domingo, 11 de julho de 2010

Requisitos da Execução

A apreciação dos pressupostos processuais e condições da ação, no processo executivo e na fase de cumprimento da sentença, submete-se às mesmas normas vigentes para o processo de conhecimento: a matéria que lhes diga respeito é conhecível de ofício pelo Juiz, a qualquer tempo e grau de jurisdição. Independentemente da propositura de embargos de devedor, de impugnação ao cumprimento da sentença ou mesmo de argüição na própria execução, o Juiz tem o dever de averiguar a presença dos requisitos para a atuação jurisdicional executiva.

No processo de execução não haverá discussão acerca da efetiva existência do direito; se não se ouvirão – senão pela propositura da ação incidental de embargos – os argumentos do réu, no que tange ao mérito. O mesmo ocorre na fase de cumprimento da sentença: as poucas defesas relativas ao mérito que o executado pode suscitar precisam ser apresentadas mediante incidente de “impugnação” ao cumprimento da sentença.

Para concretizar a sanção, o Estado intromete-se no patrimônio do devedor, independentemente de sua concordância, ou impõe-lhe meios coercitivos, de pressão psicológica. Os pressupostos básicos para realizara execução estão estabelecidos precipuamente no artigo 580 e seguintes do Código de Processo Civil.

Título executivo é cada um dos atos jurídicos que a lei reconhece como necessários e suficientes para legitimar a realização da execução, sem qualquer nova ou prévia indagação acerca da existência de crédito, em outros termos, sem qualquer nova ou prévia cognição quanto à legitimidade da sanção cuja determinação está veiculada no título.

Só será título executivo – apenas autorizará a ocorrência da execução – aquele ato que lei qualificar como tal.

Frequentemente se diz que, quando há título executivo, presume-se a existência do direito do exeqüente. Não se trata exatamente de presunção, entendida como um processo dedutivo a ser empregado pelo Juiz na hora de decidir se um fato existe ou não. No processo de execução o Juiz não vai fazer nenhum julgamento nesse sentido. Não ocorre exame acerca da existência efetiva do direito representado no título.

Para uma corrente doutrinária, o título executivo seria prova do crédito. Tratar-se-ia de prova: i) legal, porque estabelecida em lei; ii) integral, porque abrangeria não só fatos como também o próprio direito de crédito; iii) absoluta, uma vez que não admitiria, dentro do procedimento executivo, nenhum outro elemento probatório em sentido contrário. Os adversários desse entendimento teceram-lhe a seguinte censura: não há se falar em prova, porque na execução não se investiga a existência do crédito; não há julgamento.

Posteriormente, os envolvidos na discussão acabaram chegando, sob certo aspecto, à posição de consenso, que parece a mais correta. Tanto uns como os outros admitiram que o título executivo, por um lado, é o ato legitimador da execução, e, por outro, é retratado em documento. Em suma, haverá sempre prova documental – mas não da existência do crédito, e sim da presença do título.

Título executivo, ademais, é categoria processual. Não é instituto do âmbito do direito material. São as leis processuais que estabelecem quais os títulos executivos: fixam requisitos para a existência de um tipo de processo e impõem condição para a ação executiva.

Título de crédito é categoria de direito material, disciplinada no direito comercial. É documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele representado. Um direito, uma vez representado em título de crédito, corporifica-se no instrumento: passa a vigorar regime específico de direito material (relativamente à transferência, exigibilidade, quitação etc), com características próprias (cartularidade, autonomia, literalidade etc.). Já a apresentação de um direito material em título executivo em nada interfere sobre a dinâmica de tal crédito na esfera substancial.

Títulos executivos judiciais consistem em provimentos jurisdicionais, ou equivalentes, que contêm a determinação a uma das partes de prestar algo a outra. O ordenamento confere a esses provimentos a eficácia de, inexistindo prestação espontânea, autorizar o emprego dos atos executórios.

São títulos executivos judiciais:

- a sentença proferida no processo judicial civil e que contenha eficácia condenatória. É a hipótese mais comum;

- a sentença penal condenatória transitada em julgado, contudo ela não pode ser civilmente executada no próprio processo em que foi proferida. Nesse ponto, tem-se exceção ao regime estabelecido pela Lei n.º 11.232/2005. Haverá a necessidade de instauração de um específico processo civil destinado à liquidação e à execução. Esse processo terá de ser instaurado por iniciativa do credor, mediante ação proposta perante o Juiz competente, e nele o executado haverá de ser citado;

- a sentença homologatória de conciliação ou transação, ainda que inclua matéria não posta em Juízo;

- a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, relativamente à eficácia condenatória que contenha. Também nessa hipótese, embora se trate de título executivo judicial, haverá a necessidade de instauração de um novo e específico processo destinado à liquidação de sentença, se for o caso, e à execução, perante o competente Juiz Federal de primeiro grau;

- o formal e a certidão de partilha;

- a sentença arbitral;

- outros dispositivos legais esparsos também podem criar títulos executivos judiciais (ex.: no procedimento monitório, a decisão que concede o mandado de cumprimento tornar-se título executivo judicial se não houver embargos ou se estes forem rejeitados).

Já os títulos executivos extrajudiciais são atos que abstratamente indicam alta probabilidade de violação de norma ensejadora de sanção e que, por isso, recebem força executiva. Alguns exemplos:

- letra de câmbio, nota promissória, duplicata, debênture e cheque;

- escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores. Nestas hipóteses, destacam-se as inovações da Lei n.º 8.953/94. De fato, eliminou-se a limitação dos títulos executivos extrajudiciais às obrigações de pagar quantia em dinheiro ou entregar coisa fungível: tais títulos podem agora ter por objeto obrigações de entregar coisa infungível, fazer e não fazer. Incluiu-se o instrumento de transação assinado pelos defensores públicos e advogados dos transatores entre os títulos executivos extrajudiciais. Quanto à transação chancelada pelo Promotor, já havia previsão na antiga Lei de Pequenas Causas e reiterada na Lei n.º 9.099/95;

- contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os se seguro de vida. A petição inicial amparada no último caso será instruída com apólice e prova do óbito do segurado. Há clara tendência jurisprudencial de atenuação das exigências formais relativas à documentação desses títulos, diante da essencialidade de que o crédito se reveste: têm sido admitidos outros documentos (ex.: aceitação de proposta da seguradora, correspondências que noticiem a existência do seguro etc.);

- crédito decorrente do foro ou do laudêmio;

- crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;

- crédito de serventuário da Justiça, de perito, de intérprete ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial;

- o artigo 585, inciso VIII do Código de Processo Civil ressalva, ainda, como títulos executivos extrajudiciais todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.

Para a execução não basta a presença de título executivo: nos termos do artigo 586 do Código de Processo Civil, é indispensável título da obrigação certa, líquida e exigível.

Quando a lei impõe, como condição para executar, que o título traga a representação de obrigação certa, não está exigindo certeza quanto à existência do direito. Certeza da obrigação refere-se unicamente à exata definição de seus elementos. Ou seja, o título executivo retratará obrigação certa quando nele estiverem estampadas a natureza da prestação, seu objeto e seus sujeitos. A circunstância de a obrigação ser alternativa (aquela cuja escolha da prestação, entre duas ou mais, cabe ao credor ou ao devedor) não afeta o requisito da certeza.

Estará satisfeito o requisito da exigibilidade se houver a precisa indicação de que a obrigação já deve ser cumprida (seja porque ela não se submete a nenhuma condição ou termo, seja porque estes inequivocamente já ocorreram ou estão demonstrados).

Há liquidez autorizadora da execução, quando o título permite, independentemente da prova de outros fatos, a exata definição da quantidade de bens devidos, que porque a traga diretamente indicada, quer porque o número final possa ser aritmeticamente apurado mediante critérios constantes no próprio título ou de fontes oficiais, pública e objetivamente conhecidas. Em outros termos, a liquidez consiste na determinação (direta ou por mero cálculo) da quantidade de bens objeto da prestação (e, consequentemente, da execução).

O problema surge quando a obrigação não é fungível, ou seja, recai sobre coisa determinada unicamente pelo gênero e pela quantidade. Nesse caso, é imprescindível estabelecer a quantidade de bens objeto da prestação.

Note-se que os atos arrolados como títulos executivos extrajudiciais têm, desde logo, de conter a representação de obrigação líquida, sob pena de carecerem de força executiva: não existe procedimento de mera liquidação de título executivo extrajudicial.

No que concerne ao contrato de abertura de crédito, discutia-se sua natureza executiva. A questão agora está pacificada: tal tipo de documento não é título executivo nem mesmo quando acompanhado de extrato pormenorizado do débito, nos termos do Enunciado 233 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Reflexo da prevalência jurisprudencial da negação de eficácia executiva ao contrato de abertura de crédito foi a criação da “cédula de crédito bancário” (Lei n.º 10.931/2004). Buscou-se, assim, a criação de um título de crédito, que é também um título executivo, constituído previamente à efetiva utilização do crédito, que representaria, nos termos do diploma que o criou, “dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos de conta-corrente”. É um título cuja definição do valor pode dar-se posteriormente à adesão do devedor (que o assina antes dos extratos ou planilhas existirem) e sem chancela estatal (que é obrigatória, por exemplo, na duplicata não aceita).

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que nem mesmo “a nota promissória vinculada a contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do título que a originou” (Enunciado 258 da Súmula do STJ). Já “o instrumento de confissão de dívida, ainda que originário de contrato de abertura de crédito, constitui título executivo extrajudicial” (Enunciado 300 da Súmula do STJ).

Cabe noticiar que o Superior Tribunal de Justiça aceita que contrato de abertura, desde que acompanhado de demonstrativos detalhados, funcione como prova escrita para a obtenção de tutela monitória (Enunciado 247 da Súmula do STJ).

Certeza, liquidez e exigibilidade, em suma, dizem respeito à exata definição, no título, dos elementos da obrigação, da quantidade de bens objeto da prestação (quando fungíveis), do momento de seu adimplemento.

Do artigo 580 do Código de Processo Civil, extrai-se a definição de inadimplemento juridicamente relevante no âmbito executivo: é a não satisfação, pelo devedor, de obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo. No artigo 581, segunda parte, o cumprimento inadequado ou imperfeito é equiparado ao inadimplemento, como autorizador da execução.

O artigo 582 do Código de Processo Civil contém regra que, embora inserida na seção destinada ao inadimplemento, concerne igualmente ao requisito da exigibilidade. Disciplina a hipótese em que as partes têm obrigações recíprocas, e o cumprimento de uma delas não pode ser exigido enquanto não implementada a da outra.

Nesse caso, o executado poderá, entretanto, exonerar-se da obrigação, depositando em Juízo a prestação ou a coisa, caso em que o Juiz suspenderá a execução, não permitindo que o credor a receba, sem cumprir a contraprestação, que lhe tocar.

Uma vez afirmado o inadimplemento pelo exeqüente, a alegação e a demonstração do contrário pelo executado terão de ser feitas, necessariamente, em embargos ou em impugnação ao cumprimento da sentença. Sob esse prisma, justifica-se a qualificação de requisito material ou prático da execução, que comumente se dá ao inadimplemento.

Todos os requisitos específicos da execução podem ser enquadrados na teoria geral do processo, pois não são requisitos avulsos e separados de todo o sistema processual.

A existência do título executivo, a certeza e a liquidez da obrigação podem ser inseridas no âmbito geral da possibilidade jurídica do pedido. A lei veda demanda executiva que não cumpra tais requisitos. Alguns autores, todavia, preferem qualificar esse defeito como falta de legítimo interesse processual: quem pede execução sem dispor de título perfeito estaria lançando mão de direito inadequado. Outros, ainda, inserem a questão no âmbito dos pressupostos processuais específicos da execução. A exigibilidade e o inadimplemento concernem ao interesse processual.

A falta de qualquer desses requisitos é questão de ordem pública, a ser examinada de ofício pelo Juiz, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição – exceção feita, reitere-se, ao adimplemento, que deve ser suscitado em embargos de devedor ou em incidente de impugnação ao cumprimento da sentença.

A ação de execução abrange a demanda formulada ao Juiz, pedindo a execução, e os demais atos que, no curso do processo, o exeqüente pratica. Tem os mesmos atributos essenciais de conhecimento específico: é pública, independente, autônoma, abstrata e condicionada.

Pode-se, assim, definir a ação de execução como direito de se ativar a aplicação material da sanção pela jurisdição, de modo tal que nenhuma alegação quanto à efetiva existência do direito à sanção possa ser feita no próprio processo de execução ou na fase de cumprimento da sentença (mas, sim, apenas, respectivamente, em processo incidental de conhecimento, que são os embargos de executado, ou no incidente, também cognitivo, de impugnação ao cumprimento da sentença). Ainda em outros termos, ação de execução é o direito ao desenvolvimento de atividade jurisdicional executiva sem que o efetivo direito à atuação da sanção possa ser discutido nesse processo.

A sentença condenatória proferida por Juiz de primeiro grau, ainda que tenha sido objeto de apelação e de recurso especial, será executada pelo Juiz que a proferiu, e não pelos Tribunais que a confirmaram. Do mesmo modo, se a condenação houver sido estabelecido em grau de recurso, com o Tribunal reformando uma sentença de improcedência do pedido condenatório, também nesse caso a competência para a execução será do Juiz de primeiro grau.

Para a execução da sentença arbitral, será competente o Juiz que deteria competência para julgar a causa, se ela não tivesse sido submetida à arbitragem. Registre-se haver autorizada doutrina no sentido de que, à falta de pactuação em outro sentido, a competência territorial para essa execução será, necessariamente, o mesmo foro que deteria competência para julgar a causa se ela não tivesse submetido à arbitragem.

A execução será apreciada pelo Juízo cível competente, quando o título executivo for sentença penal condenatória. Deterá competência territorial o foro do domicílio do autor, do local do fato ou do réu. Caberá ao autor optar por um desses foros.

Para execução da sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, será competente a Justiça Federal de primeiro grau.

Em qualquer processo executivo, a incompetência absoluta deverá ser conhecida pelo Juiz de ofício, a qualquer tempo em qualquer grau de jurisdição; a relativa deve ser argüida mediante exceção, no prazo para propositura de embargos de devedor.

O artigo 573 do Código de Processo Civil traz a seguinte regra: havendo identidade de devedor, é lícito ao credor cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, desde que para todas elas seja competente o Juiz de idêntica a forma do processo.

Por óbvio, tal regra é aplicável apenas ao processo autônomo de execução, e não ao cumprimento da sentença, quando este é mera fase processual destinada à execução da sentença proferida especificamente naquele processo.

Há no artigo 573 do Código de Processo Civil autorização para cumulação objetiva de pedidos executivos. É objetiva, porquanto o devedor será o mesmo, apenas variando a causa do pedido e o pedido.

Os requisitos estabelecidos são os seguintes: identidade do credor; identidade do devedor; o Juiz deve deter competência absoluta para processar todos os pedidos executivos; todos os pedidos executivos têm de se submeter à mesma forma de processo executivo.

Além disso, nosso sistema admite a cumulação subjetiva quando o título faz menção à vários credores ou devedores (exemplo: execução proposta em face das várias pessoas que firmaram promessa de pagamento na mesma nota promissória; execução da sentença condenatória proferida em favor de inúmeras pessoas e contra outras tantas etc.).

É vedada a possibilidade de dupla cumulação, quando diferentes pedidos executivos são formulados por vários credores, ou em face de vários devedores, com base em diferentes títulos executivos (exemplo: cumulação de um pedido executivo contra A, fundado em cheque, com outro contra B, fundado em promissória).

Parte da doutrina entende ser possível a aplicação das regras gerais sobre litisconsórcio (especialmente o artigo 46 do CPC). Desse modo, embora os pedidos executivos sejam feitos em face de diferentes devedores e com base em títulos distintos, eles poderiam ser reunidos na mesma execução, desde que todos os títulos tivessem origem na mesma relação de direito material, ou houvesse alguma afinidade de questões. Esse mesmo raciocínio autorizaria que diversos credores, com base em diversos títulos, cumulassem seus pedidos executivos. Seria imprescindível, ademais, que o Juiz detivesse competência absoluta para todos os pedidos e que todos eles se sujeitassem à mesma forma de processo executivo – requisitos aplicáveis a todas as hipóteses de cumulação de demandas.

Fonte: Curso Avançado de Processo Civil. Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini.