quarta-feira, 9 de junho de 2010

Normas Constitucionais

Todas as normas constitucionais são dotadas de juridicidade. A Constituição não contém conselhos, exortações, regras morais, ou seja, normas de caráter não-jurídico. As normas constitucionais são normas primárias do ordenamento jurídico, constituem a fonte primária, o alicerce, a base de qualquer ordenamento jurídico.

A superioridade hierárquica designa que as normas constitucionais configuram o fundamento de validade, imediato ou mediato, de todas as normas legais que integram o mesmo ordenamento jurídico, por causa da potência da qual são emanadas (poder constituinte originário), com efeito no controle de constitucionalidade (jurisdição constitucionais orgânica).

Destacam-se, quanto à imperatividade, as normas constitucionais mandatórias, cujo caráter imperativo revela-se em determinar uma conduta positiva ou uma omissão, um agir ou não-agir, pelo que se distinguem em normas percpetivas ou imperativas (as quais impõem uma conduta positiva) e em proibitivas (as que impõem uma omissão, uma conduta omissiva, um não-fazer). Em contraponto, há as normas constitucionais diretivas consideradas apenas como uma espécie de orientação ao legislador futuro, mas que são desprovidas de juridicidade, caso em que estaríamos diante de norma vazia, sem eficácia normativa.

Validade significa a qualidade da norma produzida em consonância com o ordenamento constitucional. Considera-se, pois, como válida aquela norma que existe e que foi produzida pelo órgão competente, mediante procedimento adequado previsto em outra norma superior.

A norma inferior para ser válida, deverá retirar esta validade de uma norma imediatamente superior. Se a norma paradigma é a constitucional, a invalidade quer dizer inconstitucionalidade; se a norma paradigma corresponde a uma norma infraconstitucional, a validade quer dizer ilegalidade.

Vigência consiste na existência jurídica da norma. É a qualidade da norma que a faz existir juridicamente, tornando-a de observância obrigatória. A vigência decorre da presença de todos os elementos constitutivos da norma, de modo que o defeito ou a ausência de um dos pressupostos materiais de incidência normativa impede o seu vigor. Em regra geral, as leis trazem cláusula de vigência, que determina o momento em que entrarão em vigor.

Positividade é termo que pode ter diversos significados. Dentre eles, ressalte-se o que identifica com eficácia, ou seja, positividade nada mais é do que o fato da observância da norma, e o que significa a individualização do direito, vale dizer, só é direito positivo aquele que se vai concretizando progressivamente, entendido como positivo o direito posto pelo Estado, que se opõe ao direito natural.

Eficácia consiste na aptidão da norma para produzir os efeitos próprios das normas jurídicas, é dizer, a qualidade de a norma vigente produzir efeitos jurídicos em relação à sua observância pelos seus destinatários.

A eficácia social designa uma efetiva conduta acorde com a prevista pela norma; refere-se ao fato de que a norma é realmente obedecida e aplicada; nesse sentido, a eficácia da norma diz respeito, na lição de Kelsen, ao fato real de que ela é efetivamente aplicada e seguida, da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos.

A eficácia jurídica da norma designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, as relações e comportamentos nela indicados; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica.

Luís Roberto Barroso distingue efetividade de eficácia, pois enquanto esta é a aptidão formal da norma jurídica para produzir efeitos próprios, aquela é a aptidão da norma jurídica cumprida por grande parte da coletividade, com a identidade entre a conduta prescrita e o comportamento social.

Quanto à aplicabilidade, algumas normas são dotadas de eficácia plena e com imediata aplicação, e outras dependentes de complementação, ou de eficácia limitada, que podem ser de legislação e programáticas. As normas de eficácia limitada de legislação são insuscetíveis de aplicação imediata por razões técnicas e aludem a uma norma futura que determinará seus limites, e as normas programáticas, que se dirigem aos órgãos estatais, em especial o legislativo, são normas jurídicas eficazes, em virtude de sua eficácia negativa, isto é, paralisante dos efeitos de toda e qualquer norma jurídica contrária a seus comandos.

Toda e qualquer norma tem eficácia ou algum tipo desta, podendo variar entre um mínimo e um máximo, de acordo com a seguinte classificação: normas constitucionais de eficácia plena e normas constitucionais de eficácia reduzida. As normas constitucionais de eficácia plena produzem desde o momento de sua promulgação, todos os efeitos essenciais, isto é, todos os objetivos especialmente visados pelo legislador constituinte, porque criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui o objeto. As normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida são aquelas normas que não produzem, logo ao serem promulgadas, todos os efeitos essenciais, porque não se estabeleceu sobre a matéria uma normatividade suficiente para isso, deixando total ou parcialmente essa tarefa ao legislador ordinário.

Quanto ao objeto, as normas constitucionais podem ser classificadas em substantivas e adjetivas de garantia. As primeiras configuram o esqueleto jurídico e político do modelo de sociedade ínsito na Constituição, enquanto que as normas adjetivas ou de garantia surgem como acessórios daquelas e visam promover o seu cumprimento, através e meios preventivos ou repressivos.

As normas substantivas compreendem as normas materiais de fundo (regulam matéria constitucional relativa aos fins do Estado e à sua estrutura, com particular relevo para a estrutura econômica e os direitos fundamentais dos cidadãos), as normas orgânicas ou de competência (tratam da organização do poder político e estabelecem a competência dos órgãos que o compõem), e as normas processuais ou de forma, que dispõem sobre o processo de formação e expressão da vontade política (normas referentes ao processo de revisão constitucional e normas relativas aos processos de atuação dos órgãos constituídos).

Em relação à eficácia, as normas constitucionais são perceptivas (as que têm aplicação imediata, vinculando todos os sujeitos de direito, quer públicos ou privados, inclusive o legislador ordinário), e as normas constitucionais programáticas (as que são de aplicação diferida e mediata, e se dirigem ao legislador ordinário, de cuja intervenção depende sua exeqüibilidade).

A classificação de Jorge Miranda alude às normas constitucionais perceptivas e programáticas, bem como às normas constitucionais exeqüíveis e não exeqüíveis por si mesmas: as primeiras aplicáveis só por si, sem necessidade de lei que as complemente, e as segundas carecidas de normas legislativas que as tornem plenamente aplicáveis às situações da vida.

Entre nós, José Afonso da Silva estabelece a seguinte classificação:

- normas constitucionais de eficácia plena: aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular;

- normas constitucionais de eficácia contida: aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos em que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados. Enquanto não sobrevier legislação posterior que a restrinja, sua eficácia é plena;

- normas constitucionais de eficácia limitada: compreende as normas constitucionais de princípio institutivo, como aquelas através das quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei. Englobam também as normas constitucionais de princípio programático, como aquelas através das quais o constituinte, em vez de regular, direta ou indiretamente, determinados interesses limita-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. As normas programáticas possuem condições gerais, mas não totais de aplicabilidade.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho distingue duas espécies de normas constitucionais quanto à aplicabiliade: i) normas imediatamente exeqüíveis; ii) normas não exeqüíveis por si mesmas. As primeiras são as normas completas, bastantes em si mesmas, portanto, auto-executáveis; as segundas, as que dependem de instância complementar. Estas últimas apresentam quatro tipos: a) normas incompletas (regras que não prescindem de outras que as desdobrem, regulamentem); b) normas condicionadas (regras que, embora completas, foram condicionadas pelo constituinte à futura edição de lei que propicie o início de sua execução); c) normas programáticas (cuja execução reclama não só uma complementação normativa, mas igualmente, uma terceira instância política, administrativa e material, sem a qual elas não terão condições de efetivação no mundo real); d) normas de estruturação (que prevêem a instituição de órgãos ou entes sociais ou tratamento sistemático e global de um setor de atividade, mormente econômico).

Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto classificam as normas constitucionais a partir de sua vocação para atuarem com ou sem o concurso de outra vontade modeladora de comandos em normas constitucionais de mera aplicação, e de integração que, a seu turno, podem ser completáveis ou restringíveis. Segundo os autores, é a partir da vocação das regras constitucionais para atuarem com ou sem o concurso de outra vontade modeladora de seus comandos, que podemos classificá-las em normas de mera aplicação e normas de integração. Aplicação atinente à estruturação pura e simples daquela vontade constitucional que, sobre ser de plena eficacidade, não se acasala com nenhum outro querer legislativo de menor hierarquia. Integração, no sentido de íntima composição de duas vontades legislativas vocacionadas para a coalescência, uma de escalão constitucional e outra de graduação ordinária, ainda que a primeira seja de eficácia plena. As normas constitucionais restringíveis só podem ser completadas por expressa dicção constitucional, enquanto que as normas constitucionais completáveis podem existir tanto no silêncio quanto na explícita avocação do texto constitucional.

A seu turno, Luís Roberto Barroso apresenta uma classificação das normas constitucionais partindo da constatação de que os valores a serem protegidos e os fins a serem buscados pela ordem jurídica não se resumem a uma questão jurídica, e sim política, que uma vez consumada pelo órgão próprio, ela se exterioriza e se formaliza pela via do Direito.

De acordo com o citado autor, as normas constitucionais seguem a seguinte classificação: a) normas constitucionais de organização, que se dirigem aos poderes do Estado e seus agentes, podendo, no entanto, repercutir na esfera dos indivíduos, e podem veicular as decisões políticas fundamentais, definir as competências dos órgãos constitucionais, criar órgãos públicos e estabelecer processos e procedimentos de revisão da própria Constituição; b) normas constitucionais definidoras de direito, que gravitam em torno do que se denomina de direito subjetivo, as quais, considerando a posição dos jurisdicionados frente a elas, se distribuem em três grupos: as que geram situações prontamente desfrutáveis, dependentes apenas de uma abstenção; as que ensejam a exigibilidade de prestações positivas do Estado; as que contemplam interesses cuja realização depende da edição de norma infraconstitucional integradora; c) normas constitucionais programáticas, que, ao indicar fins a serem alcançados, estabelecem determinados princípios ou programas de ação para o Poder Público.

Embora jurídicas, nem todas as normas da Constituição têm o mesmo nível de eficácia, algumas produzindo, desde a sua vigência, efeitos jurídicos imediatos, incidindo sobre os comportamentos ou interesses, objeto de sua regulamentação (as absolutas não podendo ser emendadas e paralisando toda a legislação com elas conflitante, e as plenas admitindo emenda), e outras reclamando a intervenção legislativa para que sejam plenamente eficazes e positivas.

Quanto às lacunas na Constituição, tradicionalmente, são de três espécies: intra legem, praeter ou contra legem. A lacuna intra legem é resultante de uma omissão do legislador, quando, por exemplo, a lei prescreve a elaboração de dispositivos complementares que não foram promulgados. A lacuna praeter legem é uma lacuna axiológica, criada pelos intérpretes, que pretendem que certa área deveria ser regida por uma disposição normativa, quando não o é expressamente. A lacuna contra legem, que vai de encontro às disposições expressas da lei, é também criada pelos intérpretes, que, desejando evitar a aplicação da lei, em dada espécie, restringem-lhe o alcance introduzindo um princípio geral que a limita.

Tem-se entendido que as lacunas constitucionais não se confundem com as omissões legislativas (a Constituição deixa o preenchimento de normas constitucionais não auto-executáveis para o legislador infraconstitucional), nem com a chamada matéria não regulada, que caracteriza uma omissão desejada pelo constituinte, dentro de sua liberdade de conformação do texto constitucional.

As lacunas constitucionais ocorrem quando certas matérias que deveriam ter solução na própria Constituição não vêm nela explicitadas, valendo-se então o intérprete de regras de integração, tais como a analogia e os princípios gerais do direito.

É preciso notar, contudo, que quando se trata de omissões legislativas, somente se deve reconhecê-las quando não se puder extrair da norma constitucional o máximo de eficácia que a sua formulação lingüística, a sua logicidade, a sua história e a sua teleologia permitirem, dando-se, deste modo, à Constituição maior operatividade, à considerando ainda de que o Direito subconstitucional é que apanha as sobras do que a Lei Maior não quis, ou não pode reservar para si mesma com exclusividade.

A vigência de uma nova Constituição acarreta a cessação da vigência das normas constitucionais anteriores. Pode ocorrer, no entanto, que a nova Constituição declare que determinadas regras da Constituição anterior continuem em vigor transitoriamente, ou passem da categoria de normas constitucionais para normas de direito ordinário: neste último caso, ocorre o fenômeno da desconstitucionalização.

Pela desconstitucionalização, as normas formalmente constitucionais do regime anterior perdem o caráter hierárquico superior, continuando a vigorar como legislação infraconstitucional. Necessário, para tanto, que haja disposição expressa neste sentido da nova Constituição, pois se assim não se proceder, tem-se que nada da Constituição pretérita sobrevive.

As disposições constitucionais passíveis de desconstitucionalização são as de natureza formal, sem disporem de natureza material, pois sempre foram disposições de lei ordinária pela sua matéria. Admite-se, no entanto, que mesmo alguns dispositivos materialmente constitucionais possam ser desconstitucionalizados, desde que não acobertados pelos limites do poder de reforma.

A regra geral é que as leis ordinárias anteriores constituem em vigor, desde que compatíveis com a Constituição superveniente, no caso, recepção do direito ordinário pelas normas constitucionais. Recebidas pela Constituição, as leis ordinárias anteriores submetem-se aos princípios e valores da Constituição superveniente, que também lhes serve de fundamento de validade, devendo ainda ser interpretadas segundo os novos princípios constitucionais. Ocorrendo incompatibilidade entre o direito ordinário e as normas constitucionais novas, ainda que programáticas, aquele não poderá sobreviver, deixando assim de vigorar.

O princípio da recepção não ocorre na hipótese de revisão ou emenda à Constituição, que pressupõe, sempre, a existência da Constituição, que, inclusive, estabelece os limites para o exercício do Poder de Reforma. Sendo assim, o direito ordinário anterior à revisão ou emenda ao texto constitucional continuará válido se compatível com a Constituição, ou inválido se com ela desconforme.

Não se admite, ainda, convalidação ou repristinação da legislação ordinária, que, incompatível com a Constituição anterior, tenha adquirido conformidade com o texto constitucional atual. É que a norma revogada não renasce com a revogação da que havia revogado, a não ser que haja expressa previsão normativa.

Na hipótese de colisão entre o direito anterior e a Constituição posterior, não haverá recepção. Como, no entanto, resolver a incompatibilidade? Há autores que consideram tratar de inconstitucionalidade, que denominam inconstitucionalidade superveniente, e outros a sustentar que o conflito deve ser resolvido com a aplicação do direito intertemporal, ou seja, do princípio de que Lex posterior derogat priori, posição que vem sendo adotada pelo Supremo Tribunal Federal.

Pode-se afirmar que o princípio lex posterior derogat priori pressupõe, fundamentalmente, a existência de densidade normativa idêntica ou semelhante, estando, principalmente, orientado para a substituição do direito antigo pelo direito novo. A Constituição não se destina, todavia, a substituir normas de direito ordinário: há de se partir do princípio de que, em caso de colisão de normas de diferentes hierarquias, o postulado lex superior afasta outras regras de colisão. Do contrário, chegaria ao absurdo de que a lei ordinária, enquanto leito especial ou lex posterior, pudesse afastar a norma constitucional enquanto lex generalis ou lex prior.

A Lei n.º 9.882/99, que disciplina a argüição de preceito fundamental, estabeleceu expressamente em seu artigo 1º, parágrafo único, inciso I, a possibilidade de exame da compatibilidade do direito pré-constitucional com norma da Constituição Federal. Desse modo, toda vez que ocorrer controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito federal, estadual ou municipal anteriores à Constituição em face de preceitos fundamentais, admissível será a propositura da argüição de descumprimento, por qualquer dos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade.

São considerados válidos os atos normativos que, ao serem recebidos pela Constituição superveniente, têm seu figurino alterado, passando a matéria de que cuidam ser objeto de nova espécie normativa. Assim, matéria que anteriormente era tratada por lei ordinária pode passar à categoria de lei complementar, decreto que tinha força de lei pode vir a ser objeto de lei, não se invalidando, por esse fato, as normas anteriores que são recebidas pela nova Constituição.

Fonte: Direito Constitucional. Kildare Gonçalves Carvalho.