sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Concurso de Pessoas - Participação

Não raras vezes, o autor do crime pode receber o auxílio daqueles que, embora não desenvolvendo atividades principais, exercem papéis secundários que influem na prática da infração penal. Estes atuam como coadjuvantes na história do crime e são conhecidos como partícipes. Como atividade acessória, a participação pode ser moral ou material. No primeiro caso, haverá induzimento (tratado no Código Penal como determinação) e instigação. Será material a participação por cumplicidade (prestação de auxílios materiais), neste caso, o partícipe facilita materialmente a prática da infração penal, existe embutida uma dose de instigação.

Doutrinariamente, tem-se levado a efeito a distinção entre cumplicidade necessária e cumplicidade desnecessária, entendendo-se aquela nas hipóteses em que o bem ou o auxílio material são entendidos como escassos, ou seja, não poderiam ser fornecidos normalmente por qualquer pessoa, como ocorreria na segunda situação. Quando o auxílio diz respeito a uma prestação de serviços, gozará do status de escasso somente o auxílio material que não puder ser praticado por um número considerável de pessoas. Tal critério é passível de críticas, pois, em muitas situações, poderá gerar dúvida sobre se o bem ou o auxílio prestado podem ser exíguos. No entanto, quando à toda evidência se puder afirmar pela escassez, a conseqüência dessa afirmação será a completa impossibilidade de se aplicar a causa geral de redução da pena relativa à participação de menor importância, prevista no § 1º do artigo 29 do Código Penal.

Para se saber quando aquele que exerce um papel secundário e auxiliar na prática do fato cometido pelo autor será punido, quatro teorias são apresentadas pela doutrina.

Pela Teoria da Acessoriedade Mínima, haverá participação punível a partir do momento em que o autor já tiver realizado uma conduta típica. Basta, para essa teoria, que o autor pratique um fato típico, para que possa haver a responsabilização penal do partícipe.

A Teoria da Acessoriedade Limitada pune a participação se o autor tiver levado a efeito uma conduta típica e ilícita. Portanto, para essa teoria, adotada pela maioria dos doutrinadores, é preciso que o autor tenha cometido um injusto típico, mesmo que não seja culpável, para que o partícipe possa ser penalmente responsabilizado.

Para a Teoria da Acessoriedade Máxima, somente haverá a punição do partícipe se o autor tiver praticado uma conduta típica, ilícita e culpável. Na divisão tripartida do conceito analítico, o crime é um fato típico, ilícito e culpável. Os adeptos dessa teoria admitem a participação quando o autor tenha praticado um injusto culpável,

A Teoria da Hiperacessoriedade preceitua que a participação somente será punida se o autor tiver praticado um fato típico, ilícito, culpável e punível. A punibilidade do injusto culpável é condição indispensável à responsabilização penal do partícipe.

Merece ser ressaltado que a participação deve ser dirigida a fatos e a pessoas determinadas. Não se estimula, genericamente, ao cometimento de fatos não determinados. Quando se fala em instigação ou induzimento, busca-se dizer que o partícipe estimulou ou incutiu uma idéia de um fato criminoso determinado na mente de um agente também determinado. A conduta dolosa do partícipe deve dirigir-se a contribuir, acessoriamente, à prática de determinada infração penal, que será levada a efeito por uma ou várias pessoas também determinadas. Caso o agente venha a incitar pessoas indeterminadas à prática de crime, não será considerado partícipe, mas autor do delito de incitação de crime, tipificado no artigo 286 do Código Penal.

Quando o autor ingressa na fase dos atos de execução, almejando consumar a infração penal por ele pretendida, tal fato já é suficiente para possibilitar a punição do partícipe. Esta regra pode ser extraída, a contrario sensu, do artigo 31 do Código Penal, que diz que o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. Nas hipóteses de desistência voluntária ou de arrependimento eficaz do autor, o partícipe não será beneficiado com a regra contida no artigo 15 do Código Penal, uma vez que, ao ser iniciada a execução, ali nasceu a possibilidade de se punir o partícipe.

Se o partícipe houver induzido ou instigado o autor, incutindo-lhe a idéia criminosa ou a reforçando a ponto de este sentir se decidido pelo cometimento do delito, e vier a arrepender-se, somente não será responsabilizado penalmente se conseguir fazer com que o autor não pratique a conduta criminosa. Caso contrário, ou seja, se não tiver sucesso na sua missão de evitar que o delito seja cometido, depois de ter induzido ou instigado inicialmente o autor, o seu arrependimento não será eficaz e, portanto, não afastará a sua responsabilidade penal como ato acessório ao praticado pelo autor. No que diz respeito à cumplicidade, v. g., se houve, da parte do partícipe, a promessa que emprestaria a arma a ser utilizada pelo autor e, antes que ela seja entregue, desiste de participar, e se o autor comete o delito valendo-se de outro instrumento que não aquele prometido pelo partícipe, este último não poderá ser penalmente responsabilizado.

Se o partícipe estimula alguém a cometer uma determinada infração penal, mas aquele que foi estimulado não vem a praticar qualquer ato de execução tendente a consumá-la, a conduta do partícipe é considerada indiferente penal.

É possível, por exemplo, que “A” induza “B” a induzir “C” a causar a morte de “D” Ou que “A” induza “B” a emprestar sua arma a “C”, para que este venha a causar a morte de “D”. Enfim, não existe qualquer óbice para a chamada participação em cadeia ou participação de participação. Neste caso, o detalhe fundamental diz respeito ao fato de que a participação (em cadeia ou não) somente será punível se o autor vier a praticar a infração penal para a qual fora estimulado pelo partícipe.

Da mesma forma que se admite a co-autoria sucessiva, também há a possibilidade de existir a participação sucessiva. Segundo Damásio de Jesus, a participação sucessiva ocorre quando, presente o induzimento (determinação) ou instigação do executor, sucede outra determinação ou instigação. Importante salientar que a instigação sucessiva deve ter sido capaz de exercer alguma influência em seu ânimo, pois, caso contrário, isto é, se o agente já estava completamente determinado a cometer a infração penal e se a instigação sucessiva em nada o estimulou, não terá ela relevância a fim de ensejar a punição do partícipe.

A participação moral, segundo posição amplamente majoritária, é impossível de ser realizada por omissão. Já a participação material, contudo, pode concretizar-se num inação do partícipe, que, com sua omissão, contribui para a ocorrência da infração penal. Merece ser frisado que o partícipe que contribui para o fato auxiliando materialmente sua execução não pode, em qualquer hipótese, ser considerado garantidor da não ocorrência desse mesmo fato, pois, caso contrário, se, tendo o dever de agir para impedir o resultado, nada faz, responderá pela infração penal a título de autoria, e não de participação.

Sendo a participação uma atividade acessória, sua punição dependerá, obrigatoriamente, da conduta do autor. Assim, se o autor der início à execução de um crime para o qual fora determinado ou auxiliado materialmente pelo partícipe, a partir desse instante permite-se a responsabilização penal pela participação. Caso contrário, ou seja, se o fato praticado pelo autor permanecer tão-somente na fase da cogitação, ou mesmo naquela correspondente aos atos preparatórios, a participação não será punível.

O § 1º do artigo 29 do Código Penal diz que, “se a participação for de menor importância, a pena pode ser reduzida de um sexto a um terço”. Esse parágrafo, contudo, somente terá aplicação nos casos de participação (instigação e cumplicidade), não se aplicando às hipóteses de co-autoria. Não se poderá falar em co-autoria de menor importância, a fim de atribuir a redução da pena para um co-autores. Isso porque, segundo a posição adotada pela teoria do domínio do fato, observando-se o critério da divisão de tarefas, co-autor é aquele que tem o domínio funcional do fato que lhe fora atribuído pelo grupo, sendo sua atuação, assim, relevante para o sucesso da empreitada criminosa.

O § 2º do artigo 29 do Código Penal preconiza que “se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até a metade, nas hipóteses de ter sido previsível o resultado mais grave”. Verifica-se a quebra da chamada teoria monista ou unitária, na qual essa mesma infração penal é distribuída por todos aqueles que concorreram para a sua prática, sejam autores ou partícipes. Deve ser frisado que a frase “quis participar de crime menos grave” não diz respeito exclusivamente à participação em sentido estrito, envolvendo somente os casos de instigação e cumplicidade, mas, sim, em sentido amplo, abrangendo todos aqueles que, de qualquer modo, concorrerem para o crime, estando aí incluídos autores (ou co-autores) e partícipes.

O delito de favorecimento real encontra-se tipificado no artigo 349 do Código Penal, consiste em “prestar auxílio, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime”. O importante, a fim de identificarmos se o caso é de cumplicidade na infração penal principal praticada pelo autor, que deseja tornar seguro o proveito do crime, ou de mero favorecimento real, é sabermos o momento em que o auxílio foi proposto. Se anterior à consumação da infração penal pretendida pelo autor, o caso será de cumplicidade (auxílio material); se posterior à sua consumação, conclui-se pelo favorecimento real.

Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, diz o caput do artigo 29 do Código Penal, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Como conseqüência desta regra, embora o Brasil tenha adotado a teoria unitária, deverá ser diversas as penas aplicadas aos agentes, uma vez que deve ser considerada a situação de cada um.

O artigo 30 do Código Penal diz que não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Circunstâncias são dados periféricos, acessórios, que gravitam ao redor da figura típica, somente interferindo na graduação da pena. A existência ou não de uma circunstância em nada interfere na definição da figura típica, tendo sua importância limitada ao aumento ou diminuição da pena de uma determinada infração penal. Ao contrário, as elementares são dados essenciais à figura típica, sem os quais ocorre uma atipicidade absoluta (o fato praticado pelo agente tornar-se um indiferente penal), ou uma atipicidade relativa (conduz à desclassificação).

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o peculato é crime próprio, no tocante ao sujeito ativo, sendo, portanto, indispensável a qualificação funcionário público. Conduto, é admissível o concurso de pessoas, inclusive quanto ao estranho ao serviço público.

As circunstâncias de natureza objetiva, materiais ou reais, são as que se relacionam com o fato delituoso em sua materialidade (modos de execução, uso de determinados instrumentos, tempo, ocasião, lugar, qualidades da vítima, etc). Tais circunstâncias se comunicam caso ingresse na esfera de conhecimento dos co-participantes. Subjetivas ou pessoas são aquelas que dizem respeito à pessoa do agente, não tendo qualquer relação com a materialidade do delito, como os motivos determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e relações com a vítima ou com os outros concorrentes. As circunstâncias de natureza subjetiva na se comunicam aos co-participantes, a não ser que se transformem em elemento do tipo penal, ou seja, de simples periférico, passe a ser dado essencial à figura típica. Deverá, ainda, para que seja estendida, ingressar na esfera de conhecimento dos co-participantes.

No que diz respeito aos crimes multitudinários, a sugestão do grupo, por inibir temporariamente a capacidade do agente de refletir sobre aquilo que faz, bem como a respeito das conseqüências de seu ato, faz com que o legislador, no artigo 65, inciso III, alínea “e” do Código Penal atenuasse a pena do agente quando este viesse a praticar crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou. Nestes crimes, não podemos presumir o vínculo psicológico entre os agentes. Tal liame deverá ser demonstrado no caso concreto, a fim de que todos possam responder pelo resultado advindo de suas condutas.

A conduta do agente pode consistir num fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Quando o agente faz alguma coisa de que estava proibido, fala-se em crime comissivo; quando deixa de fazer alguma coisa a que estava obrigado, temo um crime omissivo.

As normas existentes nos crimes comissivos são chamadas de proibitivas, visto que o tipo penal proíbe o agente de praticar a conduta nele prevista; aquelas correspondentes aos crimes omissivos são reconhecidas como mandamentais, uma vez que o tipo penal visa, justamente, compelir o agente a praticar determinada conduta.

Os crimes omissivos se bipartem em próprios (puros ou simples) ou impróprios (comissivos por omissão ou omissivos qualificados). Em regra, os crimes omissivos próprios não exigem qualquer resultado naturalístico à sua configuração, a exemplo do artigo 135 do Código Penal, em que a lei pune somente a inação do agente, independentemente da produção de qualquer resultado que cause uma modificação no mundo exterior. Já os crimes omissivos impróprios, em razão do disposto no §2º do artigo 13 do Código Penal, exigem a produção do resultado naturalístico, uma vem que o mencionado artigo, expressamente, determina que a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia evitar o resultado.

Os crimes omissivos impróprios prevêem uma conduta negativa do agente. No tipo penal vem descrita uma inação. A norma existente nos crimes omissivos próprios é mandamental, pois determina ao agente que faça alguma coisa explicitada pelo próprio tipo penal. Já nos crimes comissivos por omissão, somente poderão praticá-los os agentes que se amoldarem às situações previstas nas alíneas do §2º do artigo 13 do Código Penal, sendo, portanto, considerados garantidores; estes crimes ainda têm uma peculiaridade: geralmente, podem ser cometidos dolosa ou culposamente, dependendo da previsão do tipo, bem como do elemento anímico do agente.

Cezar Bittencourt afirma ser perfeitamente possível a co-autoria em crime omissivo próprio. Se duas pessoas deixarem de prestar socorro a outra gravemente ferida, podendo fazê-lo sem risco pessoal, praticarão, individualmente, crime autônomo de omissão de socorro. Agora, se essas duas pessoas, de comum acordo, deixarem de prestar socorro, nas mesmas circunstâncias, serão co-autoras do crime de omissão de socorro. O princípio é o mesmo dos crimes comissivos: houve consciência e vontade de realizar um empreendimento comum, ou melhor, no caso de não realizá-lo conjuntamente. Tal raciocínio, de acordo com o citado autor, também se aplica aos crimes omissivos impróprios.

Faz-se a distinção entre pessoas que, embora tendo o dever de agir, seja nos crimes omissivos próprios ou impróprios, atuam em qualquer vínculo psicológico, daquelas unidas pelo liame subjetivo. Assim, mesmo tratando-se de crimes omissivos, pode-se aplicar a regra do concurso de pessoas, atribuindo o status de co-autores a todos aqueles que tinham o dever de agir, mas que, unidos com uma identidade de propósito e vinculados psicologicamente, não o fizeram.

A participação em delitos omissivos, na verdade, deve se reconhecida como uma dissuasão, ou seja, o partícipe dirige a sua conduta no sentido de fazer com que o autor não pratique a conduta a que estava obrigado.

Cezar Bittencourt também se posiciona favoravelmente à tese que possibilita o reconhecimento da participação nos crimes omissivos impróprios, ainda que o partícipe não tenha o dever jurídico de não se omitir. Afirma que, se partícipe tivesse tal dever seria igualmente autor, ou co-autor se houvesse a resolução conjunta de se omitir. Sustenta ser perfeitamente possível que um terceiro, que não está obrigado ao comando da norma, instigue ao garante a não impedir o resultado.

A co-autoria e a participação, como regra, são institutos perfeitamente aplicáveis aos delitos dolosos. Contudo, no que diz respeito aos delitos de natureza culposa, existe controvérsia no meio acadêmico.

Não obsta a divergência, a tendência contemporânea é a de aceitar a co-autoria em delitos culposos. Duas pessoas podem, em um ato conjunto, deixar de observar o dever de cuidado objetivo que lhes cabia e, com a união de suas condutas, produzir um resultado lesivo .

Tratando-se de co-autoria em delitos culposos, cada um dos agentes co-participantes, deixando de observar o cuidado objetivo, auxilia os demais a praticar o ato comum que venha a causar dano previsível a todos eles. A co-autoria nos crimes culposos não deve ser analisada da mesma forma que nos crimes dolosos. Contudo, embora com certas particularidades, não se pode afastar a possibilidade de sua configuração.

No que concerne à participação nos crimes culposos, o entendimento quase unânime, é de rechaçar essa possibilidade.

Vale ressaltar que a doutrina brasileira admite a co-autoria em crime culposo, refutando, contudo, a participação. Pode existir na verdade um vínculo subjetivo na realização da conduta, que é voluntária, inexistindo, contudo, tal vínculo em relação ao resultado, que não é desejado. Os que cooperam na causa, isto é, na falta do dever de cuidado objetivo, agindo sem a atenção devida, são co-autores.

O entendimento acima citado é contestado. Alega-se que, quando alguém, v. g., induz ou estimula outrem a imprimir velocidade excessiva, objetivando, geralmente, alcançar finalidade lícita, era-lhe previsível, nas circunstâncias, que, anuindo ao pedido, a conduta do motorista poderia causar o acidente. Era previsível, da mesma forma, ao motorista que detinha o controle do automóvel; foram as condutas conjugadas simultaneamente que levaram à eclosão do acidente. Autor será aquele eu praticar a conduta contrária ao dever objetivo de cuidado; partícipe será aquele eu induzir ou estimular outrem a realizar a conduta contrária ao dever de cuidado. Em suma, essa corrente admite a participação culposa em delito também culposo.

Fonte: Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rogério Grecco.

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