terça-feira, 8 de junho de 2010

Providências Preliminares e Julgamento Conforme o Estado do Processo

Apresentada ou não a resposta do réu, inicia-se uma fase do procedimento ordinário que se denomina fase de saneamento ou fase do ordenamento do processo. É importante notar que a atividade do saneamento não se esgota nessa fase, que se caracteriza, apenas, pela concentração de atos de regularização do processo. É que, desde o momento em que recebe a petição inicial, pode o magistrado tomar providências para regularizar eventuais defeitos processuais. O dever de o Juiz sanear o processo deve ser exercido ao longo de todo o procedimento, mas há uma fase em que sua atuação revela-se mais concentrada.

Constituem providências preliminares:

- tendo sido apresentada defesa indireta, deve o Juiz intimar o autor para que apresente sua réplica, no prazo de 10 dias. Se a defesa for direta, não haverá intimação para réplica. Se o autor trouxer documentos na réplica, o réu deverá ser intimado para manifestar-se sobre eles, no prazo de 05 dias;

- se o réu apresentar defesa direta, mas trouxer documentos, deve o magistrado intimar o autor para manifestar-se sobre eles, no prazo de 05 dias;

- se o réu apresentar defesa direta, consistente na negação da relação jurídica prejudicial deduzida pelo autor, deve o Juiz intimá-lo, para que possa, querendo, em 10 dias promover ação declaratória incidental, ampliando o objeto litigioso do processo;

- se há defeitos processuais que possam ser corrigidos, inclusive aqueles relacionados aos requisitos de admissibilidade do procedimento, deve o Juiz providenciar sua correção, fixando, para tanto, prazo não superior a 30 dias;

- se houve revelia, deve o magistrado verificar a regularidade da citação;

- se, não obstante a revelia, a confissão ficta não se tiver produzido, deve o magistrado intimar o autor para especificar as provas que pretenda produzir em audiência. O prazo para especificação de provas é de 05 dias;

- se a revelia decorrer da citação ficta, deve o magistrado designar curador especial;

- se o réu reconveio, deve o magistrado intimar o autor para contestá-la, em 15 dias. É possível, assim, que o autor seja intimado para replicar, em 10 dias, e contestar a reconvenção, em 15 dias. Poderá apresentar as suas manifestações em 10 dias, mas não poderá replicar em 15 dias, valendo-se do prazo maior da reconvenção;

- se o réu promover denunciação a lide, chamamento ao processo ou nomeação à autoria, o magistrado tomará as providências inerentes a essas intervenções, tal como determinar a comunicação do terceiro cujo ingresso no processo se pleiteia;

- o magistrado deve verificar se é o caso de intervenção do Ministério Público ou de qualquer órgão/entidade cuja presença no processo seja obrigatória, por força de lei.

Depois de cumpridas as providências preliminares ou não havendo necessidade delas, o magistrado examinará o processo para que tome uma dessas decisões: a) extingue-o sem julgamento do mérito; b) extingue-o, com julgamento do mérito, em razão de autocomposição total; c) extingue-o com julgamento do mérito pela verificação da ocorrência da decadência ou prescrição; d) julga antecipadamente o mérito da causa; e) marca audiência preliminar de conciliação; f) não sendo o caso de audiência preliminar, determina imediatamente a realização da audiência de instrução e julgamento, proferindo o chamado “despacho saneador”, ordenando o processo para a fase probatória; g) profere uma decisão parcial, com o conteúdo dos artigos 267 ou 269 do Código de Processo Civil, mas sem extinguir o processo, pois diz respeito a uma parcela do objeto litigioso.

Após as providências preliminares, o magistrado deve proferir uma decisão que se denomina julgamento conforme o estado do processo. Trata-se de decisão de mérito em que se decide o objeto litigioso, julgando procedente ou improcedente a demanda formulada.

Perceba-se que há em outras duas variantes do julgamento conforme o estado do processo há, também, exame do mérito: a) extinção por autocomposição (reconhecimento da procedência do pedido, transação ou renúncia ao direito sobre o que se funda a demanda); b) extinção pelo reconhecimento da prescrição ou decadência.

O julgamento antecipado da lide é uma decisão de mérito, fundada em cognição exauriente, proferida após a fase se saneamento do processo, em que o magistrado reconhece a desnecessidade de produção de mais provas em audiência de instrução e julgamento. É uma técnica de abreviação do processo, manifestação do princípio da adaptabilidade do procedimento.

O artigo 330 do Código de Processo Civil prevê as hipóteses em que se admite o julgamento antecipado da lide: i) quando a questão de mérito for unidamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; ii) quando ocorrer a revelia.

O princípio da cooperação impõe que o magistrado comunique às partes a intenção de abreviar o procedimento, julgando antecipadamente a lide. Essa possibilidade de abreviação deve ser utilizada com cautela e parcimônia, não só porque pode implicar restrição ao direito de prova, mas também porque, sem audiência de instrução e julgamento, podem os autos subir ao Tribunal, em grau de recurso, com fraco conjunto probatório.

Não há questão que seja unicamente de direito, é possível o julgamento antecipado quando não for necessária a produção de prova em audiência, ou seja, quando a prova exclusivamente documental for o bastante para a prolação de uma decisão de mérito. A revelia só implica no julgamento antecipado da lide se ela produzir o efeito da confissão ficta.

Não se permite, quando houver o julgamento antecipado, que o magistrado conclua pela improcedência, sob o fundamento de que o autor não provou o alegado.

Em homenagem ao princípio da economia processual, quando for o caso, o julgamento antecipado não é mera faculdade, mas dever que a lei impõe ao julgador.

Ultrapassada a fase das providências preliminares, e não ocorrendo as hipóteses previstas nos artigos 329 e 330 do Código de Processo Civil (extinção do processo sem exame do mérito, ou com exame do mérito em razão da autocomposição, prescrição, decadência ou julgamento antecipado) caberá ao Juiz designar audiência preliminar, ocasião em que tentará promover a conciliação das partes.

Nada impede que o magistrado, mesmo sendo o caso de julgamento antecipado, marque audiência preliminar, com o objetivo de tentar conciliar as partes. Isso com base no artigo 125, inciso IV do Código de Processo Civil, que atribui ao magistrado o dever de tentar conciliar as partes a qualquer tempo.

Iniciada a audiência preliminar, o julgador tentará alcançar a conciliação. Se esta for frustrada, deverá resolver as questões processuais pendentes e fixar os pontos controvertidos do processo, isto é, identificar as questões que devem ser objeto da instrução probatória.

Após isso, o magistrado deve delimitar a fase de produção de provas: admitir ou não a produção de certos meios de prova, designar perito e formular o rol de quesitos, marcar a audiência de instrução e julgamento, determinar a inspeção judicial, oitiva de testemunhas, depoimento da parte etc.

Discute-se se a não marcação de audiência preliminar, quando fosse o caso, implicaria em invalidade do procedimento, contudo, só há nulidade se houver prejuízo.

A Lei n.º 10.444/2002 mitigou a obrigatoriedade da audiência preliminar. Cabe agora ao magistrado verificar, in concreto, se é o caso de marcar ou não a audiência preliminar, sugerindo a lei, para tanto, dois critérios, ambos baseados na viabilidade da conciliação: a) inviabilidade de transação em razão dos direitos em jogo; b) se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção.

Reforça-se aqui o poder do Juiz de adequação do regramento processual ao caso concreto – o princípio da adaptabilidade do procedimento. Em vez de impor etapa procedimento obrigatória, enrijecendo o procedimento, o legislador transfere ao magistrado a tarefa de examinar a oportunidade da realização da audiência, a ser verificada a partir das particularidades do caso concreto.

Assim, a audiência preliminar é, em princípio, etapa obrigatória do procedimento, mas será facultativa sempre que o direito em litígio não admitir transação.

Não sendo o caso de marcação de audiência preliminar, surge a última hipótese se julgamento conforme o estado do processo: o “despacho saneador”.

Não sendo o caso de extinção do processo (com ou sem julgamento do mérito) ou da hipótese de audiência preliminar, deverá o magistrado proferir uma decisão escrita, em que examinará as questões processuais suscitadas, declarar saneado o feito, fixar os pontos controvertidos e delimitar a atividade probatória.

O “despacho saneador” não é despacho, mas decisão interlocutória. Ele nada saneia, na verdade, declara saneado. O seu conteúdo é equivalente ao da decisão que o magistrado proferiria acaso, tendo marcado audiência preliminar, restasse frustrada a tentativa de conciliação. Há, pois, nessa decisão, um capítulo decisório em que se reconhece a admissibilidade do processo (juízo declaratório) e outro capítulo decisório em que se fixam os pontos controvertidos e se delimita a atividade de instrução (juízo constitutivo).

Prevalece na doutrina brasileira a concepção de que a decisão judicial que reconhece a presença dos requisitos de admissibilidade do processo (principalmente o denominado “despacho saneador”, pelo qual o magistrado declara a regularidade do processo) não se submete à preclusão pro judicato: enquanto pendente a relação jurídica processual, será sempre possível o controle ex officio dos requisitos de admissibilidade, inclusive com reexame daqueles que já houverem sido objeto de decisão judicial. O fundamento dessa concepção é o artigo 267, § 3º do Código de Processo Civil, que teria imunizado as decisões sobre os requisitos de admissibilidade do processo à preclusão. Afirma-se que o Enunciado n.º 424 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, embora ainda em vigor, não se aplica a esse tipo de questão.

Em corrente oposta, Fredie Didier Júnior vislumbra a possibilidade da caracterização da preclusão pro judicato. Para tanto elenca uma série de argumentos, senão vejamos:

- em primeiro lugar, na interpretação pelo autor do artigo 267, § 3º do Código de Processo Civil, se permite o conhecimento, a qualquer tempo, das questões relacionadas à admissibilidade do processo – não há preclusão para a verificação de tais questões, que podem ser conhecidas ex officio, até o trânsito em julgado da decisão final, mesmo pelos Tribunais. Não se denota qualquer referência no texto legal à inexistência de preclusão em torno das questões já decididas;

- não se permite que o Tribunal reveja questão que já fora decidida, mesmo se de natureza processual, em relação à qual se operou a preclusão. O que se permite é o Tribunal conhecer, mesmo sem provocação, das questões relativas à admissibilidade do processo, respeitada, porém, a preclusão. A cognoscibilidade ex officio de tais questões significa, tão somente, que elas podem ser examinadas pelo Judiciário sem a provocação das partes, o que torna irrelevante o momento em que são apreciadas. Não há preclusão para o exame das questões, enquanto pendente o processo, porém, há preclusão para o reexame;

- a preclusão não se opera tendo em vista fato superveniente e, exatamente por isso, a anterior decisão que reconheceu a regularidade do processo não lhe diz respeito, impondo-se nova decisão, que terá outro objeto: a questão nova;

- o artigo 471 do Código de Processo Civil é peremptório ao prescrever que nenhum Juiz decidirá de novo as questões já decididas. Esse artigo também se aplica às decisões interlocutórias. O artigo 473 determina que é defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão;

- se as decisões interlocutórias são recorríveis (artigo 522 do CPC), não se pode cogitar da possibilidade de reexame das questões já decididas;

- a preclusão justifica-se muito mais em relação às questões processuais. É que, solucionada a questão sobre a regularidade do processo, e ressalvados os fatos supervenientes, ao Poder Judiciário somente restaria o exame do mérito da causa. Isso é positivo, pois resolver o litígio é a tarefa principal da atividade jurisdicional;

- por fim, não se descarta que, em certos casos, não haja preclusão para o Juiz. Uma das hipóteses é a possibilidade de produção de provas, a qualquer tempo.

Fonte: Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior.