensar a reflexão sobre qual o modelo institucional que estaria mais apto a consolidar a democracia constitucional numa sociedade notoriamente pluralista e profundamente dividida em inúmeras concepções de bem e de vida boa. Assim, o primeiro movimento para este enlace foi dado pela filosofia política contemporânea.

Um segundo movimento de construção da filosofia constitucional foi parte da teoria do direito pelos debates em torno da Constituição. Sem dúvida, foi a tão falada e proclamada crise do positivismo jurídico que abriu caminho para se repensar que direito poderia (estaria apto a) regular uma sociedade que já não cabia mais nos seus contornos normativos e que, portanto, precisava de revisão.

A superação do positivismo implicava, contudo, (re)pensar a fundamentação das normas de um determinado ordenamento jurídico e, desta forma, vinculá-lo a questões de política, moral e direito sem, entretanto, desprezar uma análise racional do problema.

No que toca especificamente à teoria constitucional, trata-se de perceber que a prática constitucional é notoriamente marcada por um déficit em torno da aplicação da Constituição. Essa carência é, antes de mais nada, uma carência da teoria que sustenta a prática.

É a teoria constitucional que vai buscar a filosofia política, especialmente o que se chama a moderna teoria da Justiça.

Há três eixos de análise possível: a) aproximação conceitual: existência de um arcabouço teórico comum entre os fundamentos da teoria constitucional e os pressupostos epistemológicos da teoria da Justiça; b) objetivos e finalidades: centralidade da Constituição, preocupação com a limitação do poder político e com os direitos fundamentais e, acima de tudo, a busca constante pela construção de uma democracia constitucional; c) liberalismo renovado: irá permitir uma continuidade do discurso liberal e, ao mesmo tempo, a sua renovação devido às características singulares do tema.

Em relação ao primeiro eixo, pode-se afirmar tanto uma quanto a outra tem início já na antiguidade quando filósofos como Platão, Aristóteles ou ainda o jurista romano Cícero preocuparam-se em determinar qual a forma mais adequada, por justa, de regular um Estado.

Neste período, as reflexões sobre a Constituição e a Justiça encontravam-se estreitamente ligadas, formando um corpo teórico que costuma denominar-se de pensamento constitucional. Algo semelhante ocorre durante a Idade Média e o início da moderna, porém, é com o contratualismo que se pode afirmar que o vínculo entre as duas torna-se inexorável. É justamente no contratualismo que Rawls vai buscar a fundamentação de uma moderna teoria da Justiça.

Além de uma estrutura teórica coincidente, a teoria da Justiça e a teoria constitucional têm objetivos e preocupações comuns. A primeira centra-se no pluralismo como ponto de partida e levanta a possibilidade que instituições políticas e jurídicas têm de enfrentá-lo publicamente. É nesta questão que se fundam as mais importantes disputas teóricas, ou seja, quando se discute que modelo de pautas normativas – concepção de Justiça – enfrenta e responde melhor às demandas de uma sociedade plural. Independentemente de que concepção se esteja tratando, é necessário acoplar-lhe um sistema de direitos que viabilize esse modelo de distribuição de bens e direitos.

Estabelecer qual a melhor forma de assegurar esse sistema de direitos fundamentais na Constituição de um Estado é tarefa da filosofia constitucional. Ao ser compreendida como uma instância de análise e reflexão sobre as relações entre Constituição, Estado e Sistemas de Justiça, traz para seu epicentro a procura da consolidação de uma democracia constitucional, considerando-a a única forma de garantir a igualdade na diversidade.

Há que se esclarecer que a filosofia constitucional é resultado de um liberalismo renovado. Trata-se de um liberalismo que se centra, principalmente, na diferença entre a construção da moralidade privada e da moralidade pública, dando grande ênfase a última. Sem abandonar a idéia que move o pensamento liberal, a prioridade da escolha individual, o liberalismo contemporâneo preocupa-se com as regras que norteiam as ações coletivas. Estas devem primar pela igual consideração e respeito a cada indivíduo, este sendo entendido como um ser particular e distinto dos outros em suas crenças, valores, moral, enfim, entre as inúmeras questões que separam um dos outros.

É neste ponto, ou seja, a partir das demandas da igualdade que aparece a exigência de neutralidade do Estado, pressuposto tão caro à estrutura do pensamento liberal.

A neutralidade procedimental encontra-se vinculada à tese kantiana da prioridade do justo sobre o bem, um dos principais temas da filosofia política ocidental. Seu significado é bastante conhecido e expressa que os princípios da Justiça limitam-se às concepções de bem que os indivíduos podem eleger e colocar em prática, pois quando os valores escolhidos entram em conflito com os princípios da Justiça, são estes que se devem respeitar.

A prioridade da Justiça significa também que os princípios que vão reger a esfera pública não podem ser determinados com base numa concepção específica do bem, pelo contrário, escolher princípios de Justiça universais e universalizantes e, conforme o liberalismo, neutros, é condição sine qua non para a liberdade de optar por uma outra concepção de bem.

E mais, pode-se dizer que do ponto de vista moral essa prioridade do justo sobre o bem significa que a escolha da esfera da primazia da Justiça leva-nos inevitavelmente a uma proximidade que poderia chamar-se de metodológica: a concepção compartilhada do procedimentalismo como princípio normativo que permite uma neutralidade de justificação do ideal de Justiça sem comprometê-la com qualquer concepção particular de vida boa.

A disputa pela melhor interpretação possível desse princípio e suas consequências para a teoria da Justiça e para a teoria dos direitos é a tônica da polêmica travada entre o autor americano John Rawls e seu opositor e grande admirador, o alemão Jürgem Habermas e constitui-se um dos temas mais importantes da filosofia constitucional. A principal divergência entre os dois reside sobre a melhor justificação do ideal kantiano que confere, como já dito, prioridade à Justiça. Contudo, deve-se deixar anotado que esta divergência somente é possível, visto que ambos compartilham o mesmo postulado epistemológico: a prioridade do justo sobre o bem e a sua conseqüência necessária, o ideal da neutralidade exigido pelo liberalismo político.

É este ideal de neutralidade que leva Rawls e Habermas a uma importante ruptura com as teses comunitárias, pois ambos sustentam a impossibilidade de adotar-se uma concepção de Justiça apoiada em algum o objetivo comum.

Segundo Habermas, Rawls não conseguiria na sua Justiça como equidade, estabelecer a relação entre as instituições que dizem respeito à implementação do direito positivo e a teoria política para assim estabelecer um direito legítimo. Para o autor americano, esta crítica é improcedente. Ao assegurar a prioridade da liberdade e conceber uma estrutura básica para resguardá-la, ele acredita ter obtido a melhor fundamentação dos direitos como a melhor estruturação de um sistema de liberdades que seria fonte de legitimidade posterior.

Rawls dedica as suas principais obras (Teoria da Justiça e Liberalismo Político) ao problema do pluralismo. Partindo do pressuposto que este é um fato inexorável nas sociedades contemporâneas, o autor vai propor uma concepção de Justiça que, quando aplicada à estrutura básica da sociedade, ter-se-ia o que ele denomina de sociedade bem ordenada.

A idéia de concepção pública de Justiça encerra a idéia de que todos conhecem e aceitam determinados princípios da Justiça válidos para toda a estrutura básica da sociedade. Desta forma e ao mesmo tempo, os que constituem a sociedade são constituídos por ela, pois, se ao ser justa, leva os homens a agir com Justiça. Isto pressupõe, entretanto, que todos reconheçam e compartilhem os mesmos princípios. Daqui, então, chega-se rapidamente à questão da neutralidade procedimental para a formulação dos princípios da Justiça.

A idéia de prioridade do justo é um elemento essencial daquilo que se chama de “Liberalismo Político” e desempenha papel central na Justiça como equidade, como uma das formas desse ponto de vista. Ralws define a concepção pública de Justiça a partir de três elementos centrais. O primeiro deles é o seu sujeito, a sua estrutura básica de sociedade de uma democracia constitucional moderna. O segundo é a sua formulação, que se faz por meio de um ponto de vista livre (freestanding view).

Isso quer dizer que, mesmo que possa ser referendada por qualquer teoria abrangente, não se coaduna com ela e, menos ainda, dela emana. O terceiro ponto é que seu conteúdo se expressa em termos e idéias fundamentais que se consideram implícitas na cultura política de uma sociedade democrática.

A concepção política de Justiça está fundada nas idéias latentes de uma cultura política democrática que tendem, por isso, a ser consensuais. São basicamente três: a) a idéia de que a sociedade é um sistema justo de cooperação social através dos temos e da troca de gerações que se define a partir dos seguintes termos: trata-se de uma atividade distinta da atividade meramente coordenada socialmente, pois é guiada por normas e procedimentos publicamente reconhecidos; b) implica condições justas de cooperação, ou seja, aceitar os termos desta cooperação desde que os outros também o façam; c) requer uma idéia da vantagem racional de cada participante.

Resta a questão de saber qual é a forma mais apropriada de Justiça capaz de fornecer princípios da Justiça mais adequados ao sistema. Na resposta, o autor recorre ao já conhecido conceito de posição original e (re)introduz os termos do contrato, agora, porém, com um significado mais modesto.

A manutenção do projeto contratualista no Liberalismo Político tem como função assegurar a neutralidade liberal por meio do construtivismo. Para isso, Rawls vai propor a construção procedimental de que ele denomina overlappng consensus. Este seria um consenso em torno do qual os indivíduos poderiam associar-se, pois permitiria uma convivência pacífica numa sociedade plural. São três suas características essenciais: a) seu objeto é uma concepção política (princípios da Justiça); b) não é realizado por indivíduos, mas por doutrinas compreensivas razoáveis (aquelas que não comprometem o poder moral dos indivíduos); c) é subscrito por várias e diversas concepções razoáveis e cada uma delas pode aderir por meio de suas próprias razões.

O liberalismo político de Ralws continua a ser uma versão do liberalismo enquanto sublinha a importância da tolerância e argumenta a favor de um sistema de governo orientado por princípios que não pressupõem uma determinada forma de vida como a melhor. A atitude do Liberalismo Político em relação às concepções liberais é, portanto, uma atitude de tolerância, visto que permite a todos os ideais morais em conflito uma competição pacífica.

O overlapping consesus teria então a função de assegurar a estabilidade de uma sociedade onde o pluralismo é o resultado inevitável do funcionamento das instituições livres e do uso pleno da razão, pois representa uma concepção de legitimidade política. Na medida em que reconhece que os cidadãos são livres e iguais, toda concepção liberal deve examinar sua própria estabilidade de tal modo que cada cidadão possa afirmá-la livremente.

Precisamente é este o motivo pelo qual o autor acredita ser impossível a qualquer doutrina abrangente servir de base à configuração das instituições sociais, o que equivale a dizer que, em matéria de Justiça, há que se esquecer de tentar fundamentá-la em argumentos gerais, para baseá-la em idéias que possam ser reconhecidas pela totalidade das teorias abrangentes. As características necessárias para compor tal pauta de estabilidade seriam, segundo Rawls, os traços políticos comuns presentes numa sociedade democrática que, por estarem associados a uma tradição democrática, devem ser desconhecidos por todos os seus membros como fundamentais e fundantes.

Analisando a posição Habermas, verifica-se que, inicialmente, o autor sustenta que a teoria Ralwsiana estrutura-se em níveis diversos: a) fundamentação: Ralws estabelece a justificação normativa de uma sociedade bem ordenada, objetivando a “auto-estabilização de uma sociedade justa através da força socializadora de uma vida sob instituições justas”; b) esclarecimento: o de como estabelecer, em circunstâncias determinadas, instituições justas; c) propaganda: demonstrar que sua teoria é a mais adequada às nossas práticas cotodianas e representa as melhores tradições da cultura política.

A existência necessária desses três níveis na teoria de Rawls não deixa claro, segundo Habermas, quais são as relações entre a construção de uma fundamentação teórica de princípios de Justiça e a recepção e aplicação desses mesmos princípios pela comunidade jurídica concreta, a qual teria a tarefa de estabelecer suas próprias bases normativas de convivência por meio desses princípios. A questão radical no fato de que Rawls não explicita se a estabilidade de uma sociedade justa se dá por intermédio do overlapping consensus ou por meio da aceitação democrática do pluralismo político, o que torna o consenso sobreposto apenas uma forma de buscar a reestruturação teórica da idéia de sociedade justa para a reforma prática das instituições sociais existentes.

Rawls concentra-se em questões da legitimidade do direito, sem tematizar a forma do direito enquanto tal, e, com isto, a dimensão institucional do direito. A preocupação de Rawls, segundo Habermas, seria limitada, dessa forma, somente ao grau de aceitação e plausibilidade dos princípios da Justiça como equidade em relação às tradições políticas e ao contexto cultural de sociedades contemporâneas pluralista, deixando de fora a tensão entre faticidade e validade. Ou seja, não haveria na Justiça como equidade a descrição crítica dos processos políticos identificáveis na realidade social, capazes de promover uma reconstrução do desenvolvimento do Estado de direito de sociedades concretas, isto é, faltou a Uma Teoria da Justiça de Rawls, enquanto uma teoria de direito, uma reconstrução normativa do Estado de direito e de sua base social.
O estabelecimento de um nexo entre essas duas realidades, entre a eficácia (faticidade) dos processos políticos e o arranjo comunicativo dos processos democráticos de autocompreensão do Estado de direito (validade) é a tarefa que, então, Habermas propõe para si mesmo. A crítica seria, assim, uma crítica familiar, de alguém que compartilha com sua intenção e considera seus resultados essenciais como corretos.

Nesse sentido, Habermas centra sua análise em três aspectos distintos da realização do projeto de implementação de uma autonomia de raízes kantianas. Inicialmente, aponta o fato de que tem dúvidas sobre se o conceito de posição original assegura e explicita adequadamente a idéia de um juízo imparcial de princípios de Justiça entendidos deontologicamente. Aduz, assim, a questão de que a posição original constitui-se a partir de um desenho teórico que atribui aos partidos a tomada de decisões representativas de uma ordem moral individual, a qual se encontra anteriormente eliminada nos próprios indivíduos, já que estes estão vinculados a uma posição original na qual são despidos do sentido próprio de Justiça e da concepção pessoal do bem.

Em segundo lugar, considera que Ralws deveria separar as questões de fundamentação das de aceitação. Com isso, a neutralidade de sua concepção de Justiça não deve se sobrepor à validez congnitiva de sua teoria como um todo. Pelo contrário, deve conviver com as variadas doutrinas interpretativas e as diferentes concepções de mundo, sem que perca sua capacidade de gerar resultados práticos, proporcionando o overlapping consensus. O problema é que a aceitação do consenso deve ser anterior a ele mesmo e não posterior, o que leva a pensar na existência de cosmovisões verdadeiras por si mesmas, produzindo uma espécie de ontologia, e não no sentido semântico discursivo, mas normativamente vinculante.

Em terceiro e último lugar, Habermas considera inadequada a colocação dos direitos básicos liberais sobre o princípio democrático de legitimação, o que seria uma conseqüência indesejada, mas previsível, especialmente por conta da divisão rígida entre identidade política e identidade não publica dos cidadãos.

Para o filósofo alemão, Rawls não consegue alcançar o intento de harmonizar a liberdade dos modernos com a liberdade dos antigos pelo fato de restringir a idéia de autonomia de Rousseau e Kant. Para estes últimos, a raiz da autonomia moral e da autonomia política é maior só, já que os direitos liberais (liberdade de crença, de consciência, de proteção à vida e à propriedade – liberdade dos modernos) não podem limitar o exercício público da razão, isto é, a realização da prática de autodeterminação, estabelecida pela construção constante do processo democrático de questionamento político da realização efetiva dos direitos (liberdade dos antigos).

Por fim, Habermas acusa Rawls de constituir uma teoria em termos bastante modestos, limitados meramente a aspectos procedimentais do uso público da razão, ou seja, ao processo que poderia formar racionalmente uma opinião e uma vontade, desenvolvendo a idéia de direitos a partir de sua institucionalização jurídica.

O professor alemão vê, portanto, a necessidade de se assumir, no campo da filosofia política, a imodéstia diletante capaz de abandonar o “método de evitação” de questões disciplinares de fundo. Esse “método” possibilita a constituição de um sistema fechado, digno de admiração, mas absoluta e continuamente dependente das disputas dos conceitos de racionalidade e verdade.

Além da fundamentação do sistema de direitos, Rawls e Habermas são separados pela estabilidade desse sistema, especificamente, em uma sociedade em contínua transformação e que, portanto, na opinião de Habermas, não poderia cristalizar direitos, conseqüência que obviamente teria a obra de Rawls.

Habermas vale-se de um recurso de linguagem para explicar a diferença entre a sua concepção e a concepção do sistema de direitos de Rawls. Para ele, na obra do autor americano, os direitos seriam distribuídos e consistiriam, basicamente, em propriedade dos indivíduos. Já para o filósofo alemão, os direitos são o resultado do exercício constante da razão pública e, desta forma, a revisão do sistema de direitos é sempre possível, facultando mudanças em sua estrutura se a soberania popular assim o desejar, não encontrado, por outro lado, barreiras nos direitos individuais.

A concentração de esforços, especialmente nos direitos individuais, é onde de fato reside a capacidade de cidadania da liberdade, demonstrará que o modelo de Rawls está mais apto a atender às demandas da democracia constitucional. Uma das grandes contribuições do autor seria afastar o problema da intangibilidade de algumas cláusulas da Constituição, sem precisar recorrer a quaisquer dos princípios outros que não possam ser justificados racionalmente por meio da ética e da superioridade dos direitos fundamentais, mas também sem resvalar para um naturalismo.

Sem dúvida, a obra de Rawls, que encarna um individualismo dos direitos pessoais, parece ser a melhor configuração para a validade dos direitos fundamentais e resulta muito mais segura e compatível com a democracia constitucional, pois atinge uma possibilidade de consolidação dos direitos e liberdades que outras teorias não conseguem atingir.

Não se pode negar que a obra de Rawls é uma possibilidade lícita e eficaz de dar voz a um elemento externo ao discurso sobre a Lei Fundamental (a filosofia política), sem levar, entretanto, a um completo desvirtuamento dos pressupostos teóricos e epistemológicos da própria Teoria da Constituição, mas que, permitisse, concomitantemente, a sua continuidade e renovação.

Assim, da reunião destes dois elementos é que parece a necessidade de caracterizar a filosofia constitucional como uma fonte de renovação do discurso sobre o direito, pois lhe coloca demandas de fundamentação e justificação incompatíveis como o positivismo dominante até aqui. A obra de Rawls aparece como uma alternativa relevante para concretizar este objetivo. Entretanto, seu opositor, Jürgen Habermas, lança algumas críticas relevantes e propõe em questão a possibilidade de Rawls de fato oferecer uma justificação adequada em termos de legitimidade para o sistema de direitos. Tal como foi dito, embora ambos compartilhem os mesmos pressupostos epistemológicos – a máxima kantiana da prioridade do justo sobre o bem –, é a melhor interpretação desta que está em xeque.

Ao propor significados distintos para a primazia da Justiça, os dois vão sustentar maneiras distintas de justificação dos sistemas de direitos. E, ainda que não se possa dar por esgotado o debate, pelo menos por enquanto, a idéia de intangibilidade dos direitos, sustentada pela Justiça como equidade, parece mais apropriada a atender às demandas da democracia constitucional.

Fonte: A Filosofia Constitucional de John Eawls e Jürgem Habermas: Um Debate sobre as Relações entre Sistemas de Justiça e Sistemas de Direitos. Cecília Caballero Lois.