terça-feira, 16 de março de 2010

Teoria da Constituição – Significado, Genealogia e Objeto

A Teoria da Constituição ultrapassa o conhecimento normativo, a análise e a descrição do que é uma Constituição, para abranger o domínio de indagações pertinentes ao que deve ser uma Constituição. A Teoria da Constituição incorpora, neste contexto, dimensões racional-normativas, que se situam na seara da filosofia constitucional. A Teoria da Constituição constitui a chave interpretativa do próprio Direito Constitucional, ao favorecer a descoberta e a investigação das soluções jurídico-constitucionais em sede teorético-constitucional.

A Teoria da Constituição, como conhecimento ordenado, sistematizado e especulativo, examina, identifica e critica os limites, as possibilidades e a força normativa do Direito Constitucional. Descreve e explica os seus fundamentos ideais e materiais, as condições de seu desenvolvimento, dando ênfase nas relações entre e a Constituição e a realidade constitucional.

É preciso considerar, no entanto, que, nada obstante a importância da Teoria da Constituição, neste contexto, Estado e Constituição revezam-se historicamente como conceitos-chave do Direito Público. É que, sem entender o Estado não há como entender a Constituição. E a Constituição deve ser entendida não apenas como norma, mas também como estatuto político, para o que há de se reportar ao Estado, cuja existência concreta é pressuposto de sua existência.

Ocupa-se a Teoria da Constituição em estudar os diversos conceitos de Constituição, o Poder Constituinte e legitimidade da Constituição; reforma constitucional; direitos fundamentais e separação de poderes, como elementos característicos do Estado de Direito; o elemento político da Constituição moderna, na democracia, ou seja, povo, sistema parlamentar; e teoria Constitucional da federação.

Quanto ao lugar teórico da Teoria da Constituição, Canotilho refere-se a ela como: a) teoria política do direito constitucional, porque pretende compreender a ordenação constitucional do político, por meio da análise, discussão e crítica da força normativa, possibilidades e limites do Direito Constitucional; b) teoria científica, porque procura descrever, explicar e refutar os fundamentos, idéias, postulados, construção, estruturas e métodos (dogmática) do Direito Constitucional.

Da perspectiva externa da tensão entre a facticidade social e autocompreensão do Estado Constitucional, a Teoria da Constituição deve alterar seu enfoque interno ao Direito e complementá-lo através do diálogo com as teorias da sociedade e com as teorias políticas, a fim de que possa ultrapassar as abordagens tradicionais acerca da efetividade do Direito Constitucional quer no sentido de uma classificação ontológica da Constituição (Karl Loewenstein), quer no sentido da eficácia social das normas constitucionais (José Afonso da Silva).

A Teoria Constitucional reconstrutiva, cujo aporte metodológico pode ser extraído, seja do discurso de Habermas, seja da teoria da Justiça de Rawls, visa promover a reconstrução da normatividade constitucional em vigor, dando-lhe coerência e integridade. Embora filosófica, não é metafísica, e supera os principais dualismos que a têm caracterizado, em especial os que opõem descrição e prescrição, normatividade e realidade. Para a teoria reconstrutiva, a Constituição não pode ser concebida em termos unilaterais normativos, nem meramente político-sociológicos. O que ela visa é a integração dessas duas dimensões. As cláusulas constitucionais devem ser interpretadas não exclusivamente de acordo com a realidade constitucional, mas em conformidade com normatividade que as legitima.

O desaparecimento do Estado como ponto de arrimo da Teoria da Constitução, a incorporação, no texto constitucional, dos princípios do direito natural, dos princípios da razão, a afirmação do princípio da igualdade, a positivação dos direitos e liberdades, fizeram com que as Constituições fossem reservando para si as idéias de Justiça ou os princípios de Justiça, o que levou a uma sobrecarga do próprio direito constitucional, dissolvendo-se a Teoria da Constituição nas modernas Teoria da Justiça e Teoria do Discurso (John Rawls e Jürgem Habermas). Mas, a despeito disso, a Teoria da Constituição não será consumida pelas Teorias da Justiça e da ação comunicativa, pois é a ela que conduz à reflexão, explicação e justificação das leis fundamentais e dos seus princípios materiais estruturantes.

A partir da década de 50, a Teoria da Constituição, que girava em torno das concepções de unidade de ordem jurídica e da unidade do Estado, passa a captar as dimensões básicas do Estado de Direito Democrático e Constitucional, e à necessidade de compreender a realidade constitucional, nas suas condicionantes socioeconômicas, através da ciência política.

Não há como compreender a Teoria da Constituição fora das teorias de direito, da Justiça, do discurso (Jürgem Habermas, John Rawls, Klaus Günther, Robert Alexy, Ronald Dworkin e Friedrich Müller), dos sistemas (Niklas Lhumann), bem como dos paradigmas do Estado Democrático de Direito.

- Ferdinand Lassalle

Distingue entre Constituições reais e Constituições escritas. As primeiras residem nos fatores reais e efetivos de poder que vigoram na sociedade, que são a força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições políticas da sociedade. A Constituição escrita, a que dá o nome de folha de papel, é a que registra e incorpora aqueles fatores, que se convertem em fatores jurídicos. Quando a Constituição escrita não corresponder à Constituição real, estoura um conflito que não há como evitar e, nessas condições, ou será reformada, para se ajustar aos fatores reais de poder, ou a sociedade, com seu poder inorgânico, acaba para deslocar os pilares que sustentam a Constituição. Trata-se de uma análise sociológica da Constituição, cujos problemas são primariamente de poder e não de direito.

- Hans Kelsen

Concebe o Direito como estrutura normativa, cuja unidade se assenta numa norma fundamental, já que o fundamento de validade de qualquer norma jurídica é a validade de outra norma, ou seja, uma norma superior. Há uma estrutura hierárquica de diferentes graus do processo de criação do Direito, que desemboca numa forma fundamental, que, no sentido positivo é representada pela Constituição. Já no sentido lógico-jurídico, a Constituição consiste na norma fundamental, hipotética, pressuposta e não posta pela autoridade.

De acordo com a Teoria Pura do Direito, Kelsen destaca vários significados de Constituição: 1) Constituição, no sentido material compreende o conjunto de normas que regulam a criação dos preceitos jurídicos gerais e prescrevem o processo que deve ser seguido em sua elaboração; 2) Constituição, no sentido amplo, compreende as normas que estabelecem as relações dos súditos com o Poder Estatal; 3) Constituição, no sentido formal, consiste no conjunto de normas jurídicas que só podem ser modificadas mediante a observância de prescrições especiais, que têm por objetivo dificultar a modificação das normas; 4) Constituição, em teoria política, refere-se às normas que regulam a criação e a competência dos órgãos legislativos, executivos e judiciários.

- Ernst Forsthoff

Compreende a Constituição como garantia do status quo econônimico e social. A Teoria da Constituição de Forsthoff é ainda a de um Estado de Direito formal, cuja constituição é um sistema de artifícios técnico-jurídicos, e cuja garantia reside, portanto, na neutralidade da lei fundamental. O Estado social assim delineado, não tem natureza normativa, programática ou institucional, mas é apenas uma realidade fática e jurídica, cabendo ao governo e à administração harmonizar a proteção do sistema de distribuição de bens com uma redistribuição do produto social. Os pressupostos ideológico-políticos da Teoria Constitucional de Forsthoff tem como base uma Teoria do Estado retrospectiva e não prospectiva. O Estado Constitucional Democrático, na sua realização, não é problematizado, mesmo porque o próprio parlamento é considerado sob o ponto de vista do legislador do Estado de Direito e não como órgão democrático.

- Hermann Heller

O problema da tensão entre o Estado, constituição e realidade constitucional foi enfrentado com a formulação de uma teoria democrática do estado. Para Heller, não podem ser complemente separados o dinâmico e o estático, a normalidade e a normatividade, o ser e o dever ser no conceito de Constituição. Em toda Constituição estatal, e como conteúdos parciais da Constituição política total, cabe distinguir a Constituição não normada e a normada, e nesta, a normada extrajuridicamente e a que é juridicamente. A Constituição normada pelo Direito é a Constituição organizada. A Constituição não é processo, mas produto; não é atividade, mas forma de atividade, forma aberta pela qual passa a vida, forma nascida da vida. A permanência da Constituição se dá através da mudança de tempo e pessoas, graças à probabilidade de se repetir no futuro o comportamento que com ela está de acordo. E para que uma Constituição seja Constituição, isto é, algo mais que uma relação fática, e instável de domínio, necessita de uma justificação segundo princípios éticos de direito.

- Carl Schmitt

Desenvolveu uma Teoria da Constituição concentrada em categoria normalistas, como ordem total, ordem concreta, direito-situação, constituição-decisão, constituição e lei constitucional, amigo-inimigo, que acabaram por servir de pilares e suporte dogmático para a teoria do direito e do estado nacional-socialista. Schmitt, ao sustentar que a essência da Constituição está no conjunto de decisões políticas fundamentais do poder constituinte, que refletem a realidade do povo, distingue quatro conceitos básicos de Constituição: o conceito absoluto (a Constituição como um todo unitário), o conceito relativo (a Constituição como uma pluralidade de leis particulares), o conceito positivo (a Constituição como decisão de conjunto sobre o modo e a forma da unidade política) e o conceito ideal (a Constituição assim chamada em sentido distintivo e com certo conteúdo).

- Rudolf Smend

Formulou, ao enfrentar o problema da homogeneidade política da República de Weimar, a teoria da integração, como modo de compreensão do direito constitucional e da realidade constitucional. A substância da vida política, para Smend, consiste numa integração dialética de indivíduo, coletividade e Estado, sendo que a Constituição aparece como ordem jurídica do processo – pessoal, funcional e real – de integração.

- Constantino Mortati

Considera a Constituição como categoria central do direito público, cuja função é a de compor a unidade entre Estado e sociedade. A Constituição emana de forças político-sociais dominantes, historicamente determinadas, que também garantem a observância de seus limites, mesmo com mudanças no texto constitucional. A Constituição material é o núcleo essencial de fins e de forças que regem qualquer ordenamento positivo. Ela engloba também a Constituição formal, a qual adquirirá maior capacidade vinculativa quanto mais o seu conteúdo corresponder à realidade social e quanto mais esta se estabilizar num sistema harmônico de relações sociais. A essência da Constituição, portanto, não está na juridicidade, mas nas determinações de forças político-sociais dominante, em especial, os partidos políticos, que compunham a Constituição material.

- Maurice Hauriou

Desenvolveu uma teoria institucionalista da Constituição. Para Hauriou, o Estado distingue-se da sociedade e a função daquele é a de protegê-la. São quatro os fatores cuja ação determina o regime constitucional: o poder, a ordem, o Estado e a liberdade. A constituição de um país, cujo estudo é objeto do Direito Constitucional possui dupla dimensão: i) a constituição política do Estado, que compreende a organização e o funcionamento do governo, e a organização da liberdade política, é dizer, a participação dos cidadãos no governo, expressando-se, pois, num conjunto de regras jurídicas e de instituições; ii) a constituição social que, sob vários pontos de vista, é mais importante que sua constituição política, e que, a seu turno, compreende: a) as liberdades individuais que formam a base da estrutura da sociedade civil; b) as instituições sociais espontâneas que estão ao serviço e proteção das liberdades civis e de suas atividades.

- Karl Loewenstein

Examina temas relativos ao processo político e controles do poder político. Distingue constituições originárias, que são aquelas que apresentam um princípio político novo, verdadeiramente criador e, portanto, original para um processo do poder político e para a formação da vontade estatal; e constituições derivadas, que não inovam, que seguem fundamentalmente nos modelos constitucionais nacionais e estrangeiros, levando em conta somente uma adaptação às necessidades nacionais. Formula, ainda, classificação das constituições, denominada de ontológica, em constituições normativas, nominais e semânticas.

- Georges Burdeau

Tem a Constituição como ato determinante da idéia de Direito e regra de organização do exercício das funções estatais. No sentido institucional e jurídico, a Constituição estabelece no Estado a autoridade de um poder de Direito, tendo por referência uma idéia de Direito, origem exclusiva da sua autoridade. O Estado, para Burdeau, é um poder a serviço de uma idéia e a Constituição o seu fundamento jurídico.

- Konrad Hesse

Teoriza a Constituição como ordem jurídica fundamental e aberta da comunidade. A função da Constituição é buscar a unidade política do Estado e da ordem jurídica. Somente por meio da cooperação planificada e, portanto, organizada, pode surgir a unidade política. A qualidade da Constituição é a de constituir, estabilizar, racionalizar e limitar o poder e, desse modo, assegurar a liberdade individual. A Constituição, se pretender tornar possível a resolução de múltiplas situações, haverá de ser necessariamente aberta ao tempo. A Constituição não se dissolve em uma absoluta dinâmica, pois estabelece também aquilo que não deve ficar aberto: os fundamentos da ordem da comunidade, a estrutura estatal e o procedimento pelo qual hão de se decidir as questões deixadas em aberto. A força e a eficácia da Constituição sobressaem da capacidade de atuar na vida política, das circunstâncias e da situação histórica e, em especial, da vontade da Constituição, que, por seu turno, procede de uma tríplice raiz: da consciência da necessidade e do valor específico de uma ordem objetiva e normativa que afaste o arbítrio; da convicção de que esta ordem estabelecida pela Constituição é não só legítima, mas também que necessita de contínua legitimação; da convicção de que se trata de uma ordem a realizar mediante atos de vontade daqueles no processo constitucional.

- Franco Modugno

Promove uma reconstrução teórica, relativamente à idéia de Constituição, em que a concebe como um processo e não como um dado. Busca superar o sociologismo, mas evita regressar a um modelo formal de feição kelsiana. Distingue três momentos constitutivos, nesse processo: norma fundamental, formal real de governo e produção normativa. Sendo a organização do poder a realidade positiva da Constituição, a efetiva manifestação de sua existência objetiva é o seu conceito ou valor. E este conceito ou valor, em sentido material, configura-se como princípio da legislação ordinária primária e geral e como parâmetro de sua constitucionalidade.

- Krüger

Retoma e complemente a teoria integracionista de Smend. Concebe a Constituição como programa de integração e como programa de representação nacional. Uma Constituição não deve orientar-se por um maximalismo constitucional, que levaria à idéia de que quanto maior constitucionalização de matérias houver, melhor será uma Constituição, mas deve conter aquilo que disser respeito à comunidade, à nação, à totalidade política. Atribuir dignidade constitucional à subconstituições significa uma perda de capacidade de ação do Estado.

- Peter Häberle

Concebe a Constituição como um processo público. A Constituição se insere no moderno estado constitucional de sociedade aberta de seus intérpretes, pois como lei fragmentária e indeterminada carece de interpretação. Para Häberle, a verdadeira Constituição é sempre o resultado de um processo de interpretação, conduzido à luz da publicidade. A abertura e a pluralidade de interpretação caracterizam a Constituição como um processo, em vez de conteúdo. A teoria da sociedade é a teoria da sociedade aberta. A teoria da constituição, a idéia da possibilidade mantém aberta a Constituição viva, na sua realidade e publicidade em relação à legiferação, administração, jurisprudência, política, dogmática. Sendo a Constituição um obra aberta, a interpretação não averigua o conteúdo objetivo das normas constitucionais e muito menos a vontade do legislador, mas é um processo desdogmatizado, que se situa no tempo, capta as experiências e as mudanças. A Constituição, embora permaneça como uma ordem jurídica do Estado e da sociedade, deve, com ordem-quadro ser reduzida ao mínimo, para que possa inclui estruturas fundamentais da sociedade plural, por ser uma Constituição plural, que vai alem da lei fundamental escrita.

- Gomes Canotilho

Buscou dar efetividade à Constituição, pela concepção da denominada “Constituição Dirigente”, a serviço da ampliação das tarefas do Estado e da incorporação dos fins econômico-sociais normativamente vinculantes das instâncias de regulação jurídica. Numa outra fase de seu pensamento, Canotilho abrandou o seu posicionamento, sem, contudo, abandonar a preocupação em otimizar as funções gramática e de garantia da Constituição.

- Jorge Miranda

Adota uma posição, no âmbito da teoria constitucional, que se poderia denominar de “jusnaturalismo temperado por um neo-institucionalismo”, ao considerar a Constituição como elemento conformado e conformador de relações sociais, bem como resultado e fator de integração política. A Constituição, ainda é mais do que isso: é a expressão imediata dos valores jurídicos básicos acolhidos ou dominantes na comunidade política, a sede da idéia de Direito nela triunfante, o quadro de referência do poder político que se pretende ao serviço dessa idéia e o instrumento último de reivindicação da segurança dos cidadãos frente ao poder.

- Carlos Ayres Britto

Esclarece que a teoria, como conhecimento ordenado, sistematizado, quando grafado de Teoria da Constituição: “é saber especulativo que opera no interior do próprio Direito, para separar o Direito Constitucional de qualquer outro setor ou província jurídica; melhor dizendo, para evidenciar que a Constituição: a) é diploma jurídico-positivo diferente dos demais; b) é a parte central de um ramo jurídico também diferenciado das outras porções que se entroncam na grande árvore do Direito”.

- Jürgen Habermas

As bases normativas da teoria social crítica de Habermas e que se encontram na compreensão adequada da ação comunicativa, acham-se nos imperativos categóricos de Kant, que são ampliados. Segundo a concepção teorética da comunicação, acerca da ação social, o que torna possível a ação coordenada é nossa capacidade de chegar a um entendimento mútuo sobre alguma coisa, a partir de uma razão que uma sem apagar a separação, que ligue sem negar as diferenças, que indique o comum e o compartilhado entre estranhos sem privar o outro da condição de outro.

Afasta-se, pois, Habermas, da epistemologia positivista. Para ele, a afirmação verdadeira não é aquela que corresponde a um objeto ou a uma relação real, mas uma afirmação considerada válida num processo de argumentação discursiva. A verdade, neste horizonte, não se acha no conteúdo, mas no procedimento. Os argumentos de Habermas incorporam elementos pragmáticos e transcendentais e se relacionam de modo indissociável. A verdade é substituída pelo consenso, a moral verdadeira pela moral consensual. A verdade é algo definido pela maioria democrática.

A teoria da ação comunicativa será posteriormente desenvolvida por Habermas a partir de teorias diferenciadas: uma teoria sociológica do direito e uma teoria filosófica da Justiça. Para que a constituição das normas de direito e sua operacionalidade ocorram de forma democrática no mundo da vida é preciso que isso se dê como resultado de um compartilhamento intersubjetivo ativos dos sujeitos de direito, sob pena de gerar um esvaziamento de sua legitimidade, eficácia e identidade fática.

- John Rawls

Concebe a Justiça como o fundamento da estrutura social e, por isso, todas as decisões políticas e legislativas devem sujeitar-se aos limites impostos pelos princípios da Justiça. Rawls parte da idéia de posição original, que consiste na situação hipotética na qual os negociadores dos princípios da Justiça, que hão de prevalecer, possuem uma sabedoria geral e uma ignorância particular. Existe para este grupo de pessoas o constrangimento adicional que Rawls chama de véu de ignorância, ou seja, os negociadores não têm conhecimento algum de fatos particulares referentes a eles próprios e aos outros. A finalidade do véu de ignorância é eliminar da negociação qualquer possibilidade dos participantes protegerem seus próprios interesses a custa dos interesses dos outros.

As partes contratantes, na posição original, terão de alcançar finalmente o conceito de princípios fundamentais de Justiça: a liberdade e a diferença. Cada pessoa deve ter uma liberdade máxima. O princípio da liberdade não pode razoavelmente exigir a oferta incondicional da liberdade total a todos, mas a liberdade de cada um deve ser contida pela necessidade de proteger a liberdade de cada um.

Como haverá a percepção de que as partes contratantes poderão se beneficiar com a introdução de vantagens, emerge o princípio de que as desigualdades sociais e econômicas devem ser organizadas de modo a trazer os maiores benefícios aos menos favorecidos e propiciar posições acessíveis a todos em condições de uma justa igualdade de oportunidade para todos.

Após estabelecer os princípios da Justiça, Rawls passa a examinar o estabelecimento da rodem social nos limites desses princípios, os quais definirão uma concepção política exeqüível. As partes contratantes, quando chegam ao conceito selecionado de Justiça, o véu de ignorância se levanta parcialmente e agora têm de estruturar uma constituição especificando os poderes do governo e os direitos básicos dos cidadãos. A Constituição escolhida é a que satisfaz os princípios de Justiça de modo a gerar uma legislação justa e eficiente, bem como terá de proteger a liberdade de consciência e de pensamento, a liberdade da pessoa e a igualdade dos direitos políticos. Desse modo, o princípio de Justiça que mais pesa ao nível constitucional é o princípio da liberdade.

Estabelecida uma Constituição justa, os negociadores, em um novo estágio, tornam-se legisladores, em que o véu de ignorância se levanta mais um pouco. A paisagem completa dos fatos econômicos e sociais torna-se parte do conhecimento dos negociadores. O princípio da diferença exige que as políticas sociais e econômicas visem maximizar as expectativas a longo prazo dos menos favorecidos em condições de um justa igualdade de oportunidades, com a exclusão de leis que favoreçam os privilegiados, já que injustas, a não ser que resultem em benefícios em prol dos menos favorecidos. Rawls, portanto, apóia o privilégio, desde que seja para melhorar a situação dos menos privilegiados.

- Ronald Dworkin

A filosofia do Direito tem uma função legitimadora, na medida em que reforça os direitos individuais, em especial a igualdade, como base do liberalismo. Reconhece a existência, em favor dos indivíduos, de outros direitos além daqueles criados explicitamente pela legislação, pelos costumes ou pelo precedente judicial:são direitos cuja fonte reside em outras pautas de regulação de conduta, ainda que se trate de um caso controverso (hard case), e que podem decorrer dos princípios ou políticas públicas.

O Direito, para Dworkin, deve ser compreendido com integridade, que pressupõe um dinamismo e uma permanente transformação, sem deixar de ser coerente. Assim, o Direito não é concebido como um sistema fechado de regras, como postula o positivismo, já que regras e princípios, embora diferentes, são normas que vinculam. A diferença entre regras é princípios não é de importância, mas de qualidade. Havendo conflito de regras, uma delas deve desaparecer da ordem jurídica, ou seja, as regras funcionam à maneira de um tudo ou nada, enquanto os princípios, quando em colisão, não levam à revogação de um deles, mas o conflito é solucionado na esfera de um princípio e o afastamento de outro, que não acarreta a revogação do princípio afastado, mas apenas a consideração de que não era adequado para regular a situação específica. Os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de importância ou de peso.

Fonte: Direito Constitucional. Kildare Gonçalves Carvalho.