quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Uma breve introdução ao "Direito das Famílias"

A família é uma construção social organizada através de regras culturalmente elaboradas que conformam modelos de comportamento. Dispõe de estruturação psíquica na qual todos ocupam um lugar, possuem uma função. O intervencionismo estatal levou à instituição do casamento: convenção social para organizar os vínculos interpessoais. A própria organização da sociedade dá-se em torno da estrutura familiar, e não em torno de grupos ou indivíduos em si mesmos.

Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio. A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo entidade patrimonializada, seus membros eram força de trabalho.

Esse quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão de obra, principalmente terciárias. Assim a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal e sua prole. Existe uma nova concepção de família, formada por laços afetivos de carinho, de amor. A valorização do afeto nas relações familiares não se cinge apenas ao momento da celebração do casamento, devendo perdurar por toda a relação. Disso resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo é o único modo de garantir a dignidade da pessoa humana.

A expressão “Direito das Famílias” melhor atende à necessidade de passar-se, cada vez mais, a enlaçar, no âmbito da proteção às famílias, todas as famílias, sem discriminação, sem preconceitos. A interferência estatal nos elos de afetividade é que leva o legislador a dedicar um ramo do Direito à família.

A família é o primeiro agente socializador do ser humano. De há muito deixou de ser uma célula do Estado, e é hoje encarada como uma célula da sociedade. É cantada e decantada como base da sociedade e, por essa razão, recebe especial proteção do Estado. A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem como direito a proteção da sociedade e do Estado. A família é tanto uma estrutura pública como relação privada, pois identifica o indivíduo como integrante do vínculo familiar e também como partícipe do contexto social.

O formato hierárquico da família cedeu lugar à sua democratização, e as relações são muito mais de igualdade e de respeito mútuo. O traço fundamental é a lealdade.

No que concerne à natureza, é imperioso reconhecer que o Direito das Famílias, ainda que tenha características peculiares e alguma proximidade com o direito público, tal não lhe retira o caráter privado, não se podendo dizer que se trata de direito público. Aliás, a tendência é reduzir o intervencionismo do Estado nas relações interpessoais.

O Direito das Famílias – por estar voltado à tutela das pessoas – é personalíssimo, adere indelevelmente à personalidade da pessoal em virtude de sua posição na família durante toda a vida. Em sua maioria, é composto de direitos intransmissíveis, irrevogáveis, irrenunciáveis e indisponíveis.

Tradicionalmente, o Direito das Famílias é identificado a partir de três grandes eixos temáticos: a) direito matrimonial – cuida do casamento, sua celebração, efeitos, anulação, regime de bens, além de sua dissolução, pela separação e pelo divórcio; b) direito parental – volta-se para a filiação, adoção e relações de parentesco; c) direito protetivo ou assistencial – inclui poder familiar, alimentos, tutela e curatela.

Os direitos patrimoniais da família, embora não fiquem imunes às características peculiares da matéria familiar, são direitos reais e obrigacionais. O direito pessoal de família traz a noção de poder-função ou direito-dever, na qual ocorre a dissociação entre titularidade do poder e titularidade do interesse. O exemplo clássico do poder familiar, em que o titular do interesse é o filho, sendo o genitor titular do dever. Essa dicotomia é que leva ao conceito de direito subjetivo da família com características funcionalista, ou seja, o titular do direito subjetivo é obrigado a exercê-lo, pelo interesse a que serve, pela função do direito que atende a interesse de outrem. Assim, o direito subjetivo da família não se destina exclusivamente a conceder direitos, mas atribui deveres. No entanto, o direito pessoal de família também serve ao interesse de seu titular. O poder familiar, por exemplo, não é exercido no interesse do filho, mas atende também à necessidade psicológica dos pais.

A vastidão de mudanças de estruturas políticas, econômicas e sociais produziu reflexos nas relações jurídico-familiares. Os ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo voltarem-se à proteção da pessoa humana. A família adquiriu função instrumental para melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes.

O alargamento conceitual das relações interpessoais acabou deitando reflexos na conformação da família, que não possui mais um significado singular. A mudança da sociedade e a evolução dos costumes levaram a uma verdadeira reconfiguração, quer da conjugalidade, quer da parentalidade. Assim, expressões como ilegítima, espúria, adulterina, informal, impura estão banidas do vocabulário jurídico. Não podem ser utilizadas, nem com referência às relações afetivas, nem aos vínculos parentais. Seja em relação à família, seja no que diz respeito aos filhos, não se admite qualquer adjetivação.

A Constituição Federal, rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhecer a existência de outras entidades familiares, além das constituídas pelo casamento. Assim, enlaçou no conceito de família e emprestou especial proteção à união estável e à comunidade formada por qualquer dos pais com seus descendentes, que começou a ser chamada de família monoparental.

Agora, o que identifica a família não é nem a celebração do casamento nem a diferença de sexo do par ou o envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo.

Faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo se buscar a identificação dos elementos que permitiam enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação. A família é um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas.

A Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006), que busca coibir a violência contra a mulher, identifica como família qualquer relação de afeto. O novo modelo de família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudonismo, impingindo nova roupagem ao Direito de Família.

- Matrimonial

O Estado solenizou o casamento como uma instituição e o regulamentou exaustivamente. Os vínculos interpessoais passaram a necessitar da chancela estatal. É o Estado que celebra o matrimônio mediante o atendimento de inúmeras formalidades. Reproduziu o legislador de 1916 o perfil da família então existente: matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual. Só era reconhecida a família instituída pelo casamento.

Até a entrada em vigor da nova Constituição, o casamento era a única forma admissível de formação da família. Foi o constituinte de 1988 quem emprestou especial proteção a entidades familiares outras. Esse prestígio à família atende aos interesses do Estado, pois delega a ela a formação de seus cidadãos, tarefa que acaba quase sempre onerando exclusivamente a mulher. Há um certo descomprometimento, tanto do homem quanto as entidades públicas e entes governamentais, em assumir o encargo de formar e educar crianças e jovens, único meio de assegurar o futuro da sociedade. Por isso é que a Constituição consagra em seu artigo 226 que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

Diante da quantidade de exigências para celebração do casamento, de pouco ou quase nada vale a vontade dos nubentes. Os direitos e deveres são impostos para vigorarem durante sua vigência e até depois de sua dissolução, pelo divórcio e até pela morte. Assim, quase se poderia chamar o casamento de verdadeiro contrato de adesão.

- Informal

A lei emprestava juridicidade apenas à família constituída pelo casamento, vedado quaisquer direitos às relações adulterinas ou concubinárias. Apenas a família dita legítima existia juridicamente. Assim, os filhos chamados de ilegítimos, naturais, espúrios, bastardos nenhum direito possuíam, sendo condenados à invisibilidade. Não poderia sequer pleitear o reconhecimento enquanto o genitor fosse casado.

Quando do rompimento dessas uniões, seus partícipes começaram a bater às portas do Judiciário. Viram-se os Juízes forçados a criar alternativas para evitar flagrantes injustiças, tendo sido cunhada a expressão “companheira”, como forma de contornar as proibições para o reconhecimento dos direitos bandidos pela lei à concubina. Porém, tal era a rejeição à idéia de ver essas uniões como família que a jurisprudência, quando ausente patrimônio a ser partilhado, as identificava como relações de trabalho, concedendo à mulher indenização por serviços domésticos prestados, as uniões eram consideradas sociedades de fato.

Essas estruturas familiares, ainda que rejeitadas pela lei, acabaram aceitas pela sociedade, fazendo com que a Constituição albergasse no conceito de entidade familiar o que chamou de união estável, mediante a recomendação de promover sua conversão em casamento, norma que é a mais inútil das inutilidades. A legislação infraconstitucional que veio regular essa nova espécie de família acabou praticamente copiando o modelo oficial do casamento. Igualmente, o Código Civil impõe requisitos para o reconhecimento da união estável, gera deveres e cria direitos aos conviventes. Assegura alimentos, estabelece o regime de bens e garante direitos sucessórios. Aqui também pouco resta à vontade do par, cabendo afirmar que a união estável transformou-se em “casamento por usucapião”, ou seja, o decurso de prazo confere o estado de casado.

- Homoafetiva

Por absoluto preconceito, a Constituição emprestou, de modo expresso, juridicidade somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher, ainda que em nada se diferencie a convivência homossexual da união estável heterossexual. São cada vez mais freqüentes decisões judiciais que atribuem conseqüências jurídicas a essas relações. Como ainda o tema é permeado de preconceitos, predomina a tendência jurisprudencial de visualizar tais vínculos como mera sociedade de fato. Tratados como sócios, aos parceiros somente é assegurada a divisão dos bens amealhados durante o período de convívio de forma proporcional à efetiva participação na aquisição.

Importante destacar que a Lei Maria da Penha ressalva a orientação sexual de quem se sujeita à violência doméstica. Como a lei veio proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar, definiu família e albergou no seu conceito as uniões homoafetivas.

- Monoparental

O enlaçamento dos vínculos familiares constituídos por um dos genitores com seus filhos, no âmbito especial proteção do Estado, atende a uma realidade que precisa ser arrostada. Tais entidades familiares receberam em sede doutrinária o nome de família monoparental, como forma de ressaltar a presença de somente um dos pais na titularidade do vínculo familiar.

- Anaparental

A convivência entre parentes ou entre pessoais, ainda que não parentes, dentro de um estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família anaparental. A convivência sob o mesmo teto, durante longos anos, por exemplo, de duas irmãs que conjugam esforços para a formação do acervo patrimonial constitui uma entidade familiar. Ainda que inexista qualquer conotação de ordem sexual, a convivência identifica comunhão de esforços, cabendo aplicar, por analogia, as disposições que tratam do casamento e da união estável.

- Pluriparental

Agora surge a expressão famílias pluriparentais ou mosaico, que resultam da pluralidade das relações parentais, especialmente fomentadas pelo divórcio, pela separação, pelo recasamento, seguidos das famílias não-matrimoniais e das desuniões. A multiplicidade de vínculos, a ambigüidade dos compromissos e a interdependência caracterizarem a família mosaico, conduzem para melhor compreensão desta modelagem. No entanto, nestas novas famílias, a tendência é considerar, ainda, como monoparental o vínculo do genitor com seu filho, até porque o novo casamento dos pais não importa em restrições aos direitos e deveres com relação aos filhos.

Admite a lei possibilidade da adoção pelo companheiro do cônjuge do genitor, que recebe o nome de adoção unilateral, mas é indispensável a concordância do pai registral o que, praticamente, inviabiliza, esta possibilidade.

Não é reconhecido ao filho do cônjuge ou companheiro o direito a alimentos, ainda que comprovada a existência de vínculo afetivo entre ambos, e mesmo que tenha ele assegurado sua mantença durante o período em que conviveu com seu genitor. O que timidamente vem sendo admitido, em nome do princípio da solidariedade, é o direito de visitas. Também já há decisões reconhecendo a possibilidade de o enteado agregar o nome do padrasto, o que, no entanto, não gera a exclusão do poder familiar do genitor.

- Paralela

A doutrina ainda distingue ligações afetivas livres, eventuais, transitórias e adulterinas com o fim de afastar a identificação da união como estável e, assim, negar-lhe qualquer conseqüência. São consideradas relações desprovidas de efeitos positivos na esfera jurídica. Somente na hipótese de a mulher alegar desconhecimento da duplicidade de vidas do varão é que tais vínculos são alocados no direito obrigacional e lá tratados como sociedades de fato.

Quando finda a relação, comprovada a concomitância com um casamento, impositiva a divisão do patrimônio acrescido durante o período de mantença do dúplice vínculo. É necessária a preservação da meação da esposa, que se transforma em bem reservado, ou seja, torna-se incomunicável. A meação do varão será dividida com a companheira, com referência aos bens adquiridos durante o período de convívio. O mesmo cálculo vale em se tratando de duas ou mais uniões estáveis paralelas, quando uma foi constituída muito antes que a outra. Sendo duas uniões estáveis e não se conseguindo definir a prevalência de uma relação sobre a outra, cabe a divisão do acervo patrimonial amealhado durante o período de convívio em três partes iguais, restado um terço para o varão e um terço para cada uma das companheiras.

Na hipótese de falecimento do varão casado, a depender do regime de bens, é necessário afastar a meação da viúva. Apurado o acervo hereditário, excluída a legítima dos herdeiros, a parte disponível será dividida com a companheira, com referência aos bens adquiridos durante o período de convívio. Os mesmo cálculos são necessários quando ocorre o falecimento da companheira e vêm seus herdeiros a Juízo buscar o reconhecimento da união estável. Entendimento em sentido diverso só viria a beneficiar o varão que foi desleal e mais de uma mulher. Em nenhuma dessas hipóteses se faz necessária a prova efetiva da participação na constituição do acervo amealhado. Inexistindo herdeiros na classe dos descendentes e ascendentes, o acervo hereditário deve ser dividido em partes iguais entre a viúva e a convivente.

O Superior Tribunal de Justiça não reconhece a existência de união estável, somente fictícia sociedade de fato, deferindo à mulher, no máximo, indenização por serviços domésticos prestados. Também já determinou a divisão do seguro de vida e a repartição da pensão com a viúva.

- Eudemonista

Surgiu um novo nome para identificar a família pelo seu envolvimento afetivo: família eudemonista, que busca a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de deus membros. O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade. A absorção do princípio eudemonista pelo ordenamento altera o sentido de proteção jurídica da família, deslocando-a da instituição para o sujeito, como se infere da primeira parte do § 8º do artigo 226 da Constituição Federal: “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos componentes que a integram”.

Princípios

Os princípios são normas jurídicas que se distinguem das regras não só porque tem alto grau de generalidade, mas também por serem mandatos de otimização e devem ter conteúdos de validade universal. Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema e violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um princípio mandamental obrigatório, mas a todo sistema de comandos.

Se exceções forem admitidas, não se estará a frente de um princípio, mas a uma regra concorrente ou subordinada a outra que lhe é incompatível ou contrária. Um princípio, para ser reconhecido como tal, deve ser subordinante e não subordinado a regras.

A partir do transbordamento dos princípios constitucionais para todos os ramos do Direito, passou-se a enfrentar o problema do conflito de princípios ou colisão de direitos fundamentais. Nessas hipóteses, é mister invocar o princípio da proporcionalidade que prepondera sobre o princípio da estrita legalidade. Há ponderação entre os princípios e não opção por um deles em detrimento do outro.

Os princípios constitucionais dispõem de primazia diante da lei, sendo a primeira regra a ser invocada em qualquer processo hermenêutico. É equivocada a idéia de que os princípios vêm por último no ato integrativo. Os princípios gerais do Direito são preceitos extraídos implicitamente da legislação pelo método indutivo e cabem ser invocados quando se verifica lacunas na lei. A norma constitucional está no vértice do sistema. Os princípios pairam sobre toda a organização jurídica.

A doutrina e a jurisprudência têm reconhecido inúmeros princípios constitucionais implícitos, cabendo destacar que inexiste hierarquia entre os princípios constitucionais explícitos ou implícitos. Há princípios especiais que são próprios das relações familiares e devem sempre servir de norte na hora de se apreciar qualquer relação que envolva questões de família, despontando entre eles os princípios da solidariedade e da afetividade, destacamos também:

- Monogamia

Não se trata de um princípio do direito estatal de família, mas sim uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, constituídas sob a chancela do Estado. A monogamia é considerada função ordenadora da família.

Em atenção ao preceito monogâmico, o Estado considera crime a bigamia (artigo 235 do CP). Pessoas casadas são impedidas de casar e a bigamia torna nulo o casamento. É anulável a doação feita pelo adúltero a seu cúmplice. A infidelidade serve de fundamento para a ação de separação, pois importa em grave violação dos deveres do casamento, tornado insuportável a vida em comum, de modo a, por si só, comprovar a impossibilidade de comunhão de vida.

- Dignidade da pessoa humana

É o princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito, sendo afirmado já no artigo primeiro da Constituição Federal. A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. É o mais universal de todos os princípios (macroprincípio).

Não representa apenas um limite para a atuação do Estado, mas constitui também um direcionamento para sua ação positiva. Significa, em última análise, igual dignidade para todas as entidades familiares.

- Liberdade

A liberdade e a igualdade – correlacionadas entre si – foram os primeiros princípios reconhecidos como direitos humanos fundamentais, integrando a primeira geração de direitos a garantir o respeito à dignidade da pessoa humana. A isonomia de tratamento jurídico permite que se considerem iguais marido e mulher em relação ao papel que desempenham na chefia da sociedade conjugal.

- Igualdade e respeito à diferença

A supremacia do princípio da igualdade alcançou também os vínculos de filiação, ao ser proibida qualquer designação discriminatória com relação aos filhos havidos ou não da relação de casamento ou por adoção.

Atendendo à ordem constitucional, o Código Civil consagra o princípio da igualdade no âmbito do direito das famílias. A relação de igualdade nas relações familiares deve ser pautada não pela pura e simples igualdade entre iguais, mas pela solidariedade entre seus membros caracterizada da mesma forma pelo afeto e amor.

- Solidariedade familiar

Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende fraternidade é reciprocidade.

- Pluralismo das entidades familiares

Excluir do âmbito da juridicidade entidades familiares que se compõem a partir de um elo de afetividade e que geram comprometimento mútuo e envolvimento pessoal e patrimonial é simplesmente chancelar o enriquecimento injustificado, é ser conivente com a injustiça.

- Proteção integral das crianças, adolescentes e idosos

A maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até os 18 anos, como pessoas em desenvolvimento, os faz destinatários de um tratamento especial. A Carta Constitucional assegura a crianças e adolescentes direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. São colocados a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Também dispõe de assento constitucional a igualdade no âmbito das relações parterno-filiais, de forma a assegurar aos filhos os mesmos direitos e qualificações, vedando designações discrminatórias.

- Proibição de retrocesso social

A consagração constitucional da igualdade, tanto entre homens e mulheres, como entre filhos, e entre as próprias entidades familiares, constitui simultaneamente garantia constitucional e direito subjetivo. Assim, não podem sofrer limitações ou restrições da legislação ordinária.

A partir do momento em que o Estado, em sede constitucional, garante direitos sociais, a realização desses direitos não se constitui somente em uma obrigação positiva para sua satisfação – passa a haver também uma obrigação negativa de não se abster de atuar de modo a assegurar sua realização. Por exemplo, todas as omissões da lei, deixando de nominar a união estável quando se assegura algum privilégio ao casamento, deve ser tidas por inexistentes. Quando a lei fala em união estável, é necessário que o intérprete supra essa lacuna.

- Princípio da afetividade

Ao serem reconhecidas como entidade familiar merecedora da tutela jurídica, as uniões estáveis, que se constituem sem o selo do casamento, tal significa que o afeto, que une e enlaça as duas pessoas, adquiriu reconhecimento e inserção no sistema jurídico. Houve a constitucionalização de um modelo de família eudemonista e igualitário, com maior espaço para o afeto e a realização individual.

Com a consagração do afeito a direito fundamental, resta enfraquecida a resistência dos juristas que não admitem a igualdade entre a filiação biológica e a sociedade afetiva.

O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse do estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeito, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado.

Fonte: Manual do Direito das Famílias. Maria Berenice Dias.