segunda-feira, 17 de maio de 2010

Teoria da Imputação Objetiva – Breves Considerações

A teoria da imputação objetiva não se preocupa, à primeira vista, em saber se o agente atuou efetivamente com dolo ou culpa no caso concreto. O problema se coloca antes dessa aferição, ou seja, se o resultado previsto na parte objetiva do tipo ou não ser imputado ao agente.

A teoria da imputação objetiva surge com a finalidade de limitar o alcance da chamada teoria da equivalência dos antecedentes causais, sem, contudo, abrir mão desta última. Por intermédio dela, deixa-se de lado a observação de uma relação de causalidade puramente material, para se valorar uma outra, de natureza jurídica, normativa.

Não basta que o resultado tenha sido produzido pelo agente para que se possa afirmar sua relação de causalidade. É preciso, também, que a ele possa ser imputado juridicamente.

Para teoria da imputação objetiva do resultado, a causalidade somente é a condição mínima, a ela deve agregar-se a relevância jurídica da relação causal entre o sujeito atuante e o resultado. Portanto, a investigação da causalidade tem lugar em duas etapas, estruturadas uma sobre a outra, enquanto em primeiro lugar deve ser examinada a causalidade (empírica) do resultado e, se afirmada que ela seja, a imputação (normativa) do resultado.

Roxin, fundamentando-se no chamado princípio do risco, cria uma teoria geral da imputação, para os crimes de resultado, com quatro vertentes que impedirão sua imputação objetiva: a) diminuição do risco; criação de um risco juridicamente relevante; c) aumento do risco permitido; d) esfera de proteção da norma como critério de imputação.

Pelo critério de diminuição do risco, no exemplo de Roxin, suponhamos que “A” perceba que uma pedra é arremessada contra a cabeça de “B”. Procurando evitar uma lesão mais grave, “A”, que não pode evitar que essa pedra alcance “B”, empurra-o, fazendo com que este seja atingido numa parte menos perigosa do corpo. A atuação de “A”, segundo Roxin, “significa uma diminuição do risco em relação ao bem protegido e, por isso, não se lhe pode imputar uma ação típica. A conduta que reduz a probabilidade de uma lesão não se pode conceber como orientada de acordo com a finalidade de lesão da integridade corporal.

A segunda vertente diz respeito à criação de um risco juridicamente relevante. Se a conduta do agente não é capaz de criar um risco juridicamente relevante, ou seja, se o resultado por ele pretendido não depender exclusivamente de sua vontade, caso este aconteça deverá ser atribuído ao acaso. Podemos citar o exemplo daquele que, almejando a morte de seu tio, com a finalidade de herdar-lhe todo o patrimônio, compra-lhe uma passagem aérea na esperança de que a aeronave sofra um acidente e venha a cair. Por acaso, o acidente acontece, matando o seu tio, bem como os demais passageiros. Embora esse fosse o desejo do agente, tal resultado jamais lhe poderá ser imputado, uma vez que com sua conduta, isto é, o fato de comprar passagens desejando a queda do avião, não houve a criação de um risco juridicamente relevante. Como se percebe, em casos como tais, não há domínio do resultado através da vontade humana.

Conforme afirma Roxin, o aumento ou a falta de aumento do risco permitido é a versão simplificada do princípio do incremento do risco. Nos termos do preconizado princípio, se a conduta do agente não houver, de alguma forma, aumentado o risco da ocorrência do resultado, este não lhe poderá ser imputado. Exemplo: um fabricante havia feito a importação de pêlos de cabra para a confecção de pincéis. Mesmo tendo sido orientado pelo exportador de que os pêlos deveriam ser desinfetados antes do fabrico dos pincéis, o importador, deixando de observar o seu necessário dever de cuidado, os coloca em contato com seus operários, sem antes esterilizá-los, conforme determinações do exportador. Em virtude do contado com os pêlos não esterilizados, quatro trabalhadores contraem um infecção, por causa de bacilos de carbúnculo e morrem. Verificou-se, posteriormente que, mesmo que o importador tivesse tomado todas as precauções necessárias à esterilização dos pêlos com os produtos indicados, ainda assim os operários teriam contraído a infecção fatal, pois os bacilos já estavam resistentes. Em suma, mesmo que o fabricante tivesse observado o seu dever de cuidado, o resultado ainda assim poderia ter ocorrido, razão pela qual este não lhe poderá ser imputado, uma vez que a sua conduta negligente não incrementou o risco de sua ocorrência.

Somente haverá responsabilidade quando a conduta afrontar a finalidade protetiva da norma. Existem casos em que o aumento do risco para além dos limites do permitido não acarreta imputação, pois a situação está fora do alcance da norma jurídica incriminadora.

Com o fundamento no argumento segundo o qual o comportamento do homem é vinculado a papéis, Jakobs traça quatro instituições jurídico-penais sobre as quais desenvolve a teoria da imputação objetiva, a saber: a) risco permitido; b) princípio da confiança; c) proibição do regresso; d) competência ou capacidade da vítima.

A vertente do risco permitido, anunciada por Jakobs, diz respeito aos contados sociais que, embora perigosos sob um certo aspecto, são necessários e mesmo assimilados pela sociedade. Segundo Jakobs, posto que uma sociedade sem riscos não é possível e que ninguém se propõe seriamente a renunciar à sociedade, uma garantia normativa que implique a total ausência de riscos não é factível, pelo contrário, o risco inerente à configuração social deve ser irremediavelmente tolerado como risco permitido.

O princípio da confiança coloca-se como uma necessidade imperiosa para que a sociedade possa caminhar normalmente. As pessoas que convivem numa mesma sociedade deve confiar umas nas outras, ou seja, devem confiar que cada uma delas cumpra seu papel, observe todos os deveres e obrigações que lhe são inerentes a fim de que sejam evitados danos. Por exemplo, o princípio da confiança nos permite atravessar um perigoso cruzamento, desde que o sinal esteja verde. Confiamos, dessa forma, que os veículos, que também almejam atravessar o mesmo cruzamento e que se encontram do lado no qual o sinal encontra-se vermelho, obedeçam à sinalização de parada obrigatória.

Na vertente correspondente à proibição de regresso, fica ainda mais evidente o valor que Jakobs atribui aos papéis exercidos pelas pessoas na sociedade. Segundo o autor, se cada um de nós se limitar a atuar de acordo com o papel para o qual fomo incumbidos de desempenhar, se dessa nossa conduta advier algum resultado, ou mesmo contribuir para o cometimento de alguma infração penal, não poderemos ser responsabilizados.

Isso significa, em síntese, que se determinada pessoa atuar de acordo com os limites de seu papel, sua conduta, mesmo contribuindo para o sucesso de infração penal levada a efeito pelo agente, não poderá ser incriminada. Exemplo: no processo hipotético de eliminação de Thyrén, a conduta do padeiro de vender pão àquele que o envenenaria a fim de causar a morte da vítima só não seria punível comprovando-se a ausência do elemento subjetivo, encerrando-se, nele, a cadeia causal, com a finalidade de evitar a regressão ad infinitum. Na proposta de Jakobs, mesmo se o padeiro soubesse da finalidade ilícita do agente ao comprar pão, não poderia responder pela infração penal, pois a atividade de vender pães, seja qual for a sua utilização, consiste no seu papel de padeiro.

Com a hipótese que denomina de competência (capacidade) da vítima, Jakobs agrupa duas situações que merecem destaque. A primeira diz respeito ao consentimento do ofendido, a segunda, às chamadas ações a próprio risco.

O consentimento do ofendido pode exercer duas funções: a) afastar a tipicidade do fato; b) excluir a sua ilicitude. Presentes os requisitos para que o consentimento do ofendido seja tido como válido, será ele aproveitado pelo direito penal.

Jakobs afirma que, no que se refere ao consentimento, seus trações fundamentais se conhecem em todas as partes, e também goza de aceitação em seus pontos essenciais. Salienta, contudo, aquelas hipóteses em que a própria vítima, com seu comportamento, contribui ou pelo menos facilita que a conseqüência lesiva lhe seja imputada; hipóteses em que, portanto, a modalidade de explicação não é a fatalidade, mas a lesão de um dever de autoproteção ou inclusive a própria vontade, as infrações dos deveres de autoproteção e a vontade se agrupam aqui sob o rótulo de ação a próprio risco. Exemplo: aquele que se propõe a praticar esportes radicais sabe, de antemão, que corre o risco de se lesionar, não podendo tal fato ser atribuído ao seu instrutor, que agiu de acordo com sua capacidade, observando seu dever de cuidado.

Merece destaque, ainda, a chamada heterocolocação em perigo, situação na qual a vítima, por exemplo, pede ao agente, que está em sua companhia, que pratique uma conduta arriscada, acreditando, firmemente, que não ocorrerá qualquer resultado danoso. Exemplo mencionado por Roxin: apesar da tempestade, o freguês quer que o condutor faça com ele a travessia do rio. O condutor desaconselha a que se proceda a travessia, apontado para os perigos nela envolvidos. O freguês insiste, o condutor acaba correndo o risco, o barco afunda e o freguês afoga-se.

Na verdade, a teoria da imputação objetiva, embora muito atraente, encontra resistências, visto que algumas de suas soluções podem e continuam a ser dadas por outros segmentos teóricos. Contudo, de acordo com o que foi exposto, pode-se concluir que:

- a imputação objetiva é uma análise que antecede à imputação subjetiva;

- a imputação objetiva pode dizer respeito ao resultado ou ao comportamento do agente;

- o termo mais apropriado seria o de teoria da não-imputação, uma vez que a teoria visa, com as suas vertentes, evitar a imputação objetiva (do resultado ou do comportamento) do tipo penal a alguém;

- a teoria da imputação foi criada, inicialmente, para se contrapor aos dogmas da teoria da equivalência, erigindo uma relação de causalidade jurídica ou normativa, ao lado daquela outra natureza material;

- uma vez concluída pela não-imputação objetiva, afasta-se o fato típico.

Fonte: Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rogério Grecco.