quinta-feira, 27 de maio de 2010

Uma Análise da Teoria dos Sistemas aplicada à Sociologia do Direito

A concepção sistêmica, segundo a proposta de Luhmann, pretende explicar os padrões recursivos das interações entre os atores sociais, os quais formam sistemas de comunicação, que, na realidade, constituem a própria natureza das sociedades. O autor propõe uma mudança no foco da análise sociológica contemporânea, que para ele é sustentada no que denomina corpus mysticum do sujeito. Dessa maneira, o autor pretende desconstituir um dos pilares centrais das sociologias contemporâneas: a idéia de que a unidade elementar da análise sociológica são as ações sociais como construção de sujeitos, entendidos como atores sociais.

Luhmann acha que as teorias sociológicas contemporâneas focaram mal o objeto de suas reflexões porque herdaram das teorias racionalistas do século XVIII o conceito de universal, ou seja, a preocupação em descobrir os componentes elementares e, ao mesmo tempo, gerais da vida em sociedade. Essas teorias racionalistas represaram uma concepção mais antiga do que a própria idéia de sistemas, que era a idéia de conceber os fenômenos como constituídos de um todo e de suas partes.

Procurar por universais a partir do particular, tentar definir toda a humanidade a partir de um só homem, fez com que os sociólogos fossem buscar o conceito de razão, moral social e outros apriorismos, tais como o conceito de educação ou, ainda, o conceito de Estado, os supostos universais estruturantes dos processos de socialização. Todavia, critica Luhmann, do ponto de vista formal isso não explica como o todo, na medida em que é composto de suas partes e de alguma coisa a mais, pode ser apresentado como unidade no nível das partes.

Em vez da dicotomia todo/parte, o autor propõe a idéia da diferenciação sistêmica (system differentiation), que nada mais seria que a repetição da diferença sistema/ambiente, dentro do sistema. Um sistema diferenciado é aquele que encerra um número significativo de diferenciações/sistema em suas operações. Cada uma dessas diferenciações, em cada corte considerado, reproduz a integridade da clivagem sistema/ambiente. A diferenciação sistêmica nada mais é que a repetição do código de homogeneidade dentro do sistema.

Destarte, o sentido de homogeneidade, que na teoria sociológica tradicional é retirado da noção universal do todo e da parte ou, em termos sociológicos, das noções de indivíduo e sociedade, deve ser substituído, segundo a proposta do autor, por um sentido de homogeneidade retirado da reprodução da clivagem sistema/ambiente ao longo do processo de diferenciação subsistêmica.

Na teoria desenvolvida por Luhmann, a existência dos sistemas é assumida como factual e, além disso, como auto-referencial. Não há sistema sem ambiente nem ambientes estruturados que não possam ser percebidos por sua organização sistêmica. Os sistemas são orientados pelos seus ambientes não apenas de maneira ocasional e por adaptação, mas também estruturalmente. Sem a diferença com o ambiente não haveria a auto-referência, porque ela é a premissa funcional das operações auto-referenciadas.

Partindo-se da estrutura geral da teoria da sociedade como um sistema social funcionalmente diferenciado, o sistema legal deve ser entendido como um dos seus subsistemas funcionais. Tal sistema constitui a si próprio a partir de suas funções determinadas no nível do sistema societário.

No caso específico do sistema legal, todas as suas unidades elementares, os atos legais, bem como a unidade do sistema como um todo, são ativadas pela redução de complexidades. A partir desse processo, os sistemas se submetem a estímulos do ambiente a seus padrões de entendimento e processamento sistêmico.

Luhmann absorve o conceito de autopoiesis[1] para afirmar que os subsistemas funcionais da sociedade são sempre auto-referenciais, ou seja, produzem e reproduzem a si próprios. Eles constituem seus componentes pelo arranjo próprio desses componentes, o que constitui propriamente sua unidade e, portanto, seu fechamento autopoiético.

No entanto, a idéia de que o sistema legal constitui um sistema fechado não deve obscurecer o fato de que todo sistema mantém conexões com seu ambiente. Luhmann formula essa concepção da seguinte maneira: o sistema legal é aberto porque é fechado e fechado porque é aberto. O autor, com esse paradoxo, quer expressar a forma particular do relacionamento entre o sistema legal e o ambiente societário. O sistema legal tem seu componente e sua forma própria de expressão: a norma; a seu modo próprio de operação, o código lícito e ilícito.

Ao mesmo tempo, o sistema jurídico é congnitivamente aberto, o quer dizer que é estimulado pelas informações do ambiente. No caso específico do sistema legal, ele retira parte de sua dinâmica própria do processamento que realiza, segundo seu código, dos estímulos dos demais subsistemas sociais: político, econômico, educacional, moral etc.

Luhmann enfatiza, então, que o sistema legal é um sistema normativo no sentido de seus componentes serem os conteúdos das normas, ou no sentido de determinarem o funcionamento do ambiente, mas sim um sistema de operações legais que usa sua auto-referência normativa para reproduzir a si próprio e para selecionar informações do meio.

O autor chama de dupla contingência dos demais sistemas o fato de eles operarem de maneira normativamente fechada, o que requer relações simétricas entre seus componentes, na medida em que um dos elementos dá sustentação ao outro e vice-versa. Ao mesmo tempo, operaram de maneira cognitivamente aberta, na qual a assimetria entre o sistema e seu ambiente os força a uma recíproca adaptação e mudança. Os sistemas legais apresentam uma maneira especial de resolver esse problema ao combinar disposições normativas e cognitivas, e estabelecer condicionalidades para a introdução no sistema dos estímulos do ambiente.

Nesse sentido, as normas legais, diferentemente das concepções de Kelsen e Durkhein, não derivam de uma ordem legal factual nem de uma norma fundamental, mas são programas de condicionalidades para a introdução no sistema dos estímulos do ambiente. O sistema legal não determina o conteúdo das decisões legais, nem logicamente ou por intermédio de procedimentos técnicos de uma hermenêutica jurídica. Ele opera como um sistema ao mesmo tempo normativamente fechado, o que garante a sua manutenção e auto-reprodução, e aberto cognitivamente, no sentido de que está em contínua adaptação às exigências do ambiente.

O modelo analítico de Gunther Teubner para o entendimento do sistema jurídico caminha em dois sentidos aparentemente contrários: de um lado, o autor procura aprofundar a apropriação do modelo biológico da autopoieseis para explicar o sistema jurídico; de outro, procura incorporar variáveis historicistas (sociais e políticas) na explicação do fenômeno jurídico, especialmente no contexto que chama de processo de juridificação. O enfrentamento dessa dupla problemática ocorrer na obra de Teubner porque ele aceitou o desafio de confrontar os princípios da teoria sistêmica, desenvolvida com base nos trabalhos de Luhmann, com a realidade dos sistemas jurídicos europeus, desenvolvidos no contexto do Welfare State. Ao fim e ao cabo, o conceito reflexivo surge como a contribuição mais significativa do autor à teoria sistêmica porque procura estabelecer as condições de comunicação sistema/ambiente, no caso concreto a interação entre sistema jurídico e subsistemas social, político e econômico.

Segundo Teubner, a auto-referência e a autopoiesis constituem critérios precisos para a caracterização dos sucessivos graus ou etapas da autonomia. Utilizando-se a definição de autopoiesis, o autor afirma que um sistema se torna crescentemente auto-referencial quando a rede de sues componentes sofre modificações do seguinte tipo: maior feedback entre seus componentes, plasticidade funcional e plasticidade estrutural, e constituição de novos componentes da rede de componentes. Um sistema jurídico torna-se autônomo na medida em que consegue constituir seus elementos – ações, normas, processos, identidade – em ciclos auto-referenciais, só atingindo o termo pertinente de sua autonomia autopoiética quando os componentes do sistema, assim ciclicamente constituídos, se articulam, por sua vez, entre si, formando um hiperciclo.

De uma maneira geral, o grau de autonomia dos subsistemas sociais é determinado por uma escala crescente que parte da satisfação da primeira linha de exigências, ou seja, da definição auto-referencial de seus componentes, passa pela incorporação e utilização operativa do sistema dessa auto-observação e, finalmente, pela articulação hipercíclica dos componentes sistêmicos autoconstituídos. Teubner se apressa em dizer que esses complexos hiperciclos que constituem os processos de autopoiesis dos subsistemas sociais não evoluem de acordo com padrões predeterminados ou em direção à consecução de um fim particular.

Em sentido estrito, a autonomia jurídica abrange não apenas a capacidade do direito de criar seus próprios princípios, mas também de autoconstituição de ações, a juridificação dos processos e a criação de institutos jurídico-doutrinais. Essa concepção de autonomia do direito se diferencia da reflexão marxista sobre a relação base-superestrutura na determinação do fenômeno jurídico pelos sistemas econômicos, em que a relativa autonomia do sistema jurídico estaria ainda assim determinada pelos interesses materiais em disputa pelas classes sociais. Por outro lado, também se particulariza das teses sociológicas mais tradicionais, que afirmam que o sistema jurídico, mesmo quando independente dos demais poderes constituídos, como democracias ocidentais, não são autônomos em relação ao conjunto das demandas socialmente constituídas.

O modelo explicativo de Teubner é bastante enrobustecido com o desenvolvimento do conceito de reflexividade ou, mais especificamente, de direito reflexivo. Novamente, a preocupação do autor é dotar a teoria sistêmica e o conceito de autopoiesis de poder explicativo das configurações institucionais concretas (empíricas) do sistema jurídico. No caso específico, ele polemiza com as explicações correntes do fenômeno da materialização do direito e seus efeitos no processo de juridificação das relações sociais no conceito de Welfare State.

O autor opta por um modelo que supõe três tipos de direito (formal, material e reflexivo) dimensionados por três níveis distintos (racionalidade interna, racionalidade normativa, racionalidade sistêmica).

A Teoria Sistêmica do Direito problematiza especialmente a hipótese sociológica tradicional sobre a suposta determinação social, política e econômica dos conteúdos do direito. Luhmann argumenta que a sociologia do direito está interessada somente nas conexões entre variáveis legais e extralegais e, embora todas elas falem de unidade do sistema legal, esta unidade nunca é claramente percebida. Com bastante propriedade, Teubner chama de positivistas todas essas teorias que reduzem o direito ao simples reflexos das relações de poder, e suas perspectivas estruturas sociais e econômicas.

Um dos elementos fundamentais para entendermos a mudança do enfoque das teorias sistêmicas do direito em relação às teorias sociológicas tradicionais está na compreensão da distinção entre independência, autonomia e autopoiesis do sistema jurídico.

Lawrence Friedman argumenta, por exemplo, que um dos problemas clássicos da sociologia do direito gravita em torno da questão da autonomia (ou da falta dela) do sistema jurídico. Sua posição a esse respeito é de que deve buscar uma explicação intermediária entre as interpretações que atribuem às forças sociais um poder de pressão irresistível ao sistema legal e, na posição oposta, as teorias sistêmicas que assumem que o sistema legal é autônomo, no sentido de que possui um conteúdo e uma lógica próprios e independentes de influências externas. Friedman argumenta que a perspectiva do insultamento contra o mundo externo pode trazer, em termos práticos, uma série de inconveniências, como conservadorismo e resistências cegas a qualquer tipo de mudanças demandadas por grupos sociais, seus interesses legítimos e seus valores. Ainda que, em contrapartida, em seu aspecto positivo, o insultamento do sistema legal possa oferecer maiores garantias com respeito aos direitos humanos, das minorias e dos cidadãos contra o Estado.

Friedman afirma que em vez de autonomia é mais adequado falar em independência do sistema legal, no sentido de que alguns segmentos desse sistema, por exemplo, o Poder Judiciário, têm independência de ação quanto a guardarem relativa autonomia com respeito às pressões externas. Mas não se deve tomar independência por autonomia do sistema. Sua tese principal é a de que o conceito de cultural legal, ou seja, do conjunto de idéias, das atitudes e das crenças compartilhadas pelas pessoas do sistema legal, é o mais adequado para a compreensão do incontornável processo de mediação entre o sistema legal e a organização social. Por fim, destaca que o conceito de autonomia do sistema jurídico no sentido de autopoiesis em nada diferencia daquilo que Weber definiu como racionalidade formal, uma das características inequívocas do direito ocidental contemporâneo.

Em outra versão da crítica sociológica à Teoria Sistêmica do Direito, Richard Lempert confronta a idéia de autopoiesis com seu conceito de autonomia legal. Segundo o autor, autopoiesis e autonomia legal delimitam duas versões sobre o fenômeno da autonomia dos sistemas legais, que remetem às tradições anglo-americana e européia ocidental. A primeira, a visão anglo-americana é fortemente influenciada por estudos empíricos sobre a maneira como o poder das leis se articula com outras fontes de poder na sociedade.

A segunda, afirma o autor, reflete o fato de que a perspectiva de autonomia do sistema legal na visão continental parte de uma abstração (o sistema legal como um subsistema dos sistemas sociais) de uma abstração (os sistemas sociais como análogos a sistemas biológicos). Isso conduz à segunda diferença entre essas perspectivas, delimitada por Lempert, que é o fato de a sociologia do direito na tradição anglo-americana estar mais focada na análise de casos concretos e particulares de autonomias legais, conduzidos com rigor estatístico.

Lempert afirma que a concepção de autopoiesis pressupõe reconstituição cíclica constante, de acordo com as modificações do ambiente. Isso conduz a uma concepção evolucionista do sistema legal, mascarada pelo que os autores dessa corrente sistêmica chamam de adaptação.

Finalmente, Lempert critica a idéia de Lunmann de que o sistema legal é cognitivamente aberto e normativamente fechado, afirmando que essa formulação muito genérica e que não responde a questão fundamental para a sociologia do direito, a saber, as maneiras pelas quais mudanças normativas no sistema legal estão associadas às pressões sociais.

Por todas essas razões, em vez de autopoiesis, Lempert prefere trabalhar com o que chama de autonomia relativa do sistema legal, em que a autonomia do direito é relativa ao grau de importância dos padrões interno de ação e de procedimento para a criação e aplicação da lei vis-à-vis os padrões externos ao sistema jurídico de natureza política e social. E conclui: a autonomia do Direito é mais bem ilustrada na aplicação da lei e no processo judicial do que na criação da lei e no processo legislativo.

As críticas formuladas por Lawrence Friedman e Richard Lempert à teoria dos sistemas são interessantes porque canalizam e expressam as idéias e as teses fundamentais da sociologia do direito mais fortemente ofendidas com as inovações teorias dos trabalhos de Niklas Luhmann e Ghunter Teunbner. Ambos, Friedman e Lempert, reagem, por caminhos diferentes, da mesma forma à teoria sistêmica, quando a acusam de ser muito ambígua, incapaz de ser testada empiricamente e, na verdade, só estar afirmando o que já se sabe sobre o sistema jurídico, porém utilizando um linguagem desnecessariamente complicada.

Luhmann distancia-se ainda da sociologia compreensiva de Max Weber e das perspectivas fenomenológicas de maneira geral, que concebem a ação social como resultado do significado intersubjetivo atribuído interpretativamente pelos sujeitos da ação. Em Luhmann, a concepção de que os padrões recorrentes da ordem são dados pelos códigos da comunicação sistêmica é o que permite a incorporação à teoria desse autor do conceito biológico de autopoiesis utilizado para explicar os sistemas sociais e, posteriormente, o subsistema legal.

Um segundo tipo de crítica à Teoria Sistêmica do Direito, condensada nos trabalhos de Friedman e Lempert, diz respeito ao caráter evolucionista de suas proposições. Essa crítica aplica-se melhor a Teubner, pelas razões que se relacionam com as noções de reflexividade e historicidade.

Esse tipo de proposição respalda as críticas a respeito do evolucionismo da teoria sistêmica na medida em que esta postula um processo progressivo, graduado, em diversos níveis de profundidade do fenômeno de autopoiesis, alcançados segundo o correspondente avanço progressivo e integrado do sistema jurídico com os demais subsistemas sociais. Por trás da concepção da capacidade plena de auto-reprodução dos subsistemas sociais a partir do fenômeno da autopoiesis, há uma indisfarçável idéia de classificação das sociedades em complexas e simples a partir da profundidade e da extensão da especialização funcional observada em cada uma delas.

O evolucionismo de Teubner fica caracterizado ainda pela leitura que ele faz dos escritos de Weber sobre o direito. O ponto de partida correto, no entanto, é quando o autor atribui a Weber a caracterização de duas tendências contrárias de desenvolvimento do direito: por um lado, um processo progressivo de especialização formal, administrado de forma profissional e com incremento da sistematização interna; por outro, um processo em que o direito é exposto às exigências igualmente progressivas que o fazem incorporar elementos de Justiça material, como conceitos de democratização e Justiça social.

A teoria sistêmica acrescenta, no mínimo, um aspecto novo à sociologia do direito, quando analisa a forma como o sistema jurídico cria realidades descortinadas pelo código lícito e ilícito com efeitos sensíveis nas comunicações dos indivíduos, ou seja, nas realidades sociais. O direito, nessa perspectiva, não representa um indicador externo das moralidades sociais ou um documento autenticado das relações de dominação entre as classes sociais, ou, ainda, um reflexo de interesses estratégicos de grupos de qualquer natureza. Sem desconhecer esses aspectos, todos influentes no direito, ou qualquer outro estímulo do ambiente moral, político, artístico e científico da criação dos sistemas jurídicos, a teoria sistêmica problematiza a relação entre direito e sociedade a partir do direito. E isso significa contemplar a forma como código binário essencial do sistema jurídico (lícito/ilícito) não apenas determina a recepção dos estímulos do meio, mas, ao mesmo tempo, condiciona a expressão da comunicação e de seus conteúdos entre os agentes sociais.

A partir das teorias de Teubner e Luhmann, da forma especial como concebem a interação dos subsistemas sociais e seus códigos – que se pode chamar de fricções subsistêmicas –, pode-se chegar à concepção de que não é apenas a realidade social de atores que produz o direito, mas o inverso também procede: o direito cria realidade social, no sentido de que o código lícito/ilícito enseja que os atores sociais reordenarem suas ações e expectativas conforme a lógica jurídica subjacente às interações. A teoria sistêmica, portanto, permite a compreensão de processos coletivos, empiricamente constatáveis, em que o centro da ação não está localizado em forças macro ou microssociológicas, mas no código sistêmico do direito.

A unidade básica para a compreensão dos sistemas sociais, de acordo com Luhmann, não são os sujeitos e suas situações, mas suas comunicações. Segundo esse autor, sujeitos, por exemplo indivíduos, têm interpretações diversificadas e personalizadas das situações, de tal maneira que é impossível subsumi-las em qualquer padrão que permita compreensão de algo como uma ordem ou sistema social. Daí que esse padrão sistêmico deva ser procurado na integridade das comunicações que os indivíduos realizam entre si, estas, sim, necessariamente padronizadas para a eficácia das interações. Teubner, embora pretenda assumir esse modelo luhmanniano, insere um corpo estanho a essa teoria, que é a idéia de um desenvolvimento histórico (progressivo) do subsistema do direito empreendido por sujeitos: classes sociais, corporações de juristas, movimentos sociais etc., o que o autor chama de influência de variáveis externas.

A análise sistêmica de Luhmann e Teubner representa uma contribuição importante e original ao acervo teórico da sociologia do direito. Ela problematiza a natureza dos vínculos postulados pela teoria sociológica tradicional entre a organização social e organização do direito, e desfaz, com muita propriedade, a hipótese clássica dessas teorias a respeito dos vínculos mecânicos entre os interesses materiais e políticos de grupos sociais e a constituição do sistema jurídico.

Em seu lugar, a teoria sistêmica propõe um sofisticado modelo que consegue, com rara competência, identificar movimentos especiais resultantes das “fricções” entre os subsistemas sociais: político, econômico e jurídico. A idéia de autonomia autopoiética do direito, despida de seus elementos mais biológicos, identifica um processo totalmente distinto daqueles observados e analisados exaustivamente pela sociologia tradicional, e que enfatizam a influência de variáveis macrossociológicas na constituição do direito. Em vez disso, a teoria sistêmica afirma uma dupla via na interação desses elementos, de forma que, também o direito, isto é, o sistema jurídico stricto sensu, produz “realidade social”.

Fonte: A Perspectiva Sistêmica na Sociologia do Direito. Marcelo Pereira de Mello.




[1]Autopoiese ou autopoiesis (do grego auto "próprio", poiesis "criação") é um termo cunhado na década de 70 para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Segundo esta teoria, um ser vivo é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares (processos), onde as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas que as produziu. A conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são condições sistêmicas para a vida. Por tanto um sistema vivo, como sistema autônomo está constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre mantendo interações com o meio, onde este apenas desencadeia no ser vivo mudanças determinadas em sua própria estrutura, e não por um agente externo.